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Desdobrando A Teoria Ator-Rede Reagregan PDF
Desdobrando A Teoria Ator-Rede Reagregan PDF
1, 2013 P á g i n a | 142
Resumo
Abstract:
In this text we presente the latest release of Latourian work in Portuguese, the book “Reagregando
the Social – uma introdução à teoria ator-rede”. We seek at first, to situate this book in the body of
work which relates with the so-called field of Scientific Studies, an area of research and knowledge
production that takes the very scientific thinking and doing as an object of study, particularly those
departing at postulates of modern science. Therefore, we point in the Scientific Studies what Latour
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considered the top three critical elements in the production of knowledge from modernity:
constructionism, naturalization and socialization. Then we articulate each of these elements to the
author's books. In the second step of the text , we focus on the questioning of the author on the
socialization in the text of the book Reagregando Social, and how he retraced the network of
associations in a list of tasks and warnings addressed to those who, by any chance, want to embark
on the path of propositions and procedures of the ANT (Actor-Network theory).
Keywords: ANT (Actor-Network Theory); Bruno Latour; Reassembling the social; Sociology of
associations.
Resumen
Chega às nossas mãos a edição em o Social. Para isto, procuramos situar esta
língua portuguesa de Reassembling the social questão do social – na socialização –
– an introduction to Actor-Network-Theory articulando-a com os outros dois elementos
escrito por Bruno Latour. Com isto, queremos críticos que Latour visualiza na produção do
neste texto, abordar a problemática da conhecimento moderno: o construcionismo e
socialização, ou do que se refere ao social a naturalização. Comecemos então, a tarefa de
como temática e objeto da sociologia, no desdobrar o Reagregando o Social.
conjunto da obra latouriana a partir do que O livro foi lançado inicialmente em
nos é apresentado nas linhas do Reagregando 2005 no Reino Unido como fruto das
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coletivo. Essa rede, porém, não é constituída publicar Pandora's Hope – essays on the
“apenas” de discursos, imagens representadas reality of science studies em 1999, edição que
e/ou linguagem. Ela só pode ser desdobrada no Brasil chamou-se A esperança de Pandora
através dos objetos que ainda não lançada em 2001, direcionando toda sua
encontraram seu lugar estabilizando-se, ou ironia para a desconstrução linguística. A
que simplesmente não possuem lugar nessa pergunta que dispara os questionamentos no
divisão tradicional, os híbridos. Essa tarefa livro é simples: Você acredita na realidade?
parece, num primeiro momento de difícil Curiosamente feita a ele por um brasileiro, em
compreensão pois “nossa vida intelectual é Niterói, RJ. Os esforços de Latour nesse livro
decididamente mal construída” (Latour, 1994, é mostrar que a construção e a fabricação dos
p 11). Toda vez que tentamos conectar os fatos na ciência, não se opõem à objetividade
discursos à natureza das coisas e ao contexto da natureza. Com isto, procura mostrar que os
social, ninguém mais compreende o que estudos científicos não pretendem reduzir a
dizemos. As redes que o autor nos ensina a realidade a um efeito de verdade do discurso.
seguir são ao mesmo tempo reais como a Nesse livro, Latour nos mostra que
natureza, narradas como o discurso e coletivas diretamente vinculados, os fatos científicos
como a sociedade. No entanto, pelo são tão mais objetivos quanto mais e melhor
pensamento científico tradicional somos forem construídos. Quanto mais artificial e
levados a pensar que a realidade do discurso é melhor organizado for um laboratório, mais
de outra realidade que aquela da natureza ou “fidedigno” será o relato do cientista sobre
da sociedade, e que os coletivos na natureza aquilo que o não-humano lhe diz.
são de outra ordem que aqueles da sociedade, Nossos argumentos e nossas ações
ou ainda que as narrativas sobre a natureza se são, por sua vez, facilitados, permitidos e
configuram de um determinado modo bem produzidos por esses seres híbridos que não
diferente das narrativas sociais para que são nem fatos e nem coisas presentes no
assim, finalmente, eles sejam validados cada mundo de forma independente da ação
um em seu formato específico. humana. Muito menos, são a projeção de
Nos quatorze anos que separam We desejos e crenças dos cientistas. Esses
have never been modern (1991) de híbridos são “fatiches”, um neologismo que
Reassembling the social (2005), Latour mistura as palavras fato e fetiche. Ou seja,
dedica-se a conectar e desdobrar o que ele esses híbridos são humanos e não-humanos
chamou de os três repertórios críticos do inteiramente conectados e em contínua
nosso mundo: a desconstrução, a mobilidade e ação performando múltiplas
naturalização e a socialização; os discursos, realidades. Não se trata, para Latour, de
os fatos e o poder. O primeiro passo é decidir entre verdade, realidade ou
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refere ao que ele chama de 'sociologia do chamados de elementos sociais. Pode sim,
social'. Esta abordagem seria a tradicional agregar elementos políticos, econômicos,
'ciência do social', derivada das propostas de físicos, biológicos, químicos, tecnológicos,
Durkheim, que postula um domínio especial, linguísticos, etc... mas, nunca, elementos
um objeto particular, um campo comumente sociais compondo o 'social'. O 'social' não se
referido apenas a humanos e às sociedades explica pelo 'social', o que seria uma
modernas. Depois, para se contrapor a esta redundância estéril.
'sociologia do social', Latour (2012) propõe Neste livro, além de nos depararmos
uma forma alternativa e, ao mesmo tempo, com um exame cuidadoso, instigante e ao
bastante antiga e mais ampla que é pensar o mesmo tempo bem-humorado de como a
estatuto do 'social' como a busca de novas sociologia foi se constituindo em um quadro
associações. Seria como que retomar o de referência estável para explicar fenômenos,
significado etimológico da palavra. O socius situações e enigmas dos agrupamentos e
que se associa em vários e ilimitados coletividades denominados correntemente de
agregados. Esta outra abordagem consideraria 'social' ou sociedades, encontramos também
o 'social' apenas como “um movimento um arsenal de equipamentos ou instrumentos
peculiar de reassociação e reagregação”, listados pelo autor que didaticamente vão nos
redefenindo a sociologia não como uma orientando na aventura de rastrear essas
'ciência do social' mas como um traçado de conexões sociais mutáveis e heterogêneas.
associações, ou “um tipo de conexão entre Uma disposição sempre presente nos
coisas que não são em si mesmas sociais” (p. movimentos associativos é o modus em
23). controvérsias.. A que remete as controvérsias
É sistematizando como abordar este em associações? A elementos multivariados
'social' que o livro se constrói. É um convite que em movimentos sincopados ou irregulares
para se equipar nessa viagem investigativa se dispersam ou se estabilizam e que nunca
dos rastros que os movimentos em pertencem a um único domínio ou unidade a
associações vão deixando em marcas priori. Daí a presença de controvérsias que em
conceituais, unidades ontológicas, crenças e algum momento se estabilizam em domínios,
artefatos culturais, artísticos, científicos, etc.. categorias, identidades ou quadros de
que também estão em contínua dispersão para referências explicativos.
novas associações e, por conseguinte, outras Para seguir estes movimentos, Latour
'estabilizações'. Este social (associado) nunca (2012) sustenta que é preciso seguir os atores
se deixa apreender. Ele não é visível nem em seu curso de associações, e não explicar o
substantivado, e justamente por isso, se social como um conjunto de conceitos
compõe de elementos que não podem ser interligados. Para isto, no livro ele vai traçar
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(2012) traz à baila a palavra construção ao objetiva. Nesta dicotomia entre sociedade e
tratar de questões de fato versus questões de natureza, as unidades explicativas tanto de um
interesse. Ao lutar contra os que afirmam que lado como de outro, se esterilizam. Dão
os fatos evidentemente não são construídos e validade às suas explicações concedendo uma
por isso são reais e contra os que acreditam causalidade aos fatos. O que a ANT de Latour
que é construído e por isso inventado e apresenta é um uso do social no sentido
artificial, os estudos científicos se daquele que se associa, que segue alguém.
arregimentaram em duas frentes. Assumiram Desta forma, descrever procedimentos, sejam
a validade da palavra construção para eles quais forem, na perspectiva de uma
focalizar as conexões entre humanos e não sociologia de associações, implica em
humanos. E, por outro lado, descartam o considerar que houve ali não uma causalidade
termo construção social por vê-lo substituir a previsível, mas, sim uma conexão que induz
realidade heterogênea de alguma coisa em ou mobiliza uma mediação (no sentido da
construção por uma “matéria” homogênea do tradução, ou da ação assumida e transformada
social. E ainda mais, se a construção se pelo agente) entre duas entidades. É por isto,
equivaleria a uma associação de entidades, que as “questões de fato não descrevem que
dizer que essa associação é social seria uma tipos de agências estão povoando o mundo
redundância sem sentido. Mas no quê a melhor do que as palavras social, simbólico e
noção de construção se conectaria com as discursivo descrevem o que é um ator humano
questões de fato e as questões de interesse? O e os alienígenas que os capturam” (Latour,
construtivismo para Latour (2012) equivale a 2012, p. 162). As questões de fato tornam-se
um aumento de realismo. Já para os mudas, não conseguem chegar nas conexões e
tradicionais construtivistas sociais, a solidez controvérsias que mobilizam as entidades em
de um fato científico jamais comportaria a associações. No entanto, os laboratórios a
noção de construção. São universos cada dia tornam-se mais cheios de episódios e
incompatíveis: ciência e social. Não que as fatos interessantes, visíveis, discutíveis,
teorias sociais sejam tomadas pelos dispendiosos e controversos para todo o
estudiosos da ciência para entender os público. Não estariam aí, as questões que
caminhos tecno-científicos. Não, o que os realmente falam do acontecer e do social na
estudiosos da ciência ou da ANT preconizam ciência? Essas seriam as questões de interesse
é que as teorias sociais tradicionais não para uma sociologia de associações.
explicam coisa alguma ao estabelecerem um Chegamos ao ponto em que essas
repertório de unidades explicativas “por trás” questões interessantes para a sociologia de
dos fenômenos sociais e muito menos nos associações materializam-se em um relato
processos da natureza tomados pela ciência escrito. Aí somos apresentados à quinta fonte
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de incerteza para se nutrir no caminho de ao Local passando pelos veículos que abrem
desdobrar controvérsias. O que Latour (2012) conexões entre estes dois espaços. Por que
propõe é “trazer para o primeiro plano o manter-se no nível plano? Porque usualmente
próprio ato de compor relatos” (p. 180). O em um piscar de olhos, entidades invisíveis
próprio texto torna-se um mediador. Se habitantes de um contexto que os faz
fabricação e artificialidade não são opostos de locomoverem-se deste ou daquele modo,
verdade e realidade, busca-se também pelo podem surgir de um outro lugar, de um outro
texto a objetividade, não uma objetividade de tempo, para explicar as práticas locais,
senso comum, na qual tudo é estéril, neutro e concretas e objetivas. E ficar no plano é
frio, mas, uma objetividade pulsante que seguir o acontecimento em seus movimentos
acompanha os pormenores de um assunto de um lugar a outro, sem lançar mão de
interessante, vivo e controverso. Aqui são entidades invisíveis que não são rastreáveis
convocados todas as entidades mobilizadas na em seu percurso, haja visto que assaltam a
rede, sejam elas humanas ou não humanas. chapa lisa e evidente provindos de uma outra
Por isto, o texto funciona como o laboratório dimensão alheia à materialidade acessível e a
do cientista social, exige perícia e habilidade ser percorrida sem saltos. É, portanto,
na escrita para descrever com objetividade as impossível ater-se a um único local ou a um
conexões em seus experimentos-estudos. “O contexto tridimensional que explique aquele
bom texto tece redes de atores quando permite movimento que segue associando
ao escritor estabelecer uma série de relações heterogêneas entidades. Da mesma forma,
definidas como outras tantas translações” voltar-se para o Global como causalidade dos
(Latour, 2012, p. 189). Neste sentido, os efeitos locais por ser muito maior e
relatos científicos são sempre versões daquilo predominante, também nos impediria de
que o escritor manipulou em suas traçar as conexões que se formam pelas
investigações. O próximo relato já terá outras infinitas associações. O importante aqui não é
translações e versões. pular de um para outro – do Local para o
Concluindo este percurso apresentado Global ou vice e versa – em seus contextos ou
por Latour (2012) para desdobrar o social estruturas, mas, “navegar nesse espaço
(que até aqui já entendemos que se trata de achatado (dos movimentos e linhas traçadas
associações), o autor sinaliza alguns entre pontos mobilizadores de questões
movimentos necessários para tornar essas interessantes) para focalizar melhor aquilo
associações novamente rastreáveis. Em três que circula, (...) e perceber muitas outras
movimentos ele indica a importância de se entidades cujo deslocamento mal era visível
manter no nível plano qualquer experiência antes” (Latour, 2012, p. 295).
do social. Esses movimentos vão do Global Após reconduzir os movimentos do
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