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A “revolucao das esperangas crescentes”
Contra o fatalismo: a modernizagao
“O progresso é o desenvolvimento da ordem’, escrevia Auguste
Comte no Caiéchisme positiviste. “O progresso, seja qual for o angulo
considerado, constitui apenas o desenvolvimento da ordem’, reite-
rava ele no Discours sur l'ensemble du positivisme. Uns cento e trinta
anos mais tarde, em 1968, Robert McNamara, presidente do Banco
Mundial e antigo secretario de Estado da Defesa de John Kennedy,
escrevia: “A seguranga é o desenvolvimento. Sem desenvolvimento,
nao pode haver seguranca!”
Foi, em 1949, que a nocio de “desenvolvimento” apareceu na
linguagem das relagGes internacionais para designar, pelo seu oposto
~ 0 “subdesenvolvimento” — 0 estado da parte do planeta que ainda
nao tinha acesso aos beneficios do progresso: um dos trés pilares da
religiéo da humanidade, cara ao fundador da sociologia do organismo
social. A expresséo surgiu na Casa Branca e passou para a histéria
através de um discurso pronunciado pelo presidente Truman, inti-
1... McNAMARA, The Essence of Security, Harper 8 Row, New York, 1968, p. 149 (Aesséncia
da seguranca: reflexces de um secretdrio da defesa dos Estados Unidos, lbrasa, $30 Paulo, 1968).
170tulado “Ponto quatro”, Esse programa tinha por objetivo mobilizar
as energias e a opiniao publica em torno dos grandes desequilfbrios
sociais que ameacavam facilitar a instalagao do comunismo mundial.
A ideologia do progresso se metamorfoseava em ideologia do desen-
volvimento. Af, a comunicagao e suas técnicas eram chamadas a
ocupar um posto avangado.
Somente uma dezena de anos mais tarde, em 1958, é publicada
a primeira obra sobre a eventual contribuigao dos meios de comuni-
cacao de massa para o “desenvolvimento” dos paises do “Terceiro
Mundo”. Seu titulo: The Passing of Traditional Society. Seu autor:
Daniel Lerner, especialista da guerra psicolégica e, nessa qualidade,
autor de uma primeira obra intitulada Syhewar: Psychological Warfare
against Germany D-Day to VE-Day (1949). O > subtftulo de sua obra
sobre a superacao da scciedade tradicional é o seguinte: Modernizing
the Middle East’. Com efeito, 0 livro apresenta os resultados dos
inquéritos efetuados em seis pafses do Oriente Médio com 0 objetivo
de avaliar os efeitos das emissGes transmitidas pelas rAdios interna-
cionais sobre diversas categorias da populacdo. Ou seja, 1.600 entre-
vistas realizadas na Turquia, Lfbano, Egito, Sfria, Jordania e Ira. Um
sétimo pafs tinha sido previsto, o Iraque; mas a equipe encarregada
dos inquéritos teve de interromper suas pesquisas por raz6es politi-
cas. Na época, a regio j4 tinha sido classificada pelos geopolfticos
como estratégica por garantir o “equilfbrio das reservas de petréleo”
Em 1951, o primeiro ministro iraniano, M. Mossadegh, tinha nacio-
nalizado os pogos e refinarias de petrdleo; dois anos mais tarde, foi
derrubado por um golpe de estado. Em 1956, a nacionalizaco do
Canal de Suez tinha provocado um conflito com Israel, Inglaterra e
Franga.
Esse estudo de audiéncia foi encomendado, em 1950, por Leo
Lowenthal — responsavel nos anos 1949-1954 pela secdo “Avaliagao
dos programas de rédio” do International Broadcasting Service, liga-
do ao Departamento de Estado - ao Bureau of Applied Social Re
search da universidade de Columbia, dirigido por Paul Lazarsfeld
Efetuada no decorrer dos anos 1950-1951, essa pesquisa devia deter-
minar, de forma clara, a posicao de Voice of America em relagdo a seus
concorrentes diretos: fundamentalmente, a BBC e Radio Moscou. As
entrevistas foram conduzidas por autéctones, formados por um
representante da Columbia no pafs e munidos de urn guia de inqué-
2. D, LERNER, The Passing of Traditional Society, Modernizing the Middle East, The Free Press,
New York, 1958
174rito compreendendo cerca de cinqienta paginas; assim, na Jordania,
foram ouvidas 325 pessoas durante duas a trés horas. Repartidas em
cinco grupos (beduinos do deserto, camponeses dos vilarejos, burgue-
sia urbana e rural, e elites), essas pessoas foram interrogadas sobre 0
impacto exercido pelos meios de comunicagéo de massa (radio,
imprensa, cinema) e acerca de suas opiniGes em relacao aos assuntos
locais, nacionais e internacionais. Algumas quest6es tentavam, as-
sim, testar os modos de ver dos entrevistados sobre a guerra da
Coréia, a idéia de “ ‘imperialismo soviético”, “imperialismo america-
no” ou a Palestina®. No entanto, além do ‘estudo poutia! sobre as
audiéncias, tratava-se de coletar o maior volume possfvel de material
para estabelecer uma tipologia das atitudes em relagao ao “desenvol-
vimento”. Nada pareceu mais evidente ao sociélogo americano do
que aplicar mecanicamente o que tinha aprendido — como oficial dos
servigos secretos, durante a Segunda Guerra Mundial — com suas
pesquisas sobre a guerra psicolégica. Colocou em evidéncia trés
categorias: os modernos (assimilaveis as categorias antinazistas), j4
convertidgs, que conjugam o melhor possfvel as trés formas de
mobilidade caracterfsticas da sociedade moderna (fisica, social ¢
psiquica); os tradicionais (os nazistas em seus estudos anteriores); os
transicionais, ou apoliticos, constituindo a categoria mais suscetivel
de responder ao esforco de propaganda’. Nessa obra, assim como nos
relat6rios setoriais sobre essa pesquisa, 0 termo westernization (oci-
dentalizagao) servia de senha para definir a atitude moderna e os
“gostos cosmopolitas” de certas categorias de audiéncia.
A homologagio do binémio modernizagao = desenvolvimento
fez-se a partir do livro de Daniel Lerner que se tornou um classico.
Seré corroborada por outros livros publicados posteriormente: The
Achieving Society de David McLelland (1961); Communications and
Political Development, publicado sob a diregdo de Lucian Pye (1963);
Mass Media and National Development de Wilbur Schramm (1964)°.
Este ultimo chegou até a ser reeditado pela Unesco onde se tornou a
obra de referéncia no decorrer de todo o decénio. O organismo
3. Extratos de arquivos desta pesquisa foram publicados com o titulo “Survey of Comm
nications Patterns in Jordan’, in W.E. DAUGHERTY e M. JANOWITZ (sob a direg:
de), A Psychological Warfare Casebook, op. ci
4, Ver R. SAMARAJIWA, The Tainted Origins of the Communication and the Development Field:
Voice of America and The Passing of Traditional Society, Department of communication,
Simon-Fraser University, Canadé, 1984
5. D.C. MCLELLAND, The Achieving Society, Van Nostrand, Princeton, NJ., 1961; L. PYE (sob
a ditesio de), Comunicacces ¢ desenvolvimento politice, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,
1967; W. SCHRAMM, Comunicacao de massa e desenvolvimento: 0 papel da informagdo nos
patses em crescimento, Bloch, Rio de Janeiro, 1970.