Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Copyright by (c) Petit Editora e Distribuidora Ltda. 1992/1997. índices para catálogo sistemático:
1a
Edição/impressão: Outubro/92 - 5.000 exemplares 1. Romances mediúnicos : Espiritismo 133.9
2a Reimpressão: Junho/93 - 3.000 exemplares S 3a
Reimpressão: Fevereiro/94 -5.000 exemplares Direitos autorais reservados. É proibida a reprodução total
4a Reimpressão: Setembro/94 - 5.000 exemplares ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio, salvo
5a Reimpressão: Novembro/94 - 5.000 exemplares com autorização da editora. Ao reproduzir este ou qualquer
6a Reimpressão: Fevereiro/95 - 10.000 exemplares livro pelo sistema de fotocopiadora ou outro meio, você estará
7a Reimpressão: Agosto/95 - 10.000 exemplares prejudicando: a editora, o autor e a você mesmo. Existem
8a Reimpressão: Abril/96 - 10.000 exemplares outras alternativas, caso você não tenha recursos para adquirir
9a Reimpressão: Março/97 - 5.000 exemplares a obra. Informe-se, é melhor do que assumir débitos. Impresso
10a Reimpressão: Julho/97 - 10.000 exemplares no Brasil no inverno de 1997
1
REPARANDO ERROS
Pelo Espírito ANTÔNIO CARLOS
Introdução
Psicografia Vera LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO
Correspondência para Caixa Postal: 67545 Conheci o dr. Maurício num centro
- Ag.: Almeida Lima CEP: 03102-970
- São Paulo
espírita, uma casa anônima, local onde
- SP nenhum dos seus freqüentadores cultiva a
glória da personalidade humana e onde se
Outros livros presta valorosos serviços. Após um grande
psicografados pela médium socorro, no qual por doze horas consecutivas
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho nós, os desencarnados, trabalhamos na
recuperação perispiritual de inúmeros irmãos
Com o Espírito Antônio Carlos: que foram escravizados nos umbrais e se
- Reconciliação achavam em estados lastimáveis. Agora,
- Cativos e Libertos recuperados, dormiam e seriam encaminhados
- Copos que Andam para a colônia. Este facultativo, que ama
- Filho Adotivo muito o que faz, suspirou ao acabar de
- A Mansão da Pedra Torta socorrer o último irmão e elevou a voz numa
- Palco das Encarnações prece sincera: “Agradeço ao Senhor, pela
- Aconteceu oportunidade de trabalho. Sou grato, Pai, por
- Muitos São os Chamados servir em Seu nome e poder sanar dores,
- O Talismã Maldito enxugar lágrimas de irmãos sofredores; tudo
Com o Espírito Patrícia: que faço é ato de Sua bondade. Longe estou
- Violetas na Janela de ser digno de servir em Teu nome. Leva,
- Vivendo no Mundo dos Espíritos Pai, em favor, a minha vontade e ajuda-
- A Casa do Escritor me a ser servo útil. No término de mais um
- O Vôo da Gaivota auxílio, somos agradecidos e pedimos que
- Com espíritos diversos: nos oriente sempre no caminho do bem.” Seu
- Valeu a Pena semblante, sempre tão agradável, irradiava
- Perante a Eternidade felicidade no meio de tantas dores. O dr.
Maurício é muito conhecido no Plano Espiritual
ÍNDICE da Colônia São Sebastião, nos umbrais, nos
postos de socorros da região e também pelos
Página 1 encarnados que freqüentam o laborioso centro
espírita. Trabalhava as vinte quatro horas do
Reparando Erros dia com alegria infinda. Os sofredores, quando
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt o vêem, fixam seus olhos desesperados nele,
como os sedentos num copo d’água. É alto,
Introdução 07 esguio, ruivo, com sardas a enfeitar o rosto,
lábios grossos, onde o sorriso radiante e franco
Primeira parte é constante. Os olhos são verdes brilhantes,
1. Maurício 10 de expressão bondosa que demonstra toda
2. O casamento 21 alegria de viver servindo.
3. A felicidade no bem 31
4. Despertando 45 8
5. Sofrimento 58 Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
6. Caminhando 71 Antônio Carlos
Página 13
Reparando Erros - Também acho. Não sabendo o que fazer
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt com os órfãos, trouxe-os para casa.
- Coitadinhos! Tão lindos! Tão pequenos!
irmãos e sobrinhos e, mesmo com - Que faremos, Maurício? Deixá-los na
o desencarne de meus pais, reuníamo-nos casa da fazenda com uma empregada? Ou
sempre em datas importantes e festas. aqui em casa?
Tivemos três filhos, Jonas, José Hermídio - Meu anjo, queríamos ter muitos filhos,
e Margarida. No terceiro parto, Maria das acho que Deus nos deu mais dois. Vamos
Graças teve uma infecção e não pôde mais ter criá-los com os nossos. Assim, Antônio e
filhos. Ficamos tristes pois tínhamos planejado Francisca ficaram em nossa casa, como filhos
ter uma família numerosa. Logo após o adotivos. Trabalhava muito, ficava pouco em
nascimento de minha filha, d. Etelvina teve um casa e quase não via meus filhos. Sempre
derrame que a deixou acamada por oito meses achei certo o que minha esposa fazia e a ela
e desencarnou. Leônidas ficara adoentado e coube educar as crianças. Às vezes, achava
tinha muito ciúme das crianças, necessitando que ela os mimava. Se tocava no assunto, ela
ser vigiado o tempo todo. Com a doença de dizia que não e se aborrecia. Então, evitava
minha sogra, leveio para meu hospital onde falar ou dar palpites, ficava feliz, vendo-os
fez amizade com Miguel e ficou mais tranqüilo, fortes e sadios. Jonas era o mais rebelde
13
e briguento; José Hermídio era bondoso e que lá passarem os homens valiosos que
amigo, meninote interessou-se pela fazenda. construíram um local para curar doenças.”
Margarida era teimosa e chorona; Francisca Infelizmente, atingimos nossos objetivos
era meiga e boa; Antônio era o meu preferido, exaltando a vaidade das pessoas. Tudo fiz
vivo, inteligente, gostava de ir ao hospital, para conseguir um hospital grande e equipado,
brincar de médico, estava sempre sorrindo. realizando meu sonho. Com entusiasmo,
Para evitar ciúme, procurava não demonstrar construíram o hospital em tempo considerado
preferência. Quando a abolição veio, trouxe rápido. Nessa época, José Hermídio, que
muitas confusões, enchendo meu hospital amava a fazenda, passou a tomar conta da
de negros doentes, andavam os ex-escravos nossa com muita capacidade, se casou, e
pela cidade formando confusões, roubando, foi morar nela, aliviando o trabalho de minha
não tendo onde ficar e o que fazer. Aos esposa. As meninas, Margarida e Francisca,
poucos, com o tempo, foram se ajeitando. também casaram, na opinião de Maria das
Foi um período de muito perigo e trabalho, Graças, muito bem. Os netos começaram a
muitos crimes aconteceram. Cuidei de muitos enfeitar nossa casa. Irmãs de caridade vieram
negros doentes, mal nutridos, deformados trabalhar e direcionar o novo hospital, nossa
por castigos que receberam durante muitos moderna Santa Casa, grande e bonita para a
anos. Meus filhos estudaram, Jonas e Antônio épo
decidiram cursar medicina, orgulhei-me deles. - S. E. Círcuío da Luz BIBLIOTECA
“Continuarão meu trabalho!” Jonas, o mais I”””*”$i.o <ON:to
velho, estava um ano mais adiantado que
Antônio nos estudos. Levei meu filho Jonas Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
para estudar em São Paulo, como meu pai Antônio Carlos
fizera comigo. Arrumei
ca. A inauguração foi feita com uma
Página 14 grande festa. Tudo que podia ser utilizado do
Reparando Erros meu hospital foi para o novo. Após trinta anos,
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt meu hospital foi fechado. Amava muito meu
velho hospital, mas não me importei em fechá-
um local para que ficasse, numa lo, estava muito contente com o novo. Como
pensão familiar, já prevendo a ida de Antônio, previ, novos médicos vieram para a cidade.
organizando para que ficassem juntos. Rosa e Pedro não quiseram sair do cantinho
No outro ano, após as ferias, Antônio foi deles, já velhos, decidi aposentá-los, ou seja,
morar com Jonas. Antônio, estudioso, tirava continuar pagando seus ordenados e deixar
excelentes notas, enquanto Jonas estudava meus fiéis e dedicados ajudantes onde eles
para ser aprovado. O tempo passou. A queriam. Miguel também ficou morando nos
felicidade no bem A cidade foi crescendo e a fundos do antigo hospital e passou a trabalhar
população começou a sentir necessidade de de enfermeiro na Santa Casa. Mas meu velho
um bom e equipado hospital. Reuniram-se os hospital ficou fechado só por dois meses. Um
fazendeiros, as pessoas mais importantes e dia, Rosa foi procurar-me na Santa Casa.
de posses financeiras e decidiram construir
um. Pela primeira vez, fiz política, organizei - Dr. Maurício, uma senhora idosa,
reuniões, nas quais explicava a necessidade sofrida, espera-o em casa. Traz o filho doente.
de um bom hospital. “Um hospital na cidade - Por que não a encaminhou para cá?
só trará benefícios” - É que... é louco! Fui vê-lo, tinha trinta
- dizia. “Novos médicos virão para cá, anos, alto, forte, estava amarrado, sujo,
poderemos ter equipamentos modernos, despenteado, causando má impressão,
quartos luxuosos, onde poderão os senhores apiedei-me dele. O moço falava sem parar,
e suas famílias se alojar, caso adoeçam repetindo frases, desorientado. Sua mãe
gravemente. As enfermarias serão amplas, chorava baixinho, olhando com amor o filho
todos da região se beneficiarão com o novo naquele estado.
hospital. Como beneméritos, seus nomes - Dr. Maurício, ajude-me. Sou pobre,
ficarão gravados numa grande placa na viúva, este filho é tudo o que tenho. É doente
entrada, informando ao futuro e a todos da cabeça, enfurece-se e ataca a todos. Só o
14
senhor pode ajudar-me. Não o aceitaram na uma esposa, como o senhor. Quero sustentar
Santa Casa, disseram que não é doente para a minha família! Doeu muito ouvir isto de um
lá. Não sei o que faço. Como deixálo assim, filho, reconhecia ser verdade. Evitei discutir
todo amarrado... com ele, não deixando, porém, de aproveitar
- Deixe-o aqui, cuido dele. as ocasiões propícias para chamá-lo ao bom
- Irá sarar? senso elucidando-lhe para a caridade que
- Só Deus sabe, mas farei a minha parte. se pode fazer dentro da medicina. Antônio
Acomodamo-lo em um dos quartos. Com formou-se e vi nele a minha esperança. Ótimo
carinho o desamarramos, demos banho nele, obstetra, os partos difíceis acabavam em
já suas mãos. Era bom, caridoso, estudioso,
sonhava em fazer pesquisas para o bem
Página 15 da humanidade. Passou a ajudar-me, tanto
Reparando Erros com os pobres na Santa Casa, como no meu
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt Sanatório. Conversávamos muito, já não
ligava mais de mostrar a minha preferência,
mais calmo, fizemos curativos em tornamo-nos grandes amigos, tínhamos as
muitos dos seus machucados, dêmos-lhe mesmas preferências e amávamos demais a
comida. Ele não nos atacou, ficou quieto a nos medicina, trocávamos idéias dos casos mais
olhar, depois voltou a conversar, acabou por difíceis e complicados, resolvendo-os em
dormir. Constatei o tanto que ele sofria e que comum. Só estavam os dois solteiros e não
necessitava de tratamento e cuidados. Bastou combinavam, quase não conversavam. Queria
este, para aparecer outros enfermos mentais que os dois fossem amigos, mas entendia que
da redondeza e região. Novamente Maria era difícil ser amigo de Jonas que era cínico e
das Graças veio ao meu auxílio, reformamos arrogante. Antônio começou a namorar uma
a casa, colocamos grades nas janelas e a moça simples e pobre desgostando minha
transformamos esposa que me chamou para interferir: 34
Sentia-me como um animal raro ao ser meu sustento, minha proteção. Amava-a
observado. Em nossa pequena casa nada muito, mas egoisticamente pensava agoniado:
me faltava, ali andava sozinho e sabia onde “Que será de mim? Como viverei?” Fui
estava tudo. Lá fora, não. O mundo me era consolado pelos vizinhos que ficaram comigo
desconhecido e eu o temia. Mamãe mimava- no velório e acompanharam o enterro, escutei
me, poupando-me tudo que lhe era possível. muitos comentários:
A comida era servida na mesa. Não deixava
fazer nada que poderia ser perigoso. “Não Página 32
chegue perto do fogão, João, pode queimar- Reparando Erros
se.” Gostava de varrer e o fazia sempre, em Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
nossa casa e a sua volta, também conseguia
pegar água no poço e trazer para casa. Mamãe “Que será dele? Somos pobres para
buscava lenha no mato para fazer nossa acolhê-lo.” “Terá que esmolar para comer.
comida, às vezes acompanhava-a, ela não Como mãe faz falta!” Pedir esmolas não queria,
gostava, e nem eu. Arranhava as pernas e achava preferível morrer de fome. Após o
acabava atrasando-a porque, além de carregar enterro, fiquei sozinho em casa, senti o peso
os gravetos, ainda tinha de guiar-me pelo difícil enorme da solidão. Naquela noite, uma vizinha
caminho. Mamãe nunca reclamava, era boa e trouxe-me um prato de sopa, deixando claro
todos gostavam dela. que seria somente aquele dia. No outro dia,
- Mãe, os outros meninos tem pai e mãe, comi o que tinha em casa, meu corpo sadio
por que eu só tenho a senhora? e adolescente sentia fome. “Só me resta
- perguntei-lhe um dia. cozinhar, farei minha própria comida. Ainda
- Somos só nós dois, um pelo outro. tenho feijão.” Tentei acender o fogão, notei que
Não temos mais família, fiquei órfã pequena não tinha lenha. Enchendo-me de coragem,
e sozinha. Você tem pai como os outros resolvi ir buscá-la no campo. Com muita
meninos, mas não sei dele. Um dia, ele dificuldade fui andando, apalpando, consegui
passou pela aldeia, enamorei-me, era bonito, pegar alguns paus. Achando que era suficiente
mas foi embora e nem ficou sabendo de os que apanhara, resolvi voltar. Andei um bom
você. Completara dezesseis anos, um dia ao pedaço. “Já deveria ter chegado, não estou
acordar tentei escutar o que minha mãe fazia escutando vozes!” Escorreguei e rolei por uma
como todos os dias. Estava tudo tão quieto encosta, consegui me segurar numa árvore
que estranhei e gritei por ela. Ninguém me pequena. Ali fiquei quieto, sem me mexer, não
respondeu, senti um aperto no coração, um me atrevendo a subir com medo de cair mais.
estranho pressentimento, levantei e fui até o “Meu Deus!”
seu leito. Mamãe estava deitada, fria e quieta. - exclamei. “Onde estou? Será que
Passei a mão pelo seu rosto, seus lábios este buraco é fundo?” Pus-me a gritar
estavam fechados. Corri e chamei a vizinha. desesperadamente, clamando por socorro até
- João, sua mãe está morta! que ouvi:
- Morta? Que é estar morta? - Calma! Calma! vou salvar você. Fique
- É como o gatinho do Jairo, fica assim quieto, converse calmamente e não grite mais.
30
Não tenha medo. Como se chama? Fiquei minhas mãos e fui passando-o onde doía.
mais calmo, fui respondendo as indagações Senti-me aliviado, agradeci e fiquei deitado
quando percebi que um homem forte chegara ouvindo os pássaros que cantavam alegres
perto de mim. na tarde que morria. Cansado, adormeci. No
- Machucou-se? outro dia, acordei e escutei barulho pela casa.
- Não, só me arranhei um pouco, nem dói. - João, você já acordou? Venha alimentar-
- Como caiu filho? se. Daniel veio até mim, segurou minha mão e
- disse meu salvador, passando a mão guiou-me até a mesa ajudando-me a sentar,
na minha cabeça. colocou em minha frente meu
- Quantos anos você tem?
- Dezesseis, sou cego, senhor. 66
- Ah! Bem... Vamos subir, seja como Deus Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
quiser. Antônio Carlos
72 Reparando Erros
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / 73
Antônio Carlos
Meu Deus! Como é triste perder um filho
formei-me com distinção. Huts também nesta circunstância e ficar na ansiedade, na
estudou e se formou em medicina na mesma agonia de achá-lo vivo ou mesmo morto. Anos
época que eu. Quando formado, veio ver-me passaram, nunca tivemos notícias dele, sua
na França, onde passou uns meses conosco feição não me saía da mente. Sonhava sempre
e aproveitamos para trocar idéias. Meus avós com ele, Leonard era lindo, louro, olhos azuis
maternos eram ricos, Huts vestia-se bem e vivia a sorrir. Às vezes, despertava com sua
34
vozinha chamando-me como sempre fazia
quando voltava para casa. “Pai, meu pai!” Novamente tive o ensejo de encarnar,
- Conforme-se Gert achei que merecia nascer em uma família pobre
- dizia minha esposa -, acabará e aprender a dar valor a todas as pessoas,
enlouquecendo. Acho que mataram nosso independente de suas posses financeiras.
filho. Sabia que pobre não conseguiria estudar, não
- Sinto-o vivo. Não sei por que Janet, poderia formar-me para médico desta vez.
sinto-me culpado. Não sei explicar, mas parece Desperdicei uma oportunidade, poderia ter sido
que já raptei crianças, não sei quando ou por bom e não fui. Quis saber de Huts, o irmão que
que e agora sofro o que já fiz outras pessoas amei tanto, soube que ele fora Marc, Daniel,
sofrerem. amigo de erros e sofrimentos, ansiei por estar
- Gert, atenda-me, não pense assim, perto dele. Encontreio encarnado no Brasil,
ficará doente. Amargurado, triste, envelheci exercendo medicina sem ser formado, ou
precocemente, tendo no meu trabalho o melhor, amenizava dores com seus remédios
bálsamo para esquecer e enriquecer. Meus de ervas e benzimentos. Morava só, solteiro e
filhos casaram, e vieram os netos, fiquei viúvo não querendo constituir família. Encarnei entre
e sozinho, comecei a pensar, refletir sobre seus vizinhos. Porque sabia que, tão afins,
minha vida e entendi que fracassara. “Talvez iríamos nos encontrar. O Brasil, terra nova, se
devesse ter agido de outro modo. Trabalhei formava sem tantos preconceitos no meio de
muito, enriqueci e de que me serviu o dinheiro? tantas raças. Foi no interior, onde as fazendas
Nem meu filho pude achar. E se ele for um dos prosperavam com o trabalho dos negros,
pobres que me nego a atender?” que encarnei. Filho de colonos, família de
numerosa prole. Éramos pobres, mas felizes,
Página 37 apesar de trabalhar muito, levávamos uma
Reparando Erros vida despreocupada. Chamava-me Alfredo.
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt Por toda a redondeza ouviam-se histórias
fantásticas de assombrações, de feiticeiros,
Assim pensando, tentei atender mais etc. O morro da redondeza era o alvo dos
os pobres que nem mais me procuravam. Mas principais assuntos, onde vivia um senhor
não houve tempo, desencarnei. Como é triste branco que fazia curas como doutor, benzia,
deixar para fazer o bem no futuro e na carne, tirava mau-olhado, dava remédios. Apesar
o futuro nos é incerto, nem sempre o temos. O de bom, tinha o apelido de Feiticeiro, porque
bem deve ser feito no presente. Amargurei em diziam que ele também podia com o próprio
remorsos, dentro de mim, repetia sem parar: demônio. Quando estava com oito anos, minha
“Os pobres adoecem, os pobres sofrem...” mãe levou-me ao morro, à casa do Feiticeiro.
Chorava muito e bondosamente Janet, minha Fui com tanto medo, tremia só em pensar em
esposa, vinha conversar comigo elucidando- ver o demônio, pensava que iria ver um bruxo
me. Vaguei por anos, com sinceridade me feio e horrível. Sabia que não era mau, atendia
arrependi e fui socorrido. Pude então saber de a todos e não cobrava de ninguém. Todos
Leonard, meu filho que já estava velho e era pela redondeza lhe deviam favores ou uma
muito feliz. Ele foi roubado por uns salteadores cura. Estava tendo muitas dores de barriga
que o encontraram sozinho perto de nossa e, na opinião de minha mãe, estava magro.
casa, quando na sua peraltice havia fugido. Meu coração bateu disparado quando entrei
Foi vendido a um casal sem filhos que o criou na casa dele e vi um senhor bondoso a sorrir.
e educou-o muito bem, embora tenha ele sido - O senhor não é feio!
pobre e simples. Lembrei de meu passado, vi - exclamei, observando-o. O feiticeiro
que colhi o que plantei, participei de raptos sem era magro, alto, moreno claro, barba bem
me preocupar com os familiares de minhas feita e muito limpo. Senti paz ao fitá-lo, fiquei
vítimas, nesta encarnação sofri a ausência olhando-o e esqueci de tudo. Examinou-me,
de um filho. fiquei quieto, tímido, escutei ele falar que um
dia voltaria para ajudá-lo e ficaria com ele.
74 Mamãe ficou contente e, com os remédios
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / para vermes, voltamos para casa. Voltei triste
Antônio Carlos e cismado.
35
aprendendo a benzer. Estava com dezessete
Reparando Erros anos. Joaquim, era assim que
75
76
- Mamãe, por que ele se chama Feiticeiro? Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
Por que vive sozinho? Antônio Carlos
- Ele mora só porque não casou, acho
que é feliz assim. Ele não se chama Feiticeiro, :$) se chamava o Feiticeiro, construiu
é apelido. Ele entende de tudo, é sabido! Dias mais um cômodo em sua casa que passou a
depois, estava livre das dores de barriga, mas ser meu quarto. Feiticeiro foi um pai para mim,
não esqueci do Feiticeiro, quando olhava ensinou-me tudo que sabia, aprendi a ler e a
o morro sentia saudades. Logo comecei a escrever, a usar as ervas como remédio, a
trabalhar na lavoura, queria estudar como os usar minha intuição para lidar com pessoas
filhos do senhor da obsedadas e mesmo a não ter medo dos
espíritos.
Página 38 - Espíritos são pessoas como nós. Só que
Reparando Erros não têm o corpo físico, não devemos temê-
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt los, mas ajudá-los se necessitados, se bons,
devemos ser amigos
fazenda. Sonhava em aprender a ler e - esclareceu-me.
escrever. Pedia sempre aos meus pais: - Morre o corpo, Alfredo, a alma, o espírito
- Quero estudar! Deixem-me estudar! continua a viver. E podem viver de muitas
- Isto é para ricos, pobres trabalham formas, uns vagam pelo antigo lar, outros,
- respondia minha mãe. O tempo passou, querendo vingança, outros ficam perto dos
estava mocinho quando, um dia, meu pai teve que amam, nestes casos, não é bom. Só
falta de ar e dores no peito, corri e fui chamar os espíritos bons auxiliam com sabedoria.
o Feiticeiro. Ele sorriu ao me ver, contei aflito Muitos dos doentes que aqui vem tem por
o que acontecia e ele rápido pegou a sacola companhia desencarnados não esclarecidos
onde carregava suas ervas e remédios e que necessitam de orientação e de ir para
descemos o morro, chegando logo em casa. lugares que lhes são próprios no mundo
Ele examinou meu pai, deu-lhe um chá que espiritual, assim deve aprender a orientá-los,
o tranqüilizou e o fez dormir, deixando-nos poderá ajudar tanto o encarnado, vivo no
aliviados. Feiticeiro chamou minha mãe na corpo, como o desencarnado, vivo em espírito.
sala e disse calmo: No começo tinha medo, mas aos poucos
- D. Abadia, seu marido está mal, sinto passei a gostar do assunto, entendendo, não
em não poder curá-lo. Sua vida está nas tive mais medo. Feiticeiro repetia para mim
mãos de Deus. De fato, meu pai desencarnou sempre este ensinamento:
naquela noite. Interesseime por aquele homem - Alfredo, faça o bem a todos, como
simples, instruído, com quem simpatizei sem gostaria que fizessem a você. Mas toda
entender bem o porquê. Comecei a visitá-lo, caridade deve ser acompanhada da boa moral.
primeiramente para agradecer, depois para Tudo que fazemos são atos externos e pouco
conversar, era muito agradável ouvilo. Um dia, valerão se não tivermos o procedimento reto.
contei que meu sonho era ler e escrever e senti Atos bons nos tornam bons se procedermos
uma enorme alegria ao escutar: sem erros. Os anos passaram, Feiticeiro
- Ensino você! Aprenderá fácil! Passei a envelheceu e como seu ajudante ganhei o
ir mais vezes em sua casa, tanto me interessei apelido de Curandeiro. Joaquim não saía
pela leitura como por seu trabalho. Atendia a mais de casa, era eu que descia o morro para
todos que o procuravam, cuidava da horta e atender os que não podiam subir. Um dia,
dos animais. Sabia ler os pensamentos alheios acordei e, como Feiticeiro não levantava, fui
e mesmo assim era caridoso com todos. ao seu quarto e encontrei-o morto. Todos na
Aprendia rápido e observava com atenção redondeza sentiram seu desencarne, vieram
tudo que ele fazia. Um dia, convidou-me trazer flores, orar por ele, enterrei-o entre as
para ir morar com ele, não hesitei em aceitar. flores do nosso pequeno jardim. “Aqui viveu,
Minha mãe ficou contente por ter um filho aqui seu corpo voltará a natureza!” Senti muito,
36
mas foi com grande alegria que tempos depois amava e que Joaquim construiu destruído.
senti sua presença ao meu lado, orientando- Abaixei a cabeça e pensei rápido, se fosse
me e confortando-me. Continuei seu trabalho. expulso para onde iria? E todas as pessoas
Era como ele, querido e tido como médico que me amavam e confiavam nos meus
entre os pobres e escravos. conhecimentos rudimentares para ajudá-las?
Casar não estava no meu programa mas e a
Página 39 mocinha enganada e grávida que seria dela
Reparando Erros se não aceitasse? Casando, poderia ajudá-la.
A imagem do Feiticeiro veio a minha mente,
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt ele tinha razão, não tinha escolha. Com voz
Reparando Erros firme, respondi:
77
78
Estava com trinta e oito anos e os astros Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
anunciavam uma mudança em minha vida. Um Antônio Carlos
dia, logo de manhãzinha, vi Feiticeiro que me
disse: “Alfredo, aceite o que vierem lhe propor.”
Inquietei-me tentando adivinhar o que seria. - Aceito!
À tarde, recebi a visita do dono das terras do - Isto!
morro. Este senhor, quando era pequeno, foi - suspirou o fazendeiro aliviado.
curado de uma mordida de cobra venenosa - Não se arrependerá, o casamento será
pelo Feiticeiro. Cumprimentou-me e sentou-se para daqui a três dias, no sábado à tarde. Você
na cadeira que ofereci e foi direto ao assunto deve estar cedo na casa-grande. O padre vem
para meu alívio. fazer batizados e aproveitaremos a ocasião
- Curandeiro, tenho uma filha de dezesseis e faremos o casamento de vocês. Mandarei
anos que gosto muito, é a minha predileta. meu empregado de confiança trazer roupas
Ela está grávida e o safado sumiu. Abaixou a apropriadas para você e mantimentos. Não
cabeça e não conseguiu esconder as lágrimas quero que falte nada a minha filha. Sei que
que teimavam em rolar pelo rosto, suspirou e para você é um negócio que não teve escolha,
continuou: mas ela é uma menina, tão frágil, cuidará bem
- Pensei em mandá-la para um convento, dela não é?
mas a coitadinha chora desesperada e não quer - Não faço mal a ninguém. Apertou-me
ir, lá terá que dar o filho e ficará presa. Minha a mão, observei que estava abatido e triste.
filhinha presa, não, isto também não quero. - Até sábado! Saiu e fiquei a pensar:
Ora tenho dó dela, ora tenho raiva e gostaria “Casado! Avisado três dias antes”. Arrumei do
de matá-la, o fato é que me envergonhará. melhor modo possível a casa, limpando tudo.
Como deixá-la ter o filho solteira? Pensei em No outro dia, me trouxeram roupas e alimentos.
achar um marido para ela e lembrei de você As roupas me serviram bem, deveria ter sido
que é boa pessoa e solteiro. Assim, não a de algum dos meus futuros cunhados. Dentro
mandarei para longe nem estará tão perto de um casaco encontrei uma boa quantia de
que não possamos esconder o fato. Afinal, o dinheiro. “Pareço comprado!”
filho dela é meu neto! Vim, Curandeiro, propor - disse, triste. “Alfredo, não se sinta
este negócio, case-se com ela. Minha filha virá assim”
morar aqui, onde mandarei construir uma boa - disse Feiticeiro. “A mocinha necessita
casa e darei a você estas terras. Então, que de auxílio, use o dinheiro para ajudá-la. É dela,
me responde? de seu pai.” No sábado, arrumei-me do melhor
- Poderei pensar e... modo que pude, fiquei elegante, desci o morro
- Não há tempo. Se não aceitar, também logo após o desjejum, rumo a casa-grande.
não aceitarei mais você aqui, mandarei - Está muito bem! Seja bem-vindo!
meus homens expulsá-lo de minhas terras e - disse meu sogro, cumprimentando-me.
destruirei tudo. As pessoas da fazenda comentavam sobre o
- Tudo? nosso casamento. Uns diziam que há tempo
- Sim, porei fogo. Que responde? namorávamos escondidos e que éramos
Entristeci só em pensar em ver tudo que tanto apaixonados e como fomos descobertos o
37
sinhozinho com ela, logo ela estava alegre e passamos a
conversar, trocando idéias. Como meu sogro
Página 40 prometeu, logo ao lado de minha casinha uma
Reparando Erros bonita casa estava pronta.
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt - Não é bonita, Curandeiro?
- disse ela, entusiasmada.
nos fez casar. Outros diziam que a sinhá - Sim, é bonita. Este quarto é meu, este
Júlia amava-me desde que a curei de uma maior é seu, aqui ficará melhor com o bebe.
dor de cabeça. Sorria diante dos comentários Atenderei as pessoas na casinha, no meu
e não respondia as indagações. O fato era antigo lar, será como um hospital.
que não conhecia minha futura esposa e - Alfredo, você é tão inteligente, tão bom!
não sabia nem como era. Conheci-a quando Como poderia imaginá-lo instruído, sabe ler e
entrou na sala vestida de noiva nos braços do escrever tão bem. E pensar que temi encontrar
pai. Juliana, assim se chamava, tratada por um bruto. Quando mudamos, meus sogros
todos por Júlia, estava nervosa com a cabeça vieram visitar-nos, ao ver a filha bem e feliz,
baixa. Era miúda, morena, de olhos grandes ficaram contentes. Estávamos proibidos de ir
que estavam assustados. Fiquei com dó dela, a casa-grande até que a criança nascesse e
parecia uma criança com muito medo, obrigada estivesse maiorzinha. A
a aceitar um esposo que conheceria no altar.
80
Reparando Erros Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
Antônio Carlos
O casamento foi rápido, logo após
o padre fez os batizados e em seguida ordem era que escondêssemos a criança
houve uma grande festa. Na casa-grande, e só dizer que nasceu quando fizéssemos nove
os convidados, alegres, davam vivas aos meses de casados. Júlia fazia o serviço da
noivos. Procurei ser gentil com todos os casa juntamente com uma negrinha sua antiga
convidados, e meu sogro suspirava tranqüilo, ama, escrava da fazenda que o pai mandara
não o estava envergonhando. No terreiro, para que ajudasse. Quando subia alguém no
os negros e colonos festejavam com grande morro procurando-me, ela se escondia. Um
alegria e danças os batizados e o casamento dia contou-me sua história.
da sinhazinha com seu dr. Curandeiro. Antes - Conheci Alberto logo que chegou a
que a noite chegasse, meu sogro achou cidade perto da fazenda, era um empregado
conveniente partirmos e uma charrete nos do império que viera para estudar a construção
levou ao morro. Ao meu lado júlia estava de uma estrada. Era bonito, elegante e amei-o
calada, triste e distraída. Ao chegar, ajudei-a logo que o vi, ou pensei amá-lo, porque não o
a descer e a charrete e seu condutor voltaram amo mais, tenho, sim, raiva dele. Escreveu-me
para a fazenda, deixando-nos sozinhos. cartas, bilhetes e começamos a nos encontrar
- Júlia, você é uma criança. Tenho idade escondido, a noite, perto do lago. Prometeu
para ser seu pai, é isto que serei a você, seu casar comigo. Mas foi embora, nem despediu-
pai. Não tenha medo, aqui estará protegida. se, deixou-me uma carta dizendo que partia e
Fomos, menina, obrigados a casar, você para que era casado. Chorei tanto que meu pai quis
esconder o fruto do seu amor e eu para não saber o que acontecia comigo. Um dia no meu
ter que ir embora daqui, deste lugar que amo. quarto, enquanto conversávamos, desmaiei e
Casamos perante Deus, mas não somos Negrinha contou-lhe que estava vomitando e
esposos por nossa vontade e não seremos. tinha enjôos. Quando recobrei os
Não vou exigir direitos de marido. vou ajudá-
la, aqui terá seu filho, cuidarei de vocês dois. Página 41
Não fique assustada. Sorri tentando ser gentil. Reparando Erros
Júlia ensaiou um sorriso suspirando aliviada, Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
mas estava desconfiada. Deixei-a a vontade,
cedi meu quarto, acomodei-me na sala. A sentidos, ele lia a carta que Alberto
desconfiança foi acabando ao ter a certeza mandara-me de despedida. Acabei contando-
que não a enganara. Era bondoso e gentil lhe tudo. Pensei que ia matar-me, falou em
38
mandar-me para um convento e teria de dar trabalhadores, casaram, fomos sempre felizes,
meu filho. “Mate-me!” vivemos em paz. Júlia cuidando de tudo e
- gritei chorando. “Não me separarei do eu dos meus doentes, fazendo remédios,
meu filho, ele não tem culpa!” Meu pai é bom benzendo, curando... Até duas horas antes de
demais, olhou-me com pena. “Nem convento, desencarnar atendi meus doentes, foi quando
nem dar a criança. Casarei você. Isto, casarei me senti cansado com dores no peito. Júlia
você!” Saiu e voltou com tudo planejado. “Júlia, me fez deitar, me deu chá e senti sono, então
você casará no sábado, vamos aproveitar que ela fechou a janela do quarto e saiu para que
o padre vem a fazenda fazer os batizados. Sua descansasse. Senti que o ar me faltava, tentei
mãe reformará o vestido de noiva com que sua gritar, chamar alguém, não consegui, tudo
irmã casou.” “Com quem?” rodava, parecia que minha cabeça partia ao
- perguntei aflita. Naquele momento tudo meio, pensei que desmaiava. Desencarnei,
era preferível a me desfazer do meu filho. “Com Joaquim e amigos desligaram-me do corpo,
o Curandeiro do morro. Não é má pessoa” levando-me a um posto de socorro. Senti como
- disse, saindo. Ansiosa, agoniada, era querido pelas muitas preces que recebi
esperei pelo sábado. Ao ver você no altar, que me confortaram. Entendi que desencarnei,
achei que foi Santa Rita que me ajudou. logo me refiz, adaptando-me e encantei-me
Graças a Deus, estou bem, logo meu filho com a vida Espiritual. Meu espírito ansiava por
nascerá neste lugar tranqüilo e bonito, e ficará aprender, por saber. O meu passado já não
comigo. Fui eu quem fiz o seu parto. Foi um incomodava mais, sabia que não
parto difícil, em que Júlia sofreu muito, mas foi
enorme a alegria ao pegar um lindo 82
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
Reparando Erros Antônio Carlos
81
se muda o que já aconteceu, mas o
menino, forte e sadio. Cuidei dela como futuro depende do nosso presente, cabia
cuidava dos meus clientes e escondemos somente a mim construí-lo. Sempre intrigou-
a criança por mais de dois meses. Quando me, como Maurício, o amor devotado de
anunciamos o nascimento do menino, Maria das Graças por mim, reconheci que ela
começaram as visitas e meu sogro deu uma era Júlia, a antiga companheira, que, como
festa no seu batizado. Fui conquistando a prometera, muito me
família de minha esposa que passou a achar
que não fora um mau casamento para Júlia. Página 42
Sabia agradá-la, tinha conversa amigável e Reparando Erros
tornei-me amigo de todos. O tempo passou e Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
a amizade transformou-se em amor no coração
da jovem Júlia. Passamos a viver realmente ajudou. Como Júlia recebeu meus
como esposos, não a amei, mas queria-a muito benefícios, como Maria das Graças pôde
bem. Ela não interferia no meu trabalho e eu retribuir o bem que lhe fiz. Quis encarnar e ser
deixava que cuidasse de tudo, da casa, dos médico, sentia-me apto a exercer com justiça
trabalhos da terra. Tivemos mais três filhos, e sabedoria esta profissão que diariamente
nunca fiz diferença entre eles e nunca ninguém age sobre as pessoas, fazendo-as mais felizes
mais soube do ocorrido. Júlia foi feliz e me ou infelizes. Os profissionais da medicina não
dizia sempre: “Alfredo, amo você e sou-lhe devem trabalhar somente pela remuneração
muito grata. Você me fez feliz! Como teria sido financeira. E é justo que por ela tenham seu
infeliz se fosse trancada num convento, longe sustento honesto, mas devem pensar também
destas terras que tanto amo. Sem liberdade, que o cliente é seu irmão, seu semelhante, e
sem filhos, morreria de tristeza. Você aceitou- atendê-lo bem, sendo rico ou pobre, preto ou
me com filho de outro, não me julgou, não branco. Joaquim e eu fomos estudar, logo que
me condenou e me ajudou. Sou grata a você. terminei o curso que fiz no Plano Espiritual
Um dia, se Deus quiser, terei oportunidade quis voltar a carne, Joaquim não, queria ficar
de ajudá-lo e saberei recompensá-lo.” Os mais tempo. Ansiava por exercer a medicina
filhos cresceram, estudaram, foram bons e encarnado, reparar erros usando da mesma
39
medicina que por irresponsabilidade tanto mal novatos, recém desencarnados, acostumados
fiz. Necessitava caminhar, tornar-me um ser a ver nos genitores pessoas mais
útil, um auxiliar, em vez de permanecer sempre
precisando de auxílio. Joaquim prometera 84
reencarnar perto de mim. Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
- Achou-me Alfredo, como Feiticeiro em Antônio Carlos
terras novas, me achará novamente até como
simples escravo ou um colono. idosas, mas nem sempre é assim no
- Não serei médium, não será difícil? Plano Espiritual. Maurício é hoje o irmão
- Intuição todos tem, ama-se pelo querido, companheiro de ideal e de trabalho,
espírito. Despedimo-nos com grande carinho. às vezes, por hábito, chamo-o de pai.
Voltei como Maurício. Hoje, minha família é - Seu relato seria uma complementação
a humanidade, trabalho para servila, vejo a do que nos foi narrado. Dr. Antônio não quer
Divindade, Deus presente em todos, amo-os contar-nos sua história?
como irmãos. É esta minha simples história: - Não cansou, amigo?
um filho perdido que encontrou o caminho. - indagou-me Maurício a rir.
Sou feliz... - Já não basta uma? É de fato um
colecionador de histórias.
- Oh! Histórias interessantes não cansam.
Gostaria de ouvir você, Antônio. Se é que tem
SEGUNDA PARTE coragem de recordar.
- Seria bom realmente recordar só os
bons momentos, os que fomos vítimas e não
carrascos. Coragem para fazer temos, admitir
O exilado Silêncio, parecia que tudo e os erros, nem sempre. Mas, meu caro amigo
todos aquietaram naquele recanto do jardim, Antônio Carlos, sou corajoso!
com o encantamento da narrativa de Maurício, - Vai contá-la?!
o médico querido, o ruivo alegre, deixando-nos - indaguei, contente.
com sua história um conteúdo enorme para - Bem, já que é corajoso para ouvi-la...
meditar. Emocionado, olhei o firmamento, Existem muitos mundos habitados, tudo é
as estrelas reluziam, lembrei de uma das
parábolas do Mestre: “No Céu há festa e júbilo Página 43
quando uma ovelha perdida retorna”. Ao nosso Reparando Erros
lado, há muito, sentara conosco e escutara a Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
história verídica de Maurício, Antônio, médico
estudioso, trabalhador incansável do centro de Deus, o criador Infinito e Absoluto,
espírita, o laboratorista, servidor da Colônia temos o Universo todo como lar. Allan Kardec
São Sebastião. esclareceu-nos das muitas variedades de
- Parece, dr. Antônio, que está envolvido habitações e que são muitas as casas do Pai
na história que prazerosamente ouvimos por este espaço infinito. Tinha por moradia um
- disse. planeta que, mudando de plano, passando
- Não terá sido você o Mark? Daniel? Ou ao da regeneração, não foi possível continuar
mesmo Antônio, o filho adotivo? Amigos de tendo-o por lar. Ocioso, não acompanhando
erros e acertos? Antônio é alto, magro, moreno o progresso, desfrutando sem colaborar,
de cabelos grisalhos, de aspecto bondoso e atrapalhando meus irmãos, fui expulso,
inteligente, estava trajando seu uniforme de juntamente com outros irmãos afins. Viemos
faculdade, é uma pessoa que gostamos de para a Terra, este planeta de provas, por
contemplar. Olhou-me sorrindo, mostrando os vibrarmos igualmente, com a bênção de um
dentes perfeitos. recomeço. Aqui na Terra, lembrava vagamente
- Então adivinha! deste planeta, sentia uma sensação que havia
- Já o vi chamar Maurício de pai... Que perdido o paraíso das facilidades e tinha agora
por aqui é viável, na Terra seria impossível, é que enfrentar o purgatório onde tudo era e
muito mais velho que ele. ainda é difícil e trabalhoso. Lá, ficaram doces
- Isto já foi motivo de riso para muitos amizades que não dei valor. Na Terra aprendi a
40
amar as criaturas e a Deus. Amo este planeta volúvel e incentivava vários pretendentes. Um,
escola, onde os erros e os sofrimentos me porém, mais apaixonado, muito a assediava,
fizeram descobrir o amor, ser reconhecido e era um jovem médico muito bonito. Por algum
grato. Como exilado, aos poucos fui fazendo tempo, ela deu atenção a nós dois, isto me
desta Terra abençoada meu lar, que por fez desejá-la mais e acabei vencendo e nos
escolha é minha Pátria. Nas duas primeiras casamos. O castelo que ganhei ficava perto da
encarnações, tive vida simples, marcada pela moradia deste rival e passamos a ser vizinhos.
insatisfação e saudade. Almejava o que perdi, Logo, cansei da minha encantadora esposa,
as facilidades que usufruía, vivia atormentado achando-a muito ignorante e voltei a minha
sem conseguir entrosar-me com as outras vida de prazeres e acumulando riquezas com
pessoas, julgando-as ignorantes e sem negócios. Tive uma família numerosa e não
objetivos. Não me esforcei para cheguei a amá-la. Mas fiquei tremendamente
Reparando Erros 86
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
aprender a viver com eles. A insatisfação Antônio Carlos
deixava-me ocioso, sonhando e imaginando
acontecimentos que meu espírito conhecia. irritado quando uma de minhas filhas
Sempre é triste desfrutar sem participar, fugiu com o filho do meu exrrival vizinho.
usufruir sem trabalhar e aprender. Chega- Voltaram casados e, como ele os aceitou,
se um dia, perde-se o direito de desfrutar aceitei-os também. Passamos então a conviver
destes conhecimentos, que nos negamos a sem problemas. Velho,
conhecer. Desencarnei nestas duas primeiras
encarnações jovem, negando-me a ficar no Página 44
corpo que para mim era grosseiro e cheio Reparando Erros
de necessidades. Grupos de instrutores Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
bondosamente me orientavam, mas minha
vontade era fraca para aceitar a Terra, que adoeci não podendo mais levantar-
por bênção me foi agraciada. Na terceira me do leito. Revoltei-me com a morte, não
vez que encarnei, pude estudar e escolhi a acreditava em nada, nem em Deus. Para mim,
medicina que me pareceu ser a carreira mais a morte era uma violência cruel e as doenças
importante aos terráqueos. Logo que me eram ou poderiam ser curadas por alguém
formei, o país em que vivia entrou em guerra, mais inteligente. “Doenças”
a luta interessou-me e elaborei um plano de - dizia com revolta -, “nada mais são que
ataque que mostrei a um amigo da família, pequenos desarranjos. Poderia curá-las se
o qual era um dos comandantes do rei. Meu fosse mais jovem.” Desencarnei revoltado e
plano era simples, organizei-o com facilidade, sofri muito. A pior forma de egoísmo é guardar
era inteligente e tudo para mim era fácil. O para si conhecimentos que poderiam servir
comandante levou meu plano ao conhecimento a outros. Poderia, tinha tudo para construir
do rei e fui chamado a presença dele, para algo de bom com os conhecimentos que a
quem expliquei tudo. medicina da época me proporcionou, mas
- Parece interessante, perfeito, se der nem tentei. Encontrei no Umbral, sofrendo
certo, não se arrependerá como eu e pelos mesmos motivos, meu ex-
- exclamou o soberano. Deu certo, a vitória rival, meu vizinho, e nos tornamos amigos
foi nossa, fui presenteado com um castelo e de infortúnios. Fomos socorridos juntos,
passei a ser um dos conselheiros do rei. envergonhados, prometemos voltar a carne
Continuava insatisfeito, não me interessei pela e sermos úteis, estudar novamente medicina
medicina. Achava que os estudos ofereciam e com ela construir, fazer o bem. Voltamos
pouca compreensão e escassos resultados. como irmãos, filhos de um dedicado médico
Procurei nos prazeres físicos algo que pudesse que a vida toda usou seus conhecimentos para
interessar-me. Conheci uma moça lindíssima ajudar, atender a todos que o procuravam.
que era cortejada por inúmeros cavalheiros. Desde pequeno interessei-me pelo seu
Pela primeira vez interessei-me por outra trabalho, acompanhando-o nas suas visitas.
pessoa, tudo fiz para conquistá-la, ela era Éramos só os dois filhos e nossas brincadeiras
41
eram sempre de médico. Chamava-me nesta fazer pesquisas e descobrir curas fantásticas.
existência Mark e meu irmão, Jayks. Éramos A ambição me dominava, só pensava como
amigos e tínhamos os mesmos interesses. seria louvado, respeitado, rico e famoso,
Com sacrifício de nosso pai, estudamos. nem sequer pensava no bem que poderia
Para mim, era tudo fácil e aprendia rápido, fazer a muitas pessoas. Egoísta, só pensava
ajudando sempre Jayks. Ainda estudávamos nos meus interesses. “Todas as pessoas se
quando minha mãe faleceu, formamo-nos sem curvariam aos meus pés, oferecendo dádivas
empecilhos e logo após meu pai desencarnou, para receber curas. Eu me vingaria de muitos
ficando só nós dois. Os exemplos bondosos de orgulhosos, escolheria os que desejaria curar.”
nosso pai logo foram esquecidos. Queríamos
ser ricos e respeitados, atender pessoas Página 45
pobres não dava lucro e eu não deixava de Reparando Erros
cobrar meus préstimos a ninguém, alguns Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
pobres me pagavam com alimentos, animais,
etc. Fazia isto para que me procurassem Pensando só em glórias a idéia foi me
o menos possível e fui selecionando meus dominando e achei que estava desperdiçando
pacientes. Do mesmo jeito pensava Jayks e minha inteligência e que estava na hora de
começamos a brigar. tentar, de partir para as pesquisas. Tendo
- Esta cidade é pequena para nós dois. que ter um ajudante, pois não podia fazer
Vá embora daqui, senão acabo com você tudo sozinho, convenci Jayks a ajudar-me.
- disse, enfurecido. Nesta época nos visitávamos com freqüência.
Contava a ele meus sonhos e ele, como
Reparando Erros todo ambicioso, me escutava com os olhos
87 brilhando, foi fácil fazê-lo participar dos meus
planos. Pensava em procurar um local para
Jayks mudou para uma cidade vizinha nos servir de laboratório, quando um senhor
onde se casou e teve seus ricos clientes. Não falido me ofereceu sua moradia, situada num
tendo concorrente, passei a clinicar para os local isolado, num vale, entre as cidades que
ricos e comecei a enriquecer, aumentando a morávamos.
fortuna com um vantajoso casamento. Tive
muitos filhos, tornei-me um médico respeitado 88
e rico. Não tendo motivos para brigar, meu Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
irmão e eu fizemos as pazes. Eu estava Antônio Carlos
insatisfeito, achava os conhecimentos da
medicina da época escassos e sonhava em Era de construção velha, mas
aumentá-los. Almejava ser famoso, entrar segura e serviria para estudar sem sermos
na história, queria inventar, descobrir curas. incomodados. Tinha um servo, que salvei de
“Como seria famoso se pudesse fazer um uma moléstia grave, que era muito fiel de total
paralítico andar, um cego ver!” confiança. Chamava Jartir, era forte, sombrio
- dizia sempre a sonhar. Minha esposa e de natureza má. Minha esposa e filhos não
era uma pessoa boa e muito religiosa, e gostavam dele e ficaram aliviados quando o
tentava aconselhar-me: levei para este sítio. Reformei a casa toda,
- Meu marido, você não é Jesus Cristo deixei-a parecendo uma fortaleza, bem segura
para tais eventos, isto é impossível, você já é e livre de intrusos. Para melhor nos servir,
bom médico. Jartir contratou duas mulheres e dois homens
- Não sou um bom médico, mas poderia para morarem e trabalhar ali. Eram pessoas
ser. Sei que estes inventos não são impossíveis, suspeitas, foragidas, sem escrúpulos que nos
basta descobrir como fazê-los. Meu espírito serviriam bem nas tarefas que realizaríamos.
lembrava-se vagamente das proezas da Jayks, quando viu tudo pronto, entusiasmou-
medicina do meu ex-lar, do planeta distante, se. Eu sabia lidar com ele, sempre seguia
onde fui exilado, e onde a evolução chegou a minhas opiniões. Começamos nossos estudos
tal ponto de não ter mais deficientes físicos e pesquisando cadáveres trazidos do cemitério
as doenças serem raras. Achei que poderia da redondeza. Mas os cadáveres começavam a
fazer muitas curas, bastaria experimentar se decompor e isto tornava difícil as pesquisas.
42
O governador da cidade em que morava Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
exercia a mesma função dos dias de hoje de
prefeito, só que com mais poderes e era meu para ver o coração pulsando, os
amigo e cliente. Pedi a ele os cadáveres dos órgãos funcionando. Tudo deslumbrava-
executados, que me eram entregues logo após me, interessando-me cada vez mais pelos
a execução. Obcecado por estas pesquisas, estudos. Tentamos trocar órgãos, de uma
nunca tinha material suficiente, retalhava os pessoa para outra e não dava certo, tentei
cadáveres, todos os órgãos e ossos. extrair pedaços de órgãos, também não deu.
- Estudar cadáveres é uma coisa, seres Cada derrota aumentava em mim a vontade
vivos é outra. Como saberemos se dará certo? de continuar para acertar. “Deve ser assim,
- perguntou Jayks. talvez deste jeito!” Os prisioneiros não me
- Experimentaremos em vivos. bastavam, ordenei que os servos trouxessem
- Como? Não podemos fazer isto! Se mais pessoas. Eles iam pelas redondezas,
não der certo? Depois, onde acharemos pegavam andarilhos, mendigos até mesmo
voluntários? enganando pessoas com promessas de
- Não seja tolo. Acha que poderíamos sair emprego ou comprando alguns membros de
por aí-e pedir voluntários? Acharemos pessoas famílias necessitadas. Não era difícil alguns
disponíveis. Podemos pegar os condenados, pais venderem seus filhos, ou os filhos
não irão morrer? Que importa se é de uma venderem seus pais velhos. Os meus servos
forma ou de outra? por sua vez conseguiam famílias inteiras
- Boa idéia, aqui serão bem tratados. até com crianças, que não eram poupadas.
- Claro, e não sentirão dores. Depois, Acreditava que conseguiria, imaginava que
meu caro Jayks, por que não daria certo? seria fácil e falava incentivando Jayks: “Falta
Pela ciência poderemos sacrificar pessoas. pouco, temos que conseguir!” Nosso objetivo
Ninguém fez algo de útil sem antes estudar maior era fazer os cegos enxergarem, surdos
muito e pesquisar. Vítimas, isto é o de ouvirem, mas nada conseguíamos e muitas
menos. Pense nas glórias, na fortuna, no que pessoas foram danificadas. Muitas de nossas
poderemos fazer. No futuro, falarão de nós vítimas morriam durante as pesquisas na mesa
como benfeitores. operatória. Outros ficavam completamente
inutilizados, matava-os com veneno fortíssimo.
Reparando Erros Muitos mutilados eram presos nos porões
89 sendo tratados pelos servos e muitos voltavam
as pesquisas.
Os olhos de meu irmão brilharam de - Nada dá certo!
ambição, sabia convencê-lo, era só atiçar o - Jayks desanimava.
orgulho para animá-lo e ele fazia o que eu
queria. Meu amigo governador passou a dar- 90
me os condenados sob a minha palavra de que Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
não os deixaria fugir e de matá-los logo após os Antônio Carlos
estudos. Expliquei vagamente o que estávamos
fazendo, ele considerava-me um sábio e - Talvez porque não cuidamos de doentes
entusiasmou-se com meus planos. Ambicioso, realmente. Dará certo, sinto que estamos perto
ansiava por ver sua cidade ser alvo de fama, de descobrir curas fenomenais. Pedi a Jartir
onde todos prosperariam principalmente ele, que me trouxesse pessoas cegas, surdas e
pelas romarias. Almejando muitas vantagens, mudas. Assim, ora raptados, ora comprados
facilitou muito para mim e além de condenados ou enganados pensando vir para um asilo,
passou a me mandar presos que não tinham obtive muitos deficientes. Pesquisamos,
família por ali. Entusiasmei-me com as novas tentando trocar órgãos doentes pelos sãos.
pesquisas em seres vivos tudo era diferente e Nenhum sucesso. Dedicava-me muito aos
me pareceu maravilhoso. Aplicava neles, nas estudos e não conseguia fazer nada dar certo.
cobaias, anestésico forte e abria-os Estava me afastando cada vez mais de minha
família, ficando muito tempo naquela casa,
Página 46 no laboratório, fui perdendo os meus ricos
Reparando Erros pacientes, gastando muito e ansiava cada
43
vez mais por um resultado positivo. Jayks naquela casa, cuidado com o que fala. Meus
acabou por desistir, deixando-me sozinho. filhos e minha esposa não gostaram da volta
Tudo ficou mais difícil sem a ajuda dele. Visitei de Jartir, exigiram que eu o despedisse.
os porões, lugar que Jayks desconhecia. Dei-lhe muito dinheiro e mandei-o embora.
Vi minhas cobaias, a maioria se arrastava Jartir partiu chorando, chamando-me de
pelo chão, quase todos cegos e surdos, ingrato e injusto. Ninguém abertamente
gemiam enlouquecidos, pareciam bichos, comentou os acontecimentos da Casa do
sujos e maltrapilhos. Senti-me cansado, o Vale. Naquele tempo era comum pessoas
peso dos anos fazia sua marca, amargurado, desaparecerem. Depois, pegamos os pobres,
decepcionado, resolvi fechar o laboratórios. os que dificilmente conseguiam reclamar e
Chamei Jartir. ser ouvidos. O governador me foi de muita
- Jartir, meu amigo e fiel servo, a sorte foi utilidade, soube despistar os indícios e dar por
ingrata comigo. Quem mais do que eu merecia encerrado os casos que foram parar em suas
obter resultados depois de tantos estudos, mãos. Ficaram somente vagas impressões de
depois que me sacrifiquei tanto. Larguei o mistérios, de inexplicáveis desaparecimentos.
conforto do meu lar, passei noites sem dormir. Mas nunca ninguém suspeitou de dois médicos
A ciência me é ingrata! vou parar com os ricos e respeitados. Jayks morreu e senti-me
estudos. Você deve dar a todos do porão uma muito só, não encontrava sossego e nem
dose forte de veneno. Quero-os todos mortos prazer em nada, ficava a pensar: “Onde errei?
e enterrados lá mesmo. Quanto a vocês, Por que não acertei? Que faltou? Tudo que fiz,
servos fiéis, podem ficar na casa, receberão foi achando certo. Será que precisava mutilar
todos os meses seus ordenados. Mas devem tantas pessoas?” Como se sentiram muitas
ficar calados, aquele que ousar comentar o pessoas orgulhosas, recordando erros do
que se passou aqui morrerá. Nem esperei passado? Não é fácil recordar e nos ver em
para ver minhas ordens cumpridas, voltei condições de carrasco. Tantos erros fiz, quantos
para minha casa e nunca mais, encarnado, sofrimentos espalhei. Lembranças machucam,
voltei aquela casa, ao meu laboratório, que só mesmo para mim que me sinto quites com
me dera desilusão. Tentei retornar as antigas estes erros. Hoje, sou um trabalhador da
atividades, mas estava muito desanimado, Seara do Pai e indago: “Não é por misericórdia
descontente e desgostoso. Minha família que sirvo?” Tentando esquecer, procurei na
achava que escondia alguma amante naquela bebida um bálsamo para minhas torturas,
casa, respeitavam-me sem ter por mim mínimo não me conformava com meu fracasso. Não
afeto. Oito meses após, Jartir veio contar-me cliniquei mais, passei a maltratar todos que
que os dois servos brigaram e um matou me cercavam afastando-me ainda mais dos
o outro. E um fogo, que não se sabe como familiares. Comecei a ter feridas que foram se
começou, destruiu a casa, restando dela só alastrando por todo o corpo. Não sabia o que
destroços. tinha nem como suavizar as dores que eram
fortíssimas, queimando-me como fogo. Com
Página 47 medo de contágio, minha família prendeu-me
Reparando Erros no porão de minha casa. Fiquei cego, sozinho
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt na escuridão, sentia-me rodeado por seres que
me odiavam Desencarnei.
- Patrão
- disse-me, assustado -, o demônio 92
fez moradia lá. Ficou assombrando a casa, Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
escutávamos gemidos, bater Antônio Carlos
Reparando Erros 98
97 Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
comentários maldosos. Desmaiei muitas Antônio Carlos
vezes sendo acordado com água fria em meu
rosto. Arrancaram meus dentes, unhas dos O fogo queimava meu peito, a fumaça
pés, queimaram meu corpo e bateram-me sufocava-me, fazendo-me sentir dores
fazendo sangrar muito. terríveis. De repente, senti-me arrancado dali
e acabaram minhas dores, não senti mais o
- Já chega, senão morre por aqui. Levem- fogo, senti que voava e adormeci. Acordei num
no. Novamente arrastaram-me, deixando-me leito gostoso, fresco e cheiroso, ouvindo uma
naquele lugar abafado, com muitas dores, voz amável.
fraco, com fome e sede. Desmaiei muitas - Quer água? Tomei a água oferecida, me
vezes, desejava acordar em casa, no meu senti muito bem. ‘’
47
- Já é hora de falar e ver. Vamos tentar não me haviam mudado muito. Queria
Firmino? Esforcei-me, recebendo ajuda e somente ser servido, não pensando em ser
querendo muito, comecei a enxergar, a falar útil e não vibrando para merecer uma vida
e ter de novo os meus braços. Estava sendo tranqüila de uma colônia espiritual. Recordei
socorrido numa colônia, num hospital infantil, pedaços da minha existência como Mark,
onde achei tudo maravilhoso. Sentindo-me amargurei no remorso. Compreendi como a
muito bem, pensei em desfrutar da vida visão é importante para todos e fui perdendo-a.
tranqüila que o Educandário oferecia-me. - Firmino
Lembrei dos meus pais adotivos e quis saber - esclareceu-me bondosamente o
deles. orientador -, ninguém lhe cobra nada a não ser
você mesmo, o sofrimento que teve e que terá
Página 51 não é por regra, cada um tem o aprendizado
Reparando Erros pela dor, que necessita. Sofrerá como muitos
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt outros irmãos encarnados que não cometeram
erros iguais aos seus. Querendo voltar a carne,
- Onde estão Frida e Berto? encarnei. Chamava-me Daniel, era o quinto
Desencarnaram comigo, não os vejo! Uma filho de um casal de lavradores. Era um garoto
bondosa orientadora esclareceu-me: muito bonito, cabelos louros cacheados, olhos
- Seus pais adotivos eram feiticeiros, verdes e grandes, mas parados, sem vida.
doaram suas almas às trevas e para os umbrais Encarnei cego, era mimado por todos os meus
foram. Doaram seus espíritos, algo que não familiares. Era esperto, inteligente, aprendia
lhes pertence, a irmãos trevosos. Houve tudo que me ensinavam, andava normalmente
uma troca, estas entidades serviram seus pela casa e a sua volta. Gostava muito de
pais enquanto estes estavam encarnados, andar pelos arredores da casa, escutando os
agora que desencarnaram, devem servi-las. bichinhos, os pássaros, tentando imaginar o
É impossível você vê-los, seus caminhos são formato dos objetos e como seriam as cores,
diferentes. Firmino, eles o criaram pensando interessava-me por tudo que me cercava.
em sacrificá-lo a estes espíritos, esperavam Quando estava com cinco anos, num destes
a ocasião propícia. Mas gostavam de você e passeios, sozinho, entardecia, estava distraído
foram adiando. brincando sentado na relva, senti que uma
- Será que iam mesmo sacrificar-me? pessoa me pegava, amordaçava e amarrava
- Talvez. Guarde as boas lembranças colocando-me num saco, isso me deixou muito
deles e ore por eles, são filhos de Deus como assustado. Fui jogado e, pelo barulho, percebi
nós, embora tenham renegado este fato. Um que era uma carroça, escutei respirações
dia, arrependidos, entenderão a verdade e abafadas, entendia que não estava sozinho.
voltarão ao Pai. Andamos muito, ou melhor, senti a carroça se
- E os espíritos que vi quando era meu locomover, acabei dormindo. Quando a carroça
corpo queimado, os que me odiavam? parou, tiraramme do saco, soltaram minhas
- Saciaram a sede de vingança. Quando mãos, tirando-me a mordaça, colocaram-me
se arrependeram e o perdoaram foram em pé ao lado da carroça. As outras crianças
socorridos, seguiram o caminho deles. choravam, percebi que eram três adultos e três
Sofreram e continuaram sofrendo por terem se crianças tão pequenas como eu, sendo uma
negado a perdoar, esquecendo que todos nós delas uma menina.
somos carentes do perdão. O tempo passou. - Parem de chorar! Aqui tem água e pão,
comam e bebam. Percebi pelo ar fresco que
Reparando Erros era de madrugada, colocaram nas minhas
99 mãos uma caneca com água e o pão. Estava
com
- Firmino
- disse o orientador do grupo -, em outra 100
existência praticou muitas maldades, não Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
poderá ficar aqui por mais tempo, deve voltar Antônio Carlos
a encarnar. Entristeci, porém entendi que
aqueles poucos anos num corpo deformado muita sede e fome, tomei a água e
48
comecei a comer a fatia de pão. As outras - Menino! Menino, acorda! Como se
crianças choramingavam, mas, como eu, chama?
comiam o pão. - Daniel.
- Não chorem! Parem com isto! Aqui
ninguém os escutará. Logo vocês terão novos Reparando Erros
pais. 101
“É mesmo meu amigo?” “Sou seu amigo Minha mãe foi a única a sentir, os outros
e sempre que quiser conversar comigo estarei suspiravam aliviados, era uma preocupação a
ao seu lado. Mas não diga a ninguém, não menos. Tinham medo de mim, do que poderia
entenderão e dirão que mente. Chamo-me dizer deles e me diziam sempre: “Sorte sua é
Xing.” “Se nada dizer não me castigarão. Gosto que a inquisição não mata mais, senão ia para
de você!” “vou ajudá-lo, farei você dormir, a fogueira.” Pela primeira vez, entusiasmei-me
assim o tempo passará rápido.” Dormi quase com algo, todos ajudaram-me com o dinheiro
o tempo todo e quando mamãe me tirou de lá necessário só para ir. Arrumei meus pertences
falei com firmeza. e contente despedi-me deles. Minha mãe
- Mamãe não vou falar mais do que vejo. chorou, abraçando-me:
- Deus o ouça! Assim fiz, tornei-me tímido - Joaquim, juízo, não fale a ninguém das
e solitário, afastando-me das pessoas. Não falei suas esquisitices. Prometa-me.
mais nada do que via ou sentia, conversava - Pode ficar descansada, terei cuidado
somente com Xing e as escondidas, aprendi a e não falarei nada. Achei lindo o navio e me
dialogar com ele mentalmente. Trabalhava com encantei com a imensidão do mar. Foi uma
meu pai na lavoura, não saía de casa, meus viagem desconfortável, cansativa, mas sem
familiares tratavam-me com desprezo. Um dia, problemas. Todos os imigrantes buscavam uma
ao dar um passeio na floresta, encontrei um nova vida nas terras brasileiras, estávamos
senhor idoso e conversamos bastante. Contei esperançosos e cheios de sonhos. Sentia
a ele meu problema. Xing sempre perto de mim. Conversávamos,
- Joaquim, o que sente, vê, não lhe trocando idéias, mas tendo o cuidado de
deve fazer feliz, este fato não é raro como nada comentar com os outros passageiros
julga, muitas pessoas são como você. Possui para não ter problemas, como mamãe dizia.
dons que se usados com sabedoria poderão Chegamos, muito se falava das belezas do
fazer muito bem, tanto a você como a outras Brasil e vi contente que não era exagero.
pessoas. Ajudarei você a entender Desembarquei em Santos e procurei um lugar
para ficar. Acomodei-me em uma estalagem
Página 59 simples, perto das docas, e foi onde arranjei
Reparando Erros emprego. Espantei-me com a escravidão, não
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt me conformava ao ver os negros cativos sendo
obrigados a trabalhar para os brancos. “Tudo
suas faculdades. Com simplicidade este isto é passageiro”
senhor foi explicando o que ocorria comigo, - dizia-me Xing. “Estamos de passagem
era médium. Passamos a nos encontrar na Terra, uns vão, outros vem. Seja bom com
sempre e ele me ensinou a benzer, a usar eles, a cor da pele não difere os espíritos.”
ervas como remédios. Um dia encontrei sua Gostei do meu trabalho, contava sacos,
55
peças a serem exportadas. Ganhava pouco, Deus nos fez livres, é um desrespeito muito
mas estava dando para viver modestamente. grande escravizar a outros. No caminho, cuidei
Escrevi logo para minha mãe contando tudo de um escravo que tinha uma ferida na perna
e dizendo que estava gostando da nova terra. e fiz o parto de uma mocinha com muito êxito.
As cartas levavam meses para chegar ao Como Xing dissera, acharam normal e fui
destinatário, iam de navio. No porto, os negros bemvindo entre eles e, logo que chegamos,
trabalhavam como estivadores, trabalhando espalharam a notícia pela : fazenda. “Joaquim
muito, alimentando-se mal e eram muito benze e cura com ervas.” Gostei do lugar,
castigados. Não podia ver um surrado que a fazenda era grande com muitas árvores,
me revoltava, esforçava-me para não agredir plantações de café e muito gado. Meu trabalho
fisicamente os feitores. Mas, irava-me e consistia em guardar como vigia a casa-
desejava-lhes mal. Comecei a notar que isso grande. Não gostei mas era o que um branco
os deixava doentes e que também estava arrumaria numa fazenda. Amei o lugar, era
ficando. sossegado, bem arrumado e seu dono uma
pessoa boa. Gostava de conversar com os
114 negros e me fiz amigo deles. Escutava suas
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / histórias, quase sempre tristes e com eles
Antônio Carlos aprendi suas crenças. Entre eles, destacavam-
se Mãe Jovina e Pai Tarcílio, velhos negros
Joaquim” vindo da África que conheciam muito do
- esclareceu-me Xing -, “ao desejar bem
ou mal a alguém, fica em nós uma parte do Reparando Erros
que desejamos. Pensamentos emitidos são 115
fluidos que tanto podem nos ajudar ou prei
judicar. Você tem força mental. Ao desejar-lhes sobrenatural que denominavam feitiçaria.
mal, prejudica-os e também a você. Todos nós Gostei muito deles e ensinaram-me a usar a
devemos ter cuidado com o que pensamos. força mental para o mal e para o bem. Mas
Veja todos como irmãos, os escravos como o mal não me atraía, sentia que já sofrerá
espíritos que colhem e os feitores como os que muito por este caminho e dediquei-me só ao
plantam. Embora estes cumpram ordens. Mas bem. Gostava de atender a todos, curando-
quem abusa dos mais fracos um dia sofrerá os como sabia, passei a ser para eles como
por este ato.” “Acho que devo mudar, isto não um médico. Pela minha amizade com os dois
está me fazendo bem.” Pensei em locomover- velhos feiticeiros e pelas minhas benzeções,
me para o interior, quando recebi uma carta do acabei sendo chamado e conhecido com o
meu irmão informando que minha mãe faleceu apelido de Feiticeiro. Não cobrava nada. Além
após minha partida. Escrevi-lhes pela última do mais, meus clientes eram mais pobres
vez, dizendo do que eu, mas os colonos estavam sempre
me presenteando com alimentos, roupas,
Página 60 objetos simples. Eles me respeitavam e me
Reparando Erros eram gratos. O emprego incomodava-me e
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt também impedia de atender a qualquer hora.
Na fazenda havia um morro, lugar muito bonito
para não se preocuparem comigo e que com uma nascente d’agua. Pedi ao senhor
não ia escrever mais. Quem se preocupava da fazenda para residir lá, ele permitiu e
comigo era minha mãe. Com sua morte, construí uma pequena casa na qual fui morar.
acabara o vínculo familiar. Pelas docas O caminho era fácil e todos da redondeza iam
sabia-se de muitas coisas, as fazendas no lá com facilidade. Plantei árvores frutíferas,
interior estavam necessitando de pessoas cultivei uma horta e muitas ervas, criava
para trabalhar além dos negros. Foi assim também os animais que me doavam. Passei a
que, contratado, parti com uma turma que levar uma vida simples, só saía do morro para
viera comprar escravos. Os escravos não atender alguém que não podia ir até lá. Atendia
eram maltratados, mas iam tristes, infelizes, todos que me procuravam e também cuidava
saudosos, pouco falavam e nunca sorriam. de animais doentes. Não havia médicos pela
Como é triste ver irmãos subjugando irmãos. redondeza e o facultativo mais próximo ficava
56
a quilômetros de distância, na cidade. Ali vivi descer o morro, Alfredo cada vez mais fazia
solitário, mas era muito feliz. o meu trabalho e logo ganhou o apelido de
- Feiticeiro! O patrão o chama. Uma cobra Curandeiro. Desencarnei dormindo para
picou o sinhozinho! Era o capataz da fazenda acordar em espírito nos braços de Xing e outros
me chamando. Peguei minhas ervas e fomos amigos agradecidos. Chorei de felicidade, logo
para a casa-grande. Com a ajuda de Xing, compreendi que desencarnara. Como é bom
salvei o mocinho. sentir-se bendito, ver-se cercado por pessoas
- Graças a Deus, está bom agradecidas, querendo retribuir os benefícios.
- disse contente o senhor da fazenda. É na hora do desencarne, da morte do corpo,
- Quero recompensá-lo, Feiticeiro, é bom que recebemos a primeira colheita. Como
e útil a nós todos, salvou meu filho, poderá ficar Mark, fui maldito, o desespero acompanhou-
para sempre no morro e vou lhe dar alguns me juntamente com minhas ações. Agora,
presentes. Presenteou-me com alimentos e como Joaquim espalhei o bem e as obras
móveis, o excesso dei para meus doentes. novamente me acompanharam dando-me
Este fazendeiro era bom, não maltratava os alegrias e enorme bem-estar. Agradeci a Xing.
escravos e realmente nunca me incomodou. - Meu amigo lhe sou grato. Muito ajudou-
Um dia, trouxeram-me um garoto de oito anos me.
para que examinasse. Chamava-se Alfredo. - Joaquim, trabalhamos juntos, somos
Ao vê-lo, reconheci nele um espírito querido companheiros. Agora, voltarei a carne,
e senti muita emoção. reencarnarei na China. Volto com o firme
propósito de acertar. Quem faz, para si faz. O
116 bem que fiz com você fortaleceu-me.
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / - Xing, não poderei ajudá-lo. Quero
Antônio Carlos continuar aqui, no Brasil. Quero ajudar Alfredo,
sabe que uma grande amizade nos une, a ele
Você é meu conhecido. Somos amigos! devo orientar.
Gosto de você, virá um dia trabalhar comigo.
Alfredo era sadio, estava somente com Reparando Erros
vermes, sarou logo, via-o raramente mas 117 i
estava sempre perguntando por ele. Os anos
passaram. Moço, Alfredo procurou-me. Seu - Compreendo. É aqui o seu lugar. Não
pai estava adoentado, estava se entristeça por não acompanhar-me, quem
ajuda é ajudado. Nada deve ser feito esperando
Página 61 recompensas. Ajudei a você ajudando a mim
Reparando Erros mesmo. Quem faz aprende e conhecimentos
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt adquiridos são nosso patrimônio que a traça
não rói, o tempo não envelhece. Despedimo-
muito mal. Não pudemos fazer nada, nos, Xing partiu contente com grande confiança
logo à noite desencarnou. Alfredo interessou- nele, e, de fato, voltou vitorioso, exerceu
se pelo que fazia e passou a visitar-me, passei a medicina com sabedoria, foi médico de
a ensinar-lhe o que sabia. Aprendia rápido, todos, ricos e pobres, atendia doentes e não
era inteligente e tinha enorme vontade de pessoas com distintivos de classe. Fiquei com
aprender. Alfredo, trabalhamos juntos, curando pessoas
- Venha morar comigo, Alfredo, aqui com ervas, ele doutrinava os espíritos que
aprenderá e me ajudará. Façamos um outro acompanhavam os encarnados e eu levava-os
cômodo que lhe servirá de quarto. Alfredo veio, para um posto de socorro. Anos se passaram,
combinávamos muito e passei a ser um pai a Alfredo desencarnou e pude desligá-lo e
ele. Ensinei-lhe tudo que sabia, dei-lhe meus orientá-lo.
livros e apontamentos e passou a atender - Vamos estudar agora, Joaquim, saber
comigo as pessoas. para ser útil. Quero ser médico novamente.
- vou deixar você em meu lugar. Um dia Alfredo estava entusiasmado, fomos a uma
irei embora para o mundo espiritual, você ficará colônia e estudamos medicina. Ele preparou-
aqui, ajudando estas pessoas simples e boas. se contente para reencarnar.
Já estava velho e cansado, não agüentava - Volta você, Alfredo, quero ficar mais um
57
pouco aqui. resta a dor para queimar o carma negativo.
- Tem medo do passado? Porque todos nós teremos que purificar nosso
- Nossos erros pertencem ao passado, não perispírito do carma negativo. Purificamos pelo
podemos mudar o passado. Devemos pensar amor ou pela dor. Somente, meu caro espírito,
o que estamos fazendo agora porque é o que lembro-o de que este amor é o sentimento
determinará nosso futuro, os acontecimentos puro e não o deturpado pela maioria dos
da nossa próxima encarnação. Não tenho homens. Vá, trabalhe, repare erros, qualquer
medo do passado, quero construir no bem trabalho no bem lévanos ao progresso. Boa
meu futuro. sorte! Abraçou-me sorrindo. Voltei confiante.
- Sinto-me forte, tenho vontade de provar Reencarnei e recebi o nome de Antônio. De
a mim mesmo que desta vez voltarei vitorioso. meus pais verdadeiros pouco recordava,
Volta ao meu lado, continuaremos juntos. moravam numa fazenda grande, só ficaram
- Não mereço ter uma família. Despedimo- na minha mente as feições de minha mãe
nos, Alfredo voltou para aquela região que Tereza, a mulata bonita. Meu pai fora capataz
vivemos. Agora era filho de um fazendeiro e na fazenda e minha mãe escrava, morreram
poderia estudar. Foi Maurício, ia sempre visitá- praticamente juntos. Órfãos, eu com quatro
lo, não era médium, não me via, mas sentia anos e minha irmã Francisca com dois anos,
os fluidos de carinho, um bem-estar agradável fomos levados para a cidade pela sinhá, a
quando estava perto dele. Estudou, formou-se proprietária da fazenda. Meu coração batia
e começou a clinicar. Casou e pensei então forte. Assustados, Francisca e eu, de mãos
em retornar. dadas, entramos na enorme casa, onde
- Um dia temos que provar a nós mesmos correndo vieram nos ver as três crianças
que de fato aprendemos, que dominamos da casa. Olhava tudo com interesse, era a
nossos maus instintos primeira vez que vinha a cidade e via uma casa
- disse a meu instrutor. tão grande, assustei-me quando ouvi:
- Quero ser órfão, lutar pela vida, aprender - Está decidido, morarão conosco e serão
nossos filhos!
Página 62 - disse a sinhá Maria das Graças.
Reparando Erros - Deverão chamar-me de mãe e ao dr.
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt Maurício de pai, deverão ter por nós respeito
a 118 e obediência. Até se acostumarem, dormirão
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / juntos com Ana. Esta é Ana mostrou uma
Antônio Carlos senhora negra -, a babá de vocês, cuidará
de tudo, qualquer coisa que quiserem digam
dar valor na família, esta instituição a ela. A sinhá nos levou a um bonito quarto
tão linda. Reencarnarei entre os colonos da com três camas e saiu deixando-nos com Ana.
fazenda da esposa de Maurício, confio que Francisca, assustada, pôs-se a chorar.
ele me ajudará. Recebi as últimas orientações - Quero minha mãe! Quero ir para minha
dele e indaguei-o: casa!
- Será que já quitei todos os meus - Não chore, pequenina
erros? Não deve se preocupar com isso, - Ana consolou-a.
aquele que conhece a verdade, que ama, - Seu pai morreu em um acidente e sua
recebe a oportunidade de reparar seus erros mãe também morreu. Foram para o
pelo trabalho edificante. Sempre temos
oportunidades de reparar os erros pelo amor, 120
pelo trabalho, de conhecer a verdade e de Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
nos libertarmos do carma. A médiuns na Terra, Antônio Carlos
cuja mediunidade é uma oportunidade que
tanto pode ser para reparar erros como para Céu e de lá os protegerão. Sua casa
progredir espiritualmente E tantos julgam agora é aqui, gostará, terá objetos lindos,
que estão fazendo o bem somente a outros, roupas novas, brinquedos, eu os protegerei,
esquecendo o bem enorme que fazem a si cuidarei de vocês.
mesmos. Entretanto, como aconteceu a você - Por que mamãe foi só com o papai? Por
e tantos outros, desprezando a oportunidade, que não me levou junto?
58
- quis saber Francisca. Segurei as motivos em Francisca, avançava nele e
lágrimas, também queria minha mãe, sentia sempre lhe batia, embora sendo mais novo,
que deveria ser como um homenzinho, como era mais forte. Então, Maria das Graças
dizia meu pai, e não chorar. Olhei para Ana interferia. Para ela, Jonas sempre tinha razão
e esperei a resposta, porém a bondosa e era eu a ir para o castigo, diante do seu olhar
negra não soube responder a indagação de cínico. Ana, às vezes, tentava nos defender,
Francisca. mas era sempre mandada a calar a boca.
- Não quer doce de coco? Tem também Margarida era chata, fez sempre de Francisca
doce de leite e de abóbora. Não quer? Venham, sua empregada, era chorona e tudo tinha que
vamos para a copa e poderão comer o que ser como ela queria. José Hermídio era bom,
quiserem. Doce quase sempre é um santo amigo e também estava sempre brigando com
esquecimento as dores de crianças. Logo nos Jonas. Tivemos bons professores, adorava
acostumamos com a nova vida, ganhamos estudar e meu maior e melhor passeio era ir
brinquedos, roupas, nada de material nos ao hospital ver meu pai trabalhar. Meu sonho
faltava. Era Ana quem cuidava de nós. Logo, era ser médico e quis estudar medicina, Jonas
Francisca passou a dormir no quarto junto também. José Hermídio amava a fazenda
com Margarida e eu com José Hermídio de e mocinho foi trabalhar no campo. Maurício
quem me tornei muito amigo. De meus pais alegrou-se por ver dois filhos querendo ser
verdadeiros só soube que meu pai morreu de médicos. Jonas, estando um ano na frente
acidente e minha mãe por doença. Minha nova nos estudos, foi o primeiro a ir a capital para
mãe não gostava de falar sobre o assunto e estudar. Aquele ano foi de tranqüilidade para
como éramos mim, sem o Jonas por perto. Francisca estava
noiva de um bom rapaz, Margarida também
Página 63 namorava, casaram juntas numa bonita
Reparando Erros festa. Fiquei feliz por Francisca, pois Mario,
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt seu esposo, era bom, fazendeiro, de boa
família e a amava muito, foram felizes. José
pequenos as recordações ficaram Hermídio casou-se também e foi morar na
vagas. Adulto, quis saber deles e não consegui fazenda, passando a administrá-la. Chegou a
saber nada. Maria das Graças havia ordenado minha vez de ir a capital estudar. Meu pai nos
a todos para que não nos dissessem a acompanhou. Emocionei-me ao ver a cidade
verdade. Depois, grato aos meus pais adotivos, grande e fiquei encantado com o local em que
relembrava dos verdadeiros só nas preces. ia estudar. Maurício deixou-nos instalados,
Meu novo pai, Maurício, logo que o vi, amei-o. Jonas e eu dividiríamos o mesmo quarto,
Admirava-o e queria ser como ele, médico e numa boa pensão. Para mim, estudar era
bom. Mas ele trabalhava muito e pouco nos maravilhoso e o fazia com carinho e interesse.
via. Maria das Graças dava-nos de tudo, Jonas divertia-se muito, sempre as voltas com
igualmente para todos, mas carinho era mulheres, más companhias e brigas. Meu pai
somente para os seus três filhos, vivia com eles mandava-nos mesadas iguais, mas Jonas
no colo, abraçando-os. Nossa mãe foi Ana, ela ficava com a minha parte. “Você não necessita,
que nos deu carinho e amor, sempre estava Antônio, está sempre aqui fechado estudando.
a nos acalentar e mimar. Jonas, o filho mais Já tem muito, meus pais pagam-lhe o estudo,
velho, era cínico, mau e briguento, mandava a pensão. Bastardo estudando medicina é raro
em tudo e todos e gostava de humilhar-nos. de se ver. Eu, como filho legítimo, devo ter
“Aqui estão de caridade, o filho verdadeiro mais. Fico com sua parte, sei como gastar!”
sou eu, obedeçam-me!” Francisca era meiga, Desde pequeno, ouvia Jonas me chamar
bondosa, nunca discutia, fazia tudo para evitar assim, bastardo. Evitava sair com ele, até
brigas. Procurando ser como ela, ouvia sem mesmo ficar perto dele, mas ali, desfrutando
nada responder muitos desaforos e ofensas. o mesmo quarto, não foi fácil. Não reagia,
Mas, quando ele batia sem procurava não
122
Reparando Erros Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
121 Antônio Carlos
59
ligar e se me ofendia não demonstrava, com cabelos longos, castanhos claros, olhos
tudo fiz para não brigar com ele. Jonas dava verdes grandes,
sempre um jeito de tirar notas suficientes para
ser aprovado. Muitas vezes, fiz pesquisas, Reparando Erros
trabalhos, organizei cadernos para ele, era 123
como seu empregado, cuidava de tudo dele,
das roupas, do quarto. Formou-se e regressou quando sorria, duas fundas covinhas
a nossa cidade, aquele ano foi de sossego para formavam em seu rosto, trabalhava na
mim, tive dinheiro suficiente para meus Farmácia da praça. Começamos a namorar,
ia sempre que era possível buscála após
Página 64 seu trabalho e a levava para casa. Seus
Reparando Erros pais gostavam de mim, eram pessoas boas,
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt simples e educadas. Comecei a interessar-me
realmente por ela, acabei por amá-la. Ao saber,
gastos e gostos. Formei-me e, como minha mãe teve ataques nervosos.
na formatura de Jonas, Maurício, Maria das
Graças, Francisca, Mario, Margarida e o - Antônio, termina já com esta moça!
esposo vieram para as festas. Emocionado, Uma sujeitinha qualquer! Tantas jovens de boa
fui o melhor aluno da turma, acabei chorando família interessadas em você, e namorando
ao receber o diploma. De volta a nossa cidade, uma moça simples, sem estudos, sem nome.
encantei-me com o hospital novo. Jonas já se O clima em casa não era dos melhores, meu
indispusera com o pai, e orgulhoso começava a pai foi chamado a interferir, conversamos e ele
selecionar seus clientes. Passei a trabalhar no deu sua permissão. Esperava que minha mãe
hospital, ajudando meu pai com seus pobres e aceitasse Inês para marcar nosso casamento.
interessei-me pelo Sanatório e seus doentes. Passei a ficar mais tempo no hospital e no
Vi o tanto que meu pai era dedicado, bom Sanatório, evitando os comentários de minha
médico e amoroso com os doentes. Veio a mãe. Já fazia onze meses que namorávamos.
tona nossa sincera amizade. Combinávamos Naquela tarde, ao ir apanhá-la na farmácia, não
muito, tínhamos o mesmo gosto, interesse, a encontrei e seu patrão veio ao meu encontro
aprendemos muito um com o outro. Ele me com sorriso cínico e entregou-me um bilhete.
ensinou o que os anos de experiência lhe Agradeci e saí, procurei um banco no jardim
ensinaram e eu aprendera como novidades mais afastado, sentei para ler. Inês tinha pouco
e descobertas recentes. Gostava mesmo estudo, sua letra era ruim, mas dava para
era de obstetrícia. Ajudar crianças a vir ao entender perfeitamente sua despedida. Meu
mundo, realizava-me. Nesta época, quase caro Antônio Parto com o meu verdadeiro amor.
todos os partos eram feitos pelas parteiras em Não tenha raiva de mim. Não amo você, mas
suas próprias casas. Médico era para casos sim a ele. Adeus, Inês Li e reli muitas vezes,
graves e era para estes que eu era chamado depois rasguei e atirei os pedacinhos longe. As
a fazer e ajudava com bom ânimo, fazendo palavras do bilhete dançavam na minha mente,
as senhoras procurar-me mais, querendo- tonteando-me. Decepcionado, humilhado sofri
me ao seu lado nestes momentos em que se o seu abandono. Ali fiquei alguns minutos que
tornavam mães. Comecei a ganhar dinheiro, me pareceram horas. “Uma decepção amorosa
embora atendesse de bom grado a todas não deveria abater médicos” pensei. “Acho que
as mulheres, ricas ou pobres. Em casa com está na hora de voltar ao hospital.” Procurei
nossos pais estávamos somente Jonas e distrair-me conversando com os doentes e
eu, e era lá que nos encontrávamos, pouco demorei bastante no hospital, regressando em
falávamos, assim não discutíamos mais. Jonas casa tarde da noite.
continuava namorador, farrista, deixando meus
pais adotivos preocupados e eles pensavam Página 65
em nos ver casados. Nesta época, conheci Reparando Erros
Inês, moça de família pobre, seu pai era Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
empregado em uma carpintaria, tinha dois
irmãos carpinteiros também, já casados. Inês 124
era bonita, de estatura pequena, graciosa, Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
60
Antônio Carlos 125
“Logo vão descobrir e tomara que seu amor terminara e que viu que ela
mamãe não diga que me avisou” não era para ele. Pediu perdão aos pais e
- falei baixinho. Ao ver luzes em casa, prometeu não dar mais desgostos. Em casa,
conversas na sala, estranhei e rumei para lá, houve muitas discussões. Maurício queria que
este fato não era comum, em casa, deveria Jonas casasse com Inês, ele não queria e nem
ter acontecido algo, preocupei-me. Minha mãe mamãe, que se apavorava só de pensar em
chorava e papai tentava acalmála. Aproximei- casar o filho com ela.
me pensando em ajudá-los. - Casar com esta oferecida, sem moral,
- Antônio, meu querido! Sabe o que Jonas que foge, nunca! Jonas voltou para casa.
fez? Não conversávamos, evitava encontrar com
- indagou minha mãe. Com minha ele, estava magoado, mas não tinha raiva
negativa com a cabeça, continuou: Fugiu com dele. Senti dó de Inês, sua aventura acabara
sua namorada! Senti o chão rodar, então era mal, soube que voltou para a casa da mãe.
Jonas o amado de Inês, o belo Jonas, louro de Aproveitando que Jonas estava obediente,
olhos verdes, meu irmão! Sentei numa cadeira mamãe achou melhor casá-lo e logo. Escolhida
e mamãe continuou: uma moça de família importante, Jonas ficou
- Peralta! Cínico! Não vou perdoá-lo! noivo e marcaram o casamento para breve.
Deserdo-o, não aceito-o mais em casa. Que “O casamento trará responsabilidades. Jonas
tem naquela menina? Primeiro você, agora será bom marido”
Jonas. Mas se ele casar com ela não quero - dizia Maria das Graças. Não vi Inês, mas,
vê-lo mais, nem morto! Nada disse, não me sempre um e outro comentavam o assunto e
atrevi. Tomei o chá que bondosamente meu fiquei sabendo que ela e a mãe para sobreviver
pai me serviu, depois fui para meu quarto. estavam fazendo doces para vender. Sem o
Pensei em procurá-los e dizer a eles desaforos, salário do esposo, o dinheiro era pouco, tendo
mas meditei e entendi que era melhor não que mudar até de casa para uma bem mais
fazer nada. “Talvez Jonas a ame realmente, simples e Inês estava grávida. Com uma bonita
e no bilhete Inês afirma o amar. Meu irmão festa, Jonas casou e meus pais esperavam
sabe conquistar as mulheres com seu modo que realmente se tomasse responsável. Fiquei
agradável, seu jeito cínico. O fato mesmo é somente eu em casa e solteiro, embora os
que não sou amado e devo esquecer” sobrinhos, já muitos, estavam sempre em
- balbuciei baixinho. Acabei dormindo e casa em grande algazarra. Um dia, ao sair do
levantei mais tarde no dia seguinte, disposto hospital, encontrei d. Efigênia, a mãe de Inês,
a não tocar mais neste assunto. Minha mãe que veio
sentiu muito realmente, acabou acamada uma
semana, após, o pai de Inês veio a falecer Página 66
de um ataque do coração, certamente pelo Reparando Erros
desgosto com o procedimento da filha. Para Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
esquecer, passei a trabalhar mais. Jonas não
mandara notícias, mas Maurício veio a saber aflita ao meu encontro.
que estavam na capital, na grande São Paulo. - Dr. Antônio, por favor! Inês está mal, o
Meu pai tudo fazia para agradar nenê que não nasce, a parteira não sabe mais
- me, parecia pedir desculpas pelo o que fazer. Ela não quer vir ao hospital. Por
procedimento do filho. Minha mãe também ficou favor, filho, não se negue a vê-la. Temo que
mais amável, tentando fazer que namorasse morra. Hesitei, já fazia nove meses que fugira,
uma de suas escolhidas para nora. Não tinha nove meses que não a via. Relutei, pensei em
vontade e nem interesse por ninguém. O pedir ao meu pai, mas d. Efigênia implorava,
tempo passava lentamente, depois de dois seus olhos lacrimosos olhavam-me pedindo
meses, apareceu Jonas em casa, ar humilde compaixão, confiava em mim, não consegui
e arrependido. Explicou que abandonou Inês, negar e acompanhei-a. A casa delas, afastada
que do centro, numa vila, era de dois cômodos,
tudo muito pobre, mas limpo. Quando vi Inês,
Reparando Erros senti doer por dentro, senti meu coração bater
61
forte, estava num leito pequeno, pálida, com Reparando Erros
olheiras, percebi logo que se encontrava fraca, 127
desnutrida e que sofria muito. Ao me ver,
ensaiou um sorriso. cochichos, agüentei firme, era o
abandonado que aceitava a ex-namorada
126 com filho do outro. O tempo passou e as
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / fofocas também. Combinávamos muito e os
Antônio Carlos filhos foram nascendo, Tereza, José Maurício
e Ana. Para mim, os quatro eram meus, amava
- Antônio ajuda-me! É como seu pai, Juvenal como os outros e ele continuava
bom... Triste fiquei em vê-la naquele estado, parecidíssimo com meu pai, nunca fiz diferença
percebi que não a esquecera, amava-a muito e ele me amou muito, eram todos iguais para
e fui examiná-la, iria fazer tudo para ajudá- mim. Raríssimas vezes conversei com Jonas
la. Seu parto não foi fácil, mas sem maiores e ele nunca quis saber do filho. Nossa caçula
problemas, nasceu um garoto miúdo e fraco. estava com um ano quando notei que Inês
- Vai chamar-se Juvenal, como meu pai. estava diferente. “Talvez”
Agradeceram-me. Inês, agora mais refeita, - pensei queira casar. Meu pai deve ter
olhou-me sorrindo. razão, temos filhos, devo casar, mas, não sei...”
- Obrigada, Antônio, é um santo. Desculpe- Ana estava com dezessete meses, quando d.
me por incomodá-lo, mas só pensava em você, Efigênia mandou chamar-me no hospital. Vim
sabia que me ajudaria. Vi que nem enxoval a aflito, prevendo um acontecimento ruim.
criança tinha e deveria faltar até alimentos para - Antônio, Inês desapareceu. Já procurei-a
elas. Ao sair dei dinheiro a d. Efigênia, que não por toda parte
queria aceitar. - disse minha sogra aflita ao ver-me.
- É para meu sobrinho. Aceite, d. Efigênia,
compre roupas para ele e alimentos para Inês. Página 67
- Mas é muito! Por Deus, como o senhor é Reparando Erros
bom! A lembrança de Inês sofrida acompanhou- Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
me, querendo vê-los voltei a visitá-los. Sendo
bem recebido, passei a ir sempre vê-los, - Sumiu?! Como? Conte-me tudo d.
ajudando-as nas despesas. Fui padrinho Efigênia, não esconda nada.
com d. Efigênia de Juvenal que estava forte - Ao chamá-la para o almoço, não a
e muito bonito, parecendo muito com o meu encontrei. Sumiu e com ela as malas e suas
pai. O garoto era ruivo, lábios grandes, sorriso melhores roupas. D. Manuela, nossa vizinha,
aberto, olhos verdes e gostava muito de mim disse que...
e eu dele. Voltei a namorar Inês. Pensei bem, - Vamos diga! Que d. Manuela viu?
como pensei. Inês já havia me abandonado - Que partiu, que tomou uma carruagem
uma vez. Parecia mudada, sofreu muito e dizia na esquina. Que um homem a esperava e que
amar-me, era mãe carinhosa e cuidadosa. Não parecia ser o dr. Jonas. Minha sogra começou
era fácil, fui atingido moralmente com sua fuga, a chorar, as crianças vieram correndo. Senti
mas amava-a e resolvi esquecer tudo e fazer como se o mundo desabasse sobre a minha
o que meu coração queria, ficar com ela. Falei cabeça.
com meu pai, este escutoume pacientemente. - Papai, é verdade que mamãe foi
- É isto que quer filho? Case com ela! embora? É Fiquei como anestesiado, o afeto
- Casar não! vou morar com ela, se der paternal chamou-me à razão. Acalmei meus
certo, no futuro, caso. Meu pai falou com filhos e voltei ao trabalho. Dois dias depois, d.
mamãe que, como esperava, fez escândalo, Efigênia achou um bilhete de Inês.
gritou e ameaçou. Saí de casa triste, mas - Deve ter caído no chão, achei quando
resolvido. Por anos não voltei a casa deles, fui limpar o quarto. Abri o bilhete e li:
mas mamãe acabou por perdoar-me, mas
nunca aceitou Inês. Comprei uma boa casa 128
e fomos os quatro morar nela, d. Efigênia, Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
Juvenal, Inês e eu. Os olhares zombeteiros, os Antônio Carlos
62
Mamãe Parto com Jonas. Cuide do - Sei disto. Inês ao partir, deixou um
Antônio e das crianças para mim. Abençoe- bilhete contando este pormenor.
me, Inês Novamente as palavras do bilhete - Você sabia
dançavam diante dos meus olhos. - assustou-se meu pai
- D. Efigênia, Inês foi embora com Jonas! - e não disse nada!
Mas vi-o ainda hoje no hospital! - Não queria chateá-los. Não se preocupe,
- Pobre filha! Acho, Antônio, que ele a mamãe, não vou me tornar assassino, eles
levou como amante, não abandonou a esposa. não merecem tanto. No conceito da maioria,
Tentei acalmar-me, pensei até em procurar deveria matá-los para ter honra. Porém, honra
Jonas, tive vontade de matá-lo. Não, assassino para mim é outra coisa. Honra é respeitar a
não! Tinha ânsia de sarar pessoas e não todos, é ser honesto e trabalhador. Não vou
matá-las. Tinha filhos para criar e ele também. desgraçar mais ainda a vida de meus filhos e
Levara Inês como amante, ela também tinha nem vou deixar os filhos
sido minha. Embora fosse tida e tratada como
esposa. Entre Jonas e eu existiam meus pais Página 68
adotivos que eram dele, os verdadeiros. “Não! Reparando Erros
Não devo falar com ele, ela fugiu porque quis. Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
Sou pai e sei o que é criar filhos. Maria das
Graças e Maurício criaram-me, devo ser grato de Jonas sem pai. Ele é um canalha,
a eles, se estudei, devo a eles. O melhor que mas Inês é pior. Não farei nada, não poderia
faço é fingir que nada sei. Depois, lembrei de dar aos senhores um desgosto, sou-lhes grato
um texto que lera tempos atrás: Não devemos por terem me criado e não vou matar um de
usar do poder da palavra para fazer o mal, seus filhos. Mas como souberam disto?
para o desentendimento. O poder vibratório - Obrigada, Antônio
da linguagem, poderá ser sabiamente usado - disse mamãe.
para liberar nossa vida das dificuldades’.” - Foi Letícia quem contou para nós. Ela
Falei com d. Efigênia e queimamos o bilhete. descobriu Jonas com Inês na casa de campo,
Os comentários foram muitos, embora meus aquela casa que comprou recentemente.
filhos fossem pequenos eles os escutavam. Jonas voltou com Letícia para casa e ela
D. Efigênia e eu os consolávamos dizendo o perdoou. Só nós é que sabemos e tudo
que Inês partira e que deveriam esquecê-la devemos fazer para abafar o escândalo.
e que eles ficariam sempre comigo e com a Fizemos silêncio, pensei em Inês, criatura
avó. Novamente agüentei os risos irônicos, os imprudente, novamente construiu a casa sobre
cochiches e os olhares zombeteiros. Procurei a areia. Mas, não queria pensar nela. Desta
ser firme e fingir que não os notara para vez, saiu da minha vida para sempre.
continuar a trabalhar. Meu pai se preocupou - Quero que saiba, Antônio
comigo, mas não queria tocar no assunto, - disse meu pai -, que condenamos o
não queria que soubesse da verdade, não proceder de Jonas. Briguei com ele e não
queria que sofresse. Dias passaram. Estava quero mais vê-lo. Você não sofre sozinho. Um
no hospital e fui chamado para ir na homem honesto, de consciência tranqüila e
honrado sofre sem se manchar, aquele que
Reparando Erros erra, sofrerá mais. Se sofre pela traição da
129 companheira, sofro pela traição de um filho.
Abraçou-me, choramos juntos. Prometi a
casa de meus pais com urgência. mim mesmo que seriam as últimas lágrimas
Temendo que um dos dois estivesse doente, por Inês. Aliviada, minha mãe adotiva, pela
fui correndo. Meus pais estavam na sala e primeira vez, me abraçou e me beijou.
mamãe, ao me ver, disse chorando:
- Antônio, meu filho, não mate seu irmão! 130
Maria das Graças olhava-me ansiosa, enfrentei Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
seu olhar, ela tinha razão, Inês não era digna. Antônio Carlos
Ela continuou a falar com voz baixa.
- Jonas fugiu com Inês, ou melhor, - Abençôo filho, será feliz! Mais aliviado
levou-a de sua casa. fui para casa, sentia-me forte para enfrentar a
63
situação. Com coragem, agüentei os maldosos a roupa do corpo, não deixei ninguém
fofoqueiros não lhes dando atenção, falavam
de tudo e todos, de mim, de Jonas, de Inês, Página 69
foram comentários por meses. Mas, com o Reparando Erros
tempo, tudo passa. Assunto velho perdeu Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
interesse por outros novos. As crianças já não
perguntavam mais da mãe. Resolvi continuar vê-la. Perdoa-me, não consegui enxotá-
na mesma casa com elas e d. Efigênia que la.
passou a ser mãe e avó delas. D. Efigênia era - Bem... Está bem, não chore.
boníssima, trabalhadeira, paciente, meus filhos - Vai vê-la? Vai ajudá-la? vou. Vamos
amavam-na e eu também a amava como se vê-la.
fosse minha mãe. Ela era muito grata a mim,
nunca lhe deixava faltar nada, como ajudava 132
também seus outros filhos, os irmãos de Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
Inês, mesmo depois de sua fuga, que eram Antônio Carlos
pessoas boas e gratas. Tudo foi voltando ao
normal, ficava todo meu tempo disponível com Atravessamos a casa, saímos no quintal.
meus filhos que cresciam fortes e bonitos. Meu coração disparou, as lembranças vieram
Maurício ia sempre vê-los e, após a fuga de como um filme na minha mente, senti raiva
Inês, minha mãe também passou a vê-los e a pelas muitas humilhações e sofrimentos que
pedir que os levassem em sua casa. Mas eles Inês me causou. Acompanhei minha sogra que
não gostavam muito, preferindo sempre estar abriu a porta do nosso cômodo de despejo
com a avó Efigênia. Encontrava raramente no quintal e defrontei-me com uma Inês
com Jonas, que parecia fugir de mim, quando desconhecida, prostrada no leito. Nada tinha
nos encontrávamos, cumprimentávamo-nos mais de bonita, magérrima, pálida, ofegante,
friamente. Amava cada vez mais meu trabalho, respirava com dificuldades, não percebeu
embora meu sonho era, fazer pesquisas, nossa presença.
trabalhar com outros estudiosos, descobrindo - A senhora tem razão, d. Efigênia,
curas para muitas doenças. Vencendo a mim Inês não está bem. Busque minha maleta
mesmo Quatro anos passaram, raramente e a caixa de remédios. D. Efigênia saiu
lembrava de Inês. Até que um dia, ao voltar rápido e examinei-a, não precisei de muito
para casa ao anoitecer, d. Efigênia esperava- para constatar que a tuberculose em estado
me no portão. Ao vê-la, percebi que estava avançado lhe tiraria a vida física em pouco
aflita e foi logo me dizendo: tempo. A tuberculose era fatal nesta época e
- Antônio... Soube que Inês está mal, todos temiam seu contágio. Dei-lhe remédios
doente, abandonada, uma morta-viva de fazer para suavizar as dores e para abaixar a febre.
pena. Piedade, Antônio, reconheço os erros Inês falava baixinho, dizia delirando meu nome,
de minha filha, mas ela é mãe de seus filhos. chamava a mãe e os filhos. D. Efigênia ficou
Você não pode ajudá-la? olhando-me nervosa, torcendo o avental com
- Mãe dos meus filhos é a senhora. D. as mãos tremulas, implorando compaixão para
Efigênia, a senhora é livre, nunca a impedi de a filha com seus olhos assustados e tristes.
ajudar Inês, ajude-a como quiser, não precisa Minha sogra tinha razão, não podia deixá-la
nem me dizer. Mas me deixa fora disso, morrer abandonada.
para mim Inês morreu no dia que fugiu. D. - D. Efigênia, Inês está mal. Tem
Efigênia olhou-me triste e começou a chorar, tuberculose em estado adiantado, não sei
enxugando as lágrimas no avental. Comovi- como conseguiu chegar aqui. Não podemos
me, não gostava de ver ninguém sofrendo. ficar com ela aqui em casa, o contágio, as
- Por favor, d. Efigênia, não chore. Será crianças. Levarei-a para o hospital da cidade
que é tão grave? A senhora sabe onde ela vizinha, lá eles tem um bom isolamento.
está? Pagarei todas as despesas, sua filha não
- No quarto do quintal morrerá abandonada.
- respondeu aflita, mostrando com a - Obrigada, meu filho.
cabeça e continuou apressada: - Ajude-me, vamos acomodá-la na
- Chegou aqui ardendo em febre, só com carruagem, deitaremo-la no banco. Partirei
64
logo após me alimentar. Ao sair, queime esta Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
cama e colchão. Ninguém deve saber que
Inês esteve aqui, o falatório recomeçaria e alimentei rancores. Nossos filhos são
prejudicaria as crianças. Não estava disposto felizes.
a ser criticado novamente, ajudando quem - Acredito, tendo você por pai e mamãe
tanto me atraiçoara. Não é fácil ser alvo de para cuidar deles, só podem ser felizes.
zombaria e preferia que tudo ficasse em Antônio, perdoa-me! Por favor não me negue
segredo. A distância entre as duas cidades seu perdão. Hesitei em procurá-los, mas sem
não era grande, fui devagar. Inês delirava dinheiro, sem lar, sem abrigo, passando fome,
falando nossos nomes, pedindo a minha frio e doente, só pensava em vocês. Voltei para
ajuda. Apiedei-me, mas não a amava mais. No lhes dar trabalho.
hospital, ajudei a medicá-la e a acomodá-la, - Há muito tempo a perdoei! Olhando
depois voltei para casa. Cheguei quando já Inês moribunda, entendi que a perdoara de
amanhecia, tomei um banho coração, nenhuma mágoa tinha dela, nem
dela, nem de Jonas. Inês chorou e narrou sua
Reparando Erros história com dificuldades.
133 - Antônio, você é bom, sempre o amei.
Descobri tarde demais... Sou culpada, muito
e fui trabalhar. Meu pai, que me conhecia culpada, porém, Jonas foi mais. Assediou-me
bem, notou que estava diferente e acabei por para depois abandonar-me. Quando ele me
lhe contar sobre Inês. deixou na primeira vez, foi por meu filho que
- Filho, orgulho-me de você! Nesta vida é trazia no ventre que tive forças para continuar
preferível mil vezes perdoar que fazer algo que vivendo. Senti ódio quando ele casou.
nos levará a pedir perdão. Faça tudo por esta
moça e que Deus a ajude, deve estar sofrendo 134
muito. Duas semanas depois, d. Efigênia e Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
eu fomos visitá-la, deixando as crianças com Antônio Carlos
a empregada, que disse a elas que íamos
visitar uma tia adoentada. Aparentemente, Mamãe ajudou-me e veio Juvenal,
Inês parecia melhor. Não estava febril e os depois você, estava feliz... Novamente Jonas
medicamentos e a boa alimentação deram-lhe voltou a perturbar-me, começou mandando
uma aparência melhor. Sorriu ao nos ver. bilhetes, cartas apaixonadas, presentes,
- Mamãe! Antônio! Que alegria em vê-los! procurei resistir, mas... a paixão dominou-me.
Sabia que só vocês me ajudariam, embora não Jonas reconquistou-me dizendo ser infeliz com
mereça. Como estão as crianças? D. Efigênia a esposa e que me amava. Encontramo-nos e
falou demoradamente sobre eles, Inês ouviu planejamos fugir e fui com ele para sua casa
encantada. de campo. Inês parou ofegante, sua mãe deu-
- Poderei vê-los? lhe água. Enxugou as faces pálidas e magras,
- indagou, olhando para mim. ia continuar.
- Não creio, Inês. Sofremos muito quando - Chega Inês, não necessitamos saber de
você partiu. Dissemos a eles que você viajou. mais nada. Não estamos aqui para condená-la,
Os comentários maldosos foram muitos, compreendemos
perturbando-as. Agora tudo voltou ao normal, - disse-lhe.
elas esqueceram. Se voltarem a vê-la, sofrerão - Por favor, não se neguem a me ouvir.
novamente. Piedade, me escutem. Necessito dizer tudo.
- Entendo, você tem razão. Já causei Sentamos próximo a ela e a escutamos
muito sofrimento. Por favor, diga a elas, emocionados.
quando eu morrer, que parti deste mundo - Vivi como rainha por pouco tempo.
pensando nelas e que as amei demais. Dirá? Até que Letícia nos surpreendeu juntos. Vi,
- Sim, direi que você os amava. Nunca, pasmada, o canalha por quem troquei meu lar
Inês, falei mal de você a eles, nunca e filhos, defender-se acusando-me. Aos gritos,
disse que era eu a importuná-lo e a persegui-
Página 70 lo, que eu não era nada para ele, que amava
Reparando Erros Letícia e me tocou de sua casa, como se faz a
65
um cachorro que importuna. Peguei algumas falecera. Somente eu fui vê-la, d.
roupas e parti chorando, vim para esta cidade, Efigênia preferiu não ir. Foi um enterro simples,
depois daqui para outra mais distante. Queria somente o coveiro e eu. Em casa, reuni as
distância de todos e de tudo que conhecia. crianças e dei a notícia de modo simples.
Comecei a perceber meu erro... Meu dinheiro
era pouco, acabou logo, não era fácil achar - Hoje, vim a saber que Inês, a mãe de
emprego, tentei... Acabei prostituindo-me... vocês, morreu. Oremos por ela, que amava
Sofri muito... O remorso doía, dói, a vergonha... a todos nós. Oramos, ninguém perguntou
A saudade de vocês... Há dois anos, tive um nada ou quis saber mais detalhes. Além de d.
filho sem pai, dei-o para uma família criá-lo. Efigênia, só Maurício soube do que ocorreu.
Fiquei doente, enxotaram-me do meretrício, Paguei todo o tratamento, o enterro, mas e o
abandonada não quis morrer sem o perdão filho que ela teve? Preocupei-me, era irmão
de vocês... de meus filhos, neto de d. Efigênia. Resolvi
- Oh, filha! Não se afobe assim, te procurá-lo, se não estivesse bem trá-lo-ia
perdoamos. Inês estava ofegante pelo esforço, e criaria como meu. Com licença de seis
mas tranqüila. Falar tudo fez bem a ela, sua dias, afastei-me do trabalho, viajei para a
mãe beijou-a na testa e eu lhe estendi a mão. cidade citada por Inês. Não foi difícil saber
- Antônio, o remorso me corrói mais que dele. Procurei informações no meretrício e,
a doença. Obrigada por ter me perdoado. encontrei Antônio, assim se chamava seu filho,
- É mais fácil perdoar que pedir perdão feliz, adotado por uma boa família sem filhos.
- disse, lembrando as palavras de Voltei e tranqüilizei minha sogra e guardamos
Maurício. o segredo. Veio trabalhar conosco, no hospital,
- Obrigada, que Deus os ilumine e um médico recém formado, Lauro, que era
abençoe. A visita já tinha sido longa, despedimo- bom e caridoso, e se interessou pelo trabalho
nos e voltamos para casa, pensativos e do meu pai e passou a nos ajudar, a clinicar
entristecidos. Inês muito errou, pagou caro os pobres com dedicação. Estava clinicando
pelo seu erro, senti muita dó dela. quando me deram a notícia da morte de
Reparando Erros Maurício.
135
136
- Antônio Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
- disse d. Efigênia -, gosto de você mais do Antônio Carlos
que de meus filhos. Nunca devi tanta gratidão
a uma pessoa, como a você. Obrigada. Você é - Dr. Antônio, seu pai faleceu. Morreu de
realmente como seu pai! Ser comparado com repente! Foi para mim uma grande perda, de
meu pai sempre me encheu de orgulho. um pai, amigo, companheiro e irmão. Chorei,
- Não me agradeça, se sou bom a sabia que me faria muita falta. A cidade enlutou,
senhora é mais. Não me deve nada, eu sim os pobres choravam. No enterro, senti que sua
que lhe devo. Que seria de mim e das crianças obra me pertencia. Lauro ficou com a nossa
sem a senhora? parte, de Maurício e a minha, no hospital, eu
- Sou avó delas e as amo. continuei como obstetra e substitui meu pai
- Esqueçamos este assunto. Nenhum no Sanatório. O Sanatório continuou como
nem outro deve nada. Companheiros seguem sempre, procurei com dedicação e carinho
juntos ajudando-se mutuamente, somos atender a todos como meu pai sempre fez. Um
amigos. Visitamo-la por mais duas vezes. Inês surto de febre tifo assustou a cidade. Muitos
piorava, sorria ao nos ver, falando pouco, mas doentes apareceram exigindo cuidados e
estava tranqüila e resignada. Quarenta e cinco muito trabalho. Com medo do contágio alguns
dias após ter sido internada vieram nos dar a médicos fugiram, tiraram férias, viajaram.
notícia que Lauro e eu nos desdobrávamos para atender
nossos clientes pobres e desnutridos que
Página 71 foram os mais atingidos. Trabalhei a noite toda,
Reparando Erros não descansava há dezesseis horas, quando
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt senti arrepios e dores pelo corpo, notei que
estava febril. Lauro observou-me.
66
para um passeio. Era muito mais jovem
- Antônio, contraiu a doença, deite-se já que eu e tudo fez para agradar-me. Depois
e descanse. Não tinha forças para contradizê- de saírmos algumas vezes, começamos a
lo, dormi logo ao deitarme. Senti-me envolto namorar. Levei-a em casa e tudo fez para
por uma nuvem branca e vi meu pai a me conquistar meus filhos, mas estes a olharam
medicar. Dias lutei com a doença que foi me desconfiados. Juvenal disse:
abandonando. Logo, me senti curado. Lauro - Papai, se casar, deixa-nos com a vovó.
disse-me, sorrindo: - Não tenho intenção de separá-los.
- Salve, Antônio! Você está curado, reagiu Minha sogra não disse nada, mas senti-a
como ninguém a medicação, agora só mais um apreensiva, temendo que a separasse dos
pouco de descanso em casa. netos. Achei uma solução que contentou a
- E o sanatório? Meus doentes? todos. Comprei a casa ao lado da nossa e
- Os doentes daqui, dei conta, só Deus montei-a satisfazendo o gosto de Cleonice. Ia
sabe como! Não tive tempo de ir ao Sanatório, casar, morar nela, deixando as crianças com d.
mas os empregados vêm saber de você e Efigênia. Ficaríamos perto e separados, todos
trazem notícias, tudo bem por lá. Antônio, aprovaram a idéia. Não amava Cleonice, porém
nos seus delírios de febre, falava com o dr. me parecia ser a noiva ideal, doce, carinhosa,
Maurício, parecia que o nosso benfeitor estava concordava com tudo, dizia que me amava.
por aqui cuidando de você. Se isto é possível, Prometeu não interferir na vida dos meus
deve a ele sua melhora rápida. filhos. Numa cerimônia simples, casamos.
- Acho que, quem foi bom aqui, deve Senti-me feliz, pensando ter recomeçado
continuar do outro lado. A ele, então, meu minha vida. Mas logo Cleonice começou a
obrigado e a você também, meu estimado dr. mudar, passou a exigir, ora queria um móvel,
Lauro. Depois de desencarnado, vim a saber ora roupas e jóias. Depois de dois meses de
que Maurício cuidou de mim com carinho e casados, ela ficou grávida piorando a situação,
dedicação. Voltei para casa. Dois dias depois, esqueceu a promessa que me fez e começou a
sentindo-me bem, fui ao Sanatório e realmente implicar com d. Efigênia e com as crianças. Era
estava tudo bem por lá. Soube que minha chegar em casa para as queixas começarem.
mãe pediu a Jonas para ficar no meu lugar, - Antônio, seus filhos não são as belezas
enquanto estive doente, ele se negou. que pensa, são mal-educados, hoje eles riram
de mim, eles me odeiam. Tudo por culpa da
Reparando Erros bruxa da d. Efigênia, vive como rainha e ela
137 não é nada sua! Até empregada ela tem!
Precisa dar melhor educação a estas crianças.
Depois de uma semana de descanso, Por que sustenta Juvenal? Que ele é seu? 138
voltei ao trabalho. Da febre tifo, ficaram só VeraLúcia Marinzeck de Carvalho / Antônio
Carlos Basta! Cleonice, você prometeu não
Página 72 interferir na vida dos meus familiares. Juvenal
Reparando Erros é meu filho, amo-o como os outros. Não fale
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt mais assim, não gosto.
- Você não liga para mim! Sou sua
lembranças e os meus cabelos que esposa, mãe de seu filho legítimo.
grisalharam. Era um solteirão cobiçado, os - Os outros são meus filhos! O fato é
cabelos grisalhos me deram muito charme que Cleonice escondeu bem como realmente
e financeiramente estava bem, embora não era, mostrava agora, depois de casada, seu
fosse rico. Minha mãe dizia sempre que gênio agressivo e interesseiro. Acabou o meu
deveria casar, dar uma boa mãe aos meus sossego, as crianças não reclamavam e nem
filhos, que estava muito sozinho, etc. Não iam a minha casa, elas estavam preocupadas
me entusiasmava muito com a idéia, embora e tristes. A mãe de Cleonice e meus novos
achasse que ela tinha razão e aos poucos cunhados começaram a freqüentar minha
fui pensando no assunto. Conheci Cleonice casa, tomando refeições, exigindo presentes
no hospital, era enfermeira, bonita, simples, e dinheiro. Sempre ajudei os irmãos de
educada, risonha e parecia gostar muito de Inês, o que fazia espontaneamente. Eram
crianças. Ficou encantada quando a convidei pobres, trabalhadores, nunca pediram nada,
67
gostava deles e ajudava-os com prazer. Não obstetra? Não consegui salvar Cleonice nem
simpatizava com os novos parentes que, sem meu filho.
cerimônia, pediam coisas e, se não dava, - Não conseguimos, amigo, lutamos
Cleonice fazia-se de vítima e escutava o juntos.
mesmo falatório. Triste, arrependido de ter - Por que não a examinei antes de casar?
casado, contornava a situação para não ter um - Parecia-nos tão saudável! Não ia
maior desentendimento. No segundo mês de adivinhar, depois não é agradável examinar
gravidez, examinei Cleonice e constatei que candidatas a esposa. Ânimo amigo, lembre-se
ela sofria de uma lesão grave no coração o que nós também morreremos. Após o enterro,
que se agravaria com a gravidez e se tivesse voltei triste para casa, tranquei-me no quarto
o filho estaria arriscando a sua vida. Reuni os e pus-me a pensar. Não amei Cleonice, nosso
médicos do hospital e eles confirmaram meu casamento foi um erro, mas sentia sua morte
diagnóstico. Uns aconselhavam-me a recorrer e da criança. “Por que, meu Deus, morrer
ao aborto. Era e sou contra o aborto, segui por tão pouco? Será que não se consegue,
o conselho de Lauro, que deixasse que ela por estudos, meios de curar tantas doenças?
escolhesse. Chamei seus pais em minha casa Como gostaria de estudar, pesquisar, ajudar e
e com Cleonice expliquei-lhes tudo. descobrir meios de combatê-las e vencê-las.
- Posso pensar, Antônio? Doenças, vírus, fazem parte da natureza e é
- Claro, meu bem, pense e nesta semana nela que devem estar os meios de combatê-
me dê a resposta. Três dias depois, Cleonice las. Como seria bom se pudesse estudar!” Por
me disse: dois dias fiquei em casa, desanimado, achando
- Quero ter este filho! Sou jovem, dezoito que nada mais valia a pena.
anos, não correrei riscos, acredito - D. Efigênia, acho que sou um inútil. Que
adianta lutar com os poucos conhecimentos
Página 73 que tenho? Penso em não clinicar mais, vou
Reparando Erros mudar de profissão.
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt - Filho, não desanime. Deus é maior que
tudo e Ele sabe o porque de tantas doenças
que tudo dará certo. Passou a ser mais incuráveis. Não deve sentir-se culpado, tem
exigente, tudo fazia para não contrariála. Achei curado e ajudado tantas pessoas. A tarde
que seria melhor mudar e separar ela das recebi a visita de minha mãe. Olhou-me séria.
crianças. Comprei uma bela e grande casa, - Antônio, por que abandonou o Sanatório.
recém-construída que custou todas as minhas Seu sofrimento não abafa o sofrimento que tem
economias. Cleonice ficou felicíssima e pensei lá. Para que se formou? Certamente não foi
em mudar rápido. Estava no sexto mês de para acovardar-se diante de um caso perdido.
gravidez e íamos mudar em Sua esposa morreu, mas não a faremos agora
de santa. Era uma
Reparando Erros
139 140
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
três dias. Contratei empregados e a mãe Antônio Carlos
de minha esposa estava encarregada de dirigir
tudo, porque recomendara repouso absoluto a peste! Proibida de sair, que fazia? Andava
Cleonice. Estava no Sanatório e fui chamado por aí o dia todo, comprando, comprando...
com urgência ao hospital, onde Cleonice foi Sabia que deveria fazer repouso e não o
levada ao sentir-se mal numa confeitaria. fez. Escutei de sua própria mãe, no enterro,
Lauro e outros médicos lutavam para salvá-la. que não havia acreditado na gravidade do
Entrara em trabalho de parto com contrações problema, acharam que queria que abortasse
fortes, o coração fraco, falhando muito. Foi para abandoná-la, ou que fizesse repouso
uma luta desigual, horas depois morreram ela para que ficasse dentro de casa. Como vê,
e a criança. não tem culpa.
- Que nos serve a Medicina? - Eu pensei que aceitara os riscos por
- queixei-me a Lauro. amor ao filho!
- Que valeu minha habilidade como - Ora, logo vê que não sabe escolher
68
esposa. Se pensar em casar novamente, - Viva!
fale comigo, que escolherei uma boa pessoa. - Tudo voltará a ser como antes!
Depois, coitada da d. Efigênia, sofreu muito - Que felicidade! Meus filhos vibravam
com as ofensas dela, vivia gritando com as felizes e eu também, minha família era eles
crianças. Eu vi! Antônio, eu quero, exijo, não queria outra. A promessa foi de coração,
que vá imediatamente ao Sanatório! Sua casamento, nunca mais. Tudo ficou em paz no
presença é indispensável, os enfermeiros não meu lar, meus filhos cresciam fortes, sadios
sabem que fazer com os novos pacientes que e obedientes. D. Efigênia era como minha
deram entrada ontem. Filho, você acha que mãe, comida quentinha a qualquer hora que
seu pai está aprovando sua conduta? Está chegasse em casa, roupa limpa, tudo como
abandonando o Sanatório que ele tanto amou. gostava, cuidava de tudo em casa desde as
Troca de roupa, eu o acompanho até lá. Saiu despesas. Dava dinheiro para ela que cuidava
do quarto e escutei-a conversando na sala de tudo e com muita capacidade e carinho.
com as crianças. Depois da morte de meu Também tinha em mim um filho reconhecido,
pai, minha mãe começou a freqüentar minha éramos grandes amigos. Saía pouco, era do
casa e adorava Juvenal que já era mocinho e trabalho para casa. Às vezes, ia as festas
muito parecido com Maurício. Ora! Coitada da familiares ou a igreja. Casar realmente
d. Efigênia, nunca não me passou mais pela mente, amores,
só passageiros, nada sério, sem qualquer
Página74 compromisso. O Sanatório novo ficou pronto,
Reparando Erros após anos de construção. Não recebeu o nome
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt do meu pai como haviam prometido, mas sim
de um político que doou verbas para terminá-
reclamou. Doentes novos! Quem lo, toda a família sentiu. Também o cargo
serão? Coitados!” Troquei de roupa rápido, de diretor foi dado a um médico da capital
despedi-me com um adeusinho das crianças nomeado por este político. Minha mãe ficou
e acompanhei minha mãe. O Sanatório ficava revoltada, eu, triste. Fizemos a mudança, os
perto de minha casa, caminhamos em silêncio, doentes foram conduzidos para o prédio novo
lado a lado. Ao chegarmos, ela pegou minha que ficou uma beleza, espaçoso e confortável.
mão. Fui convidado a trabalhar lá com um bom
- Desculpe-me, entendo o que sente. ordenado.
Você é excelente médico, muito já fez e pode - Não vá, meu filho, tudo isto é uma
fazer! Não posso ver o Sanatório abandonado. ofensa a nós
Maurício amava-o tanto! Só posso contar com - disse Maria das Graças. Sorri e nada
você. respondi, preferi pensar: “Para que nos servem
- Mamãe, o que a senhora disse chamou- posições? Que importa ser importante ao
me à realidade. Também amo tudo isto e não mundo? Todos morrem e, do outro lado, que
vou abandonar. Sei pouco, mas neste pouco nos valerá tudo isto?” Amava os doentes e
quero ser útil. Volto para meus doentes. A obra conosco estavam doentes de anos de convívio.
do papai, enquanto viver, terá continuação. Alguns deles choravam amedrontados, não
- Obrigada meu filho. Animado, voltei querendo sair daquela casa querida, onde por
ao trabalho. O casamento não me trouxe anos foi um bálsamo há tantos infelizes.
felicidades. Os parentes de Cleonice levaram - Dr. Antônio! Dr. Antônio!
tudo de nossa casa e queriam ainda a casa - era Sebastiana, uma débil mental, há
nova. Com franqueza, disse que não três anos conosco, abandonada pela família,
que me
Reparando Erros
141 142
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
receberiam mais nada de mim, que não Antônio Carlos
voltassem mais a minha casa. E passei a evitá-
los. Voltei a morar com meus filhos. Quero puxara pelo braço.
comunicar a vocês e prometer que nunca mais - O senhor vem? Irá conosco? Se não for,
casarei. fico também. Fico com o doutor onde o senhor
69
ficar. O senhor vem? 143
- vou minha filha, vou sim. Achei a
resposta no olhar temeroso de Sebastiana e Jenifer, por que não me chama de tio?
aceitei o emprego oferecido. Foi demolido o Dá-me tanto prazer. Porque você não o é.
casarão e cercado. Depois da morte de Maria - Seu pai que proibiu?
das Graças, meus irmãos herdeiros venderam - Não, ele nem sabe que venho aqui.
e foi erguida uma grande loja. O diretor do E por que vem? Aqui não é lugar para uma
Sanatório nem mudou para nossa cidade, mocinha. Jenifer sentou-se, cruzou as pernas
vinha duas vezes por mês e cuidava da parte e olhou-me provocante. Antônio, será que terei
burocrática e os doentes ficavam sob minha de ser mais clara? Será que não entende?
responsabilidade. Os doentes Venho aqui por que estou interessada em você.
Amo-o! Deixei o corpo cair na cadeira. Minha
Página 75 sogra tinha razão. Espantado, fiquei olhando-a
Reparando Erros e ela continuou:
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
- Não sou bonita? Você não me acha
aumentavam e o trabalho também. Uma interessante? Você é viúvo e eu sou solteira,
tarde, uma turma de jovens foi visitar um amigo nada impede de nos amarmos. Podemos
no Sanatório e Jenifer, a filha mais velha de casar e...
Jonas, estava junto. Jonas tinha três filhas e - Está louca?! Você é minha sobrinha!
um filho, continuava libertino, farrista, ligando Tem a idade do meu filho mais velho.
pouco para a profissão. Jenifer era quase da - Não estou louca! Não sou sua sobrinha!
idade do meu Juvenal, olhava tudo, encantada. Você é filho adotivo da minha avó, não é
A garotada, que pela primeira vez via um irmão do meu pai, não é meu tio. E, depois,
Sanatório, interessava-se por tudo, mostrei a sei que Juvenal não é seu filho e, sim meu
eles todas as repartições, informando o que irmão. Gosto de homens maduros, são mais
indagavam. interessantes. Você é lindo com estes cabelos
- Tio Antônio, fale-nos do vovô, lembro grisalhos, tão gentil e educado. “Meu Deus”
tanto dele pediu Jenifer. - pensei aflito -, “que faço?” Esforcei-me
- Dr. Maurício foi o melhor médico para acreditar no que ouvi. Se quisesse me
que conheci, fundador do primeiro hospital, vingar de Jonas, ali estava uma oportunidade.
primeiro Sanatório da região. Amava os seus Vingar? Não era capaz, vendo Jenifer,
doentes e curava-os com sabedoria. A turma uma garota, querendo passar por mulher
despediu-se alegre. Depois deste dia, Jenifer fatal, com rosto pintado, puxando a saia ao
passou a ir ao Sanatório e conversar comigo, sentar, sorrindo provocante, olhando-me com
passou a ir em minha casa, ora queria saber insistência, tive dó. Jonas sofreria com seus
de um assunto, ora do amigo, ora do vovô. filhos o que fez Maurício sofrer. E foi a ele
Quando percebi, ela estava chamando-me que pedi ajuda. Meu pai, que faço com esta
de Antônio, você, as visitas ficaram mais menina? Ajuda-me, afinal ela é sua neta!
freqüentes. D. Efigênia alertou-me: Levantei, olhei-a sério e disse:
- Cuidado, Antônio! Esta menina vai - Jenifer, minha querida sobrinha, gosto
lhe trazer problemas. Vem aqui somente de você como filha do meu irmão, neta de meu
quando você está e olha-o de uma maneira, pai. Para mim é e será sempre minha sobrinha.
parece apaixonada. Deus me perdoe se Nunca gostarei de você de outra forma. Não é
estou enganada. Jenifer nem parece ser sua nem o meu tipo, é feia, sardenta, baixa e chata.
sobrinha. Fiquei preocupado e resolvi prestar Desista de conquistar-me, isto me aborrece.
atenção e resolver o problema, não queria Você não me interessa e se insistir agirei como
mal-entendimento com a família, muito menos um bom tio que sou, tirarei a cinta e lhe darei
com Jonas e nem envolvimento com garotas. uma boa surra. Pirralha idiota! Vá amar alguém
Naquela tarde, encontrei-a na minha sala no de sua idade. Menina imbecil!
Sanatório. Cumprimentou-me chamando-me
de Antônio. 144
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
Reparando Erros Antônio Carlos
70
Não sei como tive coragem de dizer tudo Reparando Erros
isto. Comecei a falar e foi saindo, detestava 145
ofender alguém. Mas era preferível cortar o
mal pela raiz e evitar que - Antônio, Júlia passa mal, ajude-a por
favor.
Página 76 - vou vê-la, Letícia, tudo que sei, tudo
Reparando Erros que puder, farei para ajudá-la. Acalme-se.
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt Por duas horas, lutei contra a morte, usei toda
minha experiência e mentalmente dirigia-me a
Jenifer sofresse mais tarde. Não quis, Maurício: “Ajude-nos meu pai!” Comigo ficaram
por educação, lhe dar esperanças. Jenifer ficou dois médicos que já sem esperanças faziam o
vermelha, depois branca, segurou as lágrimas que lhes mandava. A criança estava sentada,
e gritou: havia hemorragia e fomos vencendo. A criança
- Agora sim é meu tio, irmão do meu pai! nasceu viva, uma forte e bonita menina e a
Eu que pensei que fosse diferente! Idiota é hemorragia foi cessando Júlia não corria mais
você, seu velho! Saiu batendo a porta, suspirei perigo. Dr. Antônio, o senhor venceu!
aliviado. Proibi a entrada dela no Sanatório e - disse a enfermeira.
pedi ajuda a d. Efigênia que com seu jeitinho - Tudo é por Deus, filha, o esforço foi de
não a deixava esperar-me mais. Jenifer todos. Saí da sala cansado, Jonas e Letícia
insistiu, por três vezes cercou-me na rua e esperavam no corredor. Tudo bem, Letícia,
passei a fugir dela, chegando mesmo a correr Júlia e a criança estão salvas.
para não ter que ouvi-la. “Antônio, este amor - Obrigada, se não fosse você... Obrigada
passa logo, é coisa da idade” por ter nos atendido.
- dizia d. Efigênia. “Calma, é só fugir dela - Sempre atendo a todos que me chamam.
que acabará desistindo.” Recebi um bilhete de Se fosse uma coitada sem família faria o
minha mãe convidando-me a ir vêla para uma mesmo. Alegro-me por ter ajudado Júlia, para
conversa particular. “Jenifer já a envenenou.” mim todos os necessitados da medicina são
Fui. Mamãe levou-me ao salão de visitas e iguais. Jonas estendeu-me a mão.
conversamos a sós. - Obrigado, Antônio. O caso era
- Antônio, conte-me o que ocorreu entre desesperador. Pensei que perderíamos
você e Jenifer. Suspirei triste, como sempre ela Júlia. E excelente obstetra. Dei-lhe a mão,
ficaria a favor dos filhos verdadeiros e agora retirando-a rápido.
dos netos. Com calma, sem omitir nada, contei. - Não me agradeça, Jonas, não fiz nada
E fiquei surpreso. por você. Não me agradeça somente por
- Acredito em você. Agiu certo. Antônio, educação. Seja realmente grato, pois aquele
percebi tarde demais a educação errada que que é grato segue o exemplo do seu benfeitor.
dei a meus filhos, principalmente Jonas, que Não perca mais tempo, você tem tudo para ser
agora educa os seus filhos como foi educado. melhor obstetra que eu e sempre encontramos
Jenifer me contou a história diferente, percebi no nosso caminho a quem beneficiar. Tive
nos seus olhos o despeito, entendi que tinha vontade de lhe falar mais, porém, achando
sido desprezada. Resolverei este assunto, que não adiantaria, saí com um simples
Jenifer não mais o importunará. Não sei a cumprimento.
conversa que tiveram mas, para meu alívio,
Jenifer parou de procurar-me e fiz de tudo Página 77
para não mais encontrá-la. A segunda filha de Reparando Erros
Jonas, Julia casou-se e esperava um bebê. Em Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
trabalho de parto, Jonas constatou que seria
complicado e a filha sofria muito. Reuniu seus Aquele dia foi especial para mim, fiquei
amigos médicos e citaram meu nome. felicíssimo. Tive ocasião de me vingar de Jonas
- Jonas, só o dr. Antônio pode ajudá-la. e não o fiz. Tendo oportunidade de lhe fazer
Mandou chamar-me no Sanatório e fui rápido. um bem, fiz com carinho. Paguei com o bem,
Letícia, nervosa, esperava-me na porta do a quem muito mal me fez. Senti no íntimo que
hospital. venci uma prova. E tinha certeza que até a ele
71
salvaria se necessitasse. Depois disto, Jonas era detestado. Dizem que o amor sincero é
fazia questão de cumprimentar-me, respondia sentimento reconhecido, sentido por plantas,
cortês, evitando longas conversas, ganhei um animais, crianças e loucos. Acredito. Maurício
amigo senti que me respeitava. A felicidade e eu nunca tivemos medo deles, amávamo-los
no bem Minha mãe desencarnou, isto fez e nenhum deles nos causaram danos. Fomos
com que me separasse mais de meus irmãos. por eles queridos e amados, acalmávamolos
Vivia para meus doentes e filhos. Foram com simples conversas, com olhares e
maravilhosos meus filhos, nunca me deram agrados. Neste período foi internado um
aborrecimentos, nenhum quiseram cursar doente, Dito, um crioulo com dois metros de
uma faculdade, mas foram trabalhadores e altura, forte e violento. Dr. Tadeu maltratouo
honestos. Juvenal interessou-se por madeiras, com seus métodos desumanos como fazia
de empregado, com minha ajuda, passou a a todos os desobedientes e perigosos. Eu
ser dono de uma indústria de móveis. José conversava muito com ele, alimentava-o em
Maurício comprou um pequeno armazém e seus castigos, um dia ele me disse:
transformou-se em grande atacadista. Todos - Este médico louro é um demônio.
casaram muito bem e os netos encheram Demônio se deve matar para livrar das
nossa casa. Minha caçula morava ao lado, maldades. O senhor é bom, dr. Antônio. Mas
d. Efigênia e eu ficamos sozinhos na velha e demônio tem que matar... Dito aquietou-se,
simples casa, da qual gostávamos tanto. O tomou-se obediente. Sabia que sua doença era
diretor do Sanatório passou o cargo a outro incurável, as melhoras eram aparentes. Mas
médico, seu amigo. Jovem e ambicioso, dr. não era esta a opinião do dr. Tadeu.
Tadeu, assumiu suas funções, mudou-se para - Dr. Antônio, o senhor tem que se
nossa cidade. A pretexto de modernizar o modernizar. Deve acreditar que meus métodos
Sanatório, adotou normas cruéis e desumanas, dão resultados, são eficientes. Dito está
como castigar os enfermos por desobediência. curado. Poderá ir para casa, Não adiantou
Muitas discussões tivemos, ele exigia que suas nada meus argumentos, queria me provar que
ordens fossem cumpridas e eu não queria que estava certo e que havia curado Dito. Despedi-
maltratassem os doentes. Só não me mandou me de Dito com um abraço, aconselhei que
embora porque era muito querido por muitas tivesse juízo e que fosse bonzinho com todos.
pessoas importantes da cidade, me deviam Riu para mim com seu jeito ingênuo, roguei a
favores. Nesta ocasião pensei seriamente em Deus por ele,
largar de trabalhar no Sanatório e voltar para
o hospital. Mas, compadecia-me dos doentes. Página 78
Que seriam deles se os abandonasse? Quem Reparando Erros
lhes daria alimentos em seus castigos de Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
dois dias sem alimentos? Quem os tiraria das
camisas de força? para que na sua liberdade não fizesse
mal a ninguém. Dr. Tadeu tinha uma bonita
Reparando Erros 147 fazenda na região, estava muito rico. Duas
semanas depois que Dito saiu do Sanatório,
“Fica, Antônio” foi o
- dizia d. Efigênia -, “se não está sendo
agradável a você, fica por eles, pelos seus 148
doentes.” Meditei e orei, senti dentro de mim a Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
resposta: “Faça o bem pelo amor ao bem, não Antônio Carlos
espere recompensas e nem tenha esperança
de recebê-las, nem mesmo o reconhecimento Diretor com sua família passar o final de
do que fez. Auxilia e não queira ver até que semana na sua linda fazenda. Saiu sozinho a
ponto tenha ajudado nem que lhes mostrem cavalo para ver as plantações, como demorou,
gratidão. Agora é o momento de mostrar sua foram atrás e o encontraram no chão com Dito
força, confiança e seu amor aos doentes, sentado em cima. Tinha atocaiado o dr. Tadeu,
deve ficar. Fiquei. Dr. Tadeu parecia às vezes amarrado com tanta força que lhe quebrou
temer-me, nunca conseguiu encarar-me nos vários ossos e com um canivete foi retalhando
olhos. Por dois anos ficou no Sanatório, onde seu corpo. Dr. Tadeu desencarnou tendo o seu
72
sangue esgotado. Foi preciso várias pessoas embrulhos quando esta saía às compras.
para tirá-lo de cima do dr. Tadeu. Foi laçado, Muitas vezes, chegava em casa e lá estavam
amarrado e levado novamente ao Sanatório. a minha espera tutelados de minha sogra
Senti profundamente o que aconteceu com para que os consultassem e até mesmo para
o dr. Tadeu. Dito foi colocado numa cela receber remédios que comprava. Meus filhos
especial como perigoso. Cuidei dele, não preocupavam-se conosco, diziam sempre que
deixei ninguém maltratá-lo. Tinha suas crises deveríamos morar em casa melhor, com mais
e ficava furioso. Acalmava-o com conversas, conforto, etc. Mas éramos felizes vivendo
doces e remédios. Ele gostava muito de mim, assim. Um dia, cheguei em casa e José
sempre repetia sorrindo: “Dr. Antônio é bom! Maurício reclamava com a avó.
Gosto do dr. Antônio!” Um dia, ele me disse: - José Maurício, por que fala assim com
- Não matei o médico louro. Não fui eu! sua avó?
Só lhe tirei o demônio do corpo. Apliquei nele - indaguei.
o remédio que dizia que faria comigo. Foi só - Papai, vovó dá muito dinheiro aos
isto! Ele falava que o remédio era bom, como pobres. Sabe quanto ela dá por mês a uma
estava doente, com o demônio, tinha que fazer viúva? Falou a quantia e esperou minha reação.
ele sarar. Não matei ele, não é mesmo? D. Efigênia abaixou os olhos. Calmamente fui
- Não, Dito, você é bom moço! até nossa caixinha. Em cima da cômoda,
- Dito bom sim! Sarei o médico louro, desde os tempos de Inês, ficava uma caixinha
agora não judia mais de ninguém trabalhada de madeira em que colocávamos
- riu alto. Acreditei nele, de fato, comprovei, dinheiro para as despesas. Peguei a
após meu desencarne, que Dito realmente
pensava assim. Com a morte do dr. Tadeu, Página 79
ofereceram-me a diretoria, as pessoas do Reparando Erros
Conselho rogaram para que aceitasse. Pensei Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
por uns dias e não aceitei, teria que cuidar
da parte burocrática e já me achava velho quantia citada e dei a ele, olhou-me
e cansado. “Fico cuidando dos doentes, se assustado.
arranjaram dois diretores, que arranjem mais - Aqui está o dinheiro. Neste mês, a viúva
um.” Mas, enquanto não arranjaram, fiquei não receberá nada, dou a você. Usará melhor,
cuidando de tudo. Com mais de setenta anos, certamente. A senhora viúva que se arranje,
comecei a pensar na morte do corpo. irá de porta em porta para alimentar os filhos.
- D. Efigênia, acho que está na hora de Certamente este dinheiro não lhe tirará o sono,
doar tudo que tenho aos meus filhos, não é os dias de fome e frio não lhe chegarão aos
muito, mas é deles. O que a senhora acha? ouvidos.
- Filho, faça o que achar melhor. Reparti - Papai, por favor, não falei por isto! Nada
tudo entre eles, deixei em meu nome somente reclamo para mim. Pensava somente nos
a casa que morávamos e passei a trabalhar senhores. Esta casa está velha, necessita de
só no Sanatório, reforma, vivem sem conforto. Meus irmãos e
eu moramos em casas melhores.
Reparando Erros - José Maurício, entenda, sua avó e eu
149 somos felizes assim. Vive-se bem onde há paz.
Esta casa para nós é um palácio. Para que
deixando até mesmo de fazer partos. No modificá-la se gostamos dela assim? Mil vezes
hospital havia bons médicos e eu não fazia
falta. Recebia meu ordenado e dava todinho 150
nas mãos da d. Efigênia que fazia a despesa Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
de casa, comprava-me roupas, enfim tudo Antônio Carlos
que necessitávamos. Minha sogra ajudava
várias famílias carentes. Uma senhora ficou nós aqui nesta casa velha e você em
viúva com seis filhos pequenos e ia todos os casas novas e bonitas. Amo-os e vê-los bem
meses receber uma boa quantia. Às vezes ela é minha tarefa cumprida.
trabalhava em casa, ora seu filho mais velho - Desculpem-me, tome o dinheiro da
fazia as compras para d. Efigênia ou carregava viúva, prometo não mais reclamar. Meu lar é
73
dos senhores, se a casa cair, não ficarão sem que fazia, faço, realizo com boa vontade, como
teto. Eu também os amo! Não existe no mundo sendo para Deus e não para os homens. No
pessoas melhores que os senhores. Nos Sanatório chamavam-nos carinhosamente de
abraçou, chorando. Resolveram nos deixar viver Médico Velho e Médico Novo. José Luiz foi aos
conforme queríamos e nenhum deles implicou poucos fazendo todo meu trabalho. Ia todos os
mais conosco. O novo diretor tomou posse. dias ao Sanatório, conversava
Resolveu reformar, modernizar o Sanatório.
Organizou festas, arrecadou verbas. Os Página 80
doentes ficaram sob minha responsabilidade. Reparando Erros
Sabia que boa parte do dinheiro arrecadado Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
ia para seus bolsos. Mas o dr. Marcílio era
benevolente, ampliou o Sanatório, deu conforto com os doentes, andava por todo o
aos doentes. Os internos recebiam excelente lado, sem rapidez, meu andar estava lento.
alimentação, recreações, foram contratados Graças a Deus, o raciocínio era o mesmo.
mais empregados e enfermeiros. Tudo que Fiz oitenta e sete anos. Na véspera, filhos,
eu lhe pedia, ele dava um jeito de adquirir. O netos e bisnetos fizeram uma bela festa para
Sanatório ficou como sempre sonhara. Uma comemorar. Fui deitar mais tarde do que o de
vez, dei a entender a ele que sabia que ficava costume e não dormi bem, levantei mais tarde
com parte do dinheiro. e, como sempre, fui ao Sanatório. Dr. José Luiz
- Isto são comissões, dr. Antônio. esperava-me.
Atualmente, todos trabalham assim. Não está - Bom-dia. Estava preocupado com o
faltando nada no Sanatório, está? atraso, mas, pelo visto, dormiu demais. Como
- Não, não falta nada. Resolvi não está o senhor, dr. Antônio?
interferir mais, já que não interferia no meu - Bem, filho. Sinto-me só um pouco
trabalho, ele que ficasse com suas comissões, cansado, vou descansar ou melhor vou ler um
a mim bastava que meus doentes fossem pouco. Tudo bem? Os doentes?
bem tratados. Pensava muito no que me - Tudo bem, se necessitar de mim,
cabia fazer, vigiava os meus atos. Estava é só chamar. Entrei na sala de recepção,
velho para arrumar encrenca e o Sanatório tranqüila naquela hora do dia, deitei no sofá,
nunca esteve tão do meu gosto. Procurava peguei uma revista e comecei a folheá-
fazer o que me cabia sempre do melhor modo la. Meu coração estava fraco, tomava os
possível, fixava meu pensamento naquilo remédios direitinho, mas sabia que a idade
que estava fazendo para que fosse feito estava avançada. Pus-me a ler, mas, como
com perfeição. O Sanatório era um modelo, sempre, ultimamente ao ler por mais tempo,
verdadeiro hospital de caridade. Mas estava acabava dormindo. Pensei que dormira, mas
cansado, meu coração inspirava cuidados e desencarnei, meu coração simplesmente
medicamentos, sabia que o ritmo de trabalho parou de bater. Não senti nada, não vi nada,
deveria diminuir. Assim, veio ter conosco o dr. acordei bem disposto. “Onde estou?! Aqui
José Luiz, médico recém-formado. Gostei dele, não é o Sanatório! Que roupas são estas?”
era bom, caridoso, inteligente e trabalhador. Estava com uma roupa de dormir confortável
Conversamos muito, trocando idéias, dr. José e bonita, num leito limpíssimo, levantei e olhei
Luiz era espírita. tudo. “Isto é um quarto! Estou em um hospital,
- Dr. Antônio, a doença está na alma, estas roupas devem ser deles. Que quarto
no espírito, devemos cuidar das duas partes: grande e bonito! Devo ter me sentido mal e o
corpo e espírito. Não gostava muito de falar dr. Luiz me conduziu a um hospital. Uma janela
de religiões, todas para mim ajudavam a ir até grande estava do lado esquerdo da cama,
o Pai. Sempre fora católico, não destes de ir abria e encantei-me. A vista dava para um
bem cuidado e belíssimo jardim, onde várias
Reparando Erros pessoas passeavam conversando animadas.
151 “ Ao desencarnarmos somos levados para
onde fizemos por merecer. Hospitais no Plano
muito a Igreja, mas orava sempre e fui Espiritual tem enormes enfermarias onde é
sempre grato. Acreditava e acredito que são atendida a maioria desencarnada. Antônio
nossos atos bons que nos levam a Deus e tudo fez por merecer ser atendido em uma de suas
74
alas, onde recuperam sem se achar doentes. - Saulus, seu amigo.
- Quero agradecê-lo, dr. Saulus, e pedir
152 um favor. Não gosto de ter regalias mas, minha
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / sogra, mais velha que eu, noventa e um anos,
Antônio Carlos imagine, certamente quererá me ver, gostaria
que permitisse. Amamo-nos um ao outro como
Falei sozinho: “Não conheço este mãe e filho.
hospital. Onde será? Não, vizinhança não é, - Perfeitamente.
conheço todos. Que desperdício internar-me - Obrigado. Que tipo de tratamento me
aqui! Isto só pode ser idéia do Médico Novo, aplicou? Sinto-me bem e a melhora foi rápida.
preocupa-se tanto comigo! Quero ver se uma - Curioso, dr. Antônio?
maquina ou tratamento será capaz de fazer - É que tenho muitos doentes, seria
meu coração trabalhar como novo. Isto aqui maravilhoso aplicar neles também. Sempre
deve ser caro! Só José Luiz para pensar gostei de inovações, amo as pesquisas. Não
em gastar dinheiro com um velho como eu.” tive tempo para fazê-las, mas, nunca deixei
Sentei na cama, achando tudo muito bonito e de interessar-me por elas. Este tratamento é
contei as batidas do meu coração. “Normal! fantástico! Queria, se possível, aprender. :
Puxa!” As batidas estavam fortes e ritmadas, - Claro, será um prazer. Terá tempo para
continuei meu monólogo. “Ora! Não é que o isto, muito tempo.
dr. José Luiz pode ter razão! Estou muito bem! - Dr. Saulus, não afirme com convicção,
Estou disposto! Levantei, será que podia? É já tenho oitenta e sete anos.
melhor chamar alguém.” Toquei a campainha - Agora, tenho que ir. Até logo!
que estava na cabeceira da cama e aguardei - falou, sorrindo. Minutos depois, o
por instantes, logo um enfermeiro simpático e enfermeiro anunciou uma visita.
sorridente entrou no quarto. - D. Efigênia!!! Abracei-a. Como está a
senhora? Quem a trouxe?
- Precisa de algo, senhor? - Estou bem, muito bem. Eles me
- Não, obrigado, tudo bem. Queria ver trouxeram, o pessoal que trabalha aqui.
o médico que me atendeu. Por favor, diga- Bonito este lugar, hem? Como está meu filho?
lhe que, quando puder, venha ver-me. Estou Quando disseram que você estava dormindo
ansioso para conhecê-lo e agradecê-lo. Deve no Sanatório, não acreditei, fiquei brava e
ser excelente médico. nervosa. Queria você e comecei a chorar,
- Sim, senhor. os meninos não sabiam o que fazer para
- Posso levantar-me? me agradar. Desconfiei logo, você nunca se
- Sim, esteja a vontade. Saiu, logo me ausentou sem avisar. Orei tanto e pedi a Jesus
trouxeram um caldo que tomei sem fome, para que pudesse vê-lo e aqui estou. Graças
achando diferente com gosto de ervas. “Deve a Deus, vejo-o bem. vou ficar aqui com você.
ser dieta!” Lembrei da minha sogra. “Se não - D. Efigênia, aqui é um hospital, não
deixarem que me veja, fará um escândalo. sei se poderá ficar comigo. Quem trouxe a
Pedirei ao médico este favor.” senhora?
- Bom-dia! Era o médico, simpático e - Eles, já disse. D. Efigênia, às vezes,
sorridente, apertou minha mão, gostei dele se confundia. Deveria ter sido um dos meus
que continuou a falar. netos. Conversamos sobre a beleza do jardim,
- Como está, dr. Antônio? Queria falar das pessoas agradáveis que trabalhavam no
comigo? Está gostando daqui? hospital.
- Estou muito bem, obrigado. Com quem - Parece que eles não tem problemas,
estou tendo a honra de falar? estão sempre sorrindo
- disse. Um enfermeiro veio buscá-la.
Página 81 - Até logo, meu filho, vou ficar no quarto
Reparando Erros ao lado.
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt
Reparando Erros 154
153 Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
Antônio Carlos
75
quarto, sentava, levantava e lembrei que o dr.
Perguntei baixinho ao enfermeiro se era José Luiz e eu comentamos há tempo uma
verdade. tese que loucura
- Sim, d. Efigênia está no quarto ao
lado. Fiquei confuso e preocupado. Estaria d. Reparando Erros
Efigênia doente também? Parecia tão bem. 155
Chamei pelo enfermeiro e veio, sorridente, o
dr. Saulus. podia ser contagiante. Ri muito, mas
- Dr. Antônio, o senhor gostou da visita? agora não tinha a menor graça. “Será que
- Sim, muito. Não a esperava tão cedo. convivi tanto com doentes que pensam que
Quem trouxe d. Efigênia até aqui? E por que enlouqueci?” Devagar abri a porta. “Não está
a deixaram? Estou preocupado, este hospital trancada!”
deve ser caro, não tenho dinheiro, vivemos do - exclamei. O corredor não tinha ninguém,
meu ordenado. Não quero que meus filhos, já pareceu-me grande demais e estava muito
velhos, assumam as despesas. Por favor, onde limpo. Abri a porta ao lado que igualmente
fica este hospital? Conheço a redondeza e... estava destrancada. O quarto estava vazio.
- Dinheiro não deve ser preocupação. Em cima da mesinha estava uma foto de minha
Tudo é grátis. sogra com os netos, que me deu a certeza
- Ufa! Até os atendidos em quartos como que ali se hospedava, pois d. Efigênia não se
este? Mesmo? Ainda bem! Mas onde fica? separava desta foto, levando-a aonde ia. Voltei
Nunca ouvi falar de um hospital assim. ao corredor. “Pelo menos não estou prisioneiro
- É o Hospital Fraternidade, fica na no quarto!” Observei que todos os quartos
Colônia do Amor Divino. estavam com suas portas abertas. Passei pelo
- Quê!? Nunca ouvi nada parecido. Em corredor e fui ter em um hall grande. Todos
que cidade? que passavam por mim cumprimentavam-me
- No Plano Espiritual. Dr. Antônio deixe as sorridentes, respondia desconfiado. “Deve ser
perguntas para mais tarde. Está aqui alguém difícil fugir deste Sanatório. Confiam muito para
que há tempo não o vê, aguarda ansioso para deixar tudo aberto.”
abraçá-lo. Abriu a porta e Maurício entrou - Bom-dia! Como está?
sorrindo, estendendo as mãos. - Bom-dia!
- Valei-me meu Deus! Olhei-o assustado - resmunguei e pensei: “Será este louco?
e tremi de medo. Maurício, vendo minha Não me parece...” Cheguei ao pátio sem
reação, saiu e Saulus veio até a mim, pôs suas dificuldades e passei ao jardim. Encantei-me
mãos sobre minha cabeça e me adormeceu com o lugar, árvores maravilhosas, flores
com passes. Quando acordei, sentei rápido na perfumadas, o céu muito azul, ar suave e
cama e lembrei de tudo: “Meu Deus!” agradável. Distrai-me e trombei num senhor.
- pensei. “Não estou em um hospital, Desculpei-me apressado, pensando que fosse
estou em um Sanatório. Onde será que fica ralhar comigo. Mas ele me olhou sorrindo.
este Sanatório? Parece bem dirigido, limpo - Encantado com tantas belezas? É novo
e organizado. Não ouvi um grito ou gemido. aqui? Quando chegou?
Trataram-me bem e sinto-me ótimo. Estranho! - Sou novo, sim. Aqui é bonito de fato.
Aquele Saulus não é médico, é louco. Diga-me, senhor, está internado aqui? Que
tem?
Página 82 - Graças a Deus estou internado aqui.
Reparando Erros Tinha, senhor. Tive uma angina que me
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt desencarnou. Estou quase bom. Já na
segunda-feira começarei a trabalhar
Quem sabe fugiu e passa por médico. - Estou com pressa, até logo. (2) A
Hospital no espaço! Imagina! Nada há no fotografia foi plasmada em beneficio ou agrado
espaço, só atmosfera. Meu Deus, e aquele a d. Efigênia. Pode-se plasmar cópias perfeitas
outro, como parece com meu pai! Que de qualquer objeto material aqui no Plano
loucura! Será que pensam que enlouqueci e Espiritual. Para isto, é só saber, D. Efigênia
internaram-me num Hospício? Por que então tinha muito carinho por esta foto e guardava
não me deixaram no meu?” Andava pelo sempre consigo. Aceitou e entendeu a
76
desencarnação mais fácil e rápido que Antônio. normal. É melhor conversarmos depois, vamos
achar um modo de ir embora. Nota do Autor:
156 O perispírito é copia idêntica do corpo material
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / ou vice-versa. Principalmente os recém-
Antônio Carlos desencarnados sentem forte a impressão
da matéria, como dores, sensações e, como
Andei mais rápido que consegui. Outro Antônio, o coração, órgão que lhe preocupava
louco! Parecia tão bem! Fui andando pelo por achar enfraquecido.
jardim procurando minha sogra; temendo
não encontrá-la. “Se vou embora, não posso Reparando Erros
deixá-la aqui. Será que consigo sair daqui?” 157
Suspirei aliviado quando a vi sentada num
banco conversando com duas senhoras. Fui - Antônio, não me faz passar vergonha!
ao seu encontro e falei aflito: Entende logo. Você morreu, seu corpo morreu,
- D. Efigênia, Graças a Deus a encontro! agora vive em espírito. Não sabe que é eterno?
Bom-dia senhoras! Poderiam me dar - Somos eternos. Mas, a morte não é
licença, preciso conversarem particular com assim. Deve-se morrer, ver Deus, ser julgado...
minha sogra. As duas simpáticas senhoras - Filho, a morte do corpo é algo natural,
responderam meu cumprimento, levantaram sem estas complicações. Você morreu e,
e saíram, levantei d. Efigênia do banco e quatro dias depois, desencarnei de um infarto.
cochichei ao ouvido. Faz sete dias que dorme. Já é tempo de você
- D. Efigênia, precisamos fugir rápido entender! Olhe ali! O dr. Maurício, seu pai,
daqui! Estamos num local perigoso, num pessoa amabilíssima, conversamos muito.
Sanatório onde doentes ficam soltos. Trataram- Antônio não me fale que está com medo dele!
me bem até agora e a senhora? - Estou! Meu Deus, piedade! Se estou
- Muito bem, sinto-me ótima. sendo castigado, livra-me deste castigo. vou
- Isto é que mais me estranha. Vamos! tentar ser melhor! Não sou mau, livra-me de
- Onde? Já sabe como sair? passar por louco, depois de velho. Será que
- Não sei, mas descubro. A senhora isto tudo são delírios? Meu Deus, sempre
sabe como sair? Não!! Vem comigo, darei um fui amigo dos doentes, cuidei bem deles. Se
jeito. Imagine que eles pensam que estão no não fui melhor, perdoa-me. Falava depressa,
espaço, que estão mortos! É uma loucura total! implorava com os olhos fixos no maravilhoso
- Calma, meu filho! Calma, Antônio! céu da colônia.
Ninguém é louco. É verdade! Você e eu - Antônio, pare de choramingar! Pare já!
morremos. Você, tão ativo, estudado, Dr. Maurício!
não entendeu ainda? Aqui eles falam que - gritou, acenando a mão.
desencarnaram, - Veja seu filho Antônio aqui! Venha
abraçá-lo! Fiquei parado sentindo o coração
Página 83 bater forte e as pernas a tremer, pensei: “Se
Reparando Erros não morri, morro agora!” Maurício veio devagar,
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt sorrindo. Observei meu pai, o amigo de tantas
existências, de erros e acertos. Rápido como
é a mesma coisa. num filme, vi meu corpo adormecido no sofá
- D. Efigênia, a senhora também?! Morri? do Sanatório. Vi o dr. José Luiz entrar na sala
Mas como? Não senti, não vi! e me examinar, me vi frio, sem vida, vi meu
- E precisava? Morreu e pronto. Antônio, amigo e colega chorar dizendo: “Dr. Antônio
pense, que fazia você lá no Sanatório? desencarnou, tivemos grande perda. Alegrias
- Eu?... Não estava me sentindo bem, no Plano Espiritual para um justo!” Vi meus
meu coração estava fraco e sei que poderia filhos, netos, bisnetos, amigos, ex-clientes
parar a qualquer instante. Tinha dores no peito, chorando em volta do meu corpo. Vi meu
nas pernas, resolvi descansar e dormi, acho. enterro com inúmeras pessoas e muitas flores.
- Não se sentia bem e agora como se Maurício estava em minha frente.
sente? - Não quero assustá-lo meu filho. É um
- Muito bem, sem dores e com o coração prazer tê-lo aqui conosco. Lágrimas correram
77
pelas minhas faces, refugiei-me em seus
amorosos braços. Abraçamo-nos saudosos e tinha o perispírito todo machucado. Estendeu
felizes. Epílogo a mão esquerda, menos ferida, implorando
- Nestas minhas encarnações Antônio com o olhar, disse:
finalizou -, onde errei, sofri e aprendi, não - Ai, ai, morro de dores, ajudem-me!
há regressão, a lição quando aprendida é - Calma filha, calma! Eleve o seu
vivificada nos nossos atos, se não aprendemos, pensamento a Jesus, imagine Ele a curá-la.
a possibilidade de errarmos novamente é Os dois caridosos facultativos acalmaram-na,
grande. Remocei. Com a aparência de velho, já sonolenta repetia:
tinha a sensação de cansaço e lerdeza, - Ajudem-me, ajudem-me... Até que
impressão somente, o espírito é ágil e não tem adormeceu e começaram a recompor seu
idade. Lendo os Evangelhos, refleti muito no perispírito. Saí da enfermaria e parei no
que Jesus disse: “E conhecereis a verdade, salão. Já era hora de ir embora, afazeres
e a verdade vos libertará. Sentia-me quites aguardavam-me em outro local. Pensei em
com meus erros, necessitava conhecer, saber agradecer os amigos que pacientemente
para progredir. A situação embaraçosa pela atenderam-me, horas agradáveis passei a
que passei nesta última existência, quando escutá-los nas suas narrativas de erros e
desencarnei, foi por não saber, não entender. sofrimentos, acertos e alegrias. Mas estavam
Vim aprender a ser útil neste centro espírita, trabalhando, exerciam o dom de apaziguar
realizando meu sonho em ter conhecimentos. dores do modo mais puro, por amor. Maurício e
Sei que muito posso fazer pela Ciência, é só Antônio amam a Medicina como tantos outros,
me esforçar, estudar, pesquisar, respeitando mas, é uma profissão rendosa, comercializar
a tudo e a todos. com dores e ter lucro no nosso mundo. É justo
ter no trabalho sua remuneração, mas que
Página 84 não haja abusos e nem discriminações entre
Reparando Erros doentes. Porque somos o que construímos
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt e são nossos os frutos que plantamos, que
podem ser doces e agradáveis ou azedos e
Maurício interveio sorrindo. amargos. O salão silencioso naquela hora
- Muitas oportunidades tivemos e temos ressoava ainda a voz forte, agradável e sincera
com as encarnações, mas, é necessário querer do orador encarnado. Lembrei dos pedaços
progredir, agora, neste instante, não devemos mais bonitos da palestra da sessão anterior:
deixar para fazer no futuro. É necessário parar, “Nós aqui estamos reunidos em nome de Deus,
pensar e assimilar que aprendemos e passar tantos atos fazemos em seu nome, vestimos
a vivê-las. Porque aqui, neste centro espírita, os nus, enchemos estômagos, atos fáceis
na Doutrina Espírita, temos aprendido muito, de fazer, dignos e humanos, mas devemos
mas, não basta dizer que são verdadeiras também mudar interiormente. Ter cumprido
e maravilhosas estas lições. Para obtermos nosso dever de cristãos não significa amar,
êxito, é preciso fazer com exatidão o que nos precisamos realmente aprender a amar a
é ensinado. Observar o alimento num prato e Deus. Tantas vezes, ao sofrermos, podemos
dizer que é bom não satisfaz o estômago, é até pensar que não merecemos ou que
preciso comê-lo. • Evangelho de João, VIII, 32. estamos desamparados. Tantos, por fazer as
obrigações de cristãos, acham-se em crédito
Reparando Erros e tentam chantagear
159
160
Da mesma forma não basta ler ou ouvir Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho /
os ensinamentos dos Evangelhos, é preciso Antônio Carlos
viver como Jesus nos ensinou. Meus amigos
foram chamados para um socorro em uma com atos externos a Divindade para obter
das enfermarias do posto de socorro no centro facilidades. Mas, quando amamos realmente,
espírita. Acompanhei-os. Num leito, estava todas as criaturas são objetos do nosso amor
uma senhora desencarnada por um acidente,
78
e nenhuma recompensa devemos esperar. padecimentos. Bendito seja o socorro a mim
Jesus foi torturado e assassinado, será concedido, eu pobre espírito endividado e
que seus discípulos e parentes não ficaram pecador. Tudo tenho para ser agradecido,
desiludidos ou se sentiram desamparados? pois muito recebi! Agradeço, Senhor, por estar
Principalmente porque sabiam que Ele não nesta casa de socorro e de amor, por estar
somente fazia a vontade de Deus, como amava abrigado e orientado. Tenha complacência
a tudo e a todos do modo mais puro. Tudo de mim, Senhor, que fali na romagem da
tem sua razão de ser. Diante dos sofrimentos carne. Dai-me a boa vontade para aceitar
sejamos fortes e confiantes e teremos lições com sabedoria a lição da dor e do sofrimento,
que sabiamente nos alertarão para a correção para aprender a sustentar as obrigações do
e nos impulsionarão para o progresso. Se futuro. Dai-me a coragem para mudar meus
desiludidos ou nos sentindo desamparados enraizados hábitos viciados. Transfundi
paramos de fazer o que nos compete minhas mágoas e rancores em regozijes e
resistências. Ilumina-me para entender melhor
Página 85 suas leis de amor e de caridade, para elevar-
Reparando Erros me ao progresso. Acho-me apto para seus
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.txt ensinamentos, dai-me a compreensão, a força
para sanar minhas dores e passar da condição
no bem, é dar vitória às trevas, é parar de ajudado a ajudante. Assim seja!”
a caminhada, é deixar de fazer. Quem pode
fazer o bem, seja de que forma for, e não faz, Reparando Erros
cria débitos. Que o sofrimento seja nosso 161
estímulo para melhorarmos e que possamos
semear a melhor das sementes para produzir Agora, com maior entendimento, li
melhores e doces frutos.” Grandes verdades novamente os dizeres do quadro: “Louvado
aprendemos em centros espíritas, orientados seja o Senhor pelas oportunidades de reparar
por estudiosos e pessoas conscientes do seu nossos erros.” (Amanis.) Lembrando dos
dever cristão. Não estava mais sozinho no dizeres de um amigo, que em cada boa história
salão, um trabalhador novato estava a orar, proveitosas lições tiramos, contente passei
sentado num canto. Chamou-me atenção pela ao pátio. O Sol, nosso astro-rei, começava
sua fisionomia suave e por estar concentrado lentamente a surgir no horizonte, tingindo de
na sua oração. Sem querer ser intrometido, vermelho o céu. Parti feliz.
escutei sua prece sincera: “Bendito seja o Página 86
Senhor, consolador dos meus ais e dos meus
79