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L. Boff sabe dizer coisas novas e aI e depois numa colônia para enri-
provocantes sobre temas antigos. Este quecer a metrópole. A partir das
é um livro que veio para acordar as cara veJas, o Brasil só começou a exis-
consciências acomodadas com o pro- tir com o descobrimento. Antes era a
cesso histórico do Brasil. Cansados fase da barbárie. O Brasil visto a par-
de tantas lutas, desiludidos de tan- tir do Brasil é uma invenção, já inici-
tas derrotas, acabrunhados por tan- ada e muito mais ainda a tomar cor-
tas estatísticas desanimadoras, os po. Apesar de todas as oposições fez-
brasileiros, pouco a pouco, vão se se aqui um experimento civilizacional
acostumando com a triste sina de singular étnico-cultural com suas
nossa história. contradições. Tem tudo para dar cer-
to, mas até agora foi vítima de uma
A lembrança dos 500 anos do
elite gananciosa.
Brasil terá a valência positiva ou
negativa conforme for interpretada. Encontra-se diante da alternativa
Visto a partir da praia, onde estavam de prolongar nesse novo patamar de
os nativos, o Brasil foi invadido e globalização a colonização ou reto-
subjugado. Não se transformou numa mar a construção interrompida com
nação, mas num entreposto comerci- inventividade.
Quatro invasões marcaram esse vida em todos os níveis. O cidadão
país: iniciou-se no século XVI com a precisa dispor de poder, saber cola-
colonização. No século XIX vieram borar e auto-educar-se para a cida-
os emigrantes europeus. A terceira dania. A educação também deve ser
se deu nos anos trinta do século XX, integral. Uma educação da práxis.
consolidando-se no regime militar Uma transformação profunda do
por meio da industrialização moder- país não se faz sem a articulação
na de substituição em estreita associ- entre os pobres e a inteligência. Esta
ação com o capital transnacional. deve conscientizar-se de sua dívida
Estamos vivendo agora a quarta in- social para com o povo. A universi-
vasão da globalização econômica com dade não pode permanecer fechada
o neoliberalismo levando o Brasil a em si, mas ir ao encontro da socieda-
uma submissão ao mercado global. de. Está aí o desafio de criar um
No Brasil convive uma cultura da Brasil alternativo. Troca de saberes,
dominação por meio da reprodução horizonte utópico são ingredientes de
dos centros do poder com uma cul- tal projeto.
tura da resistência e da libertação dos L. Boff termina o livro analisan-
setores dominados em vista da cons- do a contribuição da dimensão espi-
trução de uma cidadania popular e ritual nesse processo de gestar o novo
de um novo projeto alternativo. Brasil. Articula uma visão mais am-
A cidadania é uma realidade pla e profunda de espiritualidade
complexa que implica uma dimen- com a base religiosa de nosso povo.
são econômico-produtiva, político- Comparando com a Roma imperial,
participativa, popular, de solidarie- que assimilava as religiões dos con-
dade e consciência planetária. quistados, o Brasil poderá ser uma
Há vários projetos de cidadania. Roma tropical com sua enorme rique-
Há um projeto neoliberal de za religiosa e com sua alma tolerante
e sincrética. Além de construir-se, o
mundialização por meio do merca-
do, gerando uma cidadania seletiva. Brasil pode contribuir para o proces-
Há um projeto do capitalismo nacio- so de globalização com sua parte
nalista mais inclusivo, mas com as própria. Não se trata de sonhos qui-
contradições do capitalismo e um pro- méricos, mas possíveis.
jeto da democracia social, popular de O livro deixa uma mensagem de
plena cidadania e solidariedade. esperança e alento tanto mais neces-
É necessário construir este últi-
sária quanto mais se vive num desâ-
mo projeto Brasil alternativo e não nimo globalizado diante do Leviatã
neoliberal.
uma cópia dependente dos centros
financeiros e políticos. Devem-se tra- O livro pode ser utilizado com
balhar três eixos dialeticamente im- grande proveito nas escolas, nas dis-
bricados: a educação libertadora, a cussões de grupos. Junto está uma
democracia integral e o desenvolvi- pequena dinâmica com perguntas
mento social. Propõe-se uma mudan- que facilmente se tornarão pólos de
ça de paradigma de desenvolvimen- provocantes debates. Vale a pena
to. A produção econômica é apenas conferir.
para possibilitar um desenvolvimen-
to cultural, social e espiritual do ser
humano. A democracia deve ser vi-
CUTIÉRREZ, Custava: Teologia da libertação: Perspectivas. Tradução
do espanhol, nona edição, de 1996por Yvone Maria de Campos Teixeira
da Silva e Marcos Marcionilo, São Paulo: Loyola, 2000. 366 pp., 21 X
14 em. ISBN 85-15-02036-X.
CUTIÉRREZ, Custavo: Beber em seu próprio poço: Itinerário espiritu-
al de um povo. Tradução da edição peruana sem data por Yvone
Maria de Campos Teixeira da Silva. São Paulo: Loyola, 2000. 172 pp.,
21 X 14 em. ISBN 85-15-02035-1.
CUTIÉRREZ, Custava: O Deus da vida. Tradução da edição peruana
de 1989 por Cabriel C. Calaehe SI, e Marcos J. Marcionilo. São Paulo:
Loyola, 1992. 239 pp., 21 X 14 em. ISBN 85-15-002445-2.
CUTIÉRREZ, Custavo, A Verdade vos libertará: Confrontos. Tradução
da edição peruana de 1990 por Cilmar Saint'Clair Ribeiro. São Paulo:
Loyola, 2000. 211 pp. 21X 14 em. ISBN 85-15-02053-X.
o mercado dos livros segue, sem para o Senhor que passou diante das
mais, as regras da oferta e demanda. casas dos filhos de Israel no Egito,
E a demanda funciona muito à base quando golpeou o Egito e libertou
de sensacionalismos, de ondas, de nossas casas" (Ex 12, 26s).
eventos-notícia. Assim houve tempo
em que os livros produzidos pelos Assim a geração de amanhã nos
principais corifeus da teologia da li- perguntará: - "Que é teologia da
bertação ocupavam a primeira linha libertação"? "Quem foi Gustavo
de vendagem. Seus livros eram Gutiérrez"? Os pais poderão respon-
reeditados inúmeras vezes. der, compulsando essas obras
reeditadas pela Loyola: a teologia da
Este clima passou sobretudo em libertação nasceu por volta dos anos
relação às obras diretamente ligadas 70 numa situação difícil para os po-
à temática da libertação social e suas bres e queria pensar a fé cristã em
implicações. Por isso, muitos de seus vista da libertação deles; e houve um
títulos foram lentamente desapare- teólogo peruano que colocou essas
cendo dos catálogos das editoras. primeiras reflexões no papel, dando
Eis que as edições Loyola querem início a todo um novo método de
ir na contramão do mercado e resol- fazer teologia; esta teologia cresceu e
vem relançar, nos dias de hoje, as vicejou durante décadas, sofreu mui-
obras mais conhecidas de G. tas incompreensões dentro e fora da
Gutiérrez. Tal gesto veste-se de ou- Igreja; seus principais teólogos foram
tro significado que o mercadológico. perseguidos; armaram-Ihes proces-
Fez-me lembrar a mais lídima tradi- sos; tiveram que silenciar-se; foram
ção judaica. alijados de encontros importantes,
simplesmente porque pensavam as-
O livro do Êxodo prescreve a
sim. E a história então poderá ser
celebração da Páscoa. E oferece aos
contada, recontada.
pais de família subsídios para pode-
rem responder quando os filhos per- Vejo esses quatro livros de G.
guntarem: - "Que rito é esse que Gutiérrez como uma memória dessa
estais celebrando"? Então os pais caminhada. Evidentemente Teologia
dirão: - "É o sacrifício da Páscoa da libertação é o livro fundante. Deu
as coordenadas para os teólogos se- Toca-se a trombeta para anunciar
guintes irem elaborando seus livros. boas notícias ou maus agouros. O
Livro programático. Vale a pena sem- binômio que sempre acompanhou a
pre voltar a ele. A distância não o obra de Gustavo Gutiérrez foi: "de-
desatualiza, mas faz-nos captar o núncia" e "anúncio". Ele toca a trom-
momento-nascente da teologia da li- beta denunciando a injustiça sob as
bertação. suas mais diversas formas. Mas nes-
sa injustiça preocupa-lhe a sorte dos
Beber em seu próprio poço apon-
pobres. Há injustiças entre os pró-
ta para a espiritualidade que é a alma
prios ricos. Roubam-se mutuamente.
de qualquer teologia. Tanto mais
Mas eles sabem se defender. E como!
importante foi esta obra quanto mais
se acusava de a teologia da liberta- Dói-nos quando a injustiça atin-
ção ser uma sociologia, não ter ge a viúva, o órfão, o desprotegido.
espiritualidade nem mística. No má- A quem recorrer? G. Gutiérrez tem
ximo aceitavam que fosse uma teolo- um pequenino livro com o provocan-
gia fundamental, mas nunca uma te- te título: Onde dormirão dos pobres?
ologia que irrigasse todos os campos Ele se inspira em belíssima passagem
da teologia da mina pura da experi- do Êxodo em que Deus se prontifica
ência que o povo pobre faz de Deus e a ser o defensor dos pobres.
se toma exemplar para todos nós. O Classicum anuncia a libertação
Deus da vida é o oposto da opres- dos pobres. Vem despertar os ador-
são, da dominação sobre os pobres. mecidos diante de realidade tão gri-
É Ele que está sempre ao lado dos tante.
pobres num imenso protesto contra Clássico tem a ver também com
tanta morte. Nada tão atual quando "classe", "sala de aula". Os "clássi-
a caravana que conduz os pobres a cos" são aqueles livros que merecem
uma maior pobreza ainda continua em todo tempo ser lidos pelos alu-
comandada por novas forças, mas nos. Estão os grandes filósofos PIatão,
sempre ligadas ao capital. Tenha o Aristóteles, Santo Agostinho, Santo
nome que tiver. Tomás, ete. para testemunhar a ver-
A Verdade vos libertará. Livro dade de ser um clássico. Suas obras
que sintetiza muito do pensamento até hoje são lidas, comentadas, estu-
do A. quando quis apresentar suas dadas.
idéias diante de uma banca para a Dentro da simplicidade e pobreza
obtenção do doutorado. Obra madu- de nosso universo teológico latino-
ra. É a teologia latino-americana americano, estas obras de G. Gutiérrez
apresentando-se em nível de igual- merecem o nome de "clássicos". Me-
dade diante da intelligentzia teológi- recem ser sempre compulsadas pelos
ca européia. alunos para aí encontrarem a inspira-
Reeditar esses livros, não deixá- ção primeira do que foi um dos mo-
los desaparecer dos olhos, é querer mentos mais gloriosos e originais de
manter acesa a lâmpada da liberta- nossa teologia.Por esse lado, são obras
ção quando tanto se faz para apagá- que necessitam ser sempre reeditadas,
Ia. Considero esses livros clássicos. independentemente das ondas
A palavra "clássico", na sua mercadológicas.
etimologia, vem muito bem a calhar Com alegria e esperança sauda-
com o sentido dessas obras. mos esta retomada editorial para
Classicum é o toque da trombeta. É a manter viva a memória dos inícios
mesma raiz de "jubileu" em hebraico. da teologia da libertação! E como a
pobreza continua a crescer, os pobres entendeu Paulo como ponto central
se multiplicam e são ainda mais ex- de seu confronto de fé com Pedro:
cluídos, o acicate da teologia da li- "Apenas teríamos de nos lembrar dos
bertação se faz absolutamente neces- pobres, o que eu tive muito cuidado
sário para manter despertas as ener- de fazer" (GI 2, 10).
gias espirituais de compromisso com
os pobres. O esquecimento dos po-
bres é o esquecimento do Deus dos
pobres, do Jesus crucificado. Assim