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Cinco espécies que lutam pela sobrevivência em

Portugal
São 175 as espécies ameaçadas de extinção no Livro Vermelho dos
Vertebrados de Portugal, publicado em 2005. Passados 12 anos, como está a
vida selvagem portuguesa? Neste Dia Mundial da Vida Selvagem, a Wilder
falou com três conservacionistas para saber o que aconteceu a cinco espécies:
lobo-ibérico, lince-ibérico, águia-imperial-ibérica, abutre-preto e saramugo.

Lobo-ibérico, em perigo de extinção

Hoje em dia não se sabe ao certo quantos lobos-ibéricos (Canis lupus


signatus) vivem em Portugal. O mais recente censo nacional, de 2002/2003,
identificou 63 alcateias no Norte e Centro do país (correspondendo a entre 220
e 430 animais). Mais tarde, estudos compilados entre 2003 e 2014 deram conta
da existência de 47 alcateias.
A história deste predador de topo é feita de “constante perseguição” ao longo
de milhares de anos, o que “culminou no risco de extinção”, diz Francisco
Petrucci-Fonseca, presidente do Grupo Lobo e professor da Faculdade
Ciências da Universidade de Lisboa.
A situação agravou-se com a diminuição das presas naturais do lobo. “Quanto
mais se praticava a caça, menos alimento tinham os lobos. A falta de presas
naturais foi um fator determinante também na perseguição do animal, que
acabava por ter de se alimentar de gado”, explica.
O aumento dos prejuízos com as perdas de gado levou, durante anos, ao
constante descontentamento dos criadores, em várias partes do país. “A lei dita
que, nestas situações, os proprietários do gado devem ser indemnizados, mas
a realidade é que isso raramente acontece. Então, como forma de resolver o
problema, os criadores são obrigados a regressar aos antigos métodos da
perseguição e do abate ilegal.”
Nas últimas décadas foram tomadas medidas para preservar o lobo-ibérico. Em
1988 passou a ser uma espécie protegida por lei em Portugal e em 2005 foi
classificado com o estatuto de Em Perigo (Livro Vermelho dos Vertebrados de
Portugal).
Petrucci-Fonseca salienta o Projeto Cão de Gado, montado pelo Grupo Lobo
em 1987 para promover a recuperação das raças nacionais de cães de gado.
Os cães são oferecidos aos pastores para ajudar na protecção dos rebanhos
perante predadores como o lobo-ibérico. Esta iniciativa permite “um maior
entendimento de ambas as partes”. “Para compreendermos uma coisa,
precisamos de gostar dela e para isso precisamos de a conhecer primeiro. É
esta consciência que o Projeto Cão de Gado traz e podemos considerá-la,
efetivamente, uma medida e uma prática de conservação do lobo ibérico.”
O biólogo lembra que, em 2015, foi proposto ao antigo executivo um Plano
Nacional do Lobo. “Como temos neste momento um novo Governo, este plano
de conservação encontra-se ainda à espera de aprovação.”
Hoje, Petrucci-Fonseca está otimista e acredita que os esforços para proteger o
lobo poderão dar frutos a longo prazo. “Infelizmente, os resultados não são
imediatos, porque a conservação de uma espécie é uma coisa que leva tempo

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e eliminar os fatores de ameaça não é fácil.” Apesar do crescimento deste
predador no Centro do país ter estagnado, o especialista adianta que “no
Gerês e em Montesinho a situação está estável, tal como entre o Douro e o
Tejo, em que o número de lobos aumentou, vindos de Espanha para Portugal”.
Os casos mais preocupantes são “a zona de Vila Real e Chaves, em que o
número de lobos, infelizmente, continua a decrescer”.

Lince-ibérico, em perigo de extinção

O lince-ibérico (Lynx pardinus) é uma espécie classificada desde 22 de Junho


de 2015 como Em Perigo de extinção, depois de anos na categoria mais
elevada atribuída pela União Internacional para a Conservação da Natureza
(UICN), Criticamente em Perigo.
A população mundial deste felino das barbas é hoje de 475 animais,
distribuídos por Portugal e pelas províncias espanholas da Andaluzia,
Extremadura e Castela-La Mancha, segundo o censo à espécie relativo a 2016.
Em 2002, a espécie terá atingido o limite mínimo em termos de distribuição na
natureza com apenas duas populações: uma na Serra Morena Oriental e outra
no Parque Nacional de Doñana, ambas na Andaluzia.
Segundo Eduardo Santos, da Liga para a Proteção da Natureza (LPN), o
desaparecimento do lince na natureza deve-se, principalmente, ao “declínio
das populações de coelho-bravo – base da sua dieta alimentar – agravado pela
perda de habitat e a sua contínua desfragmentação (fruto da construção de
infraestruturas) e pela perseguição direta.”
Este conservacionista acrescenta que, “apesar da entrada no século XXI ter
sido um dos momentos mais negros da espécie, a sua fragilidade começou
antes, no limiar dos anos 80, com a mixomatose do coelho-bravo.
Posteriormente, quando as populações de coelho começaram a recuperar,
foram novamente devastada pela doença hemorrágica viral, com reduções na
ordem dos 80% em todo o país”.
Para Eduardo Santos, atualmente, “a ameaça ao lince que mais abrandou foi a
perseguição direta”. Em contrapartida, permanece a questão do habitat, muito
reduzido e fragmentado.
O atropelamento é também referido como uma realidade. Porém, “a maior
ameaça continua a ser a questão do coelho-bravo pois, em 2013, existiu
novamente uma estirpe da doença hemorrágica viral que levou a situação de
declínio a repetir-se”.
Eduardo Santos acredita que, apesar das dificuldades de recuperação do lince,
“nem tudo é mau, pois existe um maior esforço e investimento na conservação
da espécie, principalmente, ao nível da reprodução em cativeiro e da libertação
tanto do lince, como do coelho-bravo”.
A maior gestão dos habitats do coelho é uma das medidas tomadas para
preservar o lince. “Embora não tenhamos conseguido contrariar a baixa
densidade de coelho, pelo menos, pontualmente, temos conseguido que a
abundância aumente”, explica. Eduardo Santos admite que estes resultados
“só têm sido possíveis graças ao esforço e compreensão dos caçadores para
com a causa”, tendo resultado numa menor perseguição ao coelho, permitindo
aos linces alimentarem-se e assegurarem a continuação da espécie.

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Mas ainda que a população de linces esteja a aumentar gradualmente, o
problema não está resolvido. “As estimativas revelam sucesso, mas a
preservação do lince implica uma redução ainda maior das principais ameaças,
que ainda se mantêm e são difíceis de prever. Ainda temos um longo caminho
a percorrer.”

Águia-imperial-ibérica, criticamente em perigo

A águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti), uma das aves de rapina mais raras


do mundo, esteve extinta em Portugal enquanto reprodutora durante mais de
20 anos até que em 2003 voltou a procriar.
Hoje, em Portugal há uma equipa de pessoas que trabalha para aumentar a
população desta espécie no país, concretamente em quatro zonas: Castro
Verde, Vale do Guadiana, Mourão/Moura/Barrancos e Tejo Internacional, Erges
e Pônsul (concelhos de Idanha-a-Nova e Castelo Branco). No ano passado, o
projecto LIFE Imperial (2014 a 2018) contabilizou 15 casais reprodutores,
estando a seguir sete águias juvenis e uma imatura.
Rita Alcazar, bióloga, é a responsável pela supervisão geral do LIFE Imperial, a
partir do Centro de Educação Ambiental do Vale Gonçalinho, em Castro Verde.
Explica que a águia-imperial-ibérica perdeu território em Portugal,
“essencialmente, por causa da redução das populações presa, como o coelho-
bravo, resultado da caça e dos surtos de doenças contagiosas nas décadas de
70 e 80 do século passado”. No entanto, a águia-imperial-ibérica foi também
afetada pela perturbação e destruição de habitat, praticada pelo homem. Esta
águia “é um animal muito sensível e não tolera a aproximação”, comenta Rita
Alcazar. Outra das causas do seu desaparecimento enquanto reprodutora
foram as mortes por envenenamento.
Nos últimos anos têm sido tomadas medidas de proteção do habitat desta
rapina. “Consistem essencialmente na proteção das árvores com ninhos e com
casais reprodutores e na proteção do coelho-bravo e da lebre, necessárias à
alimentação diária da águia-imperial-ibérica.”
Apesar dos esforços de proteção da espécie, Rita Alcazar considera que “as
principais ameaças mantêm-se”. No entanto, “como é um animal do qual não
se têm registos no país durante cerca de 30 anos e, posteriormente, regressou,
podemos considerar-nos optimistas.”

Abutre-preto, criticamente em perigo

Podemos encontrar abutres-pretos (Aegypius monachus) a nidificar no Leste e


no Centro Sul do território continental português, ao longo da região fronteiriça
da Beira Baixa e do Baixo Alentejo, sendo um visitante esporádico na zona do
Douro Internacional. Contudo, esta espécie sofreu um acentuado declínio no
início do século XX e não há registos da sua presença, em Portugal, enquanto
reprodutor entre 1970 e 2003.
Eduardo Santos, da LPN, explica que, “ao longo do século XX, as espécies
predadoras e necrófagas sofreram um grande declínio devido à diminuição de

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presas silvestres. Estas foram desaparecendo por causa da perseguição direta,
envenenamento ilegais e perda de habitat”.
O especialista identifica os abutres como “aves oportunistas”. “Apesar da
diminuição de espécies predadas em território português, este abutre acabou
por se adaptar ao ambiente de escassez e optou por outras alternativas
alimentares, acabando por usufruir de carcaças de gado, como ovelhas e
cabras.”
A falta de alimento não foi a principal causa de diminuição do abutre à época,
mas sim a perseguição. “Antigamente, na Península Ibérica, a perseguição das
espécies predadoras e necrófagas era incentivada pelo Estado. Eram usados
venenos, na altura algo legal. Por exemplo, uma das funções dos guardas
florestais era eliminar por todos os meios possíveis o máximo de predadores.
Acreditava-se que estes punham em causa os bens e os interesses da
população. Esta mentalidade e maneira de agir persistiram durante longos
anos. Um dos primeiros passos na preservação dos abutres foi a ilegalização
destes métodos”, conta.
Numa primeira fase de conservação da espécie, o Estado deixou, segundo
este biólogo da LPN, “de apoiar a perseguição e a utilização de venenos e
armadilhas, considerando tudo isso ilegal. Posteriormente, prossegue Eduardo
Santos, “o trabalho principal consistiu numa alteração de mentalidades, que
ainda hoje se faz. Em 2010, no Alentejo, começou um projeto de proteção que
pôs em prática medidas como campos de alimentação, ninhos artificiais e
protocolos de proteção com locais que permitiram fixar animais. Tudo isto levou
a que, pela primeira vez em mais de 40 anos, os animais procriassem com
sucesso nessa zona”.
Em 2010, quatro indivíduos de colónias de abutre-preto espanholas
atravessaram a fronteira e reproduziram, com sucesso, em Portugal. “Esse
pequeno núcleo tem vindo a aumentar e somam-se agora aproximadamente 13
casais nessa mesma zona fronteiriça”, confirma Eduardo Santos.
O projeto no Alentejo já trouxe louros para a proteção das espécies. “Temos
quatro casais dos quais nasceram duas crias, já adultas. Estas reproduções
são uma vitória, pois a recuperação desta espécie é fruto de muitos esforços
realizados entre Portugal e Espanha.”
No final da década de 1970, o abutre preto estava reduzido a poucas centenas
de exemplares. Estima-se que, entre Portugal e Espanha, ultrapasse hoje os
dois mil casais.

Saramugo, criticamente em perigo

O saramugo (Anaecypris hispanica) – peixe pequeno, raramente ultrapassa os


sete centímetros – vive num dos mais importantes locais para a biodiversidade
de peixes de água doce da Europa, a Península Ibérica. É uma das espécies
mais ameaçadas deste grupo e tem vindo a desaparecer da Bacia do rio
Guadiana, no Alentejo, nos últimos 40 anos.
Segundo Rita Alcazar, responsável pela supervisão geral do projecto LIFE
Saramugo (2014-2018), as dimensões reduzidas do saramugo, tornam-no
“vulnerável a peixes exóticos invasores, que competem pelo território e por
alimentação”. Tal é o caso da achigã, do lúcio e da perca-sol, por exemplo.

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Hoje, o saramugo é “uma das espécies de peixe de água doce mais
ameaçadas do país e da Península Ibérica”, afirma Rita Alcazar, mas “só agora
começou a ser preservada”.
Além da predação, “a poluição, a construção de grandes barragens e a
exploração de recursos hídricos também têm contribuído muito negativamente
para a vida desta espécie”.
Desde 2014 está no terreno o projecto LIFE Saramugo que, segundo Rita
Alcazar, “visa reabilitar habitats de abrigo, alimentação e reprodução de
saramugo, e ainda sensibilizar o público para as questões de conservação da
ictiofauna endémica e dos habitats ribeirinhos a que a espécie está associada”.
E acrescenta que o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas
(ICNF) tem criado “uma reserva de exemplares de peixes em cativeiro para
garantir que, caso a espécie desapareça na natureza, exista a salvaguarda em
cativeiro, para que um dia seja, possivelmente, recolocada na natureza”.
Como as medidas de preservação do saramugo são recentes e o trabalho
desenvolvido nesse âmbito é novo, Rita Alcazar considera ser “muito cedo para
saber se dará resultado”, mas confessa-se optimista.
A preservação de animais em vias de extinção tem efeitos, de modo geral,
demorados e avaliáveis apenas a longo prazo. Especialmente a sensibilização
da sociedade.
“A informação e o entendimento das espécies, das suas necessidades e da sua
realidade, são ferramentas essenciais na salvação das mesmas e na melhoria
das suas condições”, defende Francisco Petrucci-Fonseca.
Rita Alcazar partilha a mesma opinião e sublinha que “a sensibilização não é
um trabalho fácil e pode ser bastante demorado”.
Eduardo Santos acrescenta que considera necessário transmitir dados e
conceitos corretos às pessoas. “Muitas vezes diz-se que um animal está extinto
ou quase extinto quando não é correto dizê-lo. Uma espécie só é declarada
extinta quando não haja registo, na natureza, nos últimos 50 anos”, conclui.
Atualmente, o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal tem 175 espécies
classificadas nas três categorias de Ameaça: Criticamente Em Perigo, Em
Perigo e Vulnerável. Dessas 175, há 22 espécies de peixes, duas de anfíbios,
nove de répteis, 111 de aves e 31 de mamíferos. Mas já são muitas as pessoas
que trabalham para baixar estes números.

https://www.wilder.pt/historias/cinco-especies-que-lutam-pela-sobrevivencia-em-portugal/

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