Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Use and Knowledge of Cactaceae in Sao Ma PDF
Use and Knowledge of Cactaceae in Sao Ma PDF
Camilla Marques de Lucena1, Gyslaynne Gomes da Silva Costa2, Thamires Kelly Nunes Carvalho2,
Natan Medeiros Guerra3, Zelma Glebya Maciel Quirino4, Reinaldo Farias Paiva de Lucena5*.
RESUMO - O presente estudo buscou registrar o conhecimento que os moradores da comunidade
rural de Várzea Alegre no município de São Mamede (Paraíba, Brasil) possuem em relação as
cactaceae. Para a coleta de dados etnobotânicos foram realizadas entrevistas utilizando formulários
semiestruturados com 37 informantes (18 homens e 19 mulheres). Os cactos citados foram
organizados em nove categorias de uso (alimento, construção, forragem, mágico religioso,
medicinal, ornamental, sombra, tecnologia, veterinário). Foram registradas seis espécies (Cereus
jamacaru DC., Melocactus sp., Opuntia ficus indica (L.) Mill., Pilosocereus gounellei (F.A.C.
Weber) Byles & Rowley, Pilosocereus chrysostele (Vaupel) Byles & G.D.Rowley, Tacinga
inamoena (K. Schum) N.P. Taylor & Stuppy). Registraram-se 363 citações de uso (159 por
mulheres e 204 por homens). Cereus jamacaru obteve o maior número de citações, já em relação as
categorias de uso a mais citada foi forragem. Em relação ao conhecimento das espécies entre os
gêneros (homens e mulheres) não ocorreu semelhança, visto que a espécie mais citada pelas
mulheres foi Melocactus sp., e para os homens C. jamacaru. Quanto as categorias de uso ocorreu
uma semelhança entre os gêneros, sendo as categorias mais citadas forragem e alimento. Na
disseminação do conhecimento, houve um predomínio da transmissão vertical. Com base nas várias
categorias de uso das espécies de cactáceas, foi retratada a importância das mesmas no cotidiano
dos moradores da comunidade.
ABSTRACT – This study aimed to record the knowledge that the residents from the rural
community of Várzea Alegre in São Mamede city (Paraíba, Brazil) have, regarding the cactaceae.
In order to collect the Ethnobotanical data, semi-structured interviews were carried out with 37
informants (being 18 men and 19 women). The cacti cited were organized into nine use categories
(food, building, fodder, medicinal, magic religious, ornamental, shade, veterinary and technology).
Six species were recorded (Cereus jamacaru DC., Melocactus sp., Opuntia ficus indica (l.) Mill.,
Pilosocereus gounellei (F.A.C. Weber) Byles & Rowley, Pilosocereus chrysostele (Vaupel) Byles
& G.D.Rowley, Tacinga inamoena (k. Schum) N.P. Taylor & Stuppy). It was recorded 363 use
citations (159 by women and 204 by men). Cereus jamacaru got the largest number of citations,
regarding the use categories; the most cited was the forage category. Regarding the knowledge of
species between the genres (men and women) there was not any resemblance, since the most cited
species by women was Melocactus sp., and by men was C. jamacaru. Regarding the use categories,
1
Mestranda em Ecologia e Monitoramento Ambiental pelo Centro de Ciências Aplicadas e Educação, campus IV, da
Universidade Federal da Paraíba. Rio Tinto, Brasil. (camillamlucena@gmail.com).; 2Graduanda em Ciências Biológicas
pelo Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal da Paraíba. Areia, Brasil. (laynne_costa@hotmail.com),
(carvalhotkn@gmail.com).; 3Graduando em Agronomia pelo Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal da
Paraíba. Areia, Brasil. (natanguerra@hotmail.com).; 4Professora do Centro de Ciências Aplicadas e Educação da
Universidade Federal da Paraíba. Rio Tinto, Brasil. (zelmaglebya@gmail.com).; 5Professor do Departamento de
Fitotecnia e Ciências Ambientais do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal da Paraíba. Areia, Brasil.
(reinaldo@cca.ufpb.br).
there was a resemblance between the genres, being forage and food the most cited categories. In the
knowledge dissemination, there was a predominance of vertical transmission. Based upon several
use categories of cacti, it was reported the importance of them in daily life of the residents from the
community.
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo
Para esse estudo foi selecionada a comunidade rural de Várzea Alegre, situada no município
de São Mamede, no estado da Paraíba (Nordeste do Brasil) (Figura 1). Situa-se na mesorregião do
Sertão Paraibano e microrregião do Seridó Ocidental, no centro do estado, a 6 55’37’’S de latitude
e 37 05’45’’O de longitude. Possui 7.748 habitantes, sendo 3.837 homens e 3.911 mulheres, em
uma área de 531 km² (IBGE, 2010).
O acesso pode ser feito a partir de João Pessoa pela Rodovia Federal, a BR-230 no sentido
leste-oeste com um percurso de aproximadamente 278 km. Limita-se com Ipueira (RN) e Várzea
(ao norte), com Várzea e Santa Luzia (ao leste), Areia de Baraúnas, Passagem e Quixaba (ao sul) e
Patos e São José de Espinharas (ao oeste), todas estas no estado da Paraíba.
O clima, segundo a classificação de Köppen é do tipo Bsh (semiárido quente) com chuvas
de verão, temperatura média anual de 28 ºC, e os solos são pedregosos.
124
RESULTADOS
125
Inventário Etnobotânico
Na comunidade de Várzea Alegre registraram-se seis espécies de cactáceas: Cereus
jamacaru DC. (cardeiro, mandacaru), sendo citada por 92% dos informantes, Melocactus sp. (coroa
de frade) (78%), Opuntia ficus indica (L.) Mill. (palma) (43%), Pilosocereus gounellei (F.A.C.
Weber) Byles & Rowley (xiquexique) (95%), Pilosocereus chrysostele (Vaupel) Byles &
G.D.Rowley (facheiro) (24%) e Tacinga inamoena (K. Schum.) N.P. Taylor & Stuppy (palmatória
de pêlo) (8%), pertencentes a cinco gêneros (Tabela 1; Figura 2).
A B C
D E F
Foram registradas 363 citações de uso, sendo 159 (43,80%) feitas por mulheres e 204
(56,20%) por homens, distribuídas em nove categorias de uso, de acordo com a sua utilidade.
As espécies com maior número de citações de uso foram C. jamacaru (116 citações),
Melocactus sp. (106) e P. gounellei (87), seguidas de O. ficus indica (29 citações), P. chrysostele
(18) e T. inamoena (7).
126
Quanto as categorias de uso, as que mais se destacaram foram: forragem (120 citações),
alimento (84), ornamental (46), seguidas de medicinal (41), construção (14) e por último mágico
religioso (7).
As espécies mais versáteis foram: C. jamacaru que se enquadrou em nove categorias, P.
gounellei em oito, Melocactus sp. e P. chrysostele em sete.
Com relação ao uso de diferentes partes vegetais, a espécie C. jamacaru apresentou o maior
número, com seis partes úteis, O. ficus indica cinco, P. gounellei, P. chrysostele e Melocactus sp.
quatro, e T. inamoena, duas. A utilização do “indivíduo completo” foi mais citada, com 168
citações, o que pode ser explicado pelo uso forrageiro em que a planta é queimada por completo
para alimentação dos animais. Em seguida, o fruto obteve 71 citações e a polpa do cladódio (miolo),
64.
Usos de cactáceas
Alguns dos usos registrados para C. jamacaru foram o uso do fruto (em fresco) e o miolo
(assado, em fresco e como doce) para alimento humano. A planta inteira é usada em construções
(cerca viva). Para forrageio, o fruto é consumido em fresco por pássaros, ou a medula (miolo) é
cortada ou passado na forrageira, e além disso, a planta inteira pode ser queimada para forrageio.
Na categoria medicinal utiliza-se a raiz (de preferência do lado do nascente) como chá (decocção ou
infusão) para tratar problemas renais, inflamação e sinusite. No uso tecnológico, a madeira é
utilizada para fazer colher de pau. A planta inteira é usada para sombra, ornamentação de jardins e
aspectos mágicos religiosos (mal olhado ou inveja). Além de todas as categorias de uso registradas
para tal espécie, C. jamacaru também foi citado como bioindicadora de fenômenos naturais, sendo
sua floração o sinal de um bom inverno.
Melocactus sp. também é utilizada como alimento humano, os frutos sendo consumidos em
fresco e a polpa do cladódio assada, com açúcar ou cozida. No uso como forragem seguem-se os
mesmos usos atribuídos a C. jamacaru. Para o uso medicinal a polpa do cladódio (miolo) é usada
para fazer expectorante (lambedor) (parênquima aquífero com açúcar) eficaz no tratamento de
doenças como ameba, bronquite, cansaço (falta de ar), coqueluche, inflamação de garganta,
expectorante (catarro), gripe, problema pulmonar e tosse. No uso veterinário a polpa do cladódio é
usada cortada e posta dentro da água das galinhas que apresentam “gogo” (gripe). A planta inteira é
usada para ornamentação ou para uso mágico religioso (mal olhado). Também é usada como
bioindicadora de chuva a partir de sua floração.
Pilosocereus gounellei tem seu fruto consumido em fresco e o miolo de forma cozida,
assada e em fresco, como alimento humano. Para construção, a planta é utilizada inteira como cerca
viva. No uso forrageiro, o fruto em fresco é consumido por pássaros e a planta inteira é queimada e
passada na forrageira para criações de caprinos, ovinos e bovinos. Para uso medicinal e veterinário,
a polpa do cladódio (miolo) é usada para tratar inflamações causadas pelo próprio espinho do P.
gounellei, que pode ocorrer nos animais e em humanos. A planta inteira serve de sombra para
animais de pequeno porte (ex: galinhas), ornamentação de jardins e para enfeite de Natal, sendo
colocada a planta dentro de jarros nas salas de estar das casas, e enfeitadas como árvore de Natal. E
além de tudo, é usada como bioindicadora, da mesma forma que Melocactus sp. e C. jamacaru, que
indicam chuva a partir da floração.
DISCUSSÃO
Diversidade biológica e cultural de cactáceas
A família Cactaceae na comunidade de Várzea Alegre apresentou uma diversidade de
espécies e usos aproximados aos números encontrados por Lucena et al. (2012) na região do sertão
da Paraíba. Contudo, registrou-se uma diversidade menor do que a encontrada em outras áreas do
semiárido (Braga, 1976; Andrade et al., 2006a,b; Lucena, 2011), esta diferença pode estar
relacionado com a distribuição geográfica das espécies presentes.
As categorias de destaque, na comunidade do presente estudo, foram forragem e alimento
humano, dados também registrados no município de Cabaceiras no Cariri paraibano (Lucena,
2011).
A categoria forragem foi a mais citada, sendo evidenciada também em outras regiões da
caatinga (Braga, 1976; Andrade et al., 2006a; Cavalcanti Filho, 2010; Lucena, 2011; Lucena et al.,
2012). Na comunidade de Várzea Alegre, as espécies mais utilizadas para a forragem foram C.
jamacaru e P. gounellei, dados também registrados por Lucena et al. (2012) nas comunidades de
Barroquinha e Besouro no município de Lagoa, Paraíba. Uma das maneiras de servir C. jamacaru
ao animal é após a queima dos seus espinhos, como registraram Duque (2004), Andrade et al.
(2006a), Lucena (2011) e Lucena et al. (2012) em seus respectivos estudos no semiárido. Assim
como no presente estudo, o consumo do fruto em fresco pelos pássaros também foi registrado por
Cavalcanti & Resende (2007).
Por outro lado, para Lucena (2011), a espécie mais utilizada para o uso forrageiro foi O.
ficus indica. É possível que no presente estudo a “palma” não tenha sido tão importante para o uso
nesta categoria por questões de adaptação, pois de acordo com Duque (2004) tal espécie exótica não
se desenvolveu tão bem em regiões de baixa umidade como o sertão (região em que está inserida a
comunidade), o Seridó e o litoral, se comparadas as regiões conhecidas como de “noites úmidas”
como a caatinga alta, agreste e as serras.
A citação abaixo reflete a realidade do uso de cactos na comunidade estudada em São
Mamede:
“Antigamente o xiquexique e o cardeiro era mais usado,
queimado para o gado” (M.B.S., 62 anos).
Assim como ocorreu em comunidades do cariri e sertão paraibano (Lucena, 2011; Lucena et
al., 2012) a categoria alimento foi a segunda mais citada na comunidade de Várzea Alegre. A
espécie P. gounellei foi a que mais se destacou no uso alimentício, sendo utilizado de preferência
seu fruto em fresco, conforme, consta em Lucena (2011). Já Andrade et al. (2006a) relata em seu
trabalho que o fruto de tal espécie é pouco apreciada pelos sertanejos baianos, sendo os frutos do
mandacaru e da palma os preferidos, segundo os informantes.
A categoria ornamental foi a terceira mais lembrada, tendo as espécies Melocactus sp. e P.
gounellei como as mais citadas, corroborando com Andrade et al. (2006a) e Lucena (2011). Assim
128
como, Andrade et al. (2006a) registraram o uso de algumas espécies, como P. gounellei na
decoração da casa em época natalina, no presente estudo também foi citado tal utilização:
Cereus jamacaru obteve destaque na comunidade por ser a espécie mais citada, se
enquadrando em nove categorias de uso.
Na categoria tecnologia, a madeira da espécie é utilizada para fabricar colher de pau, ao
passo que Lucena et al. (2012), relatou o uso tanto da madeira como da raiz para tal finalidade, e no
Ceará, Braga (1976) registrou em seu trabalho o uso da raiz de Pilosocereus pachycladus para
confeccionar tais instrumentos domésticos.
Segundo os informantes, o uso do chá (decocção ou infusão) da raiz de C. jamacaru serve
para tratar sinusite, inflamação e problema renais, além disso, relataram que a raiz usada para fazer
o chá deve ser do lado do nascente, seguindo a tradição dos mais velhos. Andrade et al. (2006b),
Lucena (2011) e Lucena et al. (2012) também mencionam o uso da raiz dessa espécie para algumas
enfermidades. No uso mágico religioso a mesma é plantada nos jardins das residências para evitar
mal olhado ou inveja (Lucena et al., 2012). Em Cuba, o uso para tal finalidade é feito por espécies
do gênero Opuntia, plantadas em jarros e colocadas nas fachadas das casas como amuletos contra os
espíritos do mal (Fuentes, 2005).
O uso de C. jamacaru como bioindicadora de chuva, a partir da sua floração, tem sido
registrado em outras áreas do semiárido (Lucena et al., 2005; Albuquerque et al., 2010; Lucena et
al., 2012). Além desta espécie ser utilizada como indicadora de períodos chuvosos, outros estudos
tem registrado a utilização de outros cactos para tal finalidade, como por exemplo, o uso de P.
pachycladus (Lucena, 2011).
Melocactus sp. apresentou usos alimentícios semelhantes ao C. jamacaru, em que tais usos
são feitos principalmente a partir do fruto em fresco (Andrade et al., 2006a; Lucena, 2011). Com
relação a utilização dessa espécie na medicina tradicional, os dados do presente estudo se
assemelharam aos encontrados por Lucena (2011), que registrou o uso como lambedor ou mel feitos
da polpa do cladódio (miolo) para tratar múltiplas enfermidades, como por exemplo, coqueluche e
ameba. Já Albuquerque et al. (2007) e Agra (2008) relatam que em outras regiões do Nordeste do
Brasil a espécie Melocactus zehntneri (Britton & Rose) Luetzelb. é utilizada no tratamento de
bronquite e tosse. Para uso veterinário, Melocactus sp. foi citado no tratamento de “gogo” de
galinhas, já Lucena (2011) registrou o uso dessa espécie para auxiliar no “desengasgo”
(desobstrução da garganta) do animal, e ambos apresentando a utilização da polpa do cladódio para
tal finalidade.
De acordo com a literatura (Duque, 1980; Andrade et al., 2006a; Lucena et al., 2012),
Melocactus sp., é usada na alimentação do gado após a queima dos seus espinhos, já no presente
estudo, registrou-se o uso da mesma tanto em fresco (cortado ou passado na forrageira) como
também queimada. Além disso, alguns pesquisadores registraram usos para essa espécie,
confirmando assim os registros de São Mamede, como Andrade et al. (2006a) que apresentou o uso
ornamental no sertão baiano; Lucena (2011) com destaque para os usos tecnológicos (colher de pau
feita com a raiz), construção doméstica (tábuas), forragem e alimento (fruto em fresco), Gomes
(1973) com registro forrageiro e Lucena et al. (2012) o uso mágico religioso (indivíduo completo)
para evitar mal olhado.
Em Várzea Alegre foi registrado o uso do P. gounellei nas construções rurais como cerca
viva, assim como registrado por Lucena (2011) na comunidade São Francisco no município de
Cabaceiras, Paraíba. Já Fuentes (2005), em Cuba, registrou o uso de outras espécies, como Nopalea
cochenillifera e O. ficus indica para tal categoria. O uso forrageiro de P. gounellei foi registrado
também em outros estudos (Gomes, 1973; Braga, 1976; Andrade-Lima, 1989; Lucena, 2011,
129
Lucena et al., 2012).O uso medicinal e veterinário a partir da polpa do cladódio (baba ou miolo)
também foi registrado por Lucena (2011) no cariri paraibano. Já trabalhos como o de Roque et al.
(2010) registrou, em uma comunidade rural do município de Caicó (RN), um uso diferente dessa
espécies para fins medicinais, sendo utilizada a raiz macerada no tratamento de inflamação da
uretra.
O uso como sombra e ornamentação de jardins na comunidade de Várzea Alegre também já
foi registrado em outros trabalhos realizados no semiárido nordestino (Andrade-Lima, 1989;
Lucena, 2011; Lucena et al., 2012). Já no uso alimentício, P. gounellei apresentou resultados
semelhantes as espécies C. jamacaru e Melocactus sp. em que tanto o fruto como a polpa do
cladódio é consumida, como já foi registrado com os sertanejos baianos e os sertanejos paraibanos
(Andrade et al., 2006a; Lucena et al., 2012). O uso como bioindicadora de chuva, a partir da
floração da espécie, também foi registrado na comunidade de Várzea Alegre, corroborando com os
resultados de Abrantes (2011) que relata o uso de P. gounellei como uma das espécies
biondicadoras de chuva dos moradores do município de Sumé, no cariri da Paraíba.
Valorização de espécies por homens e mulheres
As mulheres citaram mais usos para Melocactus sp., já os homens mencionaram mais
utilizações para C. jamacaru. A preferência distinta pelas espécies pode ser explicada pelo fato
que as mulheres estão mais ligadas a categoria medicinal, e uma das espécies mais utilizadas na
comunidade para tal finalidade é Melocactus sp.. Já os homens citaram mais C. jamacaru, sendo
uma das espécies mais utilizadas para a categoria forragem, sendo utilizada na alimentação dos
rebanhos, atividade de domínio masculino.
Os resultados com relação ao domínio e distribuição das atividades entre homens e mulheres
na comunidade estudada seguem o padrão que a literatura vem evidenciando, a qual separa
nitidamente as funções entre os gêneros, colocando os homens mais relacionados ao conhecimento
e uso de espécies com atributos madeireiros, e as mulheres com plantas de usos não madeireiros
(Luoga et al., 2000; Taita, 2003; Lawrence et al. 2005; Theilade et. al., 2007; Voeks, 2007;
Lucena et al., 2011; Ceolin et al., 2011).
No presente estudo foi possível registrar um conhecimento distinto entre homens e mulheres
referente a categoria medicinal, pois foi uma das categorias mais citadas pelas mulheres, realidade
esta enfatizada por Figueredo et al. (1993). No entanto, estudos realizados em comunidades do
cariri e sertão paraibano (Lucena, 2011; Lucena et al., 2012) relataram que houve um padrão de
conhecimento entre os gêneros, contraposto ao que foi registrado em Várzea Alegre, onde a
espécie mais importante localmente foi diferente para homens e mulheres.
As categorias mais citadas por ambos foram a forragem e alimento, corroborando com os
dados de Lucena (2011) no cariri paraibano e Lucena et al. (2012) no sertão paraibano. Contudo, o
conhecimento entre os gêneros e a utilização das espécies vegetais pode variar de região para
região, podendo ser semelhantes ou distintos (Lucena et al., 2007b).
CONCLUSÃO
O presente estudo mostrou que as cactáceas encontradas na comunidade de Várzea Alegre
são de grande importância no cotidiano dos moradores, como foi evidenciado nos registros de
várias categorias e usos distintos dessas espécies.
Em relação a valorização de espécies por homens e mulheres foi evidente que não ocorreu
um conhecimento semelhante entre ambos o que pode variar de comunidade para comunidade
dependendo de suas tradições e/ou cultura locais.
Foi notório também a perpetuação do conhecimento entre as gerações em relação a
importância e versatilidade que as cactáceas possuem.
Diante dos dados obtidos no presente estudo, sugere-se a realização de futuras pesquisas que
busquem avaliar a condição atual e disponibilidade dessas cactáceas nas áreas de vegetação local,
assim buscando evitar o extrativismo em excesso e uma possível extinção local, já que o uso mais
citado foi o de forragem, o qual destrói o individuo inteiro.
Sugere-se também que mais estudos etnobotânicos sejam realizados com foco no
conhecimento tradicional sobre cactáceas, já que são muito poucos os existentes, e as cactáceas são
de extrema importância para a vida das pessoas que residem na zona rural do semiárido brasileiro.
REFERÊNCIAS
Abrantes, P.M.; Sousa, R.F.; Lucena, C.M.; Lucena, R.F.P.; Pereira, D.D. (2011). Aviso de Chuva e
de Seca na Memória do Povo: O Caso do Cariri Paraibano. Biofar,(5)2: 18-24.
Agra, M.F.; Silva, K.N.; Basílio, I.J.L.D.; Freitas, P.F.; Barbosa-Filho, J.M. (2008). Survey of
medicinal plants used in the region Northeast of Brazil. Revista Brasileira de Farmacognosia, 18
(3): 472-508.
Albuquerque, U.P.; Andrade, L.H.C. (2002b). Uso de recursos vegetais da Caatinga: o caso do
agreste do estado de Pernambuco (Nordeste do Brasil). Inter.,27: 336-345.
Albuquerque, U.P.; Medeiros, P.M.; Almeida, A.L.S.; Monteiro, J.M.; Lins Neto, E.M.F.; Melo,
J.G.; Santos, J.P. (2007). Medicinal plants of the caatinga (semi-arid) vegetation of NE Brazil: A
quantitative approach. Journal of Ethnopharmacology, 114: 325-354.
Albuquerque, U.P.; Lucena, R.F.P.; Alencar, N.L. (2010) Métodos e técnicas para a coleta de dados
etnobiológicos. In: Albuquerque, U.P.; Lucena, R.F.P.; Cunha, L.V.F.C. (Eds). Métodos e técnicas
na pesquisa etnobotânica. Recife: NUPEEA. p.40-64.
131
Andrade-Lima, D. de. (1989). Plantas das caatingas. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de
Ciências. 243p.
Andrade, C.T.S.; Marques, J.G.W.; Zappi, D.C. (2006a). Utilização de cactáceas por sertanejos
baianos. Tipos conexivos para definir categorias utilitárias. Siti, Série Ciências Biológicas6
(Etnobiologia): 3-12.
Andrade, C.T.S.; Marques, J.G.W.; Zappi, D.C. (2006b). Utilização medicinal de cactáceas por
sertanejos baianos. Rev Bras Pl Med., Botucatu, v.8, n.3, p.36-42.
Braga, R. (1976). Plantas do Nordeste, especialmente do Ceará. 3 ed. Fortaleza, Ceará, 540 p.
Benz, B. F., F. Santana, R. Pineda, J. Cevallos, L. Robles, and D. de Niz. 1994. Characterization of
mestizo plant use in the Sierra de Manantlan, Jalisco-Colima, México. Journal of Ethnobiology
14:123–41.
Brodt, S. 2001. A systems perspective on the conservation and erosion of indigenous agricultural
knowledge in central India. Human Ecology 29(1):99–120
Cavalli-Sforza, L. L., & Feldman, M. (1981). Cultural transmission and evolution: A quantitative
approach. Princeton: Princeton University Press.
Cavalcanti Filho, J.R.C. (2010), A água como elo de identidades sociais no semi-árido paraibano:
estudo de caso, Cabaceiras. 196p. Dissertação de mestrado - Mestrado em Desenvolvimento
Regional e Meio Ambiente, Centro Universitário de Araraquara – São Paulo.
Ceolin, T.; Heck, R.M.; Barbieri, R.L.; Schwartz, E.; Muniz, R.M.; Pillon C. N. (2011). Plantas
Medicinais: Transmissão do conhecimento nas famílias de Agricultores de base ecológica no Sul do
RS. Rer. Esc.Esc.45(1): 47-54.
Cruz, M.; Casas, A. (2002).Morphological variation and reproductive biology of Polaskia chende
(Cactaceae) under domestication in Central Mexico. Journal of Arid Environments, Trelew, v. 51,
p. 561-576.
Duque, J.G. (1980).O Nordeste e as lavouras xerófilas, 3ª ed., Mossoró, 265 p. Coleção
Mossoroense; v.193.
132
Duque, J.G. (2004). O Nordeste e as lavouras xerófilas, 4ª ed., Fortaleza: Banco do Nordeste do
Brasil, 103p.
Figueiredo, G.M.; Leitão-Filho, H.F.; Begossi, A. (1993). Ethnobotany of Atlantic Forest coastal
communities: diversity of plant uses in Gamboa (Itacuruçá Island, Brazil). Hum Ecol., 21:. 419-430.
Fuentes, V.R. (2005). Etnobotánica de Cactaceae em Cuba. In: González Torres, L.R.; Palmadora,
A.; Rodríguez, A. (Eds). Memorias del Taller Conservación de cactus Cubanos, Jardim Botánico
Nacional, Universidad de La Habana, Cuba, p.15-24.
Gomes, R.P. (1973). Forragens fartas na seca. 2ª ed. São Paulo: Nobel. 236p.
Gómez, M.P.C. (2011), Representações locais, uso e manejo de plantas alimentícias silvestres
nativas da caatinga. 88p. Dissertação de mestrado – Mestrado em Biologia Vegetal, Universidade
Federal de Pernambuco – Recife.
Jiménez-Sierra, C.L.; Eguiarte, L.E. (2010).Candy Barrel Cactus (Echinocactus platyacantus Link
& Otto): A traditional plant resource in Mexico subject to uncontrolled extraction and browsing.
Eco Bot., New York, v. 64, n. 2, p. 99-108.
Ladio A.H. & Lozanda M. (2004). Patterns of use and knowledge of wild edible plants in distinct
ecological environments: a case study of a Mapuche community from northwestern Patagonia.
Biodiversity and Conservation 13: 1153-1173.
Lawrence, A.; Phillips, O.L.; Reategui, A.; Lopez, M.; Rose, S.; Wood, D. & Farfan, A.J. 2005.
Local values for harvested forest plants in Madre de Dios, Peru: towards a more contextualised
interpretation of quantitative ethnobotanical data. Biodiversity and Conservation 14: 45–79.
Lucena, R.F.P.; De Araújo, H.F.P.; Mourão, J.S.; Albuquerque, U.P. (2005). A flor chegou, chuva
avisou: meteorologia popular no semiárido paraibano. Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia.
Editora NUPEEA, Recife. v.2. 205p.
Lucena, R.F.P.; Albuquerque, U.P.; Monteiro, J.M.; Almeida, C.F.C.B.R.; Florentino, A.T.N.;
Ferraz, J.S.F. (2007a). Useful plants of the semi-arid northeastern region of Brazil a look at their
conservation and sustainable use. Environ Monit Assess., 125:. 281-290.
Lucena, R.F.P.; Araújo, E.L.; Albuquerque, U.P. (2007b). Does the use-value of woody plants of
the Caatinga (Northeastern Brazil) explain their local availability. Eco Bot., 61:. 347–361.
Lucena, C.M. (2011). Uso e diversidade de cactáceas em uma comunidade rural no Cariri Oriental
da Paraíba (Nordeste do Brasil). 53p. Monografia (Graduação em Ciências Biológicas) –
Universidade Federal da Paraíba, Areia-PB.
Lucena, R.F.P.; Farias D.C.; Carvalho, T.K.N.; Lucena, C.M.; Vasconcelos-Neto, C.F..;
Albuquerque, U.P.(2011). Uso e conhecimento da aroeira (Myracrodruon urundeuva) por
133
Lucena, C.M.; Costa, G.M.; Sousa, R.F.; Carvalho, T.K.N.; Marreiros, N.A.; Alves, C.A.B.;
Pereira, D.D.; Lucena, R.F.P. (2012). Conhecimento local sobre cactáceas em comunidades rurais
na mesorregião do sertão da Paraíba (Nordeste, Brasil). Biotemas., v.25, n.3.
Luoga, E.J.; Witkowski, E.T.F. & Balkwill, K. 2000. Differential utilization and ethnobotany of
trees in Kitulanghalo Forest Reserve and surrounding communal lands, Eastern Tanzania. Economic
Botany 54: 328–343.
Nolan J.M. e Robbins M.C. 1999. Cultural conservation of medicinal plant use in the
Ozarks. Human Organization 58: 67-72.
Pedrosa, T.M. (2000). Arte popular de Alagoas: pesquisa e organização. Maceió: Grafitex, 218 p.
Pereira, D.D. (2009). Mangas, malhadas e cercados: o semiárido que não se rende! Campina
Grande: Impressos Adilson, 102 p.
Roque, A.A.; Rocha, R.M.; Loiola, M.I.B. (2010). Uso e diversidade de plantas medicinais da
Caatinga na comunidade rural de Laginhas, município de Caicó, Rio Grande do Norte (nordeste do
Brasil). Rev Bras Pl Med., Botucatu, v.12, n.1, p.31-42.
Rossato, S.C.; Leitão-Filho, H.F.; Begossi, A. (1999). Ethnobotany of caiçaras of the Atlantic
Forest Coast (Brazil). Eco Bot., v.53, n.4, p.387-95.
Srithi, P.; Balslevb, H.; Wangpakapattanawonga, P.; Srisangac, P.; Thisonthia, C. (2009). Medicinal
plant knowledge and its erosion among the Mien (Yao) in northern Thailand. Journal of
Ethnopharmacology 123 (2009) 335–342.
Sousa, R.F. (2011). A aparência ecológica pode explicar a utilização de espécies úteis em uma
comunidade rural na região do seridó paraibano? Monografia (Graduação em Ciências Biológicas)
– Universidade Federal da Paraíba, Areia-PB.
Taita, P. 2003. Use of woody plants by locals in Mare aux Hippopotames Biosphere reserve in
western Burkina Faso. Biodiversity and Conservation 12: 1205–1217.
Theilade, I.; Hansen, H.H.; Krog, M. Ethnobotanical knowledge: implications for participatory
forest management. The Journal of Transdisciplinary Environmental Studies vol. 6, no. 1, 2007.
Voeks, R.A. (2007). Are women reservoirs of traditional plant knowledge? Gender, ethnobotany
and globalization in northeast Brazil. Singapore Journal of Tropical Geographz(2007) 7–20.