Profa. Ana Lúcia de Campos Almeida – Ensino Crítico de Língua Portuguesa (2LET860)
RESENHA DIALOGADA (800 a 1000 palavras)
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Editora Loyola, 1996.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2008.
A ordem do discurso, de Foucault, é a transcrição de sua aula inaugural no Collège de
France em 1970. Nela, apresenta o trabalho que desenvolverá na cátedra, partindo da seguinte pergunta: “O que há de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem indefinidamente?” (p. 8). Afirma que a produção do discurso, em toda sociedade, é regulada por procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório e esconder as reais forças que materializam a sua constituição social. O autor apresenta 3 tipos de procedimentos de regulação do discurso – de exclusão, externos ao discurso; internos e imposição de regras, rarefação do sujeito; os 4 princípios reguladores de análise, sobre os quais se assenta a proposta de seu método de trabalho – inversão; descontinuidade; especificidade; exterioridade - e as duas perspectivas de análise, baseadas nos princípios apresentados – conjunto crítico e conjunto genealógico. Em Um discurso sobre as ciências, de 1988, Boaventura de Sousa Santos faz reflexões acerca da crise da ciência moderna, critica o paradigma dominante e traça um panorama desde a ciência moderna até o presente momento - ciência pós-moderna -, afirmando que, ao mesmo tempo em que a ciência moderna aparenta ser pré-histórica, longínqua, ela ainda influencia as ideias do campo teórico mapeado por cientistas dessa época. Ainda aprendemos, e ensinamos, ciência a partir do paradigma antigo. A transição para um novo paradigma é lenta. Defende, assim, o surgimento do paradigma emergente, “paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente”, com a centralidade das ciências sociais antipositivistas, valorizando as diversas experiências humanas e ampliando o acesso ao conhecimento socialmente construído, em busca de uma democratização do conhecimento científico. Relacionando as obras, é possível estabelecer algumas considerações sobre a crise do paradigma dominante e o estabelecimento de um novo paradigma, partindo dos procedimentos de regulação do discurso e sua relação com os poderes e o desejo, e das reais forças que materializam a sua constituição social. Boaventura afirma que os discursos na ciência moderna eram regulados por um modelo de racionalidade global e totalitário, baseado nas oposições homem x natureza, ciência x senso comum. Para o conhecimento, o que importava era dominar e transformar, e não compreender o real, modelo esse adequado aos interesses da burguesia. A gênese das ciências sociais apontada por Boaventura exemplifica as coerções mencionadas por Foucault, ou seja, os procedimentos de controle e delimitação que regulam o discurso. Para que um novo paradigma se delineasse e começasse a circular, era preciso que ele entrasse na ordem do discurso das ciências e que isso se fundamentasse em certas regras, mais precisamente aos procedimentos que se apoiam sobre um suporte institucional e que põem em jogo o poder e o desejo para dominar os poderes que o discurso tem. Onde há vontade de verdade há desejo e poder. Para enunciar dentro do discurso verdadeiro não basta tão somente enunciar verdades, é preciso, sobretudo, obedecer a uma “polícia discursiva”, que deve ser reativada em cada discurso. Como exemplificou Foucault, um enunciado só ganha o estatuto de verdadeiro em uma disciplina se preencher um todo complexo jogo de regras, definições, instrumentos e se ater a um plano determinado de objetos passíveis de serem conhecidos. A vontade de verdade e as instituições que a cercam exercem pressão sobre a produção discursiva. Essas interdições do discurso revelam sua ligação com o desejo e com o poder. Boaventura cita diversos conhecimentos das ciências naturais sobre os quais as ciências sociais tiveram de se apoiar para começar a ter seu discurso aceito. Aponta duas vertentes no surgimento das ciências sociais: uma tratou das ciências sociais pautadas nos princípios metodológicos como extensão das ciências naturais, reduzindo os fatos sociais a coisas, ou seja, a suas dimensões externas, observáveis e mensuráveis. A outra reivindicava um estatuto epistemológico e metodológico próprio, e, apesar desse distanciamento, ainda estava presa à racionalidade das ciências naturais. Ou seja, estavam inscritas na ordem do discurso “verdadeiro” da ciência da época, fruto de uma vontade histórica da verdade. Foucault diz que as grandes mutações científicas podem ser lidas como aparição de novas formas de verdade que se apoiam sobre um suporte e distribuição institucional, reforçadas e reconduzidas por todo um compacto conjunto de práticas e modo como o saber é aplicado e valorizado numa sociedade. Não se tem o direito de dizer tudo; não se pode falar de tudo em qualquer circunstância e não se pode falar de qualquer coisa. O novo conhecimento científico defendido por Boaventura traduz a nova ordem social, que exige um novo paradigma científico-social, pois está em permanente contato e serve à sociedade, para torná-la menos desigual e mais democrática e deve traduzir-se em sabedoria de vida. De acordo com o princípio da inversão de Foucault, é possível entender o paradigma emergente a partir dos seus efeitos discursivos sobre as ciências sociais como uma nova ciência, sua pretensão científica, a quem afeta... Pensando a escola, os paradigmas tradicionais não atendem mais aos anseios da pós- modernidade: não bastam para formar cidadãos conscientes e transformadores da realidade social. Algumas verdades estão em xeque: as dicotomias estruturalistas da linguagem, o domínio do “autor” sobre os sentidos, a aparente transparência do sentido, a ideia de aluno reprodutor de sentidos. Essa nova realidade leva-nos a repensar as ciências da linguagem a partir desse novo paradigma. É imperativo deixarmos para trás o positivismo e as dicotomias e a visão de que a linguagem é somente comunicação e pensamento: ela é muito maior, não se pode querer que o ensino de língua(gem) continue tratando a língua unicamente como sistema. O conhecimento a partir do paradigma emergente tende a ser não dualista, fundado num relativo colapso das distinções dicotômicas e consideração do campo das possibilidades.