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DESAFIOS DA EVANGELIZAÇÃO NA AMAZÔNIA

Paolo Cugini

“O indígena continua sendo um guerreiro, a luta é permanente e isso é


passado de geração em geração, é preciso lutar pelos índios. Nós fomos os
primeiros a chegar aqui nesta terra e continuamos a ser relegados a segundo
plano, considerados menores. O índio hoje para a sociedade é um objeto
de pesquisa, de atração turística e um incomodo para o Estado. O índio luta
hoje para ser aceito como é, pelos seus direitos, para ter saúde, educação,
para viver com dignidade, para ser respeitado”. (Denilson Baniwa)

[Trabalho apresentado como finalização do Curso sobre a realidade amazônica, realizado em


Manaus no mês de fevereiro 2019].

Introdução

“ide pelo mundo todo e preguem o Evangelho a todas as pessoas” (Mc 16, 16): é este o mandamento
de Jesus que justifica qualquer atividade missionaria ad gentes, então, também na Amazônia.
Evangelizar é um verbo que aponta para um estilo de vida, uma maneira di se relacionar com os
outros e com a natureza, além de indicar um novo modo de entender a Deus, o Pai. Lendo a historia
da evangelização do Brasil e, de forma especifica, da Amazônia, percebe-se que este projeto
evangelizador depende não apenas do clima cultural da época – quer dizer o seculo XVI-, mas
também da maneira de interpretar o texto do Evangelho, de entender o mandamento de Jesus.
Sabemos que a maneira de interpretar o texto biblico no seculo XVI era fundamentalista, à letra, não
deixando o minimo espaço para uma interpretação mais critica1. Este tipo de interpretação, filtrado
com o clima socio-politico daquele periodo da historia que via, na Europa, o processo de formação
e de expansão colonial, produziu uma postura nos agentes missionários muito agressiva no confronto
com a população encontrada no Continente latinoamericano. Para Ana Clarisse Barbosa “o processo
de colonização deixou marcas profundas não só pela opressão e silenciamento, ele trouxe consigo
toda uma ideologia a qual, sujeito e objeto pertencem a uma hierarquia em que, o oprimido é fixado
pela superioridade moral do opressor. É a dialética do Sujeito e do Outro, do dominador e do

1
Sabemos que o metdo historico critico, elaborado em Campo protestante por autores como Schleiemrmaker, Wellausem
Gunkel, foi aceito na Igreja catolica somente a partir do documento Dei Verbum do Concilio Vaticano II (1962-65).
subalterno, que exibem sistemas de pensamento e regras de raciocínio, cujos efeitos não são
facilmente removíveis”2.

Já o fato que as ordens religiosas que evangelizaram a Amazônia dependiam diretamente da corona
portuguesa, nos diz mutias coisas. O processo de evangelização na Amazônia gerou modelos eclesiais
ao longo das fronteiras dos rios, marcadas pelos carismas dos religiosos e religiosas aos quais foram
confiados a evangelização. Rio Negro aos carmelitas, jesuítas e depois aos salesianos; alto Solimões
aos Capuchinhos e assim por diante. Segundo o padre João da Silva Mendonça Filho “Estas presenças
missionárias foram ao longo do tempo compactando uma religiosidade que, hoje, na sociedade
liquida, se encontra na encruzilhada, não digo uma crise, mas de alguns fenômenos de transição que
influenciam no perfil dos agentes da evangelização: grande sincretismo religioso; o avanço do
protestantismo de linha neo pentecostal no catolicismo; o recuo da Igreja nas periferias e uma
presença de conservação nos centros urbanos”3.

O objetivo dos missionários que entraram na Amazônia era antes de mais nada, catequizar, fazer
cristãos. Sabemos que nesta primeira fase evangelizadora, não teve o minimo esforço de inculturação,
quer dizer, de escutar a religião do outro, a cultura dos povos encontrados. Evangelização foi, então,
um processo de substituição de uma religião e de uma cultura para outra, substituição que trouxe
sofrimentos, incompreensões. A final de conta, os povos indígenas moravam no território amazônico
à milênios e as crenças deles eram o fruto de uma longa caminhada à contato com a natureza. Não foi
levado em conta esta riqueza religiosa e cultural, pois a unica preocupação era catequizar para poder
batizar e entregar os sacramentos, para que os povos indígenas se tornassem cristãos. Com o olhar do
depois, podemos nos questionar: mas a que preço foi feito isso? Valia a pena? E, sobretudo, o grande
questionamento: era isso mesmo que Jesus Cristo pediu e queria quando disse: “ide pelo mundo todo
e preguem o Evangelho a todas as pessoas” (Mc 16, 16)?
Muito já foi escrito sobre a maneira de evangelizar na Amazônia. Acho importante retomar as
indicações do encontro de Santarém do 1972, considerado como o ponto de partida de um novo jeito
de evangelizar na Amazônia, para depois analisar de perto os desafios que o Sínodo Pan-Amazônico
deverá enfrentar para uma evangelização inculurada neste territorio.

2
BARBOSA, A.C., Colonialismo e cosmovisão indigena: a decostrução do outro antropologico na epistemologia
docente, in XI Congresso Nacional de Educão, PUC do Paraná-Curitiba, setembro 2013, in:
http://educere.bruc.com.br/CD2013/pdf/7444_4921.pdf

3
DA SILVA MENDONCA FILHO, J., A complexidade e desafios da evangelizaçao da Amazonia,
em: https://portalkairos.org/a-complexidade-e-desafios-na-evangelizacao-da-amazonia/#ixzz5gSqWcgTH
O ponto de partida da evangelização inculturada na Amazônia: o documento de Santarém

No caminho da evangelização da Amazônia, uma etapa fundamental foi o encontro de Santarém no


1972, que reuniu a grande maioria dos prelados da Amazônia Brasileira. Fruto deste encontro foram
as Linhas prioritaria da Pastoral na Amazônia4 que, como afirmou logo na introdução o padre
Mateus W. George, C. SS. R., Secretário Executivo CER N1 da CNBB, “é um documento humano,
reflexão fiel do pensamento do momento dos homens que dirigem os destinos da Igreja da Amazônia,
homens sensíveis aos problemas e aspirações dos homens e dos grupos humanos que ocupam o
espaço amazõnico”5. O conteúdo do documento é sem dúvida, fruto do clima de grande apertura
produzido pelo Concilio Vaticano II (1962-65) que, no Continente Latinoamericano, encontrou
respaldo imediato graça também ao encontro do CELAM em Medellin no 1968.
O texto de fato, manifesta uma atenção inusitada para à realidade amazônica, os seus valores humanos
e sociais, que exigem um jeito novo de ser Igreja, que deverá caraterizar-se por duas vertentes
especificas. A primeira, é a exigência de uma encarnação na realidade, que deve anticipar qualquer
forma de planejamento pastoral e de evangelização. Esta afirmação fundamental, revela a tomada de
consciência dos erros do passado, quando a evangelização se identificava com a sacramentalização,
sem o minimo esforço de escutar a realidade encontrada. Encarnação na realidade, quer dizer entrar
em contato com a vivência das pessoas, realizar um caminho que comporte o conhecimento da cultura
dos povos encontrados que, nesta area, a maioria são indígenas. Em muitos casos, o caminho de
encarnação comporta também a aprendizagem do idioma. Digo em muito casos, pois nem sempre è
possível, sendo que em algumas paróquias se encontram não apenas um povo indigena, mas vários e
cada um com um idioma diferente. “A Encarnação na realidade – afirma o documento – estimula o
renovado proposito de superar todo paternalismo, todo etnocentrismo (que nos enquadre numa cultura
ou num grupo), todo modelo importado, pré-fabricado ou artificial de vida, fomentando uma decidida
criatividade cultural”6. A referência do texto è aos modelos de evangelização importados pelas
congregações religiosas que por muito tempo vieram de fora, em modo especial da Europa, trazendo
o jeito europeo de ser igreja, fundamentada na sacramentalização, nas devoções aos santos. O debate
entorno ao processo de evangelização vindo da Europa, questiona também a teologia marcada pela
metafisica classica de origem grega, que não se encaixa com a maneira de pensar a realidade da
cosmogonia indigena. A acusação velada no documento de Santarém, é na linha do pensamento da

4
O texto integral do documento se encontra em: CNBB, Desafio missionário. Documentos da Igreja na Amazônia:
coletanea, Ed. CNBB, 2014, p. 11-28.
5
Ivi, p. 11.
6
Ivi, p. 14.
Teologia da Libertação7 que, naquela época, começava a manifestar-se em toda a Amarica Latina,
ou seja, que muitas vezes os missionários que vinham de fora, além do jeito europeo de sentir e pensar
a Igreja, traziam também a cultura Ocidental deles, assimilada nas faculdades europeias, cultura
moldada pela filosofia platonico-aristotelica, marcada por categorias logicas, como o principio de não
contradição ou os silogismos da logica filosofica, que mal se encaixam no raciocínio da cultura
indigena. Se de fato, a logica socratica, que se tornou o ponto referencial da metafisica ocidental, visa
comprender a realidade dentro de um sistema filosofico, deixando pouco espço pela fantasia e,
sobretudo, à escuta da mesma realidade, muito diferente a abordagem do pensamento indigena, cujo
penamento se constrói a partir da atenção à natureza, pois o homem, longe de ser o centro do universo,
è parte da mesma terra. A teologia trazida pelos missionários e imposta por seculos na construção da
caminhada da Igreja na Amazônia, deixa um marco profundo de sofrimento e incompreensões, de
violências.
O processo de encarnação na realidade, que cada missionário è convidado a realizar, indica que o
processo de evangelização, longe de ser um movimento de substituição, exige antes de mais nada a
disponibilidade para acolher as novidades religiosas e culturais dos povos encontrados. A
evangelização encarnada è na linha do caminho kenotico, do despojamento de toda forma de pre-
compreençao, base necessaria para assimilar o jeito indigena de ser e de pensar e, assim, descobrir as
riquezas culturais e religiosas destes povos.
Uma das grandes intuições do Concilio Vaticano II, que o Documento de Santarém retoma, è a
doutrina das sementes do Verbo, que revela a possibilidade da presença do Verbo em cada religião e
cultura8. Foi esta intuição que levou os bispos da America Latina, reunidos em Medellin e também
dos bispos da Amazônia em Santarém, a levar em conta a riqueza religiosa dos povos indígenas. A
exigência de uma evangelização encarnada exige, então, o esforço cotidiano de escutar a riqueza do
outro, dos povos indígenas e, num secundo momento, avaliar o quanto da semente do Verbo já è
presente nestes povos.
Somente o esforço de encarnar-se na realidade pode permitir aos missionários uma evangelização
libertadora. E’ esta a expressão que o documento de Santarém utiliza e vale a pena prestar muita
atenção, pois trata-se de uma interpretação do mandato de Jesus, fruto do contexto socio-religioso
dos anos ’60-70 do seculo passado. A encarnação na realidade à qual se deseja levar o Evangelho,

7
O texto que marca o inicio da assim chamada Teologia da Libertaçao è do teologo peruano Gustavo Gutierrez que no
1972 publicou: Teologia da libertaçao. Perspectivas, Loyola, Sao Paulo 2000.
8
Esta ideia que encontramos no documento ad Gentes, serà retomada também na ecinclica do Papa Paolo VI: Eclesiam
suam, do 1964. Também o Documento preparatorio do Sinodo Pan-amazoônico cita esta ideia: “Animar uma igreja com
rosto amazonico implica, para os missionários, a capacidade de descobir as sementes e frutos do Verbo jà presentes na
vida e na cosmovisão desses povos” (Amazônia, novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral, REPAM
2018, n. 15).
exige um caminho de evangelização atento à realidade humana. Esta atenção è autentica somente
quando o primeiro passo foi feito, ou seja, somente quando a encarnação na realidade ajudou o
missionário a se libertar de toda forma de pre-comprensão cultural e teologica.
A evangelização libertadora, indicada pelo documento de Santarém, pede uma atenção especial aos
sinais do tempo, “das culturas e dos grupos, da natureza e do homem”9. São afirmações que marcam
a mudança de um paradigma. Se passa, de fato, de uma evangelização aonde o foco è a
sacramentalização, com a implantação do modelo romano de Igreja, para um caminho de
evangelização aonde o foco è a realidade do povo encontrado, a sua cultura, religião, situação social.
E’ por isso que a proposta de Santarém è uma evangelização libertadora, pois encontrando a realidade,
esta se encontra prejudicada pela ação do homem contra as classes mais fracas e humildes. A
evangelização libertadora è “uma evangelização que possibilite, desde o inicio, a conscientização
como presupposto indispensável para a libertação do homem, porque lhe faz descobrir os valores de
sua condição de pessoa humana e de filho de Deus”. Para que esta conscientização seja possível è
necessario um caminho de formação, apontado pelo documento, feito não apenas de conteúdos
teóricos, mas também de intercambio entre os candidatos e os agentes que já estão trabalhando, para
trocas de ideias, analisando novas experiencias. Os candidatos à missão na Amazônia, devem estar
atentos às necessidades de sua comunidade, para não perder o contato com a realidade.
A segunda vertente do documento de Santarém, sobre o tema da evangelização è o valor que no
caminho da Igreja na Amazônia è dado às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Não è a caso que
ao falar deste modelo de Igreja, o documento de Santarém cita logo no começo o documento da
Conferencia de Medellin do 1968 que, assimilando as orientações do Vaticano II, orientava a
caminhada da Igreja na America Latina. Se ressalta, então, que a CEB è “o primeiro e fundamental
nucleo eclesial, que deve, em seu proprio nível, responsabilizar-se pela riqueza e expansão da fé,
como também pelo culto e sua expressão”10. As CEBs manifestam o desejo de uma Igreja que almeja
alcançar as pessoas aonde elas vivem, descentralizando a pastoral quanto lugares, funções, pessoas.
As CEBs estimulam o caminho de uma Igreja toda ministerial, abrindo espaço pelo protagonismo dos
leigos e leigas, propondo desta maneira, a transformação do tipo tradicional de paróquia. Transformar
as capelas da zona rural de simples pontos de passagem pelas desobrigas sacramentalistas, em centros
comunitários “que sejam um fermento de organização da própria comunidade”, è o grande desafio
proposto a Santarém. O caminho das CEBs è sem dúvida na linha da proposta do Concilio Vaticano
II de uma Igreja povo de Deus. A descentralização do trabalho pastoral permite, de fato, de quebrar
o monopolio pastoral do clero, distribuindo a responsabilidade da evangelização para um maior

9
CNBB, Desafio missionário. Documentos da Igreja na Amazônia: coletanea, p. 15.
10
Medellin 15,10, citado en: CNBB, Desafio missionário. Documentos da Igreja na Amazonia: coletanea, p. 18.
numero de pessoas. A Igreja como povo de Deus proposta no segundo capitulo da Lumen Gentium e
aprofundada em outros documentos do Concilio Vaticano II como Ad Gentes e Apostolicam
Actuositate, encontra, assim, um imediato respaldo na caminhada da Igreja da Amazônia, que em
Santarém, apoia o incentivo de fortalecer as CEBs e o protagonismo de leigos e leigas.

Evangelização e ministerialidade

Como sabemos, depois de acerca 35 anos de Santarém, nem tudo se deu conforme os planos
almejados. Mudanças sociais, culturais e eclesiais provocaram mudanças de rumo, novidades e
dificuldades novas. A sociedade amazônica incentivou o processo de urbanização, esvaziando sempre
mais as comunidades do interior e as ribeirinhas, engrossando desta forma, as periferias das grandes
cidades11. A exploração do território amazônico por parte do agronegócio nacional e das
multinacionais do exterior, e a grande ausência do Estado cúmplice nem sempre tanto silencioso dos
projetos gananciosos do mercado internacional, criaram novos quadros sociais que nem sempre
encontraram a Igreja pronta a acompanhar as mudanças. Ao mesmo tempo, neste periodo a partir dos
anos ’90 e, de forma especial, da Conferencia do CELAM de Santo Domingo (1992), assistimos a
uma virada de rumo, já preparada com algumas intervenções fortes no confronto de teólogos da
libertação e das suas ideias, que levaram para um novo mapeamento da Igreja no America Latina12.
Nas últimas decadas, sob indicações precisas do Papa João Paulo II, foram sustituidos nas dioceses
bispos progressistas, atentos à realidade social do povo, além de acompanhar a caminhada das CEBs,
para bispos conservadores. Estas mudanças provocaram a transformação da caminhada das CEBs,
que se tornaram sempre menos profeticas e sempre mais carismáticas. Além disso, assistimos a uma
volta da Igreja da desobriga, de uma atenção exacerbada pela vida interna da Igreja, das liturgias em
estilo romano, mais do que aquelas inculturadas, da preocupação sacramental mais de que uma
atenção para realidade do povo, dos mais pobres. A meu ver, è por isso que não encontramos nos
documentos oficiais da Igreja da Amazônia do último periodo aquilo que podemos chamar de espirito
de Santarém, quer dizer o impulso para uma evangelização inculturada, perto do povo, atenta para o
humano, mais que as rubricas litúrgicas.

11
Sobre o tema cf.: MODINO, L.M., presença evangelizadora nas periferias do mundo e da Igreja. Seminário CEBs na
Amazônia, novembro 2017 Brasilia, está em: http://www.cebsdobrasil.com.br/2017/11/19/seminario-cebs-da-amazonia-
presenca-evangelizadora-nas-periferias-do-mundo-e-da-igreja-luis-miguel-modino/

12
A documentação sobre este assunto encotra-se em: CUGINI, P., Un nuovo modo di essere Chiesa. Le comunità di base
in Brasile. Storia e caratteristiche di un’esperienza di Evangelizzazione, Publiship, Milano 2018
Além disso, outros problemas afetaram as intuições pastorais de Santarém. Como viver a proposta da
encarnação na realidade amazônica para promover uma evangelização libertadora, num contexto tão
desafiador? Olhando de perto a realidade da Amazônia, deparamos com paróquias imensas, cada uma
com poucos padres a disposição. Isso quer dizer que as Comunidades de Base tem acesso à Eucarestia
muito raramente e, em alguns casos, uma vez por ano. Na caminhada da Igreja católica, este è o
grande problema e um dos desafios do Sinodo Pan-amazônico. E’ o grande problema porque è a
Eucarestia que faz a Igreja e até quando não se permite a cada comunidade de ter um acesso semanal
ao sacramento eucaristico, que molda è dà forma a Igreja e, sobretudo, forma a identidade especifica
da caminhada da Igreja católica, o perigo è deixar a caminhada de tantas comunidades sem este
alimento fundamental.
O problema da eucarestia ligado ao ministério sacerdotal neste contesto de encarnação na realidade
amazônica, traz a tona o outro grande problema da identidade do presbitero. Os números que foram
coletados nas ultimas decadas sobre a situação do clero diocesano da realidade amazônica, são ao
mesmo tempo assustadores e reveladores. Encontramos, de fato, muitos casos de padre que deixaram
o ministério. E’ muito difícil aguentar a solidão que a vida pastoral exige neste contexto amazônico.
Os padres que começam o ministério com grande entusiasmo querendo se encarnar nesta realidade,
chegam ao ponto que não aguentam mais e então se entregam ao vicio do alcool ou se juntam com
uma mulher. Do outro lado, assistimos nos mesmos anos ao grande avanço das igrejas evangélicas ao
ponto de chegar a planejar de fazer de Manaus a capital evangelica de toda a America Latina.
Enquanto a Igreja católica perde terreno e não consegue resolver os próprios problemas internos, do
outro lado o protestantismo avança sobretudo na forma atual neo-pentecostal.
O problema não consiste na concorrência, na luta de espaços entre católicos e evangélicos mas, de
uma certa forma, de uma ocasião perdida. A realidade amazônica è um grande laboratório para
repensar o estilo da ministerialidade da caminhada da Igreja católica. Se continuarmos a concentrar a
possibilidade de realizar os sacramentos fundamentais da iniciação crista, que alimentam a vida das
comunidades, nas mãos de pessoas celibatárias, o caminho destas comunidades è destinado a
permanecer fraco, pois se o corpo não se alimenta adoece e morre.
Por isso, uma das questões que se tornam a grande esperança de Sinodo Pan-amazônico, que serà
realizado em Roma no mês de outubro 2019, è exatamente sobre o tema da ministerialidade. Jà no
documento preparatório13è feito um aceno a isso. Não è um caso que no paragrafo 14 do documento
preparatorio que fala da ministerialidade, tem um aceno ao discurso de Santarém sobre a
evangelização encarnada: “Uma missão encarnada exige repensar a presença escassa da Igreja em

13
Amazonia, novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral, REPAM 2018
relação à imensidão do territorio e da sua diversidade cultural”14. Até quando as decisões eclesiais
sobre a caminhada da Igreja num especifico lugar são tomadas em Roma, por bispos que não
conhecem a realidade especifica, mas que são apenas preocupados de manter a doutrina conforme à
tradição, sem o minimo esforço de encultura-la, não vai sair muita coisa boa nos documentos oficiais,
deixando o povo de Deus sem indicações que possam auxilia-los na caminhada. Nesta perspectiva,
o documento preparatório apresenta indicações de grande relevância. Trazendo por dentro de debate
a teologia do Concilio Vaticano II sobre o sacerdócio comum, que nos faz participar do único
sacerdócio de Cristo, levando em conta da distinção entre sacerdócio comum e sacerdócio ministerial,
como apontava a Lumen Gentium ao numero 10, o Documento preparatorio indica que: “urge avaliar
e repensar os ministérios que hoje são necessários para responder aos objetivos de uma Igreja com
rosto amazônico e uma Igreja com rosto indigena”15.

Um dos grandes desafios que o Sinodo Pan-amazônico deverà enfrentar è a possibilidade de elaborar
propostas claras para a caminhada da Igreja das comunidades na Amazônia, que não podem continuar
a viverem como se fossem comunidades da Europa. Precisa repensar e propor novos ministérios a
partir, seja da experiencia das ultimas decadas que tentou uma pastoral encarnada, seja escutando e
levando em conta os novos desafios. Por isso, o Documento indica três objetivos fundamentais para
o Sinodo Pan-amazônico: o tipo di ministério oficial que pode ser conferido à mulher, considerando
o papel central que hoje as mulheres desempenham nas comunidades; trabalhar mais para a promoção
do clero indigena, levando em conta os valores e a cultura especifica; enfim, “repensar novos
caminhos para que o Povo de Deus tenha melhor e frequente acesso a missa, centro da vida crista”.

E’ bom dizer logo que è por isso que o Sínodo será realizado em Roma, o centro do catolicismo
mundial, porque o tema da ministerialidade e, sobretudo, do ministério da mulher na Igreja e de como
poderá ser resolvido o tema da Eucarestia dominical nas comunidades, è de interesse não apenas pela
caminhada da Igreja na Amazônia, mas para as comunidades do mundo todo. O trabalho de
preparação do Sínodo torna-se, então, de importância fundamental, seja para estimular as
comunidades nas bases da Amazônia, seja para manter vivo o interesse da Igreja católica do mundo
todo sobre os grandes desafios que o Sínodo tem pra frente. De fato, o tema da Eucarestia dominical,
como já acenamos pouco antes, è o grande foco da caminhada da Igreja em todos aqueles lugares no
mundo cuja ausência de padre não permite o acesso constante à Eucarestia. Além do mais, se assiste
ainda hoje, aliás, hoje talvez ainda mais de algumas decadas atrás, à grande desigualdade entre as
comunidades do mundo Ocidental que no domingo tem a possibilidade de se alimentar da Eucarestia

14
Ivi, n. 14.
15
Ibidem.
na hora que quiserem, e as milhares de comunidades na America Latina, na Africa aonde a Eucarestia
è uma possibilidade rara, para não dizer rarissima. Esta desigualdade de acesso aos
sacramentos não è apenas uma questão pastoral, mas também moral. Por isso, è importante este síndo
que coloca ja no documento preparatório os elementos teológicos e magisteriais necessários para
enfrentar o problema. Tomara que isso aconteça mesmo, pois ajudaria demais o desenvolvimento
da evangelização e do crescimento da identidade da Igreja católica.
O outro assunto que do ponto di vista dos ministérios è indicado e que è importante para todo o mundo
católico è o tema da ministerialidade das mulheres. O Documento fala de “tipo de ministério oficial
que pode ser conferido à mulher”. Não é permiido entender o que penavam os redatores do documento
com esta oficialidade, mas sem duvida indica uma urgência, também esta na perspectiva da igualdade.
São muitos os estudos, sobretudo graça ao avanço da teleologia feminista16, que oferecem um material
profundo para enfrentar o tema. Além disso, è significativo que papa Francisco tenha advertido a
importância do tema da mulher na Igreja instituindo uma comissão que reflita sobre o diaconato
feminino. O tema da mulher na Amazônia e, de forma geral, na Igreja è urgente porque o contexto
politico e social exige uma resposta clara na perspectiva da igualdade. Não adianta mais falar de genio
feminino se depois este genio è afogado em mil proibições. Que a mulher na Igreja tenha um espaço
muito marginal è fato. Que a mulher na Igreja possa expressar os próprios carismas è o grande desejo
do mundo todo e, por isso, o Sindo Pan-amazônico tem uma grande importância.
Para que os temas enfrentados no Sinodo Pan-amazônico não fiquem abafados no contexto geografico
da Amazônia, mas possam contaminar a caminhada da Igreja católica no mundo todo, torna-se de
fundamental importância a REPAM, a Rede Eclesial Pan-Amazônica que está promovendo
momentos formativos em toda a America Latina17. A REPAM nasceu por uma provocação da
Conferencia de Aparecida que afirmava a necessidade de: “Criar nas Américas a consciência sobre a
importância da Amazônia para toda humanidade. Estabelecer entre as Igrejas locais de diversos países
sul-americanos, que estão na bacia amazônica, uma pastoral de conjunto com prioridades
diferenciadas para criar um modelo de desenvolvimento que privilegie os pobres e sirva ao bem

16
Entre as tantas contribuiçao destes ultimos anos do pensamentos teologico feminino, quero sinalizar: FURLIN, N.,
Teologia feminista: uma voz que emerge nas margens do discurso teológico hegemônico, Rever, Ano 11 • N 01, Jan/Jun
2011, p. 139-164; ROSADO,M.J., O Impacto do feminismo sobre o estudo das Religiões. In: Cadernos Pagu. Campinas,
nº 16, 2001, pp.79-96;
17
A REPAM, além do intercâmbio com organismos da Igreja Católica, visa parcerias pontuais, em todas as regiões
brasileiras, com representantes de organizações da sociedade civil, governo, setor privado, organismos multilaterais,
academia e outras redes que atuam, direta ou indiretamente, na promoção e na garantia de direitos dos povos indígenas,
ribeirinhos, afrodescendentes, moradores das cidades, mulheres, jovens, crianças e todas as pessoas empobrecidas e
excluídas na região amazônica, na defesa da vida humana e da biodiversidade da região
(http://repam.org.br/?page_id=868).
comum” (DAp 475). Hoje a REPAM se estende em todo o territorio Pan-Amazônico que envolve os
nove países que têm a floresta amazônica em seu território: Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia,
Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname.
Falando de Igreja ministerial na Amazônia è importante salientar também os aspectos positivos desta
caminhada. A estruturação das paróquias redes de comunidades eclesiais produziu, como
consequência deste trabalho pastoral descentralizador, um numero significativo de ministérios e de
leigos e leigas que se colocam a disposição de assumi-los na comunidade. Nas CEBs da Amazônia
encontramos ministros da Palavra, da Eucaristia, do dizimo além de outros específicos. O padre João
da Silva Mendonça Filho, no II encontro da Igreja da Amazônia, que aconteceu em Belém no 2016,
Indicava como possibilidade dos leigos assumirem nas CEBs nos próximos anos, estes
ministérios: “Ministério do aconselhamento pastoral, da penitencia e reconciliação ordinária, das
Exéquias, da pregação que alimenta a fé, da espiritualidade cristã, das culturas juvenis, da
política, da caridade ativa, da Piedade Popular, da dor e da cura, de formador de lideranças, de
itinerância, diaconal com maior liberdade de ação, mais evangelizadores que burocráticos”18.

Evangelização enculturada: o desafio dos povos indígenas

Nem tudo está perdido da tradição religiosa e cultural dos povos indígenas. E’ verdade que muito
foi destruído e, sobretudo, que a postura evangelizadora mais de que se inspirar ao Evangelho se
inspirou e amiudê se inspira à postura agressiva dos colonizadores. Todavia, o grande fracasso do
modelo economico Ocidental que está levando o planeta ao colapso, permite a busca de novas formas
de racionalidades e, sobretudo, de ralação com a terra, a água, com a natureza. Neste processo
de destruição, a Igreja fez a sua parte, interpretando os textos bíblicos do Gênesis como algo que
coloca toda a natureza nas mãos dos homens os quais, ao invés de protege-la, estão destruindo-a dia
apos dia. A esta altura, poderíamos nos questionar e perguntar: quais são as sementes do Verbo que
a Igreja está encontrando entre os povos indígenas na Amazônia e podem ajudar a Igreja toda na sua
caminhada? Na verdade, são tantos os valores religiosos e culturais que os povos da Amazônia
vivenciam à seculos e que tem sabor de Evangelho, de boa nova. Entre estes podemos salientar alguns.

18
DA SILVA MENDONCA FILHO, J., A complexidade e desafios da evangelizaçao da Amazonia,
em: https://portalkairos.org/a-complexidade-e-desafios-na-evangelizacao-da-amazonia/#ixzz5gSqWcgTH
O primeiro è a cosmovisão indigena. O Conselho indigenista Missionario (CIMI)19, que atua desde a
decada dos anos ’70 para proteger os povos indígenas, está ajudando a Igreja a valorizar os conteúdos
culturais e teológicos dos povos indígenas. As experiências e os saberes indígenas consideram o
universo em sua totalidade e inserem o ser humano em uma complexa rede de relações que envolvem
os seres, naturais e sobrenaturais, integrando a vida como um todo. Essas cosmologias não se
confundem e nem podem ser contidas dentro da lógica materialista e mercadológica, com a qual
estamos habituados20. O antropocentrismo cultural ocidental nunca teve um relacionamento positivo
com a natureza, colocando-a sempre em segundo lugar. Os frutos desta impostação são, infelizmente,
bem visiveis e tão levando o planeta ao colapso. Por isso, é urgente levar sempre mais em considerção
a cosmovisão indígena, que conidera o homeme e a mulher não ao centro do mundo, mas parte da
terra, numa perspectiva relacional. Ainda precisa fazer muito para aprofundar a contribuição dos
povos indigenas da Amazônia que, graça mesmo à esta especifica cosmovisão, conseguiram a
conservar a terra, a floresta, os rios, as plantas, os animais.

Em segundo lugar, os povos indígenas tem como valor fundamental a vida de comunidade. Ao
contrario do devocionismo ocidental que espalho-se pela Europa e que produziu um cristianismo
individualista, que se tornou o grande aliado da burguesia, estimulando assim competitividade e busca
da uma salvação individual, os povos indígenas vivem em comunidade e sentem muito forte a
pertença a ela. De uma certa forma, este aspecto è ligado ao precedente, pois o sentimento de grande
pertença dos povos indígenas à propria comunidade, está interligado com a propria cosmovisão, que
indica uma ligação intrinseca entre povo indigena e terra, territorio especifico. A comunidade se
caracteriza não apenas com a terra, mas também com um idioma além de elementos culturais e
religiosos. Neste sentido, è muito mais fácil trabalhar o sentido comunitario e o valor da comunidade
como elemento fundamental da vivencia evangelica, comparado com as grandes dificuldade que

19 O Cimi é um organismo vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que, em sua atuação
missionária, conferiu um novo sentido ao trabalho da igreja católica junto aos povos indígenas. Criado em 1972, no auge
da Ditadura Militar, quando o Estado brasileiro adotava como centrais os grandes projetos de infraestrutura e assumia
abertamente a integração dos povos indígenas à sociedade majoritária como perspectiva única, o Cimi procurou favorecer
a articulação entre aldeias e povos, promovendo as grandes assembleias indígenas, onde se desenharam os primeiros
contornos da luta pela garantia do direito à diversidade cultural. Em sua prática junto aos povos indígenas, o Cimi assume
como objetivo geral: Testemunhar e anunciar profeticamente a Boa-Nova do Reino, a serviço dos projetos de vida dos
povos indígenas, denunciando as estruturas de dominação, violência e injustiça, praticando o diálogo intercultural, inter-
religioso e ecumênico, apoiando as alianças desses povos entre si e com os setores populares para a construção de um
mundo para todos, igualitário, democrático, pluricultural e em harmonia coma natureza, a caminho do Reino definitivo
(cf. https://cimi.org.br/o-cimi/).

20
Cf. BONIN, I., Cosmovisao indigena e modelo de desenvolvimento, està em: https://cimi.org.br/cosmovisao-indigena-
e-modelo-de-desenvolvimento/
encontramos com os povos ocidentais, cuja cultura moderna e postmoderna è moldada pelo
individualismo exacerbado.
Outro elemento muito importante, que marca a evangelização dos povos indígenas na Amazônia è o
sentido da economia. Enquanto os povos ocidentais, vivem num modelo economico marcado pela
ganancia e o instinto do acumulo, estimulado também pelo individualismo, a logica indigena,
tradicionalmente não se interessa em acumular, mas sim em desfrutar. “Se antes do sol chegar ao alto
do céu, o homem já pescou peixe para a família toda se alimentar naquele dia, ele pode voltar para
casa e descansar, pois sua obrigação já foi comprida”21. Acumular bens não bate com a cultura dos
povos indígenas porque a terra, as plantas, os animais, os peixes pertencem à terra como o homem e
a mulher. Como nos lembrou o indio Kurà Kanamari da vale do Javari :“Estamos lutando para viver
com nossa cultura, falar nossa língua, comer o peixe pescado na hora, sentir o cheiro da floresta, isso
é o Bem Viver! Não é Bem Viver estar à beira da estrada, passar fome, sem a nossa terra, que é a
nossa mãe. Nós somos a terra! Estamos brigando por uma causa que não é só nossa, dos povos do
Vale do Javari. Não falo por um povo só. Falo por todas as pessoas que vivem e que respeitam a vida
dos outros. Ninguém vive só”22.
Pertença à comunidade, cosmovisão e consideração dos bens materiais são interligados e apontam
para uma maneira dos povos indígenas estar no mundo, que tem muito a ver com a mensagem do
Evangelho. Mais uma vez, estas considerações nos levam a valorizar a proposta de Santarém 1972 de
uma evangelização encarnada na realidade amazônica e reafirmada no documento preparatório do
Sínodo Pan-Amazônico, que parece o único caminho que leva os missionários a colher as sementes
do verbo, já presentes nas culturas e nas manifestações religiosas dos povos indígenas na Amazônia.
Esta tomada de consciência exige depois a capacidade de criar um jeito especifico de entender os
sacramentos, de celebrar a liturgia para que não sejam meros rito transportados da sociedade
ocidental, mas o autentico reflexo de um caminho de encarnação e enculturação e, sobretudo, para
que o indio possa se identificar naquilo que è celebrado.

21
BRANDT, L., As 10 mentiras mais contadas sobre os indigenas, (material distribuido no Curso sobre a realidade
amazonica 2019, pelos monitores do CIMI).
22
A citaçao se encontra em: SUESS, P., O bem viver dos povos indigenas. Cristica sistemica e proposta
alternativa para um mundo pos-capitalista, Contribuição para o Seminário “O bem viver dos povos indígenas como
crítica sistêmica e alternativa de um mundo pós capitalista” do XIII SIMPÓSIO INTERNACIONAL FILOSÓFICO-
TEOLÓGICO (FAJE, Belo Horizonte): “Em busca do bem comum: política e economia nas sociedades contemporâneas”,
realizado de 4 a 6 de outubro de 2017,
em:
http://faje.edu.br/simposio2017/arquivos/seminarios/O%20bem%20viver%20dos%20povos%20indigenas%20Paulo%2
0Suess.pdf
A dimensâo ecologica da evangelização na Amazônia

É impossível levar o Evangelho na Amazônia sem ter em conta a dimensão ecologica. Sem duvida
são tantos os problemas que a Amazônia está enfrentando neste periodo, entre estes o problema
migatorio23. De qualquer maneira, porém, é o tema ecologico o mais abrangente e necessario a ser
enfrentado na perspectiva da evangelização na Amazônia. Do ponto de vista ecologico, de fato, a
Amazônia é única no mundo. Ela possui uma variedade impressionante de espcies de animais e de
plantas. A mesma mata é muito diferenciada. Existe uma mata de várzea: localizada em áreas baixas,
sofre inundações periódicas, conforme as cheias dos rios. Os solos da várzea são extremamente férteis
devido aos sedimentos depositados pelas águas dos rios. Algumas espécies da várzea são: andiroba,
jatobá, seringueira e samaúma. Tem também a mata de igapó, que é localizada em áreas ainda mais
baixas sofre inundação permanente, por esse motivo encontra-se sempre alagada. Para sobreviver a
essa condição, as plantas apresentam estratégias e adaptações diferenciadas. Exemplos de espécies
do igapó são: vitórias-régias, buritis, orquídeas e bromélias. Enfim, existe a mata de terra firme:
encontrada na maior parte da floresta amazônica, não sofre inundações por localizar-se em áreas mais
altas. A vegetação encontrada é de maior porte, como a castanheira.

A biodiversidade da floresta amazônica é exuberante e os seus números impressionam: Mais de 1.300


espécies de aves;mais de 3.000 espécies de peixes; mais de 30.000 espécies de plantas; 1.800 espécies
de borboletas; 427 espécies de anfíbios; 378 espécies de répteis; até 3.000 espécies de abelhas; 311
espécies de mamíferos. Ainda cabe ressaltar que muitas dessas espécies são endêmicas, ou seja, só
existem na região amazônica. Por isso, a conservação da floresta é de extrema importância. Muitos
problemas ambientais afetam a floresta amazônica os principais são: desmatamento, queimadas,
criação de pastos, disputa de terras, assentamentos humanos, caça e pesca ilegal24.

Como nos ensina o Papa Francisco “O Reino que se antecipa e cresce entre nós abrange tudo” (EG
181), e nos recorda de que “tudo está estreitamente interligado no mundo” (LS 16). Portanto, lembra
o docomento preparatório para o Sínodo pan-amazônico, “o princípio de discernimento de
evangelização está vinculado a um processo integral de desenvolvimento humano (cf. EG 181). Esse
processo está caracterizado, como o descreve a Laudato Si’ (cf. LS 137- 142), por um paradigma
relacional denominado ecologia integral, que articula os vínculos fundamentais que possibilitam um

23
cf. Sobre o problema migratório: SIDNEY A. DA SILVA, A Amazônia na rota das migrações. O caso dos Haitianos
e os desafios às políticas públicas, Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, vol. 8, n. 2, jul.-dez., 2015; MARCIA M.
DE OLIVEIRA - JOÃO C. JORACHINSKI SILVA, Migrações, fronteiras gênero e direitos na Amazonia, REMHU,
Rev. Interdiscip. Mobil. Hum. vol.23 no.44 Brasília Jan./June 2015.

24
Estes numeros da biodiversidade amazônica encontram-se em: http://floresta-amazonica.info/biodiversidade-da-
amazonia.html
verdadeiro desenvolvimento25. Não é possível, enão, um caminho de evangelização na Amazônia sem
levar em conta a complexidade das problematicas que o terrítorio amazônico traz consigo. A ecologia
integral nos ensina que tudo está interligado e que não podemos nos perimitr de isoalr os problemas.
O perigo seria uma evangelização cega, incapaz de enfrentar as problematicas na realidade da
complexidade.
Como em qualquer siuação, a vida espiritual na perspectiva da incarnação, provoca um caminho de
aprofundamento da realidade. Como nos lembra Papa Francisco: “A ecologia estuda as relações entre
os organismos vivos e o meio ambiente onde se desenvolvem. E isso exige que se pare para pensar e
discutir acerca das condições de vida e de sobrevivência de uma sociedade, com a honestidade de
pôr em questão modelos de desenvolvimento, produção e consumo. Nunca é demais insistir que tudo
está interligado” (n. 138). Ecologia, economia e política estão interligados na perspectiva de uma
ecologia integral apontada pelo papa Francisco e nos ajuda a compreender mehlor os desafios de uma
evangelização inculturada na Amazônia. Desde o período da invasão dos ibéricos, a região amazônica
se encontra à mercê de políticas coloniais. Entre os séculos XVI-XIX, o colonialismo extrativista teve
fortes incidências sobre povos autóctones e bens naturais mediante uma injusta expropriação. E nos
séculos posteriores, com os Estados modernos, práticas e mentalidades colonialistas continuam
mediante a exploração de populações, culturas e territórios dessa imensa região. Há séculos, distintas
formas de exploração da Amazônia vêm sendo produzidas e, para a fatalidade das suas populações,
todas elas com interesses colonizadores que se manifestam mediante dois expedientes: exploração de
sua população e redução da região a mera reserva de “recursos” naturais, como território a ser
conquistado, explorado e comercializado para a obtenção de lucros. A Amazônia, nos lembra dom
Evaristo Spengler, já resistiu a grandes projetos, de monocultivos e de ocupação. Falando do Brasil,
em 1926 Henry Ford comprou 3 milhões de hectares de terra ao longo do rio Tapajós, contratou mais
de 3.000 operários, derrubou a mata e plantou 70 milhões de mudas de seringueira para extrair
borracha. Um fungo invisível, com enorme capacidade de multiplicação, fez fracassar o projeto. O
monocultivo, mesmo sendo de uma espécie amazônica, foi rejeitado pela floresta26. Neste mesmo
artigo Dom Evaristo nos recorda que vigoram hoje, na Amazônia, dois modelos de desenvolvimento.
Um é predatório, da extração de madeira, da mineração, do petróleo e energia, da pecuária, do
monocultivo, que tem como consequências o desmatamento (20% da floresta já estão desmatados),

25
Documento Preparatório, n. 48.
26
Cf. Palavras de Dom Evaristo Spengler no seminário organizado pela Secretaria Geral do Sínodo intitulado: “Rumo
ao Sínodo Especial para a Amazônia: dimensão regional e universal”. O seminário é uma das muitas iniciativas que
a Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos está realizando para preparar adequadamente o Sinodo sobre a Amazônia,.O
bispo franciscano, Dom Evaristo Spengler, Bispo da Prelazia do Marajó (PA), falou nesta terça-feira sobre Ecologia,
economia, política
http://www.ihu.unisinos.br/587026-a-amazonia-nao-precisa-ser-conquistada-precisa-ser-respeitada-afirma-dom-
evaristo-spengler
concentração de renda, trabalho escravo, envenenamentos do solo e das águas, diminuição das chuvas
(nas áreas desmatadas a estação seca se prolonga num ritmo de seis dias a cada dez anos), conflitos
de ocupação com a expulsão dos povos da floresta, desrespeito às leis, morte de lideranças,
ambientalistas e agentes de pastoral. O outro modelo é o sócio-ambiental, ecológico, direcionado aos
povos da floresta. Tem como consequência a redistribuição de renda, a preservação da floresta e da
biodiversidade, a socialização da terra e dos recursos, a distribuição de renda, a preservação de
populações tradicionais, a fixação do “homem” na floresta, e um mercado promissor de frutas, cocos,
artesanatos, polpas, fitoterápicos, óleos, castanhas, ecoturismo, entre outros. Este modelo deve ser
fortalecido pelos nossos projetos pastorais. Ainda é um desafio estudar e conhecer toda a
biodiversidade e o bioma amazônico.
Os missionarios que evangelizam neste contexto acompanhando comunidade eclesiais, não podem
ignorar a complexidade destes problemas. O risco é uma evangelização disincarnada, fora do
contexto, produzindo uma religião da alienação, que não ajuda os fieis a se encontrarem com o Deus
que se manifesta na realidade concreta do solo amazônico. O documento preparatório do Sínodo Pan-
Amazônico tomando como referência a proposta de papa Francico que, na Enciclica Laudato Sii,
falava de conversação integral, nos recorda que: “Quando tivermos consciência de como nosso estilo
de vida e nossa maneira de produzir, comerciar, consumir e desejar afetam a vida do nosso ambiente
e de nossas sociedades, só então poderemos iniciar uma transformação com horizonte integral”27.
Estas palavras idicam que o catolicismo necessita sempre mais de uma nova espiritualidade, que se
afaste de toda forma de antropocentrismo e de individualismo, ruma a uma espiritualidade incarnada
que ajuda toda pessoa a reconhecer a própria responabilidade no confronto da criação. Uma
caminhada de comunidade aonde as pessoas saõ ajudadas a ter este tipo de consciência poderia
produzir eucaristias mais autenticas e transformadoras.

27
Documento Preparatório, n 53, p. 31

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