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Polis e Psique, Vol.3, n.

1, 2013 P á g i n a | 142

Desdobrando a Teoria Ator-Rede: Reagregando o Social no trabalho de Bruno


Latour
Deploying the Actor-Network Theory: Reagregando o Social in the work of Bruno Latour
El despliegue en la Teoria Actor-Red: Reagregando o Social en el trabajo de Bruno Latour

Zuleika Köhler Gonzales


Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
Carlos Baum
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.

Resumo

Apresentamos o último lançamento da obra latouriana em língua portuguesa, o livro Reagregando o


Social – uma introdução à teoria Ator-Rede. Procuramos situar este trabalho na obra latouriana no
campo dos Estudos Científicos, uma área de pesquisas e produção de conhecimento que toma o
próprio pensar e fazer científico como objeto de estudos, sobretudo, a partir dos postulados da
ciência moderna. Para tanto, pontuamos o que Latour considerou como os três principais elementos
críticos na produção do conhecimento a partir da modernidade: o construcionismo, a naturalização e
a socialização e, articulamos cada um destes elementos às edições bibliográficas do autor. Depois,
focalizamos a problematização do autor sobre a socialização no livro Reagregando o Social e, em
como ele retraçou a rede das associações em um elenco de tarefas e advertências dirigidas àqueles
que, por ventura, queiram enveredar-se no caminho das proposições e procedimentos da ANT
(teoria Ator-Rede).
Palavras chave: Teoria ator-rede; Bruno Latour; Reagregando o social; Sociologia das
associações.

Abstract:

In this text we presente the latest release of Latourian work in Portuguese, the book “Reagregando
the Social – uma introdução à teoria ator-rede”. We seek at first, to situate this book in the body of
work which relates with the so-called field of Scientific Studies, an area of research and knowledge
production that takes the very scientific thinking and doing as an object of study, particularly those
departing at postulates of modern science. Therefore, we point in the Scientific Studies what Latour
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considered the top three critical elements in the production of knowledge from modernity:
constructionism, naturalization and socialization. Then we articulate each of these elements to the
author's books. In the second step of the text , we focus on the questioning of the author on the
socialization in the text of the book Reagregando Social, and how he retraced the network of
associations in a list of tasks and warnings addressed to those who, by any chance, want to embark
on the path of propositions and procedures of the ANT (Actor-Network theory).
Keywords: ANT (Actor-Network Theory); Bruno Latour; Reassembling the social; Sociology of
associations.

Resumen

En este texto presentamos la última versión de la obra latouriana en portugués, el libro


“Reagregando o Social - uma introdução à teoria ator-rede”. Nos fijamos en primer lugar, por situar
este trabajo en el cuerpo del llamado campo de los estudios científicos, un área de investigación y
producción de conocimiento que concibe como objeto de estudio el propio pensamiento científico,
sobre todo a partir de los postulados de la ciencia moderna. Para esto, señalamos en este conjunto,
los tres elementos críticos en la producción de conocimiento de la modernidad considerados por
Latour: el construccionismo, naturalización y socialización, articulando cada uno de estos
elementos a las obras bibliográficas del autor. La segunda etapa del texto, se centró en la temática
de la socialización en el libro Reagregando o Social, y como Latour volvió sobre la red de
asociaciones en una lista de tareas y advertencias dirigidas a los que, tal vez, quieran emprender el
camino de las proposiciones y procedimientos de la ANT (Actor-Network Theory).
Palabras clave: Teoria actor-red; Bruno Latour; Reagregando el social; Sociologia de las
asociaciones.

Chega às nossas mãos a edição em o Social. Para isto, procuramos situar esta
língua portuguesa de Reassembling the social questão do social – na socialização –
– an introduction to Actor-Network-Theory articulando-a com os outros dois elementos
escrito por Bruno Latour. Com isto, queremos críticos que Latour visualiza na produção do
neste texto, abordar a problemática da conhecimento moderno: o construcionismo e
socialização, ou do que se refere ao social a naturalização. Comecemos então, a tarefa de
como temática e objeto da sociologia, no desdobrar o Reagregando o Social.
conjunto da obra latouriana a partir do que O livro foi lançado inicialmente em
nos é apresentado nas linhas do Reagregando 2005 no Reino Unido como fruto das
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conferências dadas no ciclo de estudos Estudos Científicos, uma área de pesquisas e


Clarendon Lectures sobre administração e produção de conhecimento que toma o
negócios organizado pela Oxford University próprio pensar e fazer científico como objeto
Press e pela Saïd Business School. Esta obra é de seus estudos, sobretudo, a partir dos
uma compilação das aulas e considerações postulados da ciência moderna. É assim, com
feitas no texto já apresentado ao público nas o objetivo de apresentar este lançamento
conferências das Clarendon Lectures. visualizando o seu lugar no conjunto dos
Latour (2012) entende que perante os trabalhos elaborados por Latour que
sociólogos ou estudiosos de matérias procuramos inicialmente retomar o itinerário
relacionadas ao 'social', ele se posiciona de latouriano pelos elementos que ele considerou
forma polêmica quanto à tarefa empreendida como constituintes do acordo moderno nas
nesse livro, ou seja, à tarefa que denominou práticas científicas, como suas três principais
de “desdobrar o social”. Estar no centro de críticas – o construcionismo, a naturalização e
polêmicas, questionamentos e críticas não é, a socialização. Depois, num segundo
porém, uma novidade em seu percurso momento, após articular esse livro voltado
acadêmico. Pelo contrário, recolocando o para o social à produção acadêmica do autor,
lugar da natureza e das coisas, bem como dos apresentamos a elaboração dessa sociologia
humanos e seus artefatos, desfazendo a alternativa, na ANT, que tão detalhadamente
divisão moderna entre natureza e cultura ou ele compilou neste trabalho.
ainda entre sujeito e objeto, o autor reafirma o Nessa obra, Latour (2012) faz uma
lugar das controvérsias no modus operandi de apresentação sistemática da última parte do
todas as entidades que em algum momento se que ele chamou de “uma arquitetura
associam delimitando formas vivas e prontas intelectual da forma de pensar e fazer
a se conectarem em novas associações ciência”. Todo este arcabouço científico já
compostas heterogeneamente. Esta polêmica, vem sendo descrito no conjunto de sua obra
no entanto, e a sua perspectiva de unir acadêmica, e encontra sua figuração no hoje
objetividade aos agentes da rede que vem a seminal Jamais Fomos Modernos (Latour,
ser chamada de 'social', lhe dá de certa forma, 1994).
condições para, a partir desse livro, orgulhar- Tudo começa com a descrição do
se de ser reconhecido como um sociólogo. acordo moderno abordado por Latour nesse
Para visualizarmos essa investigação ensaio chamado pelo autor de um ensaio de
do social na obra acadêmico-literária antropologia simétrica e intitulado Jamais
empreendida por Latour, cabe considerar todo Fomos Modernos. Ao pensar o fazer da
o trabalho já desenvolvido por ele e seus ciência, Latour não quer negar a modernidade
colegas no assim chamado campo dos enquanto período histórico, ou enquanto
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produção de conhecimento. O que o autor objetos através da ciência e da política. O que


nega é a adesão ao acordo moderno do fazer importa para o autor nos estudos que
científico, um acordo que separa e define o empreendeu sobre o fazer da ciência não são
que é objetivo na Natureza e o que é subjetivo as coisas-em-si de um lado e a sociedade livre
no mundo social, cristalizando e privilegiando dos homens-entre-si mas, ainda assim,
determinadas realidades no que ele chamou composta de sujeitos falantes e pensantes de
de Constituição. Para esse acordo moderno, outro; tudo que importa para o autor, é que
quatro garantias são constituídas: 1) A todo o trabalho da ciência acontece pelo meio,
Natureza é tomada como transcendente é um trabalho que transita entre ambos,
(embora mobilizável); 2) A Sociedade é tida natureza e sociedade. Essa condição, no
como imanente (mas possuindo a condição de entanto, não pressupõe a negação da
nos ultrapassar infinitamente); 3) Natureza e existência, de fato, de uma natureza que não
Sociedade são totalmente distintas; e, 4) Deus criamos, nem de uma sociedade que podemos
está ausente, embora assegure a arbitragem transformar. O que os estudos científicos
entre os dois ramos de governo (natureza e latourianos preconizam é que essa natureza
sociedade). dada e essa sociedade a ser transformada são
Latour, em seu percurso acadêmico- efeitos de um conjunto de práticas de
literário, ao abrir mão da distinção entre mediação ao invés de serem causas
Natureza e Sociedade, se contrapõe longínquas e opostas entre si. O trabalho que
frontalmente a esta divisão em polos se propõe nos estudos científicos é,
separados e opostos – de um lado composto justamente, acompanhar o processo pelo qual
por uma natureza transcendente com sua um objeto passa a pertencer ao reino da
objetividade absoluta e de outro uma natureza ou à sociedade dos homens. É neste
sociedade imanente e subjetiva –, bem como sentido que para Latour (1994, p. 138) “Os
dispensa qualquer pureza e dissimetria entre o modernos não estavam enganados ao
discurso sobre as coisas – chamado de quererem não-humanos objetivos e
ciência e técnica – e o discurso sobre os sociedades livres. Apenas estava errada sua
homens, a política. Ou seja, o que o autor vem certeza de que essa produção exigia a
afirmar é que natureza e sociedade não estão distinção absoluta e a repressão contínua do
separadas por uma diferença radical ou trabalho de mediação”.
ontológica. O que ele enfatiza em toda a sua Com isto, não se trata mais de separar
obra acadêmica desde seus primeiros relatos, o conhecimento exato sobre a natureza do
é que essa distinção e fabricação da natureza exercício do poder entre os homens, mas de
de um lado e da sociedade de outro é um seguir a rede que liga constantemente homens
longo e árduo trabalho de distribuição dos e coisas que permite a construção de nosso
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coletivo. Essa rede, porém, não é constituída publicar Pandora's Hope – essays on the
“apenas” de discursos, imagens representadas reality of science studies em 1999, edição que
e/ou linguagem. Ela só pode ser desdobrada no Brasil chamou-se A esperança de Pandora
através dos objetos que ainda não lançada em 2001, direcionando toda sua
encontraram seu lugar estabilizando-se, ou ironia para a desconstrução linguística. A
que simplesmente não possuem lugar nessa pergunta que dispara os questionamentos no
divisão tradicional, os híbridos. Essa tarefa livro é simples: Você acredita na realidade?
parece, num primeiro momento de difícil Curiosamente feita a ele por um brasileiro, em
compreensão pois “nossa vida intelectual é Niterói, RJ. Os esforços de Latour nesse livro
decididamente mal construída” (Latour, 1994, é mostrar que a construção e a fabricação dos
p 11). Toda vez que tentamos conectar os fatos na ciência, não se opõem à objetividade
discursos à natureza das coisas e ao contexto da natureza. Com isto, procura mostrar que os
social, ninguém mais compreende o que estudos científicos não pretendem reduzir a
dizemos. As redes que o autor nos ensina a realidade a um efeito de verdade do discurso.
seguir são ao mesmo tempo reais como a Nesse livro, Latour nos mostra que
natureza, narradas como o discurso e coletivas diretamente vinculados, os fatos científicos
como a sociedade. No entanto, pelo são tão mais objetivos quanto mais e melhor
pensamento científico tradicional somos forem construídos. Quanto mais artificial e
levados a pensar que a realidade do discurso é melhor organizado for um laboratório, mais
de outra realidade que aquela da natureza ou “fidedigno” será o relato do cientista sobre
da sociedade, e que os coletivos na natureza aquilo que o não-humano lhe diz.
são de outra ordem que aqueles da sociedade, Nossos argumentos e nossas ações
ou ainda que as narrativas sobre a natureza se são, por sua vez, facilitados, permitidos e
configuram de um determinado modo bem produzidos por esses seres híbridos que não
diferente das narrativas sociais para que são nem fatos e nem coisas presentes no
assim, finalmente, eles sejam validados cada mundo de forma independente da ação
um em seu formato específico. humana. Muito menos, são a projeção de
Nos quatorze anos que separam We desejos e crenças dos cientistas. Esses
have never been modern (1991) de híbridos são “fatiches”, um neologismo que
Reassembling the social (2005), Latour mistura as palavras fato e fetiche. Ou seja,
dedica-se a conectar e desdobrar o que ele esses híbridos são humanos e não-humanos
chamou de os três repertórios críticos do inteiramente conectados e em contínua
nosso mundo: a desconstrução, a mobilidade e ação performando múltiplas
naturalização e a socialização; os discursos, realidades. Não se trata, para Latour, de
os fatos e o poder. O primeiro passo é decidir entre verdade, realidade ou
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construção; tampouco, trata-se de aceitar O segundo capítulo de nossa história –


cinicamente a falsidade de todas as na segunda crítica ao acordo moderno – se
representações humanas. Os híbridos são reais consolida em Politics of Nature – How to
e autônomos, justamente por serem bem bring the sciences into democracy (2004),
construídos, bem feitos. Quanto mais editado no Brasil como Políticas da Natureza
estiverem conectados com outros elementos (Latour, 2004). Aqui o autor procura reatar os
do nosso coletivo, mais inseridos no dia a dia laços entre a compreensão dos fenômenos
desse coletivo, mais independentes eles serão. naturais – praticada pelas ciências – e a
O que está em questão é reconhecer regulação da vida social – costumeiramente a
que a construção social e realidade autônoma cargo da política. O autor abre o livro
são a mesma coisa. É fácil entender esta apontando um polêmico caminho: abandonar
conformidade quando o autor, na sua ironia, a ecologia política. Isso porque essa ecologia
diz que ninguém duvida que os prédios sejam instituída e formalizada, não consegue
construções, nem duvidam que eles sejam introduzir a natureza na política sem aderir à
reais e existentes, e isso justamente porque Constituição moderna. E para retomar a
em algum momento foram construídos. Do ecologia, o que ele propõe é, portanto,
mesmo modo, as situações de laboratório são abandonar esse acordo e redefinir as noções
construções que dão voz aos não-humanos de ciência, natureza e política.
justamente através dos discursos humanos. O objetivo central do autor nesse texto
Não se trata, mais uma vez, de reduzir tudo a é desmontar o segundo elemento do repertório
um construcionismo social ou de afirmar que crítico, a naturalização. Ou seja, natureza não
realidade e construção são a mesma coisa, se refere a uma dimensão específica da
pois aí, tudo seria crença e ilusão. realidade constituída por tudo aquilo que é
A questão neste caso é reconhecer uma objetivo e indiscutível em oposição ao que é
nova teoria da ação. O cientista age, constrói subjetivo e discutível, da ordem do humano.
uma situação, para que o não-humano aja. Se já reconhecemos que a ação é uma
Latour (2001) vai dizer que “o pensamento é propriedade de humanos e não-humanos, é
apreendido, modificado, alterado, possuído preciso reconhecer também que ambos
por entidades não-humanas que, por seu produzem um único coletivo em que são
turno, dada essa oportunidade pelo trabalho reconhecidos como cidadãos, uma vez que
dos cientistas, alteram suas trajetórias, seus seus recursos já tenham sido distribuídos. A
destinos, suas histórias” (p. 323). Tanto somos questão aqui não é estabelecer um espaço
surpreendidos pelos experimentos, quanto onde a natureza selvagem encontra a natureza
somos um acontecimento na história do do homem, mas sim redefinir as funções das
objeto não-humano. ciências e da política.
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Fazer ciência não significa, então, capacidade de desempenhar igual função


desvelar um mundo de coisas independentes como as coleções, a bibliotecas e o mesmo
do homem, mas relatar e reorganizar as artigos científicos, que ao comparar diferentes
articulações em um coletivo, redefinindo relatos e declarações são capazes compara-los
funções e recolocando as possibilidades de e redistribuir suas relações. Entre os diversos
ação de humanos e não-humanos. Os exeplos fornecidos pelo autor um deles
laboratórios não são locais hermeticamente destaca-se pela clareza e por romper com a
fechados onde a Natureza de desvela aos dicotomia política-ciência. É uma War Room
olhos da ciência, mas centros de cálculo que de Wiston Churchill durante a segunda guerra,
recebem informações provindas de uma rede construída dentro de um bunker para abrigar-
de transformações que desloca a informação se das bombas.
através de séries de deslocamentos (reduções
e amplificações). E assim esse centro pode Neste lugar abrigado, só se veem nas paredes
inscrições, compilações estatísticas e
agregar os dados observações, desenhos, etc
demográficas sobre o número de comboios
enviados da periferia da rede e através de
afundados, de soldados mortos, de
conversões, transformações e escritas podem fornecimentos militares em produção.
torna-los compatíveis e com isso Entretanto, este lugar não está isolado da
redistribuindo as propriedades dos fenômenos grande batalha planetária. Ao contrário, ele a
resume, a mede serve-lhe, literalmente, de
submetidos à prova. A verdade desses
modelo reduzido. Com efeito, como saber se o
fenômenos, contudo, não se encontra nem “ lá
Eixo ganha ou não dos Aliados? Ninguém
fora”, nas extremidades das redes de pode sabê-lo com segurança sem contruir um
representação, nem “dentro”, como uma “dinamômetro” que meça a relação das forças
ficção regulada apenas pelo universo da por meio de uma série de instrumentos
estatísticos e de contagens. (...) esta sala baixa
linguagem. Mas sim na própria circulação da
e protegida das bombas se aplica através de
informação, numa certa maneira de se
mil intermediários – dossiês, fichas, listas
deslocar que facilita a manutenção das relatórios, avaliações fotografias, contagens,
relações apesar do transporte e da diversidade estoques -, a colher informaçõessobre a
de observadores e assim possibilita verifica- batalha que se desencadeia lá fora, mas cujo
sentido global ficaria perdido sem esse
los e valida-los. Conhecimento, exatidão e
panóptico, sem essa compilação notorial
precisão, só adquirem sentido nessa rede de
(Latour, 2010, p. 63)
circulação através de instrumentos como a
estatística e a geometria que permitem a A função da política, por sua vez, não
mobilidade e uma certa constancia através das se constitui como oposição a ciência, tão
transformações. Na ausência de uma laborário pouco se refere apenas as relações dos
experimental outros dispositivos tem a
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“homens-tre-si”, mas se refere a contínua do social nessa obra, Reagregando o Social –


composição de um bom mundo comum, uma introdução à teoria do Ator-Rede. Essas
conceito que Latour (2004) lança mão como noções tão bem elaboradas e cultivadas pelo
alternativa a ideia de bem comum para referir- campo das Ciências Sociais são recolocadas
se a um coletivo composto por homens e aqui numa perspectiva de movimento, ação,
coisas e do qual a política deve ocupar-se. Um conexões que estão sempre se fazendo e
exemplo contemporâneo seria o uso dos articulando pessoas, coisas e natureza em
trangênicos; sua regulamentação não dis associações provisórias.
repeito apenas à pessoa – se podem ou não, Em vários questionamentos sobre o
devem ou não produzir e consumir – mas que designa 'social', 'dimensão social', 'fatores
também ao lugar que os vegetais alterados sociais', 'contexto social', Latour (2012)
podem ocupar em nosso coletivo e que espera sair do que se tornou senso comum na
relações eles podem estabelecer. Se aceitamos compreensão do que é o social, como este
esses princípios, o coletivo não é composto de lugar que engloba a tudo e a tudo se refere
uma natureza única com múltiplas culturas, como um resto indefinido nos objetos de
tão pouco é um princípio a partir do qual estudo das outras disciplinas.
podemos trabalhar, mas é sim o resultado de Tradicionalmente, os agregados sociais viriam
um contínuo processo de articulação. para explicar o que na economia, linguística,
Ao colocar a importância desse psicologia, medicina, direito não se encontra
coletivo no pensamento da Teoria Ator-Rede, uma resposta; seriam como aspectos residuais
chegamos então ao nosso terceiro elemento de cada domínio científico fixando a tudo que
do repertório crítico que Latour (2012) se se torna enigmático. Por outra via, a
propõe a recolocar e retraçar em seus estudos sociologia das associações proposta por
científicos, a socialização. E com isto, nos Latour (2012) seria justamente considerar
encontramos com o lançamento desta edição estes entes sociais como associações
do Reassembling the social. específicas que se dão tanto pelas práticas
É justamente com a intenção de abrir e econômicas, como pelo campo da linguística,
retomar as expressões Social e Explicações pelo saber da psicologia, pelo domínio do
Sociais como objetos de incertezas, que o direito, e assim por diante.
autor nos apresenta uma concepção de socius É assim que, desdobrando essas
– em associações – que estarão sempre em conexões estabelecidas por estreitos canais
movimento e estabelecendo conexões, ao pelos mais variados campos da ciência
contrário das grandes narrativas e das designando, a cada momento, o que pode ser
unidades conceituais que consistiram na o 'social', que Latour adota duas abordagens
formação das disciplinas modernas em torno para discutir e se posicionar: primeiro, ele se
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refere ao que ele chama de 'sociologia do chamados de elementos sociais. Pode sim,
social'. Esta abordagem seria a tradicional agregar elementos políticos, econômicos,
'ciência do social', derivada das propostas de físicos, biológicos, químicos, tecnológicos,
Durkheim, que postula um domínio especial, linguísticos, etc... mas, nunca, elementos
um objeto particular, um campo comumente sociais compondo o 'social'. O 'social' não se
referido apenas a humanos e às sociedades explica pelo 'social', o que seria uma
modernas. Depois, para se contrapor a esta redundância estéril.
'sociologia do social', Latour (2012) propõe Neste livro, além de nos depararmos
uma forma alternativa e, ao mesmo tempo, com um exame cuidadoso, instigante e ao
bastante antiga e mais ampla que é pensar o mesmo tempo bem-humorado de como a
estatuto do 'social' como a busca de novas sociologia foi se constituindo em um quadro
associações. Seria como que retomar o de referência estável para explicar fenômenos,
significado etimológico da palavra. O socius situações e enigmas dos agrupamentos e
que se associa em vários e ilimitados coletividades denominados correntemente de
agregados. Esta outra abordagem consideraria 'social' ou sociedades, encontramos também
o 'social' apenas como “um movimento um arsenal de equipamentos ou instrumentos
peculiar de reassociação e reagregação”, listados pelo autor que didaticamente vão nos
redefenindo a sociologia não como uma orientando na aventura de rastrear essas
'ciência do social' mas como um traçado de conexões sociais mutáveis e heterogêneas.
associações, ou “um tipo de conexão entre Uma disposição sempre presente nos
coisas que não são em si mesmas sociais” (p. movimentos associativos é o modus em
23). controvérsias.. A que remete as controvérsias
É sistematizando como abordar este em associações? A elementos multivariados
'social' que o livro se constrói. É um convite que em movimentos sincopados ou irregulares
para se equipar nessa viagem investigativa se dispersam ou se estabilizam e que nunca
dos rastros que os movimentos em pertencem a um único domínio ou unidade a
associações vão deixando em marcas priori. Daí a presença de controvérsias que em
conceituais, unidades ontológicas, crenças e algum momento se estabilizam em domínios,
artefatos culturais, artísticos, científicos, etc.. categorias, identidades ou quadros de
que também estão em contínua dispersão para referências explicativos.
novas associações e, por conseguinte, outras Para seguir estes movimentos, Latour
'estabilizações'. Este social (associado) nunca (2012) sustenta que é preciso seguir os atores
se deixa apreender. Ele não é visível nem em seu curso de associações, e não explicar o
substantivado, e justamente por isso, se social como um conjunto de conceitos
compõe de elementos que não podem ser interligados. Para isto, no livro ele vai traçar
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um percurso investigativo com alguns estabilizarem-se perdem o rastro das


sinalizadores indicando como seguir as controvérsias que tensionam para um
conexões feitas pelos agentes em ação. E, movimento a mais.
como primeiro plano neste percurso Em um segundo momento no
investigativo se coloca a incumbência de Reagregando o Social, Latour (2012) elabora
“retomar a tarefa de descobrir associações”. uma lista de 'fontes de incertezas' para
Nesta primeira tarefa, Latour (2012) auxiliar na tarefa de desdobrar as
pretende modificar o que se entende por controvérsias sobre o mundo (estabilizado
social. Ao colocar em questão, a forma como como) social. Esta lista vai suprir o
se estabilizou a ciência do social, ou seja, essa pesquisador interessado em abrir a caixa preta
sociologia que estabeleceu um social “diluído do social começando pela indicação dos
por toda parte e por nenhuma em particular” procedimentos de como se alimentar de
(p. 19), ele propõe uma conotação alternativa controvérsias. A indicação é clara: nada de
para esse social, retomando os princípios mais interromper o fluxo das controvérsias. A ANT
antigos de um social que é composto por (Teoria Ator-Rede) postula que para se
agregados em contínuas associações, “rastrear relações mais sólidas e descobrir
tornando-o novamente vivo e capaz de traçar padrões mais reveladores [é preciso
conexões. Esta abordagem alternativa se encontrar] um meio de registrar os vínculos
contrapõe a esta “esfera específica da entre quadros de referência instáveis e
realidade” que se instituiu como o social que mutáveis” (Latour, 2012, p. 45), buscando
a tudo explica – como a incógnita 'x' das “apenas” seguí-las sem tentar resolvê-las. Se
várias disciplinas – e a tudo abarca – como buscamos resolvê-las o fazemos a um custo
um mundo social hospedeiro de agentes que de retirar dos atores em ação seus próprios e
vivem em seu interior. Nessa tarefa de diversos cosmos. Dessa forma, as
retomar o significado de um social que se controvérsias não são um aborrecimento ou
associa, não existe nenhuma “esfera distinta um obstáculo a ser retirado, mas, são sim o
da realidade a que se possa atribuir o rótulo próprio meio pelo qual as ciências do social
'social' ou 'sociedade'. Aqui, sociedade não é se fazem.
um contexto no qual tudo se enquadra, é sim Para se alimentar de controvérsias,
“um tipo de conexão entre coisas que não são cinco fontes de incertezas nutrem esta
em si mesmas sociais” (p. 23). Isto significa empreitada. A primeira delas destrona o reino
que a cada nova circunstância novos estabelecido dos grupos e suas totalidades
agregados se formam e novas concepções são tipológicas tão bem explicadas, pensadas e
reformuladas, pois, as anteriores já não falam utilizadas no campo do social. Latour (2012)
das associações mais recentes e ao vai dizer que grupos não existem, o que existe
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são “apenas” formações de grupos, ou seja, “explicações sociais” dos agrupamentos ou


movimentos de agregação de elementos fenômenos sociais, deixamos de lado, ou
heterogêneos. Então, não tem como sair em ignoramos, o que os atores em ação nos
busca de um determinado grupo, já delineado dizem; muitas vezes, se traduz ou se substitui
a priori, pois, se ele não está se formando ele as várias expressões dos informantes para o
não existe, ele já se foi enquanto era um vocabulário especializado das forças sociais
embate de controvérsias. O que interessa são no pacto infame em que “o analista
esses movimentos associativos se formando, simplesmente repete a descrição do mundo
ali está o que precisa ser explicado, ou seja, é social tal qual é; e os atores simplesmente
na performance da associação e nos meios ignoram o fato de terem sido mencionados no
utilizados para estabilizá-la que se encontram relato do analista” (Latour, 2012, p. 90). Com
as questões que ajudam a desdobrar o mundo isto, o investigador acaba por decidir “como
social. os atores devem ser levados à ação, [ao invés
A segunda fonte de incerteza vai tratar de] detectar os diferentes mundos que os
dos atores na rede. Aqui Latour (2012) coloca (próprios) atores elaboram uns para os outros”
claramente o viés político do trabalho (p. 80). Considerando, é claro, também os
performativo da rede. Como podemos recursos colocados ou acionados na rede pelo
entender isto? A ação na rede não é investigador. Ele não entra e sai imune. Ele
transparente, ela é bem opaca e visível. Isto também assume a ação da rede e é assumido
significa que não existe uma força estranha ou na ação dos agentes que a constitui.
uma mão invisível que leva os atores a agirem A terceira fonte de incerteza repousa
de tal forma. É bom que se diga que o ator sobre os objetos conectados na rede. Aqui
aqui não é a fonte da ação, mas, sim o alvo de falamos de entidades heterogêneas que
um conjunto de entidades que se degladeiam remontam a humanos e não humanos
fazendo-o agir, tornando-o ator. Desta forma, conectados no que o senso comum denomina
a ação na rede é assumida pelos atores- de vínculos sociais. Desta forma, o mundo
agentes na rede. Não se sabe, por fim, quem social da ANT é um mundo com objetos e
faz o quê, ou que entidade aciona a outra coisas. Não é um mundo livre das coisas
entidade. A rede só existe com todas estas relegadas aos cientistas da natureza. Não, é
entidades se debatendo em controvérsias e um mundo entrelaçado de objetos mediadores
ações. São tão heterogêneas quanto os na vida deste mundo social em suas relações
repertórios utilizados para relatar suas ações. de poder e suas assimetrias, tais como
Tradicionalmente, quando se lança mão de documentos, escritos, mapas, arquivos,
um vocabulário especializado, e por vezes, computadores, telefones, etc..
com variáveis ocultas para fornecer as Já na quarta fonte de incerteza, Latour
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(2012) traz à baila a palavra construção ao objetiva. Nesta dicotomia entre sociedade e
tratar de questões de fato versus questões de natureza, as unidades explicativas tanto de um
interesse. Ao lutar contra os que afirmam que lado como de outro, se esterilizam. Dão
os fatos evidentemente não são construídos e validade às suas explicações concedendo uma
por isso são reais e contra os que acreditam causalidade aos fatos. O que a ANT de Latour
que é construído e por isso inventado e apresenta é um uso do social no sentido
artificial, os estudos científicos se daquele que se associa, que segue alguém.
arregimentaram em duas frentes. Assumiram Desta forma, descrever procedimentos, sejam
a validade da palavra construção para eles quais forem, na perspectiva de uma
focalizar as conexões entre humanos e não sociologia de associações, implica em
humanos. E, por outro lado, descartam o considerar que houve ali não uma causalidade
termo construção social por vê-lo substituir a previsível, mas, sim uma conexão que induz
realidade heterogênea de alguma coisa em ou mobiliza uma mediação (no sentido da
construção por uma “matéria” homogênea do tradução, ou da ação assumida e transformada
social. E ainda mais, se a construção se pelo agente) entre duas entidades. É por isto,
equivaleria a uma associação de entidades, que as “questões de fato não descrevem que
dizer que essa associação é social seria uma tipos de agências estão povoando o mundo
redundância sem sentido. Mas no quê a melhor do que as palavras social, simbólico e
noção de construção se conectaria com as discursivo descrevem o que é um ator humano
questões de fato e as questões de interesse? O e os alienígenas que os capturam” (Latour,
construtivismo para Latour (2012) equivale a 2012, p. 162). As questões de fato tornam-se
um aumento de realismo. Já para os mudas, não conseguem chegar nas conexões e
tradicionais construtivistas sociais, a solidez controvérsias que mobilizam as entidades em
de um fato científico jamais comportaria a associações. No entanto, os laboratórios a
noção de construção. São universos cada dia tornam-se mais cheios de episódios e
incompatíveis: ciência e social. Não que as fatos interessantes, visíveis, discutíveis,
teorias sociais sejam tomadas pelos dispendiosos e controversos para todo o
estudiosos da ciência para entender os público. Não estariam aí, as questões que
caminhos tecno-científicos. Não, o que os realmente falam do acontecer e do social na
estudiosos da ciência ou da ANT preconizam ciência? Essas seriam as questões de interesse
é que as teorias sociais tradicionais não para uma sociologia de associações.
explicam coisa alguma ao estabelecerem um Chegamos ao ponto em que essas
repertório de unidades explicativas “por trás” questões interessantes para a sociologia de
dos fenômenos sociais e muito menos nos associações materializam-se em um relato
processos da natureza tomados pela ciência escrito. Aí somos apresentados à quinta fonte
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de incerteza para se nutrir no caminho de ao Local passando pelos veículos que abrem
desdobrar controvérsias. O que Latour (2012) conexões entre estes dois espaços. Por que
propõe é “trazer para o primeiro plano o manter-se no nível plano? Porque usualmente
próprio ato de compor relatos” (p. 180). O em um piscar de olhos, entidades invisíveis
próprio texto torna-se um mediador. Se habitantes de um contexto que os faz
fabricação e artificialidade não são opostos de locomoverem-se deste ou daquele modo,
verdade e realidade, busca-se também pelo podem surgir de um outro lugar, de um outro
texto a objetividade, não uma objetividade de tempo, para explicar as práticas locais,
senso comum, na qual tudo é estéril, neutro e concretas e objetivas. E ficar no plano é
frio, mas, uma objetividade pulsante que seguir o acontecimento em seus movimentos
acompanha os pormenores de um assunto de um lugar a outro, sem lançar mão de
interessante, vivo e controverso. Aqui são entidades invisíveis que não são rastreáveis
convocados todas as entidades mobilizadas na em seu percurso, haja visto que assaltam a
rede, sejam elas humanas ou não humanas. chapa lisa e evidente provindos de uma outra
Por isto, o texto funciona como o laboratório dimensão alheia à materialidade acessível e a
do cientista social, exige perícia e habilidade ser percorrida sem saltos. É, portanto,
na escrita para descrever com objetividade as impossível ater-se a um único local ou a um
conexões em seus experimentos-estudos. “O contexto tridimensional que explique aquele
bom texto tece redes de atores quando permite movimento que segue associando
ao escritor estabelecer uma série de relações heterogêneas entidades. Da mesma forma,
definidas como outras tantas translações” voltar-se para o Global como causalidade dos
(Latour, 2012, p. 189). Neste sentido, os efeitos locais por ser muito maior e
relatos científicos são sempre versões daquilo predominante, também nos impediria de
que o escritor manipulou em suas traçar as conexões que se formam pelas
investigações. O próximo relato já terá outras infinitas associações. O importante aqui não é
translações e versões. pular de um para outro – do Local para o
Concluindo este percurso apresentado Global ou vice e versa – em seus contextos ou
por Latour (2012) para desdobrar o social estruturas, mas, “navegar nesse espaço
(que até aqui já entendemos que se trata de achatado (dos movimentos e linhas traçadas
associações), o autor sinaliza alguns entre pontos mobilizadores de questões
movimentos necessários para tornar essas interessantes) para focalizar melhor aquilo
associações novamente rastreáveis. Em três que circula, (...) e perceber muitas outras
movimentos ele indica a importância de se entidades cujo deslocamento mal era visível
manter no nível plano qualquer experiência antes” (Latour, 2012, p. 295).
do social. Esses movimentos vão do Global Após reconduzir os movimentos do
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local ao global ou vice-versa, requer voltar-se veículos, os trajetos, as mudanças e a


para o que liga, o que induz os elementos a se translação entre lugares, não os lugares em si”
associarem em múltiplas conexões entre um (Latour, 2012, p. 284) pois, os lugares são
ponto e outro. Aqui é importante lembrar que sempre provisórios e enquadrados por outros
o que entra em jogo são inúmeros atores não locais. Então, fixar o local em habilidades do
humanos se multiplicando, arregimentando contexto social ou em infra-estruturas
outros atores, implicando-os na ação e invisíveis pré-determinadas são estéreis para
formando blocos móveis em-ação, o que os rastrear as nossas conexões em ação.
faz mediadores da ação. E, paradoxalmente, Agora, um alerta é necessário! Se não
como nos lembra Latour (2012), é “só quando conseguimos descrever o cenário local em
se infiltra em ações não sociais que o social se todos os detalhes que possibilitam a condução
torna visível” (p. 280). Aqui encontramos o dos atores – tanto humanos como não
que Latour (2012) chamou de localizadores, humanos – para a ação e recorremos a saltos
ou seja, são exatamente aqueles elementos de um plano a outro, tais como a
que definem ou preparam de alguma forma o 'subjetividade' ou o que vem do 'interior' para
local da ação, eles possibilitam e, ao mesmo explicações interpretativas, então devemos
tempo, induzem a ocorrência da ação. Como lembrar que as 'subjetividades',
exemplo, o autor relata a situação de um personalidades e inconscientes também
palestrante que encontra um auditório para circulam, assim como o local e o global que
proferir sua palestra a uns 100 alunos, que no se constituem por entidades circulantes. Ou
entanto, foi planejado por uma arquiteta uns seja, elas também são móveis e indutoras para
20 anos antes, foi construído por pedreiros e determinados formatos por atores em ação ou
materiais de construção um tempo depois; por entidades circulantes, que melhor seria, se
outro lado, encontra neste auditório (local) um fossem chamadas de subjetivadores ou
projetor instalado a alguns meses, janelas personalizadores.
anti-ruído e cortinas protetoras da luz solar O importante sobre esses
que facilitam a projeção dos dados da subjetivadores é que eles estão distribuídos
palestra. Que condições ou modificações na por todos o cenário, eles não estão inatos
conferência ocorreriam sem estes materiais dentro de nós, ou esperando alguém ou
concretos – ou outros materiais –, que são alguma situação para acessá-los. Eles vem de
mediadores da ação, justamente porque de “fora”, perfeitamente rastreáveis em seus
alguma forma definem o local para que o veículos específicos propondo e induzindo
evento ocorra? Pois bem, cabe entender que 'competências intelectuais' ou ainda
os lugares são 'localizados' por outros 'habilidades afetivo-emocionais'. Latour
localizadores. Portanto, o que importa são “os (2012) chama de psicomorfos esses
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incontáveis subjetivadores que estão nos convocações, mobilizações, cadastramentos e


arregimentado a todo momento e nos dando translações de inúmeras entidades se
uma determinada forma de psique. Quanto a debatendo para associar-se.
esta questão dos subjetivadores, Latour Para finalizarmos este desdobramento
(2012) menciona a obra de Foucault ao da socialização no Reagregando o Social
descrever em seus estudos e análises talvez tenhamos que nos empenharmos em
experiências de subjetivação que se formulam mais uma tarefa. Talvez seja preciso encarar a
na concretude de ações e movimentos bem lista de proposições latourianas para rastrear
claros e específicos. Então, temos aí um os vínculos sociais (agora já recolocados)
sujeito que em si é todo composto pelo que para se deixar mobilizar nos nossos
vem de 'fora', e claro, entendendo-se que o laboratórios sociais abrindo novas conexões
'fora' não se refere ao que vem para entidades impensadas em nossas
coercitivamente do contexto social nem de produções acadêmicas. Por outro lado,
uma determinação causal da natureza, mas, do possivelmente tenhamos que nos colocar
que está localmente e especificamente politicamente perante mediadores que
'localizado'. Neste sentido, ele também é mobilizam transformações e efeitos
transitório e sujeito a modificações inesperados. Alguém se dispõe?
constantes.
Aqui talvez possamos entender a
configuração do ator na rede circulante. Ele Referências
não é uma fonte de iniciativa para a ação, nem
um ponto de partida orientado para uma Latour, B. (1994). Jamais fomos modernos:
determinada direção, entre mediadores Ensaio de antropologia simétrica. Rio
intermediários que transportam fixamente de Janeiro, RJ: Editora 34.
significados, forças, etc., e muito menos Latour, B. (2001). Esperança de pandora,
refere-se apenas a humanos. O ator-rede é Bauru, SP: EDUSC.
aquilo que “é induzido a agir por uma vasta Latour, B. (2004). Politics of nature: How to
rede, em forma de estrela, de mediadores que bring the sciences into democracy.
entram e saem” (Latour, 2012, p. 312). Logo, Cambridge, Mass: Harvard University
o ator-rede é feito para agir, ou seja para Press.
induzir outras entidades a fazerem coisas, Latour, B. (2010). Redes que a razão
através de translações e deslocamentos. E desconhece: laboratórios, bibliotecas,
sociedade, muito mais do que vínculos coleções. In: Parente. A. Tramas da
sociais, é uma composição de associações Rede: Novas dimensões filosóficas
sempre se constituindo através de estéticas e políticas da
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comunicação.Porto Alegre: Sulina. Núcleo E-Politcs/UFRGS coordenado pela


Latour, B. (2012). Reagregando o Social. Profª Drª Neuza M. F. Guareschi.
Bauru, SP: EDUSC/ Salvador, BA:
E-mail: zuleika3012@yahoo.com.br
EDUFBA
Carlos Baum- Mestrando do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia Social e
Zuleika Köhler Gonzales- Doutoranda do
Institucional da UFRGS.
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
E-mail: baum.psico@gmail.com
Social e Institucional da UFRGS. Membro do

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