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SUA INCONSTITUCIONALIDADE
Alberto José Oliveira de Mello1
Abstract: The efforts claim in order to counter an increase of urban violence of the legal
framework often leads, to mistakes by lawmaker. Emblematic cases of violence involving
under-age leads of collective, based on media influence, to defend the extension of a criminal
penalty to minors under eighteen years old. Instead of what commonly seems, the problem
of minor’s involvement in their criminal acts is not of today. In due course, politicians seek
satisfy the punishment desire of social mass, and with a view to obtaining any future
mandates. Thus, was proposed an amendment to Constitution (PEC 171/93) in order to
reduce the legal age for criminal responsibility from 18 years old to 16. Sprinkled whit
contradiction and Fallacies, the PEC 171 talk about modifications in the youth conscience
and conjure biblical arguments to justify their thesis. Nevertheless, the PEC in question does
not find support in the legal order established by the Constitution of 1988, which has been
embargoed of material limitation to the power of the Constitution reform.
Keywords: Constitutional Law; Constitutional interpretation; power of the Constitution
reform; amending process limitations.
I. INTRODUÇÃO
1
Bacharelando em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Pesquisador de Iniciação
Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Técnico em Meio
Ambiente, com ênfase em Direito Ambiental, pelo Colégio Técnico da UFRRJ (CTUR), onde atuou como
Pesquisador de Iniciação Científica Jr. pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC/MEC).
E-mail: albertomello@ufrrj.br.
generalizado, na medida em que esta assume as mais variadas feições. Fala-se em violência
urbana, violência no trânsito, violência doméstica, etc. (ABREU E LOURENÇO, 2010, s/p).
Essa repercussão social de que goza a questão da violência é amiúde manipulada em
prol de interesses políticos. Autoridades públicas, particularmente membros do Legislativo,
com vistas à simpatia do eleitor, acabam propondo soluções simplórias a problemas assaz
complexos. O cidadão-eleitor, a seu turno, influenciado pela grande mídia e, muita vez, sem
conhecimento para análises críticas, termina por acreditar na eficácia daquelas soluções.
Mudanças legais que promovam a dilatação do poder punitivo, com mais repressões e
encarceramentos, afiguram-se como os remédios que salvarão as cidades do caos da violência.
É o que se observa no tocante à redução da maioridade penal.
O tema, atualmente em voga, nada tem de recente. É, na verdade, uma discussão
recorrente na história jurídica do Brasil, cujos primeiros matizes se fizeram vislumbrar ainda
no limiar do período monárquico. No entanto, parece ser tratado, em diversos momentos
históricos, como uma demanda nova e, por conseguinte, urgentemente carecedora de
interferência punitiva. Trata-se, todavia, de mero oportunismo político.
Nada obstante, é mister salvaguardar a observância das leis, como pressuposto
elementar do Estado de Direito, de modo a garantir que instabilidades políticas não afetem a
ordem jurídica instituída em outubro de 1988. Nunca é exaustivo recordar que, uma vez sob a
égide de um Estado de Direito, imperam as leis, capituladas pela Constituição, acima de
qualquer ente ou circunstância.
Preleciona Dallari (2010-a, p. 10) que “a Constituição autêntica não pode ser o produto
de uma construção artificial, estabelecida ou modificada de modo a atender às conveniências
de quem detiver o poder político num dado momento histórico”. Para tanto, o constituinte
originário instituiu limitações formais e materiais ao poder de reforma da Constituição.
As referidas limitações materiais se identificam com as cláusulas pétreas, pelas quais
“pretende-se evitar que a sedução de apelos próprios de certo momento político destrua um
projeto duradouro” (MENDES, 2015, p. 123).
Nesse contexto, o presente trabalho ambiciona a investigar a tese da
inconstitucionalidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171 de 1993 (redução da
maioridade penal), à luz das limitações materiais postuladas pela CRFB/88. Outrossim, com o
escopo de asseverar a inconstância da proposta, procederá a uma revisão histórica da matéria e
analisará detidamente, porém não à saturação, as justificativas apresentadas no texto da
PEC/171, submetido ao Congresso Nacional.
As teses de inconstitucionalidade com fundamento em tratados internacionais sobre
direitos humanos não constituem objeto do presente estudo, uma vez que afiguram-se
demasiado débeis, em face de entendimento preconizado pelo Supremo Tribunal Federal.
Conquanto devessem assumir status de emenda constitucional, após observados
determinadores rigores procedimentais, consoante a Emenda 45/2004, os aludidos tratados são
considerados pelo STF como normas supralegais, porém infraconstitucionais2.
O presente artigo engendrou-se de revisão bibliográfica sistemática, valendo-se
mormente da metodologia dedutiva. Sem embargo, ante imperativos de ordem prática, não pôde
eximir-se de utilizar, pontualmente, da perspectiva indutiva de pesquisa. Impende não olvidar
que os métodos, como um reflexo da própria realidade, dialogam diuturnamente, num processo
de interação dialética.
2
À guisa de exemplo, vide HC 88.240 e 94.702, Rel. Min. Ellen Gracie, ambos publicados no DJ de 24-10-2008.
Portanto, o desenvolvimento de uma consciência social acerca das fragilidades
inerentes à condição infanto-juvenil representou o primeiro passo para que o Direito assentasse,
em seus estatutos, restrições à punição de crianças e adolescentes, com base na idade – surgindo,
assim, a figura do menor de idade. O critério da idade, como será discutido ulteriormente, é
amplamente variável e não raro foi relativizado pelos códigos penais.
Na esteira desses câmbios sociais, o primeiro estatuto jurídico a abraçar o tratamento
penal diferenciado para crianças e jovens foram as Ordenações Filipinas de 16033. Nesse ponto,
a experiência brasileira se confunde, por questões históricas, com a lusitana, porquanto o Brasil
integrou o império português, na condição de colônia e, posteriormente, de reino unido, até
1822. “A vigência das Filipinas, em matéria penal, avançou mesmo alguns anos sobre o próprio
estado nacional brasileiro, até a promulgação do Código Criminal de 1830, com os limites e
alterações decorrentes da nova ordem constitucional e algumas leis penais editadas naquele
período (...)” (ZAFFARONI et al, 2011, p. 417)4.
Dispunham as Ordenações Filipinas, em seu Título CXXXV, do Livro V:
Quando algum homem, ou mulher, que passar de vinte anos cometer qualquer delito,
dar-lhe-á a pena total, que lhe seria dada, se de vinte e cinco anos passasse. E se for
de idade de dezessete anos até vinte, ficará ao arbítrio dos julgadores dar-lhe a pena
total, ou diminuir-lha. E neste caso olhará o julgador o modo com que o delito foi
cometido e as circunstâncias dele, e a pessoa do menor, e se achar em tanta malícia,
que lhe pareça que merece pena total, dar-lhe-á, posto que seja de morte natural. E
parecendo-lhe que não a merece, poder-lhe-á diminuir, segundo qualidade, ou
simpleza, com que achar, que o delito foi cometido. E quando o delinquente for menor
de dezessete anos cumpridos, posto que o delito mereça morte natural, em nenhum
caso lhe será dada, mas ficará ao arbítrio do julgador dar-lhe outra menor pena.
(PIERANGELLI, 1980, apud SPOSATO, 2011).
3
“Publicadas em 1603, durante a união ibérica, por Felipe III (II de Portugal), representavam um novo esforço de
atualização e consolidação da legislação extravagante, iniciado por ordem de Felipe II (I de Portugal) em 1595”
(ZAFFARONI et al, 2011, pg. 417, grifo nosso).
4
Decreto de 20 de out. de 1823. Postula em seu artigo 1º, in verbis: “As Ordenações, Leis, Regimentos, Alvarás,
Decretos, e Resoluções promulgadas pelos Reis de Portugal, e pelas quaes o Brazil se governava até o dia 25 de
Abril de 1821, em que Sua Magestade Fidelissima, actual Rei de Portugal, e Algarves, se ausentou desta Côrte; e
todas as que foram promulgadas daquella data em diante pelo Senhor D. Pedro de Alcantara, como Regente do
Brazil, em quanto Reino, e como Imperador Constitucional delle, desde que se erigiu em Imperio, ficam em inteiro
vigor na pare, em que não tiverem sido revogadas, para por ellas se regularem os negocios do interior deste Imperio,
emquanto se não organizar um novo Codigo, ou não forem especialmente alteradas” (BRASIL, 1823).
Sposato (2011, p. 16) assevera que “(...) As Ordenações Filipinas contemplavam como
condenação para determinados crimes a pena não só para o agente da conduta proibida, como
também para os seus descendentes, atingindo assim menores de qualquer idade e sem qualquer
relação com o fato criminoso”.
Sem embargo de ainda ser observado alto grau de discricionariedade e da aventada
inobservância ao princípio da intranscendência da pena (para alcançar crianças e jovens,
possivelmente impúberes, o que é mais grave), não resta dúvida do caráter revolucionário que
essa legislação representou ao dedicar espaço à matéria.
Com a promulgação do Código Criminal de 1830, tem-se que as Ordenações Filipinas
foram derrogadas, no âmbito penal. Aquele, em seu art. 10, previa expressamente a
inimputabilidade dos menores de 14 (quatorze) anos de idade, salvo na hipótese de eles
demonstrarem discernimento no cometimento do delito. Neste caso, seriam recolhidos a casas
de acolhimento5.
A idade inferior a 21 anos (art. 18, item 10) constituía atenuante. Lyra (1974) apud
Noronha (2004, p. 56) aduz que essa atenuante é criação nativa, não constando dos códigos que
influenciaram o direito penal do Império.
Com o advento da República, promulgou-se, em 1890, um novo Código Penal, em
cuja maioridade permaneceu fixada aos 14 anos de idade. O código em comento delibera que o
menor de 9 anos sequer poderá ser enquadrado na categoria de criminoso; trata-se, pois, da
postulação de uma presunção iuris et de iure para a atitude criminosa nessa faixa etária
(SPOSATO, 2011, p. 20).
Os delitos cometidos por maiores de 9 e menores de 14 anos teriam sua
intencionalidade avaliada, com base no discernimento do agente. Aqueles que fossem detidos
nessa faixa etária, uma vez “obrado com discernimento”, seriam encaminhados para
estabelecimentos disciplinares, onde se quedariam até, no máximo, os 17 anos de idade, ex vi
do art. 30 do CP/1890.
Até esse momento histórico, a discricionariedade da “pesquisa do discernimento”
preponderou no tratamento de infrações cometidas por jovens e crianças. Todavia, observa
Sposato (2011, p. 21) que:
5
Assinala Sposato (2011) que “(...) Consta de documentos e registros históricos que as chamadas casas de correção
não foram construídas, levando com isso o recolhimento dos menores de idade aos mesmos estabelecimentos de
adultos em franca promiscuidade”.
tradicional, levaram não só à especialização do Direito como à separação da infância
e adolescência em crianças e adolescentes de um lado e menores de outro.
(SPOSATO, 2011, p. 21)
No limiar do século XX, uma série de países adotou institutos processuais distintos
para os casos que envolvessem menores. À semelhança deles, o Brasil, em 1923, criou a figura
do Juiz de Menores. Pouco antes, porém, o país abandonou definitivamente o critério
biopsicológico, “da averiguação do discernimento”, para abraçar critério puramente objetivo,
excluindo de qualquer tipo de processo criminal os menores de 14 anos de idade (Lei n° 4.242,
de 05 de janeiro de 1921).
Com efeito, essas medidas inauguravam uma nova fase na tutela jurídica da infância e
da juventude, que vai se consolidar com a publicação de um Código de Menores, em 1927.
Este, de certa forma, é resultante da experiência adquirida com o Juizado de Menores.
Dispunha o artigo primeiro do referido código: “O menor, de um ou outro sexo,
abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 annos de idade, será submettido pela
autoridade competente ás medidas de assistencia e protecção contidas neste Codigo” (BRASIL,
1927). Um dos condões da lei de 1927, expresso no dispositivo precedente, é a fixação da idade
penal plena em 18 (dezoito) anos.
Nesse contexto, ex vi do disposto no art. 68 do Decreto 17.943, os menores de 14 eram
inimputáveis, não se admitindo contra eles qualquer sorte de processo. Os menores entre 14 e
18 anos poderiam sofrer processo penal, porém de natureza especial.
O Código Penal de 1940, ora em vigor, manteve a maioridade penal fixada aos 18, ao
deliberar, verbum ad verbo: “Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente
inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”.
Em 1979, veio a lume um novo Código de Menores, caracterizado como uma
“legislação marcantemente repressiva e correcional” (MONTEIRO & SANTOS JR, 2007, s/p).
De fato, a lei de 1979 inaugura a chamada “Doutrina da Situação Irregular”, segundo a qual “os
menores passam a ser objeto da norma quando se encontrarem em estado de patologia social”
(SARAIVA, 2003, p. 44). Delibera em seu art. 1º: “Este Código dispõe sobre a assistência,
proteção e vigilância a menores: I – até dezoito anos de idade, que se encontrem em situação
irregular; II – entre dezoito e vinte e um anos, nos casos expressos em lei”. E, no artigo
subsequente, considera em situação irregular:
Assim, tem-se que o ECA introduz uma nova disciplina na assistência a menores,
tratando-os como sujeitos de direitos e atuando em sua recuperação e reeducação.
Não constitui objeto do presente trabalho o estudo dos institutos que regem a tutela do
menor. O escopo, aqui, restringe-se à análise da redução da maioridade penal, à luz da
Constituição de 1988. Como exposto alhures, o estabelecimento da maioridade penal em 18
(dezoito) anos tem sede constitucional, de modo que a análise da legislação infraconstitucional
é, neste contexto, dispensável.
Foi possível, neste primeiro capítulo, discutir sucintamente a evolução do tratamento
penal dos menores, ao longo da história jurídica do Brasil. Paulatinamente, a legislação foi
suplantando institutos frágeis e discricionários, como o critério biopsicológico de pesquisa do
discernimento ou o tratamento generalizante do Código de Menores de 1979. Após diversas
mudanças na idade penal, chegou-se a uma fixação constitucional.
Já foi dito exaustivamente: o povo que ignora o seu passado está fadado a reprisá-lo.
A Historiografia denuncia uma longa e cambiante história sobre a maioridade penal no Brasil.
Nada obstante, o problema da violência, erguido como estandarte pró-redução da idade penal,
não apresenta variação tal que permita relacionar o seu aumento ou diminuição com a
criminalização em tal ou qual idade.
De posse destes conhecimentos históricos, passa-se à análise da etapa seguinte na
longa marcha da idade penal no Brasil: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171 de
1993. Cabe a indagação se essa PEC representa, de fato, uma proposta de ato normativo ou um
instrumento político-eleitoral.
Observadas através dos tempos, resta evidente que a idade cronológica não
corresponde à idade mental. O menor de dezoito anos, considerado irresponsável e
consequentemente, inimputável, sob o prisma do ordenamento penal brasileiro
vigente desde 1940, quando foi editado o Estatuto Criminal, possuía um
desenvolvimento mental inferior aos jovens de hoje na mesma idade6.
Com efeito, concentrando as atenções no Brasil e nos jovens de hoje, por exemplo, é
notório, até ao menos atento observador, que o acesso destes à informação – nem
sempre de boa qualidade – é infinitamente superior àqueles de 1940, fonte inspiradora
natural dos legisladores para a fixação penal em dezoito anos. A liberdade de
imprensa, a ausência de censura prévia, a liberação sexual, a liberação e
independência dos filhos cada vez mais prematura, a consciência política que
impregna a cabeça dos adolescentes, a televisão como maior veículo de informação
jamais visto ao alcance da quase totalidade dos brasileiros, enfim, a própria dinâmica
da vida, imposta pelos tortuosos caminhos do destino, desvencilhando-se ao avanço
do tempo veloz, que não pára, jamais. (...)
Hoje, um menino de 12 anos compreende situações da vida que há algum tempo atrás
um jovenzinho de 16 anos ou mais nem sonhava explicar.
A tal ponto isto foi percebido por nós que ao analisar o potencial dos moços com 16
anos percebemos que poderiam escolher os seus governantes e para isso conseguiram
o direito de votar (BRASIL, 1993, p. 23.062-23.063).
6
Equívoco do legislador. Como exposto alhures, a fixação da idade penal em 18 anos foi introduzida em nosso
direito pelo Decreto 17.943/1927.
Tampouco é razoável comparar a idade de capacidade eleitoral com a de
imputabilidade penal. Inexiste a menor coincidência entre essas duas searas. A inteligência
dirigida à seleção de uma pessoa para determinado cargo público não se confunde com a
necessária para maquinação de atos criminosos.
Ademais, prossegue a PEC 171/93:
Uma reportagem publicada pela revista Science (apud ORSI, 2015) conclui que “o
cérebro de um jovem de 16 ou 17 anos ainda não atingiu o desenvolvimento pleno de áreas
fundamentais para a responsabilidade criminal, como as envolvidas no controle das ações
impulsivas, das emoções e da capacidade de resistir à tentação de prazer imediato”. Portanto,
falaciosa é a afirmação de que “indiscutivelmente” os adolescentes com dezesseis anos já
possuem desenvolvimento psíquico e plena capacidade de entendimento.
Sequer encontra amparo científico a afirmação de que jovens de quaisquer meios
sociais possuem a referida noção de licitude e ilicitude. Em artigo publicado recentemente na
revista Sage Open, Males (2015) conclui, com base no estudo de mais de cinquenta mil casos
de homicídio ocorridos na Califórnia ao longo de vinte anos, que a relação entre idade
adolescente e comportamento criminoso é mais intensa nas camadas mais pobres da população,
ao passo que, entre os ricos, é praticamente nula.
Ademais, o legislador, na PEC em análise, chama atenção para a necessidade de se
responsabilizar o agente criminoso, a despeito da idade, e dispara: “A alma que pecar, essa
morrerá (Ez. 18)” (BRASIL, 1993, p. 23063). Refere-se, ainda, ao exemplo do personagem
bíblico Davi e à “sabedoria de Salomão”.
A utilização de argumentos dessa natureza não coaduna com o rigor epistemológico
exigível em redações jurídicas, sobretudo porque a proposta de ato normativo tem seu locus em
um Estado laico.
De tudo quanto exposto, resta evidente a inconsistência dos argumentos utilizados pelo
legislador na fundamentação da PEC 171/93, os quais podem ser facilmente refutados com base
em estudos científicos já realizados.
Impende, neste ponto, passar ao questionamento acerca da constitucionalidade da
proposta de ato normativo analisada.
A posição por nós defendida vem expressa a seguir e se socorre de um dos principais
fundamentos do Estado constitucional brasileiro: a dignidade da pessoa humana (art.
1º, III). Esse princípio integra a identidade política, ética e jurídica da Constituição e,
como consequência, não pode ser objeto de emenda tendente à sua abolição, por estar
7
No referido Título, encontram-se normas de direitos individuais, sociais e políticos, que são, nas palavras de Luís
Roberto Barroso (2013, p. 200), diferentes gerações ou dimensões de direitos fundamentais.
protegida por uma limitação material implícita ao poder de reforma 8. Pois bem: é a
partir do núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa humana que se irradiam
todos os direitos materialmente fundamentais, que devem receber proteção máxima,
independentemente de sua posição formal, da geração a quem pertencem e do tipo de
prestação a quem dão ensejo.
Destarte, com a finalidade de assegurar uma vida digna, não apenas os direitos
individuais, mas todos os direitos fundamentalmente materiais, devem ser considerados
cláusulas pétreas, independentemente da dimensão a que pertençam.
Nesse diapasão, a geração, exempli gratia, dos direitos sociais deve gozar da
intangibilidade prevista no inciso IV do §4º do art. 60, porquanto:
8
A propósito aludidos limites materiais implícitos, ensina Mendes (2015, p. 133, grifo do autor): “As limitações
materiais ao poder de reforma não estão exaustivamente enumeradas no art. 60, §4º, da Carta da República. O que
se puder afirmar como ínsito à identidade básica da Constituição ideada pelo poder constituinte originário deve
ser tido como limitação ao poder de emenda, mesmo que não haja sido explicitado no dispositivo (...). Os princípios
que o próprio constituinte originário denominou fundamentais, que se leem no Título inaugural da Lei Maior,
devem ser considerados intangíveis”.
Faz-se mister enfatizar que a mera localização do dispositivo na topografia
constitucional não afasta a sua natureza de norma intangível. Há, pois, precedente de julgado
no Pretório Excelso, em que foi considerado cláusula pétrea o disposto no art. 150, III, b:
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
BRASIL. Lei de 20 de outubro de 1823. Declara em vigor a legislação pela qual se regia o
Brazil até 25 de Abril de 1821 e bem assim as leis promulgadas pelo Senhor D. Pedro, como
Regente e Imperador daquella data em diante, e os decretos das Cortes Portuguezas que são
especificados. Coleção de Leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, 20 de out. de 1823,
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