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8 Campinas, 15 a 21 de junho de 2015

Chico de Oliveira
Tese aborda as
diferentes fases
da trajetória
do sociólogo
pernambucano
LUIZ SUGIMOTO
e o ovo do ornitorrinco Fotos: Antoninho Perri
defender o modo de produção socialdemo-
sugimoto@reitoria.unicamp.br crata, pregando que a grande tarefa da es-
querda brasileira era construir uma social-
democracia, ainda que fosse uma caricatura
ornitorrinco é um ensaio do so- do modelo europeu. Tal postura resultou em
ciólogo Francisco de Oliveira, certo distanciamento do PT, que nascera com
que recorreu ao estranho ani- um discurso classista – este distanciamento
mal dotado de bico de pato – ficou claro quando o partido se posicionou
considerado ao mesmo tempo contra a participação no Colégio Eleitoral
réptil, pássaro e mamífero – como metáfora que elegeu Tancredo Neves em 85, e Chico
do Brasil enquanto nação presa a um impas- adotou uma posição mais moderada, a favor
se evolutivo. Figura importante e polêmica da Frente Ampla.”
das ciências sociais, Chico de Oliveira tem
a sua trajetória resgatada em tese de douto- Na avaliação de Flávio Mendes, os textos
rado abordando desde o início eufórico com do sociólogo na década de 80 se equilibram
a utopia desenvolvimentista de Celso Furta- entre o clima otimista proporcionado pela
do, passando pela maturação no Cebrap e na conjuntura nacional e as preocupações com
as transformações do capitalismo mundial. “A
criação do Partido dos Trabalhadores, até a
decepção vem durante os anos 90. A derrota
decepção com a derrota de suas apostas polí-
de suas apostas políticas e o avanço de uma
ticas e a percepção de um país sem rumo – daí
democracia de corte liberal aprofundaram o
o pessimismo nos ensaios dos últimos anos
tom pessimista de seus trabalhos e alimenta-
e a pecha de rancoroso, por críticas àquelas
ram o diagnóstico do Brasil como uma nação
instituições e antigos correligionários.
presa a um impasse evolutivo, como sugere
“O ovo do ornitorrinco: a trajetória de a metáfora apresentada em ‘O ornitorrinco’.
Francisco de Oliveira” é o título da tese de Ele se torna um crítico bastante duro do go-
Flávio da Silva Mendes, orientada pelo pro- verno de Fernando Henrique, de quem tinha
fessor Marcelo Siqueira Ridenti e defendida sido muito próximo no Cebrap.”
no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Mendes observa uma reaproximação entre
(IFCH).“A trajetória dele como intelectual o sociólogo e o PT quando o partido passa a
e militante é impressionante. Conheci sua rever seu discurso com a derrota de Lula na
obra no início da graduação e desde então eleição presidencial de 89. Chico, no entanto,
cresceu meu interesse e admiração pelo que Francisco de Oliveira acabou saindo do PT em 2003, dentre outros
escreve, mas também tenho minhas críticas. em palestra motivos, por brigas internas que acarretaram
Ele passou por centros importantes de pro- na Unicamp: decepção inclusive em processos movidos por José Dir-
dução e de crítica e, a partir desta trajetória, com o processo ceu e outros militantes. “Se ele já era um dos
obtive uma visão geral de toda a sua gera- desenvolvimentista, maiores críticos do governo FHC, passou a
ção”, afirma o autor da tese, que também fez, com FHC e com o PT ser crítico também do governo do PT. Hoje, o
juntamente com seu orientador, uma entre- argumento central de sua crítica é que o país
vista com o personagem. retornou ao desenvolvimento truncado e que
Nascido no Recife em 7 de novembro de a política está anulada neste processo, com
1933, Chico de Oliveira trabalhou ao lado de o debate nacional dominado pela economia
Celso Furtado na Sudene (Superintendência (controle da inflação, crescimento econômi-
do Desenvolvimento do Nordeste) nos anos co), sem que se toque em questões políticas
anteriores ao golpe de 1964; preso uma pri- fundamentais.”
meira vez, ao ser solto, fugiu do país. Retor-
nou em 1969 para atuar no Cebrap (Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento) com Mendes acrescenta que é um pouco em produzir. Esta é a grande tese de Chico de Oli- RODA VIVA
Fernando Henrique Cardoso e Octávio Ian- função deste projeto no Cebrap, e de críticas veira, exposta no livro que se mantém como Chico de Oliveira vai fazer 82 anos e Flavio
ni. Peça importante na oposição ao regime à postura de Fernando Henrique sobre o que referência até hoje.” Mendes, juntamente com o professor Marce-
militar, foi novamente preso e torturado em significou o golpe de 64, que o sociólogo vai Outro texto que Mendes considera impor- lo Ridenti, teve a oportunidade de entrevistá-
1974. Nos anos 80 engajou-se na luta pela elaborar Crítica à razão dualista. “Nesse texto, tante é “Elegia para uma re(li)gião” (1977), -lo em 2012 – entrevista publicada no cader-
redemocratização e na criação do PT. Um dos Chico faz uma conversão do desenvolvimen- uma análise crítica da atuação da Sudene. “A no CRH (Centro de Recursos Humanos, da
maiores críticos dos governos de FHC nos tismo para o marxismo acadêmico, trazendo Sudene levou industrialização para o Nordes- UFBA) e disponível na internet. “A conversa
90, rompeu também com o PT após a eleição aspectos novos, como a questão regional, te, mas os donos daquela indústria são de São foi muito oportuna porque se deu logo depois
de Lula em 2002. para um núcleo que pensava o desenvolvi- Paulo ou do capital estrangeiro; industriali- de sua participação no programa ‘Roda Viva’,
mento capitalista a partir de São Paulo. Ele zou-se a região, mas manteve-se a domina- da TV Cultura, em que os jornalistas procu-
Flávio Mendes afirma que O ornitorrinco é inova mostrando que aonde mais se sentia raram tirar dele o que queriam ouvir: alguns
um ensaio curto, publicado juntamente com ção. Esses dois textos da década de 70, que
as características do desenvolvimento do país julgo os principais, fazem crítica também ao queriam que falasse mal do Lula e do PT, e
a reedição do clássico Crítica à razão dualista não era no polo avançado, e sim na periferia, conseguiram, pois ele fala o que pensa.”
(2003), servindo como metáfora da socieda- modelo de desenvolvimento da ditadura (o
que é o Nordeste.” ‘milagre econômico’): de que o país crescia O pesquisador se refere às declarações
de brasileira que guarda profundas aberra-
ções, entre o arcaico e o mais moderno, entre De acordo com o pesquisador, o clássico economicamente, mas em nada evoluía no do sociólogo que tiveram forte repercussão,
a extrema miséria e o luxo ostensivo. “O ‘ovo’ de Chico de Oliveira traz como argumento campo social.” como “Lula não tem caráter” e “Lula é um
no título da tese é a melhor metáfora que central a crítica ao dualismo defendido pela oportunista”. “Nesse entrevero há muitas
Cepal (Comissão Econômica para a América questões envolvidas, pessoais e políticas, mas
encontrei sobre a origem e para onde apon-
Latina e o Caribe), que via no Brasil um setor CRIAÇÃO DO PT é fato que Chico gosta de polemizar. A sua
ta o pensamento de Chico de Oliveira, que
avançado e um setor atrasado. “Vem daí a pro- O pesquisador lembra que, na década de postura é um pouco de espetáculo, não que
se traduz na decepção com os rumos do de-
posta da Sudene de industrializar o Nordeste, 80, o sociólogo vai se envolver principalmen- busque o holofote, mas por não ter receio
senvolvimento do país e na postura política e
eliminando-se o setor agrário exportador, que te com a criação do PT, ao mesmo tempo em de falar o que pensa – e isso tem um custo
intelectualmente pessimista. Sua crítica con-
mantinha resquícios arcaicos (os latifúndios); que a unidade dentro do Cebrap começa a alto, tanto do ponto de vista intelectual como
tinua presa aos valores desenvolvimentistas
industrializando a região, o país se nivelaria e se desfazer. “Fernando Henrique era favorá- político. Entrevistando pessoas mais próxi-
do período de Celso Furtado.”
superaria o atraso.” vel à continuidade da oposição à ditadura no mas, ouvi críticas com as quais não concordo,
Segundo o autor da pesquisa, a metáfora âmbito do MDB [Movimento Democrático como a de guardar rancor. Pessoalmente, vejo
condensa a ideia de um Brasil que avançou Mendes diz que Chico de Oliveira con-
traria esta lógica, ao sustentar no ensaio que Brasileiro], enquanto Chico, Ianni e outros coerência no seu pensamento, coerência esta
em vários aspectos, tornando-se uma das intelectuais defendiam a criação de um parti- que busquei na tese.”
maiores economias do mundo, mas com aquele atraso é integrado ao setor avançado,
dando o exemplo do trabalho informal, em do com perfil mais à esquerda. E Chico apos- Mendes conta que em sua entrevista, vi-
uma indústria que, ainda que avançada, não ta no PT como um partido que, de alguma
atinge a nova era molecular e digital. “Chico que o vendedor de latinhas torna-se funda- sando traçar a trajetória de Chico de Olivei-
mental para a comercialização da Coca-Cola. forma, retomaria um modelo de desenvolvi- ra, ficou claro como evoluiu seu pensamento
de Oliveira aponta avanços e atrasos, como mentismo social, apesar da nova conjuntura
“Ele mostra que vão se criando outros traba- até a decepção com os rumos do desenvolvi-
na imagem do ornitorrinco, animal que não internacional.”
lhadores precarizados, porém funcionais para mento nacional. “Por trás de sua postura há
é nem uma coisa nem outra e está preso a Entre 1982 e 84, Chico de Oliveira faz
o capitalismo brasileiro. É um capitalismo toda esta decepção com um projeto desen-
um impasse evolutivo. Na visão dele, não é um estágio de pesquisa na França, no início
atrasado, que por não conseguir competir no volvimentista que não deu certo, com o pro-
mais possível pensar o Brasil em termos do do primeiro governo do socialista François
mercado internacional, promove o rebaixa- cesso de democratização dos anos 80 e com
desenvolvimentismo do passado, nem pro- Mitterrand. “Na volta ao Brasil, ele passa a
mento da mão de obra para que possa se re- o PT. A perspectiva de Chico é de que existe
por outra forma de desenvolvimento para
uma estrutura maior impedindo que suas
superar o estado que chama de ‘desenvolvi- apostas se efetivem, levando-o a uma postu-
mento truncado’”. ra de anulação, de estar em beco sem saída.
Não vejo sentido em creditar esta postura a
CRÍTICA AO DUALISMO rancor ou decepção pessoal. É diminuir um
Flávio Mendes elege Crítica à razão dualis- raciocínio rico, que conta a história do Brasil
ta, publicado primeiramente como ensaio em de forma rica. Concorde-se ou não com ele,
1972, como marco inicial da trajetória inte- Chico nos faz pensar.”
lectual de Chico de Oliveira. “Cabe destacar Flávio da Silva
que ele não é formado na Faculdade de Filo- Mendes, autor da tese:
sofia da USP, centro de debate marxista onde “A perspectiva de Publicação
estavam Fernando Henrique, Octávio Ianni Chico de Oliveira
e Roberto Scharz, que vão formar o Cebrap Tese: “O ovo do ornitorrinco: a traje-
é de que existe
no final dos 60, quando expulsos da universi- uma estrutura maior
tória de Francisco de Oliveira”
dade pelo AI-5. O Cebrap, portanto, é muito impedindo que suas Autor: Flávio da Silva Mendes
marxista e muito paulista, ao passo que Chi- apostas se efetivem” Orientador: Marcelo Siqueira Ridenti
co é de fora deste contexto, do núcleo do de-
senvolvimentismo, tendo chegado a convite Unidade: Instituto de Filosofia e
de Ianni para participar de um projeto especí- Ciências Humanas (IFCH)
fico sobre desenvolvimento nacional.”

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