Você está na página 1de 13

5

1. INTRODUÇÃO
O Convênio de Taubaté acordado entre a gestão dos governos das províncias
de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, juntamente com o governo federal e os
empresários exportadores de café das respectivas províncias, foi um compromisso
assumido pelo governo brasileiro para forçar a valorização do café no mercado
internacional. O artigo brasileiro encontrava-se em crise nos anos finais do século XIX,
quando houve uma grande baixa nos preços do produto e a queda da demanda nos
principais países consumidores de café.
A curto prazo, o Convênio apresentou expressivos resultados pra os
empresários que exportavam o produto, amenizando os prejuízos e potencializando
os lucros quando fosse possível. A longo prazo as consequências do Convênio
refletiram na economia nacional. A acentuada dependência da economia brasileira em
relação ao café, um produto primário exportador, impediu que as verbas
governamentais fossem aplicadas de modo a diversificar os setores econômicos.
Além de favorecer a transferência e a concentração de renda para as classes
exportadoras e intensificar as desigualdades sociais existentes na sociedade
brasileira.
Entretanto, com alguns ajustes em pontos específicos, o Convênio de Taubaté
poderia favorecer toda a sociedade brasileira e não somente os setores exportadores
ao participar da economia nacional para fortalece-la, a fim de evitar que os pontos
negativos se manifestassem de forma tão intensa no futuro, prejudicando a economia
e a sociedade brasileiras.
6

2. O CONVÊNIO DE TAUBATÉ
O convênio de Taubaté foi um acordo político firmado em 1906 na cidade de
Taubaté pelo decreto Nº 1489 de 06 de agosto de 1906. O pacto foi acordado entre o
governo federal, os governos dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de
Janeiro com os grandes cafeicultores dos respectivos estados. O principal intuito do
convênio foi forçar a revalorização do café no mercado internacional controlando a
oferta do artigo no mercado, uma vez que era o principal produto do mercado
econômico brasileiro.
O Convênio obteve sucesso aparente, mostrando expressivos benefícios para
a classe exportadora, entretanto com o passar do tempo os problemas das
negociações do acordo passaram a refletir na economia nacional. A dependência
econômica a um artigo primário exportador demonstrou a vulnerabilidade econômica
do país, além de evidenciar a proteção estatal oferecida aos empresários
exportadores contra o restante da população brasileira.

2.1 INÍCIO DA PLANTAÇÃO DE CAFÉ NO BRASIL


O plantio do café no Brasil surgiu em meados do século XVIII, na região norte
do país. Aos poucos a cultura do café foi se ampliando pelo litoral brasileiro em direção
ao sul do país, até chegar ao Rio de Janeiro na metade do mesmo século. Contudo a
produção para o mercado internacional começou apenas no início do século XIX,
quando os mercados americano e europeu aumentaram o consumo do artigo. As
áreas de plantação de café expandiram-se pela baixada fluminense e o Vale do
Paraíba, percorrendo províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo, aproveitando o
clima e o solo adequados dessa região para crescer. Além de se beneficiar do clima
e do solo, as lavouras de café também aproveitaram da infraestrutura montada pela
mineração, uma vez que essa região fazia parte da rota de mercadorias entre a capital
do país na época e a região mineradora.
A economia passou a obter uma considerável estabilidade ainda durante o
segundo império. As técnicas usadas para o plantio do café eram muito simples.
Inicialmente aproveitava-se do escravo para desmatar as áreas ainda florestadas que
seriam usadas para a lavoura. Devido ao processo abolicionista iniciado no período,
a mão-de-obra escrava foi sendo substituída gradativamente pela mão-de-obra
imigrante, principalmente europeia, e os escravos usados para desmatar a vegetação
nativa, quando terminado o trabalho, eram vendidos para as fronteiras ainda nativas,
7

para que fizessem o mesmo trabalho e expandindo a área pronta para ser semeada.
Existiam lavouras em que os escravos ainda permaneciam no cultivo e na colheita do
café, entretanto a substituição pela mão-de-obra imigrante foi inevitável devido a
abolição da escravidão em 1888 com a Lei Áurea e o preconceito existente em manter
o ex-escravo como empregado assalariado nas plantações.

2.2. PROTEÇÕES ESTATAIS AOS PRODUTORES DE CAFÉ


ANTECEDENTES AO CONVÊNIO DE TAUBATÉ
As propostas de auxílio do governo para com a agricultura cafeeira começaram
a transitar na Câmara dos deputados em 1987, com projetos dos deputados para que
o executivo defendesse as lavouras de café energicamente e protegessem os
cafeicultores contra as baixas nos preços que o produto sofria no mercado
internacional devido à crise que o artigo estava sofrendo. Entretanto, a maior parte
das propostas encontraram barreiras para serem realizadas, uma vez que o executivo
usava de meios regulamentais para desaprova-las.
Todavia, a política cambial estabelecida, mais evidente sobre o café nos anos
finais do século XIX, colaborava para que os prejuízos não recaíssem somente sobre
os exportadores de café, pois a crise deteriorava os preços do artigo no mercado
internacional, e que esses fossem socializados, ou seja, que fossem transferidos para
a sociedade como um todo. A correção do desequilíbrio nos preços do café pela taxa
cambial apresentava a propensão de queda do valor aquisitivo da moeda brasileira:
"A correção do desequilíbrio através da taxa cambial era uma operação de
natureza e conseqüências inteiramente distintas. Ao reduzirem-se os preços
dos produtos exportados - no caso, o café - tendia a baixar bruscamente o
poder aquisitivo externo da moeda nacional." 1

A crise do setor cafeeiro nesse período ocorreu por alguns pontos específicos.
A elasticidade de mão-de-obra e a abundância de terras existente no Brasil
incentivava os produtores a expandirem sua produção sempre que possível, como
explica Celso Furtado no livro Formação Econômica Brasileira:

"Não existindo nenhuma pressão da mão-de-obra no sentido da elevação dos


salários, ao empresário não interessava substituir essa mão-de-obra por
capital, isto é, aumentar a quantidade de capital por unidade de mão-de-obra.

1
FURTADO, Celso, Formação Econômica do Brasil, p. 236, 1959.
8

Como os frutos dos aumentos de produtividade revertiam para o capital,


quanto mais extensiva fosse a cultura, vale dizer, quanto maior fosse a
quantidade produzida por unidade de capital imobilizado, mais vantajosa
seria a situação do empresário. Transformando-se qualquer aumento de
produtividade em lucros, é evidente que seria sempre mais interessante
produzir a maior quantidade possível por unidade de capital, e não pagar o
mínimo possível de salários por unidade de produto. A consequência prática
dessa situação era que o empresário estava sempre interessado em aplicar
seu capital novo na expansão das plantações, não se formando nenhum
incentivo à melhora dos métodos dê cultivo.
Observação idêntica se poderia fazer relativamente à terra. É
evidente que se esta fosse escassa, concluída sua ocupação os empresários
seriam induzidos a melhorar os métodos de cultivo e a intensificar a
capitalização para aumentar os rendimentos."2

Outro fator da crise era a queda dos preços da saca de café no mercado
internacional, a queda do consumo de um dos maiores mercados consumidores do
produto no mundo do qual o Brasil era fornecedor: Estados Unidos, que enfrentava a
Guerra de Secessão. Os fatores da crise unidos geraram uma estagnação na
exportação do café e o princípio de um acumulo de sacas de café e para agravar a
situação houve a previsão da superprodução para a safra de 1906. O problema da
superprodução do café começou a ficar mais evidente a partir de 1905, quando foi
prevista uma grande colheita de café pela florada do mesmo para a safra de 1906. Até
então o que se produzia e o que se consumia não apresentava uma instabilidade muito
grande, entretanto o mercado já apresentava sinais de queda nos preços de café, pois
o consumo internacional do artigo não aumentou de acordo com a produção. Com a
previsão da super-safra ocorreu alteração no comportamento do governo federal.
As discussões sobre a proteção do governo em relação as lavouras do café
foram arrastando-se pelos anos do início do século XX sem que surtisse nenhum
efeito prático para os cafeicultores. Em 1905 houve uma conferência entre o governo
federal e os representantes provinciais de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro,
sem que nenhuma decisão efetiva sobre o tema. Rodrigues Alves, então presidente
da república, formulou no fim de seu mandato um plano em que o governo federal
comprava os excedentes do café a preços vantajosos para os empresários do café,
enquanto o preço deste estava em baixa, e depois revenderia as sacas em um

2
FURTADO, Celso, Formação Econômica do Brasil, p. 233, 1959.
9

momento posterior, quando os preços estivessem normalizados. Também ocorreu no


fim de 1905, a aprovação da lei que reconhecia o envolvimento legal do governo
federal com a cultura e valorização do café. Segundo o 2º artigo da Lei Nº 1452 de 30
de dezembro de 1905, no décimo inciso, o Estado regulamentou os empréstimos
orçamentários externos as províncias, desde que estas cumprissem alguns pré-
requisitos, como demonstra a lei:
“X. A entrar em accordo com os governos dos Estados cafeeiros para: a)
regular o commercio do café; b) promover a sua valorização; c) organizar e
manter um serviço regular e permanente de propaganda do café, com o fim
de augmentar o seu consumo.
O Governo Federal poderá endossar as operações de credito que, pare esse
fim, fizerem os governos dos Estados interessados, uma vez que sejam
observadas as seguintes condições:
a) os Estados assegurarão á União uma garantia em ouro, sufficiente
para o serviço de pagamento de juros e amortização do emprestimo;
b) esta garantia terá caracter definitivo para todo o prazo do
emprestimo e não ficará dependendo de leis de effeitoannuo, revogaveis de
um anno para outro pelo poder legislativo dos Estados;
c) o producto da operação de credito só poderá ser applicado a manter
um preço minimo para o café de exportação, não podendo ser destinado a
emprestimo de qualquer natureza ou adeantamento a lavradores,
commissarios e exportadores ou a quem quer que seja, nem desviado pelos
Estados para qualquer outro fim;
d) a importancia do emprestimo será depositada no Thesouro Nacional
ou nas Delegacias Fiscaes, sendo entregue á medida das necessidades e,
liquidadas as operações, o producto liquido dellas será recolhido ao
respectivo deposito;
e) todos os lucros realizados nas operações de valorização serão
applicadosá amortização do emprestimo.”3

Essa lei foi de extrema importância para os empresários do café, uma vez que o
próprio governo federal assegurava financeiramente a realização dos empréstimos
externos. Se o Estado brasileiro não autenticasse os empréstimos, muito
provavelmente os cafeicultores não encontrariam financiadores interessados em
aplicar seus investimentos nas lavouras de café brasileiras.

3
BRASIL, Lei nº 1452 de 30 de dezembro de 1905, art. 2º.
10

2.3. A FORMALIZAÇÃO DO CONVÊNIO DE TAUBATÉ


Com as eleições e a escolha de Afonso Pena para a presidência da república, o
processo de apoio a políticas que apoiassem a cafeicultura se tornou mais fluida
devido ao expressivo investimento nas políticas de valorização do café. Mas ainda no
governo de Rodrigues Alves, o Convênio de Taubaté surgiu da convergência e das
negociações políticas para a valorização do café entre os governantes e os produtores
de café dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais; com o governo
federal. Foi padronizado em 25 de fevereiro de 1906, na cidade de Taubaté e
aprovado na câmara dos deputados em 21 de julho de 1906.
O governo começou a investir em políticas de valorização do café, além da
política cambial, também passou a intervir no mercado com o propósito de reconstituir
a estabilidade entre oferta e procura do produto. Para esse fim, o governo comprava
os excedentes que não fossem vendidos, para disponibiliza-los no mercado em
acordo com a oferta e a procura, buscando manter os preços do produto altos para
maior lucro dos produtores, além de manter os financiamentos externos e
desestimular que os exportadores de café ampliassem suas plantações do produto e
dessa forma aumentar o estoque que já se encontrava excessivamente volumoso.

2.4. CONSEQUÊNCIAS
Como política de valorização do café, o Convênio obteve sucesso, alcançando
o benefício dos empresários exportadores amenizando os impactos dos prejuízos e
ampliando os lucros quando possível. A política de valorização forneceu ao café uma
posição privilegiada entre os produtos primários existentes no comércio internacional.
Os produtores conseguiram vender seus estoques e garantiram a manutenção de
seus negócios. O Convênio ainda evitou uma grande crise na economia nacional, uma
vez que a economia do país se encontrava extremamente vulnerável ao sucesso das
exportações de café no mercado internacional, uma crise nesse setor significaria
minguar a economia brasileira da época tamanha era a dependência desta ao café. O
impedimento da manifestação da crise ainda contribuiu para que o nível de emprego
dos trabalhadores assalariados fosse mantido, já que uma crise no setor cafeeiro
significava a demissão em massa dos trabalhadores do ramo.
Entretanto, o Convênio não apresentou apenas pontos positivos. Devido a
concessão de empréstimos, a dívida externa das províncias brasileiras, São Paulo,
Minas Gerais e Rio de Janeiro, aumentaram expressivamente. O dinheiro utilizado
11

para a compra das sacas excedentes era o dinheiro público, o qual poderia ser
utilizado de forma mais benéfica a sociedade, porém foi usado para contribuir com a
transferência de renda entre os grupos sociais (os grupos menos afortunados perdem
ainda mais renda, e os grupos mais afortunado acumulam renda) e a sua
concentração, além de salientar as desigualdades entre as classes sociais do período.
O Convênio também aumentou a dependência econômica dessas províncias ao café
e consequentemente do país. Devido a aplicação da verba governamental ser
destinada a compra das sacas remanescentes do café, o investimento em outros
setores da economia, como por exemplo a industrialização, e a diversificação
econômica ficaram em segundo plano, adiando cada vez mais o problema da
dependência econômica brasileira a somente um único produto que era inteiramente
submetido ao consumo internacional e a exportação.

3. OS DIFERENTES PONTOS DE VISTA SOBRE O DESENVOLVIMENTO


ECONÔMICO BRASILEIRO

Para que possamos propor novas medidas econômicas que poderiam ser
usadas na época do Convênio de Taubaté, precisamos aprofundar-nos na história do
pensamento econômico brasileiro, a fim de explorarmos as divergentes linhas de
pensamento existentes no século XX do país.

Á priori, classificaremos os pensadores e suas ideias em desenvolvimentistas e


liberais, cuja participação do Estado na economia – que é o enfoque central das
políticas de valorização do café – é debatida: as vezes apoiada, as vezes rejeitada
com veemência. Aplicaremos sobre o contexto do acordo de 1906 as ideias aqui
apresentadas e como medidas alternativas à defesa do capital cafeeiro poderiam ser
utilizadas com base nos princípios defendidos por cada linha de pensamento, bem
como as colocações já existentes sobre posicionamentos ideológicos sobre o
Convênio.

3.1 O PENSAMENTO DESENVOLVIMENTISTA

“[...] os países desenvolvidos estão tentando “chutar a escada” pela qual


subiram ao topo, impedindo as nações em desenvolvimento de adotarem as
políticas e instituições que eles próprios adotaram?
12

Argumento que a atual política ortodoxa faz o possível para “chutar a escada”.
O fomento à indústria nascente (mas, convém ressaltar, não exclusivamente
via proteção tarifária) foi a chave do desenvolvimento da maioria das nações,
ficando as exceções limitadas aos pequenos países da fronteira tecnológica
do mundo ou muito próximos dela, como a Holanda e a Suíça. Impedir que
as nações em desenvolvimento adotem essas políticas constitui uma grave
limitação à sua capacidade de gerar desenvolvimento econômico.” 4

O pensamento desenvolvimentista, no geral, tende a preferir um planejamento


na formação econômica de um país. Esse “planejamento” dá-se, para os
desenvolvimentistas de setor público — que tendem ao nacionalismo político e
econômico — através do estado e, para os desenvolvimentistas de setor privado,
através da vontade individual acrescida de certos “estímulos e incentivos” (tais como
uma maior concessão de créditos, por exemplo).

Usando a história e analisando-a para tirar conclusões econômicas, Ha-Joon


Chung afirma que a maioria das potências atuais, apesarem de defenderem, em sua
maioria, o liberalismo econômico, utilizaram-se de medidas protecionistas de mercado
– a qual o economista chama de “catch-ups” – para conseguirem criar uma base
industrial que permitisse a essas economias nascentes uma chance competitiva junto
à países já “sólidos economicamente”. O pensamento desenvolvimentista brasileiro
“concorda” (em aspas, pois o trabalho de Chung é mais recente de que o trabalho dos
pensadores aqui apresentados) com o pensamento do economista coreano e já
produziu conteúdo que versa sobre os ciclos econômicos vividos pelo Brasil.

Celso Furtado demonstra a ideia dos desenvolvimentistas de setor público com


notável excelência:

“[...] teria sido necessário estimular outras exportações através de uma


política de subsídios, o que só seria praticável transferindo recursos
financeiros do setor cafeeiro. Os preços pagos ao produtor de café teriam de
ser mantidos em um nível desencorajador de novas inversões, e os frutos da
diferença entre os preços pagos ao produtor e os de exportação, cobertos os
demais gastos, poderiam ser utilizados para criar estímulos a outras
atividades exportadoras, estímulos esses que poderiam tomar a forma de
empréstimos a longo prazo e de subsídios diretos à exportação.” 5

4
CHANG, Ha-Joon. “Chutando a Escada”, Editora UNESP, 2004.
5 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil, Companhia das Letras, 1959.
13

Ao propor medidas reparativas para o Convênio de Taubaté, Furtado menciona


o uso de subsídios e transferência de capital para proporcionar uma maior proteção à
economia, bem como para diversificar a limitada variedade de produção presente no
Brasil da Primeira República. Aparece, em sua análise, a presença da figura do Estado
como regulador desse planejamento, descreditando a “mão invisível do mercado”
como solucionadora de profundos desequilíbrios socioestruturais. Em alguns
pensadores, o nacionalismo também acompanha a análise, tendo-se em vista a
dependência do Brasil com seus compradores (modelo centro-periferia). Aqui, de
algum modo a preocupação com o desenvolvimento econômico também acompanha
a necessidade de desenvolvimento humano: são intimamente ligados — Furtado, por
exemplo, cita a má distribuição de renda dos lucros do setor cafeeiro no começo do
século XX como fator que impede o desenvolvimento da formação de um mercado
interno nacional. Esse pensamento também se encontra presente na CEPAL,
comissão criada pela ONU em 1948 que reuniu diversos pensadores e economistas
para discutirem, pesquisarem e criarem políticas que enfoque o desenvolvimento da
América Latina, e que influenciou muitos pensadores tidos como desenvolvimentistas
— afinal, Celso Furtado, por exemplo, participava da comissão. Exemplificando suas
ideias, temos que:

“[...] é possível identificar o núcleo básico da teoria cepalina do


subdesenvolvimento a partir de duas proposições básicas: as economias
latino-americanas teriam desenvolvido estruturas pouco diversificadas e
pouco integradas com um setor primário-exportador dinâmico, mas incapaz
de difundir progresso técnico para o resto da economia, de empregar
produtivamente o conjunto da mão-de-obra e de permitir o crescimento
sustentado dos salários reais [...]; o ritmo de incorporação do progresso
técnico e o aumento de produtividade seriam significativamente maiores nas
economias industriais (centro) do que nas economias especializadas em
produtos primários (periferia), o que levaria por si só a uma diferenciação
secular da renda favorável às primeiras. Além disso, os preços de exportação
dos produtos primários tenderiam a apresentar uma evolução desfavorável
frente à dos bens manufaturados produzidos pelos países industrializados.” 6

6COLISTETE, Renato Perim. O desenvolvimentismo cepalino: problemas teóricos e influências no


Brasil. Estud. av., São Paulo , v. 15, n. 41, p. 21-34, Apr. 2001 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142001000100004&lng=en&nrm=iso>
14

Transpondo as ideias do setor desenvolvimentista junto para a situação do


Convênio de Taubaté e valendo-se das proposições feitas por Celso Furtado,
entende-se que o problema seria resolvido com base em subsídios e estímulos
governamentais. Além disso, uma maior redistribuição dos lucros por meio de
aumento de salários fomentaria um mercado consumidor interno mais forte e
compactuante com as ideias nacionalistas de tentar diminuir a influência do mercado
externo e das flutuações dos preços dos produtos primários na economia nacional
(visto que a exportação era a principal fonte de renda da época). Visava-se, portanto,
tratar-se tanto dos problemas “industriais, agrícolas e comerciais” bem como os
“sociais e de ordem geral”7. Esses capitais excedentes poderiam ser também
destinados à germinação da industrialização no país, fazendo-a criar raízes mais cedo
por meio da transferência do capital em excesso que vem da cultura do café e
aplicando-a como subsídios na indústria. Temos, entretanto, um setor que é contra
qualquer medida protecionista – e é este que abordaremos a seguir.

3.2 O PENSAMENTO LIBERAL

Tentando adaptar as ideias e ideais de lassez-faire ingleses ao Brasil, os


pensadores liberais travam oposição às ideias desenvolvimentistas e pregam uma
maior liberdade do livre mercado, com a mínima atuação do Estado na economia –
mesmo dentro de um país cujo cenário político era predominantemente marcado pelo
“capitalismo de estado” em que os detentores do poder econômico formavam uma
oligarquia que amordaçava e controlava as instituições do Estado.

O mais simbólico confronto entre desenvolvimentistas e liberais pode ser


percebido e analisado pelo debate entre Roberto Simonsen (mais favorável ao
planejamento estatal do desenvolvimento econômico, tal como a industrialização)
versus Eugênio Gudin (declarado apoiador das teses liberais inglesas) ocorrido dentro
do governo Vargas entre 1944 e 1945. A discussão versava sobre que eixo de
pensamento deveria o Estado Novo tomar frente as suas decisões econômicas. Os
pontos defendidos por Simonsen têm inspiração nas ideias já apresentadas no item
3.1, e o pensamento de Gudin é o que veremos a seguir:

7SIMONSEN, Roberto. A planificação da economia brasileira, 1944 In: A controvérsia do planejamento


na economia brasileira, IPEA, Brasília, 2010, 3ª Ed. O texto de Simonsen um relatório feito a pedido do
Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio do Estado Novo, enviado à Comissão de Planejamento
Econômico da época.
15

“Gudin era um liberal convicto, mas atento. Preocupavam-no as deficiências


de seus princípios, que ele procurava relativizar visando a sua preservação.
Ou seja, seu raciocínio econômico, por um lado, assentava-se sobre o
princípio clássico de que a economia capitalista tenderia a um equilíbrio de
máxima eficiência sempre que os mecanismos de mercado pudessem
funcionar livremente. Por outro, qualificava extensamente esse postulado
central da visão liberal à luz das evidências históricas e dos avanços da teoria
econômica. Admitia e discutia, por exemplo, a ocorrência de crises de causas
endógenas e de depressões cíclicas. [..]
Defendia, porém, o princípio da mínima intervenção estatal e a idéia de que,
nas épocas de prosperidade, a presença do Estado na economia deve ser
evitada ao máximo, porque contrabalança a tendência à eficiência alocativa
dos mecanismos do mercado.”8

A atenção dada por Gudin ao livre comércio não quer dizer, porém, que o mesmo
não importava-se com o desenvolvimento social que era uma das pautas do
desenvolvimentistas: ambos não tinham “divergências quanto aos objetivos a colimar”
e sim desacordavam entre si perante “aos métodos a adotar”9. Tais métodos viriam
através da concorrência, do livre comércio, da vontade e autonomia individual: o
economista foi contra, em um primeiro momento, à industrialização no país pois esta
estava sendo feita de uma maneira “forçada”, impedindo a competição e o fluxo natural
do mercado.

Fica nítido que o pensamento liberal é totalmente desfavorável à própria


existência do Convênio de Taubaté. Furtado, por exemplo, utiliza-se de argumentos
que envolvem maior participação do Estado para corrigir um “programa” já estatal.
Não há textos de Gudin sobre o Convênio, mas percebe-se que os liberais brasileiros
seriam muito mais favoráveis à extinção de tal mecanismo protecionista, deixando
com que novos produtos de interesse comercial aparecessem aos cafeicultores e
fazendo com que estes, entre si, competissem e fomentassem uma cultura de
acúmulo de capital, deixando que o cenário econômico brasileiro germinasse sozinho
e organicamente.

4. CONCLUSÃO

8
BIELSCHOWSKY, Ricardo. Eugênio Gudin. Estud. av., São Paulo , v. 15, n. 41, p. 91-110, Apr.
2001 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142001000100009&lng=en&nrm=iso>.
9 GUDIN, Eugênio. Rumos de Política Econômica In: A controvérsia do planejamento na economia

brasileira, IPEA, Brasília, 2010, 3ª Ed.


16

O Convênio de Taubaté foi a expressão máxima do poder dos cafeicultores em


moldar a economia nacional em favor de seus interesses. Porém, percebe-se que ele
não foi o primeiro mecanismo de proteção à produção interna e, principalmente, às
oligarquias regionais.
Medidas como esta mostram como se dá o processo decisório da economia do
país, e interferem profundamente na história econômica brasileira e o jeito em que se
acostumou a se fazer economia. O Convênio, no fim, não se sustentou
prolongadamente – segundo Celso Lafer, ele “não escapa às duras realidades do
comércio internacional”10. O descuido à continuidade com a falta de planejamento –
ou o planejamento excessivo, como argumentariam os liberais – foram alguns dos
fatores que fizeram o acordo sucumbir à Grande Depressão (esta, inevitável).
Entretanto, não é de se descartar a possibilidade de tê-lo como um ótimo objeto de
estudo, produto semiótico de um pensamento econômico vigente na época e que é
passível de contestações, aperfeiçoamentos e (talvez?) como objeto de inspirações
para o futuro.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BRASIL, Lei Nº 1452 de 30 de dezembro de 1905, disponível em:
<http://legis.senado.leg.br/legislacao/PublicacaoSigen.action?id=543121&tipo
Documento=LEI-n&tipoTexto=PUB> acesso em 16 de jun. de 2018

10 LAFER, Celso. O Convênio Internacional do Café, EDUSP, 1973.


17

2. FURTADO, Celso, Formação Econômica do Brasil, 1959, Companhia das


Letras
3. REVISTA CAFEICULTURA, disponível em:
<http://revistacafeicultura.com.br/?mat=5547> acessado em 19 de jun. De
2018
4. HOLLOWAY, T. H. Vida e Morte do Convênio de Taubaté: A Primeira
Valorização do Café. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978
5. PEREIRA, Felipe Massari, A valorização de 1906 e o Convênio de Taubaté,
Rio de Janeiro, 2009
6. SUZIGAN, Wilson, Política Cambial Brasileira, 1889-1946 *, Rio de Janeiro,
1971
7. TORELLI, Leandro Salman, Os interesses da elite paulista na criação da
Caixa de Conversão: os debates parlamentares (1898-1914), Leituras de
Economia Política, Campinas, 2007
8. CHANG, Ha-Joon. “Chutando a Escada”, Editora UNESP, 2004
9. SIMONSEN, Roberto. A planificação da economia brasileira, 1944 In: A
controvérsia do planejamento na economia brasileira, IPEA, Brasília, 3ª ed.,
2010.
10. COLISTETE, Renato Perim. O desenvolvimentismo cepalino: problemas
teóricos e influências no Brasil. Estud. av., São Paulo , v. 15, n. 41, p. 21-34,
Apr. 2001 .
11. BIELSCHOWSKY, Ricardo. Eugênio Gudin. Estud. av., São Paulo , v. 15, n.
41, p. 91-110, Apr. 2001
12. GUDIN, Eugênio. Rumos de Política Econômica In: A controvérsia do
planejamento na economia brasileira, IPEA, Brasília, 2010, 3ª Ed.
13. LAFER, Celso. O Convênio Internacional do Café, EDUSP, 1973.

Você também pode gostar