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Trabalho apresentado no GT 4- Abordagens Analíticas em Comunicação Visual, do Encontro Nacional
de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI.
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Mestranda do Programa de Pós-Graduação da UFMG – ana.anacarolina@gmail.com
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Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
Introdução
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Economia
Sempre com o intuito de tornar o poder cristão cada vez mais forte,
diversas manobras teológicas e filosóficas foram realizadas no interior da Igreja. Os
teólogos cristãos, para solucionaremos diversos impasses pelos quais a doutrina cristã
foi submetida em seus momentos de expansão, de crise e de consolidação, retomaram a
filosofia grega para enriquecerem sua argumentação.
No início da era cristã, a designação da Trindade Pai, Filho e Espírito
Santo gerou controvérsias no interior da Igreja. Essa tríplice nominação do poder divino
possibilitaria a crença de que cristianismo seria politeísta e, assim, poderia haver uma
volta ao paganismo. Para resolverem essa questão, os teólogos cristãos utilizaram o
termo grego oikonomia para dizer que Deus era uno em sua substância, mas a sua
maneira de administrar seu poder é tríplice. Esse termo foi utilizado por Aristóteles e
tem como sentido original a gestão da casa ou em uso mais geral como administração:
“uma atividade prática que deve de quando em quando fazer frente a um problema e a
uma situação em particular” (AGAMBEM, 2009, p.35)
Para Mondzain, a imagem é uma relação econômica no sentido de
negociação dos olhares entre o visível e o invisível, e o espectador é quem rege essa
economia e opera na qualificação da imagem nas categorias ídolo e ícone. Essas duas
designações remetem a literatura cristã e foram amplamente discutidas à época da
guerra iconoclasta que foi instituída no século IX e encabeçada por Bizâncio.
Os ícones estavam presentes em todo o território do império bizantino.
Eram símbolos de poder não apenas do domínio cristão, mas também do domínio
imperial. A imagem de César, presente em um tribunal, possibilitava ao juiz decidir
soberanamente acerca da questão ali proposta. A difusão de ícones cristãos e o seu culto
se difunde, cada vez mais, na Idade Média. Seu uso cultual encontra-se nos jogos do
hipódromo, nas expedições, nas invasões, nas guerras e nos ataques. São utilizadas
como forma de culto, também, no próprio território doméstico e da cidade. Em um
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mundo tomado pelo comércio dos olhares, em que o poder está nas mãos daqueles que
os policiam, a imagem icônica é o que ela reivindica para a formação de uma
comunidade que se dá a partir das singularidades de cada um e da produção de
significados distintos.
Encarnação e Incorporação
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http://www.youtube.com/watch?v=MUcawRerIpk
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http://www.youtube.com/watch?v=v3KXWUvvjo8
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atuam nesse limite é porque elas incorporaram as formas da arte, o que, em uma época
pode ter sido subversivo, hoje, se tornou mais um elemento a serviço do espetáculo.
Muitas vezes, as grandes marcas chamam diretores de cinema, artistas visuais para
dirigirem as peças e, na maior parte das vezes, eles imprimem, na espessura das
imagens, a identidade de seu trabalho.
FIGURA 1
FONTE: http://www.mymodernmet.com/profiles/blogs/possessed-girl-in-flora-by
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https://www.youtube.com/watch?v=fIrnFrDXjlk
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http://cultureinjection.wordpress.com/2014/03/28/entrevista-com-marie-jose-mondzain/
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Nesse sentido, há uma fusão de Deus e do sujeito, são apenas um. Tanto
no processo de comunhão, como no processo espectatorial das imagens idólatras, não há
espaço para a alteridade. O olhar endereçado às imagens idólatras atua de forma a se
criar um, na identificação e na fusão do olhar com o que se vê. Se a ditadura visual é
construída sob um modelo de devoração e de digestão, como diz Mondzain, ficamos
empanturrados e, com a boca, o estômago e olhar repletos, não conseguimos falar. Não
há voz ou palavra capaz de produzir qualquer coisa no campo de sentido do espectador,
não há, portanto, lugar para a imaginação, para a fabulação, para o vislumbramento de
outras entidades.
Em contraposição ao olhar proposto pelo regime de incorporação,
encontramos o olhar proposto pelo regime da encarnação, que é próprio da imagem
icônica. O ídolo institui um objeto, o ícone institui uma relação, Cristina Salgado diz
que “o ídolo incorpora a santidade que merece adoração; o ícone não incorpora a
santidade, é por ela informado” (SALGADO, 2008, p. 38). A palavra ícone vem da
palavra grega eikon, não é um substantivo, designa um “modo de aparição no campo do
visível”7. Um ícone se faz a partir do encontro de um olhar com uma aparição e cria
uma terceira coisa, um terceiro simbolizante. O ícone, por excelência, é a encarnação de
Deus em Cristo. Não se pretende representar Deus, “mas significá-lo e simbolizá-lo,
preservando o caráter inacessível, invisível”(LELOUP, 1995, p.13). Não se pretende,
também, mostrar com o que Ele se parece. Pretende evocar o poder divino.
O endereçamento ao visível não se fecha na representação da imagem, ele se
destina a um outro lugar que dá espaço à imaginação do espectador. Mondzain comenta
o trabalho da artista contemporânea Sophie Ristelhueber, que realiza uma série de
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fotografias sobre o Iraque e a Palestina. Suas imagens nos permitem compreender o que
acontece pelo o que ela não mostra. Não há corpos, feridos, vítimas ou cenas. O
trabalho Fait (2009) dessa artista traz imagens da Guerra do Golfo, e o que há figurado
nelas são apenas rastros da guerra, fissuras na terra feita pelos tanques, pelas bombas e
pelos combates. Jean-Yves Leloup (1995) afirma que “o semblante que o ícone propõe
não se se encerra no visível, mas pretende ser saturado de invisível; ele se oferece como
porta ou janela em direção a esse alhures que os olhares indicam. ”O trabalho da artista
pode ser configurado, portanto, como pertencente ao regime das imagens icônicas – da
encarnação. O que vemos é algo dotado de invisibilidade que nos direciona para a
compreensão da guerra.
O regime da encarnação é próprio ao domínio da arte:
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das mãos viradas para o espectador. O corpo, o tronco e uma verde mata estão figurados
na metade superior da fotografia. A parte inferior mostra as raízes da árvore saindo pelo
solo. O plano é aberto, e a maior parte da imagem apresenta a mata, a terra e a árvore.
FIGURA 2
FONTE: http://www.photomonitor.co.uk/2013/10/photography-film-and-the-silueta-series/
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aquele que não encontra um lar, que foi exilado, que foi retirado de sua terra natal. Algo
falta, restam apenas rastros de sua ligação à terra natal. Mas ao mesmo tempo em que
observamos um não pertencimento, notamos um pertencimento que se dá pela terra e
pela natureza.
Diante desses dois exemplos, vemos que as categorias caem como um
luva para as visibilidades escolhidas por nós, elas se encaixam perfeitamente.
Acreditamos, na esteira de Mondzain, que elas nos servem, principalmente, para se
pensar em uma outra ontologia da imagem. A autora as convoca para se pensar em um
outro estatuto que não aqueles ligados a sua proliferação e ao controle das liberdades do
espectador. Ela está particularmente interessada em entender porque as imagens causam
tanto rebuliço, porque elas são capazes de adquirirem vida própria, porque incitam
discursos de ódio e idolatria. A categoria do ícone, do regime da encarnação, adquire
maior importância por seu aspecto político. Acreditamos que, nessas situações, estas
categorias são facilmente encaixáveis, mas se levarmos em conta produtos culturais que
ocupam um lugar mais opaco, que podem até possuir possui um certo discurso político
ou que trabalham esteticamente com um universo pouco usual e não marcado pela
padronização, essas categorias precisam ser mais nuançadas. Para, então, darmos conta
de outros lugares, propomos uma terceira imagem. Escolhemos, então, um fashionfilm
da marca de roupas MiuMiu, que faz parte da série Women´s Tales (Contos de
Mulheres).
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http://www.miumiu.com/en/women_tales/2/film
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Considerações finais
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Dirigido pela argentina Lucrecia Martel, MUTA, que significa tanto mudo ou transformação, é um
bonito e críptico retrato de todo um mundo feminino do simbolismo, significados escondidos e intriga. A
narrativa surreal acontece em um barco ancorado em um mar tropical. Assim que amanhece e as
lâmpadas acendem hesitantes, trêmulas, uma elegante tripulação e magnificamente vestida emerge como
insetos de portas, não vemos seus rostos. Sob óculos tartaruga, cílios postiçosvibrame uma linguagem é
revelada,um códigomorsede cliques evibrações.Ascrisálidasfêmeasse prepararam para suaestranha
metamorfose. O filmesingulardeMarteléuma hipnotizante reflexão pessoalsobreo poder transformador
dafeminilidadeno cerneda obsessão da Miu Miu.
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quem faz, reproduz e difundem as imagens, saber da força e do poder transformador das
visibilidades.
Referências
BESANÇON, Alain. A querela das imagens. In: A imagem proibida. Uma história
intelectual da iconoclastia. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
CESAR, Marisa Flórido. A ambivalência das imagens. Poiesis (UFF, online), N. 13,
2009.
LELOUP, Jean-Yves. O ícone: uma escola do olhar. São Paulo: Editora Unesp, 2006.
SALGADO, Cristina. Escultura como Imagem. Arte & Ensaio (UFRJ), v. 17, p. 34-43,
2008.
Vídeos:
Comercial do perfume Flora: http://www.youtube.com/watch?v=v3KXWUvvjo8
Conferência de Marie-José Mondzain:
http://www.youtube.com/watch?v=MUcawRerIpk
Fashion filmMuta: http://www.miumiu.com/it/women_tales/2/film
Sites:
http://cultureinjection.wordpress.com/2014/03/28/entrevista-com-marie-jose-mondzain/
http://www.photomonitor.co.uk/2013/10/photography-film-and-the-silueta-series/
http://entretenimento.uol.com.br/27bienal/artistas/ana_mendieta.jhtm
http://www.moca.org/pc/viewArtWork.php?id=87
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