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RIO DE JANEIRO

Cidade partida, cidade dual, cidade da exclusão, cidade dos enclaves


fortificados,
cidade do apartheid social, várias são as metáforas utilizadas nos debates nos
meios
acadêmicos e públicos para descrever as mudanças em curso nas cidades
brasileiras 2 . Como sustentação dessas imagens encontramos dois
argumentos que se diferenciam segundo as causas a que se atribuem tais
mudanças. O primeiro centra a explicação na dimensão institucional ou, mais
precisamente, na crise de governabilidade das cidades, e o segundo, na
economia, tomando a globalização e a reestruturação produtiva como causas
direta dessas mudanças. Nos dois diagnósticos a realidade urbana emergente
é descrita como crescentemente polarizada entre “ricos” e ‘pobres”, ‘incluídos’
e ‘excluídos’, desaparecendo as oposições de classe como centro da
segmentação social.
Até que ponto essas imagens estão sendo confirmadas na metrópole do Rio de
Janeiro? Responder a essa questão é tarefa importante não apenas no plano
acadêmico, mas também no político, em razão de elas sustentarem projetos de
intervenção sobre a cidade, emque o mais importante é o plano estratégico 3 .
Trata-se de um novo modelo de gestão da cidade que busca seus fundamentos
teóricos e suas bases de legitimidade na defesa do pressuposto de que as
ameaças inerentes à globalização das economias locais possam ser
contornadas pela instauração de um “patriotismo de cidade”, pelo qual os
riscos da dualização e fragmentação da sociedade urbana são superados e a
coesão da cidade é restaurada 4.
Será viável instaurar acordos e pactos inclusivos que unifiquem os diversos
atores de
uma cidade em torno de um projeto comum, quando ela está sendo
supostamente submetida a processos de dualização e fragmentação do seu
tecido social? Que cultura cívica e política a segregação social e as
desigualdades sócio-espaciais têm incentivado? Qual o impacto sobre a
capacidade associativa ocasionada pelas enormes diferenças que hoje
marcam e dividem a metrópole fluminense? Alguns trabalhos sobre o Brasil
recente têm chamado a atenção para a existência de fortes relações entre crise
social, crise das instituições e a difusão de uma “cultura cívica predatória”
(Santos, 1993) ou de um “familismo amoral”, como formulou recentemente
Elisa Reis (1995). Qualquer que seja o conceito utilizado, vários cuentistas
políticos têm coincidido na constatação do alargamento de uma espécie de
“individualismo negativo 5 ”, como expressou R. Castel (1995).
Por outro lado, outros estudos, ao refletirem sobre a violência em nossas
cidades – e
especificamente no Rio de Janeiro (Velho, 1996) –, têm destacado a crise do
sistema de
reciprocidade baseado nas relações hierárquicas de compadrio e clientelismo e
os bloqueios à instauração da reciprocidade fundada na cidadania – portanto,
em direitos e deveres. O clientelismo e a patronagem implicavam em valores
sociais e culturais de solidariedade e lealdade minimamente compartilhados
entre os patrões e os empregados, os de cima e os de baixo, os superiores e
os inferiores, e até mesmo entre os marginais e os integrados. Não é
desprezível o papel desse sistema de reciprocidade na explicação do fato de
termos tido um processo urbano marcado, ao mesmo tempo, pela
desigualdade e pela pobreza, mas também

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