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MARCOS GRANCONATO

PEQUENO MANUAL DE
DOUTRINAS BÁSICAS

Ilustrações de Leandro Boer

São Paulo
2014
Copyright © 2014 por Marcos Granconato
Publicado pela Hermeneia Editora

Todos os direitos reseevados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998

É expressamente proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por quaisquer meios (eletrônicos, mecânicos,
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Contato:
editora@hermeneia.com.br

_________________________________________________________

Granconato, Marcos

Pequeno manual de doutrinas básicas / Marcos Granconato – São Paulo:


Hermeneia, 2014.

5ª Edição Revista e Ampliada

ISBN-13
978-1502738844

ISBN-10
1502738848
_________________________________________________________

Ilustrações: Leandro Boer


Revisão: Simone Matias
Diagramação: Presto Produção e Comunicação

Publicado no Brasil com todos os direitos reservados pela:


Hermeneia Editora Ltda
www.hermeneia.com.br
A Carlos Osvaldo Cardoso Pinto (in memoriam),
o grande professor que se tornou amigo;
e a Thomas Tronco dos Santos,
o grande amigo que se tornou professor.
Índice
Apresentação 7

Capítulo 1
A Doutrina Acerca das Escrituras 9

Capítulo 2
A Doutrina Acerca de Deus 19

Capítulo 3
A Doutrina Acerca de Cristo 31

Capítulo 4
A Doutrina Acerca do Espírito Santo 41

Capítulo 5
A Doutrina Acerca do Homem 55

Capítulo 6
A Doutrina Acerca do Pecado 63

Capítulo 7
A Doutrina Acerca da Salvação 73

Capítulo 8
A Doutrina Acerca da Igreja 87

Capítulo 9
A Doutrina Acerca dos Anjos 101

Capítulo 10
A Doutrina Acerca das Últimas Coisas 111

Referências
APRESENTAÇÃO
Embora contenha a Santa Escritura uma doutrina perfeita, a que nada se
pode acrescentar, pois que aprouve a Nosso Senhor revelar os infinitos
tesouros de sua sabedoria, entretanto, a pessoa que não seja bastante
experimentada no seu manuseio e entendimento necessita de certa
orientação e ajuda, para saber que deva nela buscar a fim de não
vaguear incerta, ao contrário, alcance rota segura que lhe faculte atingir
sempre o fim a que a convoca o Santo Espírito.

João Calvino, Institutas da Religião Cristã.


Prefácio à Edição Francesa de 1541

O famoso pai da igreja João Crisóstomo disse certa vez com a propriedade que lhe
era peculiar: “Quando a vida é corrompida, ela concebe uma doutrina que combina com
ela.” Certamente Crisóstomo não ficaria indignado se eu de certo modo invertesse a sua
máxima para afirmar outra verdade do mesmo porte: “Quando a doutrina é corrompida,
ela concebe uma vida que combina com ela.”
Foi movido pela preocupação com esta última verdade que preparei, em 1987, este
pequeno manual de doutrinas. Procurei produzir algo de fácil compreensão, com várias
ilustrações, a fim de que o conhecimento das principais doutrinas da fé cristã não se
tornasse propriedade de qualquer número de pessoas que não representasse a totalidade
dos membros da igreja. Não ouso afirmar que atingi este propósito na íntegra, pois a sã
doutrina, por ser extremamente rica, nem sempre pode ser apresentada satisfatoriamente
com palavra superficiais.
De qualquer modo, eis aqui nosso manual. Sua ampla aceitação em minha própria
igreja me encorajou a levá-lo ao povo evangélico em geral, chegando a ser produzido
em quatro edições distintas e adotado como material didático em várias igrejas, grupos
de discipulado e seminários teológicos espalhados pelo Brasil. Minha sincera
expectativa é que esta nova edição revista e ampliada seja ainda mais útil na
trasmisssão da doutrina cristã à igreja tão carente do nosso país.
De maneira nenhuma é meu intento apresentar este livro como algo original. A
própria ideia de preparar um livreto para o ensino dos crentes é antiga na história da
igreja cristã. Na verdade, já no século II, manuais de ensino prático eram usados pelos
cristãos sendo o Didaquê o exemplo clássico disso.
A falta de originalidade em nosso livreto não se limita, contudo, à ideia de prepará-
lo, mas se estende também, e de modo necessário, ao seu conteúdo. O que se encontra
aqui é baseado nos diversos livros alistados na bibliografia ao final, os quais devem
ser consultados caso o estudante tenha o desejo de se aprofundar mais no estudo da
doutrina bíblica.
O que temos à mão é algo modesto. Apesar disso, é um trabalho que requereu o
auxílio de pessoas a quem eu sou grato. Dentre elas quero destacar o nome do Pr.
Thomas Tronco dos Santos que deu ao manual um formato mais estético e didático.
Também detaco o esforço do meu querido irmão na fé Leandro Boer que preparou
cuidadosamente cada uma das ilustrações, sempre preocupado em fazer delas
ferramentas eficazes para a apreensão e memorização das verdades ensinadas. Eu sei
que o Senhor recompensará o trabalho dedicado desses homens.
É com bastante alegria que entrego o PEQUENO MANUAL DE DOUTRINAS
BÁSICAS aos evangélicos do nosso país, na esperança de que ele possa ser usado,
conforme disse um teólogo amigo, “em defesa da fé histórica, atual e relevante”.

Marcos Granconato
Soli Deo gloria
CAPÍTULO 1
A DOUTRINA ACERCA DAS ESCRITURAS
(Bibliologia)

Quando a Palavra de Deus é negligenciada, a religião pura e verdadeira


desaba. Quando ela desaba ninguém pode, nem será salvo.

Erasmus Sarcerius (1501 - 1559)

Introdução
A Bíblia é a única base da doutrina cristã. Por isso, se o conceito formulado sobre
as Escrituras for errado, todas as outras doutrinas serão afetadas de modo negativo.
Daí percebe-se a importância da concepção sadia da Bíblia. Quando ela não é
considerada do modo como exige, não pode servir de base para a conservação da “sã
doutrina” (Tt 2.1).

Intimamente ligada à doutrina está a vida diária do cristão. O comportamento do


crente deve ser um exemplo de doutrina posta em prática. Portanto, se uma pessoa não
tiver uma ideia correta acerca da Bíblia, isso também influenciará o seu modo de andar.
Com efeito, a Bíblia deve ser para o cristão um manual de padrões para a vida. Se
não for assim, o homem estará à mercê dos seus próprios modos errados e pecaminosos
de pensar, os quais fatalmente o conduzirão à ruína.
Deve ser lembrado que há pessoas que, apesar de professarem um conceito sadio
da Bíblia, vivem em desacordo com isso. É claro que essas pessoas envergonham o
Evangelho. Suas vidas espirituais são um verdadeiro fracasso.

A revelação
Revelação é, basicamente, o desvendamento de algo que era desconhecido ou a
manifestação de alguma coisa que estava escondida. No contexto judaico-cristão essa
palavra é usada para se referir à comunicação que Deus faz de si mesmo e da sua
vontade. Assim, em termos teológicos, a revelação é um processo por meio do qual
Deus desvenda ao homem seu caráter e seus desígnios. O resultado desse processo
também é chamado de revelação.

Para fins de estudo, a revelação de Deus se divide em dois aspectos:

A revelação geral: Refere-se ao testemunho que Deus dá si mesmo a todos os


homens por meio da criação (Rm 1.19-20), da sua providência na história (At 14.15-
17) e da consciência humana (Rm 2.14-15). A revelação geral alcança todos os homens
em todos os lugares (Sl 19.1-6), mas não tem conteúdo redentor. O máximo que ela faz
é expor alguns atributos de Deus, tornando os homens indesculpáveis por rejeitá-lo (Rm
1.20-23).
A revelação especial ou específica: Refere-se ao desvendamento do caráter e do
plano de Deus na história da redenção (Sl 78; 107), na pessoa de Cristo (a expressão
máxima da revelação – Jo 1.18; 14.9; Cl 1.15; 2.9; Hb 1.1-3) e nas Escrituras Sagradas
(2Tm 3.16; 2Pe 1.20-21). A revelação especial tem conteúdo salvífico, ou seja, é
possível alguém compreender o plano redentor de Deus por meio dela (2Tm 3.15).
Contudo, ainda que destinada a todos, a revelação especial alcança efetivamente um
número limitado de pessoas.

A inspiração
Conforme visto, a Bíblia compõe a revelação especial de Deus, tendo sido
inspirada por ele. Quando se diz que a Bíblia é inspirada por Deus, isto significa que o
Espírito Santo supervisionou aquilo que os autores bíblicos escreveram nos
autógrafos, isto é, nos escritos originais (as cópias não foram inspiradas) de tal modo
que eles o fizeram sem cometer qualquer erro.
Deus não ditou as palavras da Bíblia (apenas poucas partes foram provavelmente
ditadas – e.g., a Lei), nem tampouco os autores bíblicos entraram em estado de êxtase
para escrever os livros.

O que Deus fez na realidade foi mover (2Pe 1.21) ou dirigir os escritores para que
compusessem sua revelação usando suas personalidades, culturas e faculdades mentais.
Desse modo, pode-se dizer que Deus falou através do homem (Mt 1.22; 2.15;1Co
14.37).

É importante destacar que não é correto dizer que os autores bíblicos foram inspirados
por Deus. O termo “inspirados” se aplica apenas aos livros bíblicos. Seus autores
foram movidos ou impelidos (Gr. ferómenoi) pelo Espírito Santo. Alguns textos
bíblicos que servem de base para esse ensino são Mateus 5.18; 22.43; 2Timóteo 3.16;
2Pedro 1.20-21 e Hebreus 1.1.

Hoje não existe nenhum fragmento sequer dos escritos originais. Todos se perderam
ao longo dos séculos. O que se tem agora são cópias, a maioria delas preparada por
homens zelosos e habilidosos. Para se chegar ao texto original um trabalho científico
denominado crítica textual tem sido realizado nessas cópias e em fragmentos delas.
Graças à ação de Deus em preservar sua Palavra (1Pe 1.24-25) e aos esforços da
crítica textual, o conteúdo dos autógrafos foi mantido acessível com precisão
praticamente total.
O crente deve ter sempre em mente que a Bíblia, por ser divinamente inspirada, é:

Inerrante: Não há erros na Bíblia, seja no campo da ciência, da geografia, da


história ou da filosofia (Jo 10.35; 17.17).

Infalível: O que a Bíblia ensina não conduz as pessoas ao erro. Nos caminhos e
soluções que prescreve, ela nunca falha, de modo que a pessoa que a obedece pode
caminhar segura, sabendo que está seguindo um mapa que a leva na direção certa.
Ademais, suas promessas e profecias nunca falham. O que ela diz acerca do amanhã,
certamente se cumprirá (Nm 23.19; Sl 119.9,11; Mt 5.18; Tt 1.2).

Além disso, uma vez que Deus a destinou a criaturas inteligentes com o objetivo de
lhes transmitir verdades essenciais, a Bíblia também é interpretável. Isso significa que
há um sentido específico (e não vários!) em cada porção do texto sagrado. Esse sentido
pode ser descoberto por meio do emprego das regras normais de hermenêutica, usadas,
inclusive, pelo próprio Cristo (Mt 22.41-46).
É verdade que há trechos difíceis de entender, mas isso não autoriza ninguém a dar
ao que foi escrito o sentido que achar mais conveniente, distorcendo as Escrituras (2Pe
3.15-16). Antes, o leitor deve buscar o significado pretendido pelo autor sagrado,
sabendo que esse significado é claro na maioria das vezes e compõe a mensagem do
próprio Deus ao homem.
Por ser inspirada, inerrante, infalível e interpretável, somente a Bíblia pode
ensinar o que é correto acerca do Deus único e verdadeiro. Assim, qualquer crença que
a rejeite jamais poderá levar o homem ao real conhecimento da divindade.

A canonicidade
Sendo inspirados por Deus, os livros da Bíblia são dotados de canonicidade. O
termo “cânon” vem do hebraico (qaneh) e do grego (kánon) e significa, basicamente,
vara de medir ou régua. Com o tempo, essa palavra passou a ter um significado mais
amplo, indicando também uma norma ou padrão de qualquer natureza (Gl 6.16).
Assim, quando se afirma que um livro é canônico, isso significa que deve ser usado
como uma régua para “medir” a validade do que o homem crê e faz.
Deve ficar bem claro que a canonicidade dos livros bíblicos não lhes foi imposta
por homens. O fato de Deus tê-los produzido usando o processo da inspiração visto
acima é que lhes confere canonicidade. Os homens simplesmente reconheceram essa
qualidade presente nos livros bíblicos desde a sua produção. Aliás, mesmo os
escritores bíblicos tinham consciência da autoridade de seus escritos por serem
revelação de Deus. Isso se pode ver, por exemplo, em 2Samuel 23.2; 1Coríntios 2.13 e
14.37.
Para reconhecer um livro como canônico foram usados os seguintes critérios:

Autoria profética ou apostólica: Para ser reconhecido, o livro deveria ser escrito por
um profeta, por um apóstolo ou por alguém sob a autoridade de um apóstolo (por
exemplo, Marcos escreveu seu evangelho sob a autoridade do apóstolo Pedro).
Aceitação: Para ser reconhecido, o livro tinha que ter ampla aceitação entre o povo de
Deus. O reconhecimento da igreja em geral foi considerado fator muito importante, uma
vez que o Senhor manifesta sua direção por meio do povo santo.

Conteúdo: Para ser reconhecido, o livro tinha que mostrar harmonia doutrinária com a
ortodoxia já fixada. Livros que apresentassem desvios ou negação de doutrinas
consagradas foram rejeitados.

Inspiração: Para ser reconhecido, o livro tinha que dar evidências de origem divina,
falando com autoridade e apresentando valores morais e espirituais elevados, próprios
de uma obra inspirada pelo Espírito Santo.

O cânon
Enquanto o termo canonicidade se aplica a uma qualidade sobrenatural dos livros
bíblicos, a palavra “cânon” é usada para se referir ao conjunto de livros que compõem
tanto o Antigo como o Novo Testamento.

A Bíblia é composta por 66 livros. Dessas obras, 39 fazem parte do Antigo


Testamento e 27 do Novo. Os livros do Antigo Testamento são classificados da seguinte
maneira:

CLASSIFICAÇÃO LIVROS OBSERVAÇÕES


Gênesis, Êxodo,
São os cinco
Pentatêuco Levítico, Números e
livros de Moisés
Deuteronômio.
Josué, Juízes, Rute, 1 e
2 Samuel, 1 e 2 Reis, 1
Históricos ‒
e 2 Crônicas, Esdras,
Neemias e Ester.
Os livros de
Provérbios e de
Jó, Salmos, Provérbios,
Poéticos Eclesiastes são
Eclesiastes e Cantares
também chamados
de sapienciais.
Isaías, Jeremias,
Lamentações de
Jeremias, Ezequiel,
Lamentações de
Daniel, Oseias, Joel,
Jeremias foi
Proféticos Amós, Obadias, Jonas,
escrito na forma
Miqueias, Naum,
de poesia.
Habacuque, Sofonias,
Ageu, Zacarias e
Malaquias.

Quanto aos livros que fazem parte do Novo Testamento, sua classificação é a
seguinte:

CLASSIFICAÇÃO LIVROS
Evangelhos Mateus, Marcos, Lucas e João.
Atos ‒
Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas,
Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 e
Epístolas Paulinas
2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito
e Filemom.
Hebreus, Tiago, 1 e 2 Pedro, 1, 2 e 3
Epístolas Gerais
João e Judas.
Apocalipse ‒

O judaísmo ortodoxo não aceita os livros do Novo Testamento. Já o catolicismo


romano, desde o Concílio de Trento (1545-1563), recepciona os livros apócrifos que
são 13 obras (incluindo fragmentos de livros) escritas durante a época do Império
Grego (também chamado de período interbíblico) e que não são reconhecidas nem pelo
judaísmo, nem pelo protestantismo.
O termo “apócrifo” significa “oculto” e os livros sob essa designação são os
seguintes: 1 e 2 Esdras, Tobias, Judite, adições a Daniel (Salmo de Azarias, Cântico
dos Três Jovens, História de Susana, Bel e o Dragão), adições a Ester, Oração de
Manassés, Epístola de Jeremias, Baruque, Eclesiástico (Siraque), Sabedoria de
Salomão e 1 e 2 Macabeus. Alguns manuscritos da Septuaginta incluem 3 e 4 Macabeus
e os Salmos de Salomão.

A concepção de Jesus acerca das Escrituras


Jesus expressou uma concepção extremamente elevada das Escrituras. No tocante a
isso, os Evangelhos mostram o seguinte:

1. Jesus usou a Escritura para repudiar as tentações de Satanás (Mt 4.1-11).


2. Jesus realçou a perenidade da Lei Mosaica e dos Profetas (Mt 5.17-18), tornando
esses escritos comparáveis às suas próprias palavras (Mt 24.35).
3. Jesus destacou que o testemunho de todo o Antigo Testamento acerca dele se
cumpriria (Lc 24.44).
4. Jesus aprovou a visão de que nas Escrituras se encontra a vida eterna (Jo 5.39).
5. Jesus afirmou que o Espírito Santo falou através dos autores bíblicos (Mc 12.36).
6. Jesus aceitou a historicidade de eventos bíblicos considerados questionáveis na
atualidade (Mt 12.39-41; Mc 10.6; Lc 17.26-27; Jo 6.49).
7. Jesus defendeu a inerrância (ou, talvez, a integridade. Cp. Tg 2.10) da Escritura
dizendo que ela não pode ser desmembrada (Jo 10.35).
8. Jesus destacou a importância de se conhecer profundamente a Escritura (Mt
22.29).
9. Jesus valorizou detalhes gramaticais e palavras específicas do texto bíblico (Mt
5.18; 22.31-32, 43-45).
10. Jesus garantiu a composição inerrante do Novo Testamento, dizendo que
enviaria o Consolador que guiaria os apóstolos nessa tarefa (Jo 14.26; 16.12-15).

A iluminação
Iluminação é o ministério do Espírito Santo de capacitar o homem que é alcançado
por sua graça a compreender a revelação escrita de Deus.
Essa obra é necessária porque as verdades da Palavra pertencem a uma dimensão
que está muito acima do alcance da mente humana (Is 55.8-9), sendo conhecida somente
pelo Espírito (1Co 2.11). Por isso, sem o auxílio do Senhor não há como o homem
acolher o que foi revelado (Lc 24.44-45; 1Co 2.12).
Pra piorar a situação, Satanás cega o entendimento das pessoas, impedindo--as de
compreender o evangelho (2Co 4.3-4). É por causa disso que os incrédulos, não tendo a
ação iluminadora do Espírito, não conseguem entender nem mesmo as verdades
espirituais mais elementares (1Co 2.14).
A iluminação do Espírito Santo na mente do homem por ele favorecido é iniciada,
assim, ao tempo da conversão, quando o conhecimento da pessoa é aclarado, passando
ela a enxergar as realidades espirituais do evangelho (At 16.14; 2Co 3.15-16; 4.6; Hb
10.32). A partir daí, a ação do Espírito Santo de trazer luz à mente do crente prossegue
(Ef 1.17-19), fazendo-o entender mais e mais a verdade revelada e também levando-o à
aceitação dela, fatores essenciais para o crescimento na vida cristã (2Co 3.18; Cl 1.9-
10).
CUIDADO! VENENO!
Liberalismo teológico: Ensina que a revelação de Deus acontece por meio de
fatos que se situam dentro da ordem natural das coisas. Segundo os liberais, os
escritores antigos testemunharam esses fatos e os interpretaram como milagres,
adicionando-lhes uma dimensão sobrenatural inexistente. Por isso, as descobertas da
ciência, da filosofia e da psicologia da religião devem ser usadas para corrigir as
ideias distorcidas dos autores bíblicos, removendo do texto bíblico tudo que é
mitológico (demitização ou desmitologização).

Neo-ortodoxia: Ensina que Deus só pode ser conhecido quando sua Palavra
viva, o Cristo eterno, se encontra pessoalmente com o indivíduo. A Bíblia descreve
essa experiência na vida de vários de seus personagens e assinala o caminho para esses
encontros existenciais. Dessa forma, as Escrituras contêm testemunhos da revelação
divina feita a homens do passado e, na medida em que servem para levar o indivíduo a
um encontro com Deus, são revelação também hoje. Há, assim, dois momentos de
revelação: um passado (as experiências registradas na Bíblia) e um presente (desde
que, lendo a Bíblia, o homem tenha um encontro com Deus).

Movimentos sectários e heréticos: A seitas e os movimentos heréticos que se


dizem cristãos geralmente adotam um livro além da Bíblia, atribuindo-lhe o mesmo
grau de autoridade que dizem reconhecer nas Escrituras. É assim com os mórmons que
creem na natureza sacrossanta do Livro de Mórmon. É assim também com os
Adventistas do Sétimo Dia que consideram como proféticos os escritos de Hellen G.
White. Outros movimentos heréticos põem certas pessoas, entidades ou tradições no
mesmo pé de igualdade das Escrituras. Esse é o caso do romanismo que confere
autoridade divina à sua tradição e também ensina a doutrina da infalibilidade papal.
Também é o caso das Testemunhas de Jeová que consideram o conselho que as preside,
o chamado Corpo Governante, como detentor de autoridade sobrenatural. Na prática,
ainda que digam estar sujeitos à Bíblia, esses movimentos tendem a situar seus livros e
líderes muito acima das Escrituras.

Traduções espúrias: O fato de existirem milhares de manuscritos bíblicos


antigos faz com que pequenas diferenças surjam entre um e outro. São as chamadas
variantes textuais. Ao lidar com essas variações, nem sempre o trabalho da crítica
textual é conclusivo, o que faz com que os tradutores da Bíblia tenham eventualmente
que escolher qual texto deverão adotar em seu trabalho. Ocorre, porém, que não raro os
tradutores divergem em suas opções, o que faz com que traduções diferentes apareçam.
Outras vezes, o leque de significado de um termo ou de uma expressão hebraica ou
grega é muito amplo e o tradutor tem que escolher a alternativa que acredita ser a
melhor. Naturalmente, nem sempre os tradutores fazem a mesma opção e, mais uma vez,
traduções bíblicas distintas aparecem (ARA, ARC, ACF, NVI, NTV...). Nada disso é
condenável ou errado. Na verdade, dificuldades assim são comuns em qualquer esforço
de transmitir a mensagem dada em uma língua por meio de outra totalmente diferente.
Ademais, é preciso lembrar que, mesmo havendo um campo textual que admita
diferentes traduções, esse campo é limitado e jamais afeta a mensagem central das
Escrituras. O que se deve evitar, porém, são as traduções espúrias, ou seja, traduções
que, sem a menor base textual, gramatical ou semântica, fazem acréscimos e alterações
na Bíblia com o fim (às vezes declarado!) de transmitir conceitos errados e até
blasfemos. É o caso da versão Novo Mundo das Escrituras Sagradas (NM), tradução
feita pelas Testemunhas de Jeová. Essa tradução remove ou altera descaradamente
qualquer expressão que aponte para a divindade de Cristo ou do Espírito Santo. Há
também traduções feministas que evitam a referência a Deus como Pai e chamam Cristo
de “a criança de Deus”, em vez de Filho. São as chamadas versões com “linguagem
inclusiva”. Em tempos recentes, até mesmo paráfrases repletas de gírias e palavrões
(e.g., Bíblia Free Style) têm sido preparadas sob o pretexto de alcançar pessoas que
usam esse tipo de linguagem. Esses esforços, porém, sequer podem ser chamados de
traduções, posto que em nada reproduzem a real mensagem do texto sagrado para a
língua a que se propõem traduzi-la.
CAPÍTULO 2

A DOUTRINA ACERCA DE DEUS


(Teontologia)

(...) o mais portentoso fato a respeito de qualquer homem não é o que


poderá dizer ou fazer em um dado momento, mas sim a imagem que ele
leva de Deus, no fundo do seu coração.

A. W. Tozer, Mais Perto de Deus, p.7.

Introdução
Obviamente os crentes aceitam sem reservas o fato da existência de Deus. Crendo
na veracidade da Bíblia, não podem negar o Deus que ela apresenta.
Assim, numa sociedade em que o ateísmo filosófico e prático finge ser
incontestável, os discípulos de Jesus caminham na contramão das tendências seculares,
proclamando a realidade de um Deus criador, amoroso e santo com quem é possível o
homem se relacionar e, por meio disso, desfrutar de notável satisfação .

Os cristãos também acreditam que o fato de alguém aceitar ou não o Deus das
Escrituras Sagradas influencia diretamente não somente a sua religiosidade, mas
também o estilo de vida que adota, o qual abrange seu modo de pensar, falar e agir. O
ateísmo, segundo entendem, é, portanto, perigoso, uma vez que lança o homem num
vácuo moral, longe de qualquer fundamento ético sólido sobre o qual possa construir
sua vida e conduta.
Fica claro, portanto, que a crença em Deus e a concepção sadia acerca dele não são
meras questões filosófico-religiosas, mas constituem fatores determinantes da
felicidade e do bom viver do ser humano.

A existência de Deus
A Bíblia não discute a existência de Deus. Antes, simplesmente a afirma logo em
seu primeiro versículo (Gn 1.1), dizendo posteriormente que é possível perceber que
Deus existe por meio da criação e da providência (At 14.17; Rm 1.20), sendo isso tão
óbvio que somente os insensatos são capazes de dizer que não há Deus (Sl 14.1).

Por causa disso, os argumentos a seguir não foram desenvolvidos na Bíblia. Em vez
disso, foram elaborados por teólogos do passado que perceberam que a existência de
Deus pode ser comprovada pelo simples uso da razão.
Há, basicamente, quatro argumentos lógicos que são usados para defender a
existência de Deus. Veja-os a seguir:

O argumento cosmológico: Esse argumento afirma que existe um mundo (Gr. kosmos).
Logo, algo ou alguém deve tê-lo causado, pois não existe efeito sem causa. Ademais,
numa cadeia ininterrupta de causas e efeitos, chega-se fatalmente a uma causa original
não causada. Essa causa primária só pode ser Deus. Os principais expoentes desse
argumento foram Aristóteles e Tomás de Aquino.

O argumento teleológico: Aponta para o fato de que as coisas que existem no universo
têm um propósito ou finalidade (Gr. telos). Além disso, tudo revela um arranjo
ordenado num grau de harmonia e organização surpreendentes. Obviamente, um sistema
harmonioso, funcional e que atende a inúmeras finalidades não pode ter como causa
uma força impessoal (como uma explosão, por exemplo) ou o acaso. De fato, somente
uma mente inteligente pode originar sistemas tão complexos como os encontrados no
universo. Essa “mente” só pode ser Deus.

O argumento antropológico e moral: Esse argumento realça que o homem não é


apenas um ser físico, mas também um ente dotado de consciência, senso moral,
intelecto, emoções e vontade. Esses fatores psíquicos e morais não podem ter como
causa uma força cega ou meros componentes físico-químicos. Além disso, a crença da
divindade é inerente ao homem. Tudo isso só encontra explicação no fato de o ser
humano ter sido criado à imagem e semelhança de um Deus santo e pessoal que
imprimiu nele algumas de suas marcas.

O argumento ontológico: Foi proposto inicialmente por Anselmo de Canterbury (c.


1033-1109). Parte da afirmação de que a crença em Deus é universal, sendo certo que
todo homem tem em si a ideia de um Ser Perfeito. Segundo Anselmo, se o homem
concebesse a ideia de um Ser Perfeito que não existe, esse ser não seria perfeito, dada
a sua inexistência. Logo, o Ser Perfeito deve existir. Esse argumento, além de confuso,
tem sido muito questionado no tocante à sua validade.

Os atributos de Deus
Um atributo é uma qualidade própria de um ser. Por atributos de Deus entendem-se
as propriedades que pertencem ao seu ser e que consequentemente o caracterizam. Seus
atributos são perfeições que lhe são atribuídas nas Escrituras e que podem ser
verificadas nas obras da criação, providência e redenção.
Como os atributos de Deus são vários, alguns estudiosos os dividem em dois
grupos: os atributos naturais e os atributos morais.

Os atributos naturais
São atributos ligados à existência de Deus, ou seja, àquilo que ele é em si mesmo.
Os atributos naturais são os seguintes:

Vida. Deus é um ser vivo. Ele pensa, sente e age. Sua vida é infinita. Ele jamais
morrerá (Jr 10.10; Mt 16.16; Jo 5.26; 1Ts 1.9).

Espiritualidade. Deus é Espírito. Ele não tem corpo, sendo, portanto, invisível (Dt
4.15; Jo 4.24; 1Tm 1.17).

Personalidade. Deus é pessoal. Isto não significa que ele existe em um corpo como as
pessoas comuns, mas sim que ele tem uma personalidade, sendo dotado de intelecto (ou
inteligência), emoções e vontade (Êx 4.14; Rm 8.28; 11.33-36; Ef 1.8-9).

Autoexistência. Deus existe por si mesmo. Ele não foi causado. Sua vida não provém
de nada que não seja ele mesmo. É necessário frisar também que ele não se autocriou
(Êx 3.14; Jo 5.26).

Eternidade. Deus não tem começo e nem fim. Ele existe e sempre existiu eternamente.
Ele está acima do tempo (Sl 90.2; Hb 1.10-12; Ap 1.8).

Onisciência. Deus conhece todas as coisas. Não há nada que ele possa ou tenha que
aprender. Seu conhecimento é infinito e completo (Is 40.28; Rm 11.33; Hb 4.13). Ele
sabe o que aconteceu, o que acontece, o que acontecerá e o que aconteceria (Sl 139.3-4;
Mt 11.21-23).

Onipotência. Deus tem poder ilimitado. Ele pode fazer tudo que deseja e que planejou
executar sem que nada o impeça ou dificulte suas ações (Jó 42.2; Jr 32.17; Sl 115.3; Mt
19.26). Entretanto, todo o seu poder é coerente com seu caráter santo e sua natureza
infinita. Desse modo, há coisas que Deus não pode fazer como mentir, morrer ou criar
um ser melhor que ele próprio (Tt 1.2; Hb 6.18).
Onipresença. Deus está presente em todos os lugares. Não se pode fugir de sua
presença. Isso não significa que Deus está contido em sua criação, mas, sim, que não
existe lugar algum em todo o universo onde ele não esteja (Sl 139.7-10; Jr 23.23-24).

Imutabilidade. Deus não muda. Ele permanece sempre o mesmo. Seu relacionamento
com as pessoas as transforma, mas ele mesmo nunca é transformado. De fato, nada lhe
pode ser acrescentado ou tirado. Sua imutabilidade é real porque ele é perfeito, não
havendo nada em seu ser que precise mudar (Sl 102.27; Ml 3.6; Tg 1.17).

Os atributos morais
São os atributos ligados ao caráter infinitamente imaculado de Deus. Podem ser
resumidos em dois:

Santidade. Deus é absolutamente santo. Ele está separado de tudo o que é mau e
impuro. Ele é perfeito, puro e íntegro em seu caráter (Is 6.3; 1Pe 1.15-16; 1Jo 1.5; Hb
6.18). A santidade de Deus se manifesta por meio de sua retidão, ou seja, ele faz e
exige o que é reto (Sl 25.8). Também por meio de sua justiça, que é a execução das
penalidades contra o pecado (Sl 11.4-7), a santidade de Deus se evidencia.

Amor. Deus ama suas criaturas. Ele se preocupa com o bem-estar delas. Movido pelo
amor, Deus sai em busca do homem e procura se relacionar com ele, mesmo quando
isso envolve sacrifício (Is 63.9; Jo 3.16; 1Jo 4.16). O amor de Deus se manifesta
também por meio de sua misericórdia, que é a disposição que tem de não aplicar a pena
que o pecado merece, e por meio da sua graça, que é a disposição que tem de dar
aquilo que o pecador não merece (Ef 2.8).

Outros importantes atributos de Deus são:

Soberania: Deus reina absoluto sobre todo o universo, governando-o com sua infinita
sabedoria e sem ter que oferecer explicações a ninguém acerca de seus atos (Jó 40.1-9;
Rm 9.20).

Liberdade: Sendo soberano e dono de tudo, Deus é livre para fazer o que quiser, sendo
impossível que ultrapasse seus “direitos”, uma vez que não há limites para sua
autoridade (Is 46.9-10; Rm 9.21).

Autossuficiência: Deus não precisa de nada nem de ninguém. Quando ele realiza ou
ordena algo, não o faz para suprir alguma necessidade sua, mas para manifestar
livremente seu amor, sabedoria, poder e graça aos homens (At 17.24-25).

A Trindade
Deus é um ser em três pessoas. Pai, Filho e Espírito Santo são pessoas distintas,
que se inter-relacionam numa única essência. Essa doutrina não pode ser entendida pela
lógica humana, mas é claramente ensinada na Bíblia que afirma a divindade do Pai (Ef
1.3), do Filho (1Jo 5.20) e do Espírito (At 5.3-4).
A doutrina da Trindade não deve ser entendida como triteísmo (a crença em três
deuses distintos), pois ainda que Deus seja tripessoal, a Bíblia afirma claramente que
ele é um só em essência ou substância (Dt 6.4; Tg 2.19).

Também não se deve pensar que as pessoas da Trindade sejam manifestações


diferentes de uma só pessoa divina (sabelianismo ou modalismo). Isso porque as três
pessoas, ainda que unidas em essência (Jo 10.30), são distintas entre si (Mt 3.16-17),
sendo certo que o Filho é eternamente gerado (unigênito) pelo Pai (Jo 1.14,18; 3.16,18)
e a ele se sujeita (Jo 5.19; 8.28; 12.49), enquanto o Espírito Santo procede somente do
Pai, mas é enviado tanto pelo Pai (Jo 14.16,26) como pelo Filho (Jo 15.26).
Sendo as três pessoas da Trindade iguais em divindade, tanto o Pai como o Filho e
o Espírito Santo devem ser igualmente adorados, cultuados, honrados invocados e
obedecidos (Mt 28.19; 1Co 8.6; 2Co 13.14; 2Tm 1.2; 1Jo 1.3).

Os nomes de Deus
A Bíblia, especialmente o Antigo Testamento, apresenta diversos nomes pelos quais
Deus é chamado. Cada um deles revela algo acerca do caráter ou das obras do Senhor.

EXEMPLO DE
NOME SIGNIFICADO
OCORRÊNCIA
Elohim Deus (alguém forte) Gn 1.1
Adonai Senhor (de tudo) Js 3.11
Yahweh EU SOU QUEM SOU Êx 3.14-15
El Shaddai Deus Todo-Poderoso Gn 17.1
El Elyon Deus Altíssimo Gn 14.18-22
El Olam Deus Eterno Is 40.28
Yahweh Jireh O Senhor proverá Gn 22.14
Yahweh Nissi O Senhor é minha bandeira Êx 17.15
Yahweh Shalom O Senhor é paz Jz 6.24
Yahweh Sabbaoth O Senhor dos exércitos 1Sm 1.3
Yahweh Meqaddishkem O Senhor que vos santifica Êx 31.13
Yahweh Tsidkenu O Senhor justiça nossa Jr 23.6
Os decretos de Deus
Decretos de Deus são seus planos e desígnios perfeitos, estabelecidos na
eternidade. Por meio deles o Senhor dirige soberanamente a história e realiza sua
vontade em todo o universo, atingindo, assim, seus propósitos santos (Ef 1.11).
Os decretos de Deus são impossíveis de ser frustrados (Jó 23.13-14; 42.2; Is 43.13;
46.10), sobrepõem-se aos propósitos humanos (Sl 33.10; Pv 19.21; Dn 4.35; Fp 2.13)
e, sendo perfeitos, não sofrem alterações (1Sm 15.29; Is 46. 10; Hb 6.17), subsistindo
para sempre (Sl 33.11).

A Bíblia ensina que os decretos de Deus envolvem “todas as coisas” (Ef 1.11), mas
é possível classificar as esferas de sua abrangência da seguinte maneira:

A criação: Tudo o que Deus criou está sujeito aos seus planos e cumpre o que ele
determina (Sl 148.1-10). Foi, inclusive, por seu decreto soberano que a natureza foi
submetida à vaidade (ou seja, foi condenada à uma existência fútil, fadada à
deterioração) até o dia da libertação dos crentes (Rm 8.20-21). De fato, nada acontece
em toda a criação sem a autorização suprema de Deus (Mt 10.29).

A história: O Senhor determinou os tempos de ascensão e queda de todos os povos e


também as regiões específicas que deveriam ocupar (Dt 32.8; At 17.26). Ele decretou
os atos cruéis da Assíria (Is 10.5-6) e a queda desse império por não reconhecer que
era só um instrumento nas mãos de Deus (Is 10.12-15). Ele decretou também a
destruição das nações pelos babilônios (Sf 3.8), predeterminou o castigo dos próprios
babilônios (Jr 25.11-14) e planejou a restauração de Jerusalém por meio de Ciro (Is
44.24-28; 46.11). As ações de Herodes, de Pôncio Pilatos, dos gentios e do povo de
Israel no trato com Jesus foram predeterminadas por Deus (At 4.27-28). Ele também
traçou a trajetória de expansão do cristianismo (At 16.6-10). O Senhor ainda decretou
que a história termine com a sujeição completa de todo o universo a Cristo (Ef 1.9-10).
Na verdade, as profecias do AT e os ensinos do NT acerca do futuro nada mais são do
que revelações dos decretos de Deus referentes à história universal.

O governo humano: Ainda que os diversos países sejam governados por homens e
sistemas legais injustos, é preciso reconhecer que os decretos de Deus também estão
por trás dos governos das nações, não havendo nenhuma autoridade política que não
tenha sido estabelecida pelo Senhor (Dn 2.21; Rm 13.1). Foi Deus quem deu autoridade
e poder a Faraó (Rm 9.17), a Nabucodonozor (Jr 27.4-8), a Ciro (Is 41.2-4; 45.1-7) e a
Pilatos (Jo 19.10-11), tudo com o objetivo de, por meio deles, cumprir os seus
decretos. Desse modo, ele, o Senhor, tem pleno domínio sobre o reino dos homens e o
dá a quem ele quer (Dn 4.17,25,32; 5.21), movendo o coração dos governantes de
acordo com seus propósitos às vezes misteriosos, mas sempre justos (Êx 9.12;
10.20,27; 11.10; 14.8; Ed 7.21-28; Pv 21.1).

A vida dos indivíduos: Os planos de Deus se realizam também na vida de cada


indivíduo, sendo ele quem decide formar pessoas fisicamente perfeitas (Sl 139.13-14)
e pessoas mudas, surdas e cegas (Êx 4.11; Jo 9.1-3). O Senhor também decretou os
limites da vida de cada um, fixando o número certo de seus dias (Jó 14.5; Mt 6.27) e
todos os detalhes da história de todos os seres humanos (Jó 23.13-15; Sl 138.8;
139.16), incluindo suas funções (Jr 1.5; Gl 1.15-16), suas capacitações (Dn 2.21), suas
experiências (At 22.14-15) e a forma como hão de morrer (Jo 21.18-19; At 1.15-20).
Deus age livremente e como bem entende na vida de todo e qualquer indivíduo, sempre
com o objetivo de realizar seus objetivos (Dn 4.35). Ele fez com que Sansão se
interessasse por uma moça filisteia a fim de cumprir seus planos contra os inimigos de
Israel (Jz 14.1-4). Ele impediu que os filhos de Eli ouvissem os conselhos do pai
porque queria matá-los (1Sm 2.25). Ele também decretou a traição de Judas revelando-
a de antemão na Escritura e usando o falso discípulo para cumprir as profecias sobre a
rejeição e morte do Messias (Mt 26.24; Jo 17.12; At 1.15-20).

A salvação: Os decretos de Deus abrangem a história, o meio e os alvos da salvação.


Na eternidade, ele planejou que seu Filho fosse morto como sacrifício pelo pecado (At
2.23; 1Pe 1.18-20) e que a oferta de salvação em Cristo fosse feita a todas as nações
(Lc 24.44-48). Ele também decretou quem seria salvo e quem seria destinado para a ira
(Pv 16.4; Rm 9.15-18,21-24; 1Pe 2.8). Essa decisão foi tomada antes dos tempos
eternos (Ef 1.4-5) com base em sua própria determinação e graça e não com base em
méritos pessoais (Ef 1.11; 2Tm 1.9). Ao homem não cabe questionar o decreto salvífico
de Deus, uma vez que ele tem o direito de ser gracioso com quem quiser e de endurecer
o coração de quem quiser (Is 63.17; Rm 9.18-21), sendo sempre justo em todas as suas
decisões (Rm 9.14). No cumprimento de seus santos desígnios, o Senhor também
decretou que uniria judeus e gentios num só corpo, a igreja (Ef 3.3-11) e que só um
remanescente de Israel seria salvo antes da vinda do Senhor (Rm 9.27; 11.5,25-26).

Ressalvas importantes
Os decretos de Deus não tornam os homens inocentes pelos males que
praticam. Os caldeus foram considerados culpados por sua maldade contra Judá (Hc
1.11), mesmo sendo o próprio Deus quem os levantou para realizar esses atos (Hc 1.6).
Da mesma forma, Herodes e Pôncio Pilatos pecaram quando conspiraram contra Jesus,
apesar de ter sido Deus quem decretou que agissem assim (At 4.27-28). O que se
depreende disso é que o decreto de Deus não anula o pecado dos perversos, nem torna
Deus culpado por suas más ações. Note-se que Jesus reprovou Judas mesmo sabendo
que ele, com sua traição, cumpriu o decreto divino (Mt 26.24). Pedro, por sua vez,
criticou os judeus de Jerusalém por matarem Jesus, mesmo sabendo que isso tinha sido
preestabelecido por Deus (At 2.23). A maneira como Deus decreta o mal sem se tornar
culpado e sem remover a culpa dos perversos não é revelada na Escritura, estando além
da compreensão humana. Trata-se de um dos muitos mistérios que permanecem
escondidos na mente insondável do Senhor (Dt 29.29) e que deve estimular a
humildade, a fé e a adoração, e nunca a rebelião ou o inconformismo (Rm 11.33-36).
Os decretos de Deus não podem ser alterados pelas orações dos homens. Textos
que dão a impressão de que Deus mudou de plano por causa da intercessão de alguém
(e.g., Êx 32.9-14) devem ser entendidos no sentido de que a aparente mudança no
desejo do Senhor já estava fixada em seus planos pré-estabelecidos, sendo a própria
oração parte integrante desses planos. É por isso que, mesmo sabendo que Deus já tem
tudo planejado, o crente deve orar. Passagens bíblicas como 2Samuel 7.27-29, Daniel
9.2-3 e Apocalipse 22.20 mostram pessoas orando mesmo depois de Deus ter revelado
o que já tinha planejado fazer.

Os decretos de Deus relativos à salvação não devem desencorajar o


evangelismo. Deus não somente decretou quem seria salvo, mas também determinou
que os seus eleitos fossem alcançados por meio da pregação (1Co 1.21). Assim, uma
vez que o crente não sabe quem é eleito, é seu dever pregar a todos. Ademais, é preciso
destacar que o decreto eletivo de Deus é, na verdade, um estímulo ao evangelismo, uma
vez que fornece a garantia do seu sucesso. De fato, uma vez que é certo que os
escolhidos atenderão ao convite do evangelho (Jo 10.16; At 13.48), os crentes devem
se sentir encorajados a proclamar com empenho as boas-novas. Note-se que em Atos
18.9-10 foi a certeza de que havia eleitos de Deus em Corinto que motivou Paulo a
perseverar no trabalho de evangelização daquela terrível cidade.
CUIDADO! VENENO!
Ateísmo materialista: Nega a existência de Deus e de qualquer realidade
espiritual. Para os ateus, o universo, as leis que o regem, a matéria e a vida vieram à
existência pelo acaso. Na concepção ateísta mais inflexível, a crença em Deus é
perigosa, pois gera intolerância, sendo a base de todas as guerras religiosas e de
inúmeros abusos e crueldades praticados pelos homens ao longo da história. Muitos
ateus também afirmam que a crença em Deus é apenas um instrumento de dominação
utilizado por uma minoria a fim de incutir temor nas massas e, assim, obter obediência
servil.

Panteísmo: De acordo com essa concepção, Deus tem um pólo espiritual e um pólo
material. O universo físico é o pólo material de Deus. Assim, Deus é tudo e tudo é
Deus. O panteísmo nega a realidade de um Deus pessoal e criador. É acolhido pelas
religiões orientais como o hinduísmo e o budismo. No ocidente, sua maior expressão se
encontra nas seitas de Nova Era.

Teologia do Processo: Concebe toda a realidade como um processo em


desenvolvimento do qual Deus faz parte. Nesse processo Deus se aperfeiçoa e aprende,
sofrendo constantes mudanças enquanto tenta influenciar o mundo e é influenciado por
ele. Os homens, uma vez que têm livre-arbítrio, podem resistir a Deus e frustrá-lo na
realização de seus ideais, fazendo-o sofrer. Essa vertente doutrinária ensina ainda que
Deus não realiza intervenções sobrenaturais na história e nem conhece o futuro, pois
este depende das decisões livres dos indivíduos. No tocante ao problema do mal, a
Teologia do Processo afirma que Deus não pode impedir a maldade e o sofrimento já
que não direciona as ações das pessoas. Tudo o que ele pode fazer é agir como um
companheiro que entende a angústia e a dor.

Teísmo Aberto: Deus abriu mão de sua soberania e não interfere na história de
modo decisivo, nem tem o controle meticuloso do universo, pois isso anularia a
liberdade do ser humano. Assim, para o teísmo aberto não existe predestinação nem
qualquer decreto divino que seja imposto ao homem. Na verdade, Deus sequer conhece
o futuro plenamente, estando este em aberto.
Unitarismo e unicismo: O unitarismo nega a Trindade, rejeitando a divindade do
Filho e do Espírito. Já o unicismo, também conhecido como modalismo ou
sabelianismo, afirma que na Trindade só existe um núcleo pessoal que é o Pai
(monarquianismo), sendo o Filho e o Espírito Santo apenas modos distintos como o Pai
se manifesta. As Testemunhas de Jeová são um exemplo de seita unitarista. Movimentos
unicistas atuais são a Igreja Pentecostal Unida do Brasil; o Ministério Voz da Verdade,
o Tabernáculo da Fé e a Igreja Local, ligada ao ministério Árvore da Vida.

Concepções populares: Deus é concebido como um ser supremo, porém distante,


não se importando com os detalhes da vida humana ou com o modo como as pessoas
vivem. Esse “deus” não reprova praticamente nada, exceto os desvios que o senso
comum também reprova (crimes, abusos, etc.) ou as injustiças que a pessoa acredita
que foram feitas contra ela. Eventualmente pode ser invocado, especialmente quando o
suplicante passa por algum problema mais sério. Esse deus imaginário não requer
adoração, honra ou santidade das pessoas. É mais uma projeção mental a que os
homens recorrem para experimentar algum alívio em dias de desespero.
CAPÍTULO 3
A DOUTRINA ACERCA DE CRISTO
(Cristologia)

Fiéis aos santos padres, todos nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve
confessar um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à divindade,
e perfeito quanto à humanidade, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem (...);
em todas as coisas semelhante a nós, excetuando o pecado.

Definição de Calcedônia (451)

Introdução
A figura de Jesus de Nazaré é, sem dúvida, a mais notável de toda a história. Sua
grandeza, porém, estimulou a mente humana a criar diferentes conceitos e teorias acerca
do filho do carpinteiro que, com sua mensagem e obra, mudou o mundo inteiro.
Foi assim que filosofias e seitas estranhas surgiram ao longo dos séculos fazendo
ousadas asseverações sobre Jesus, muitas vezes desprezando o que ele próprio disse de
si mesmo ou o que os seus discípulos afirmaram acerca dele. A proliferação dessas
seitas e teorias afastou muitas pessoas da verdade acerca de Cristo proclamada pela
igreja com base no testemunho da Bíblia.
Essa verdade consiste, basicamente, da afirmação de que Jesus Cristo é o Filho de
Deus, Deus-homem, impecável, que morreu em lugar do ser humano a fim de que, pelo
seu sacrifício, o homem recebesse remissão dos pecados (Ef 1.7).
Os cristãos creem ainda que Jesus Cristo ressuscitou dentre os mortos ao terceiro
dia e hoje está vivo, sustentando o universo (Cl 1.17; Hb 1.3), intercedendo a favor dos
crentes (Hb 7.25) e aguardando a chegada do dia fixado para sua volta (At 1.11).
Os crentes ensinam que as pessoas devem abandonar os conceitos errados que as
seitas e filosofias criaram sobre o filho de Deus e, então, acolher a cristologia ortodoxa
fundamentada nas Escrituras. Isso porque aquilo que o homem pensa acerca de Jesus é
de máxima importância tanto para a vida presente como a futura. Na verdade, a Bíblia
deixa claro que o fato de uma pessoa crer ou não em Cristo conforme pregado pelos
apóstolos da Bíblia é fator determinante do lugar onde ela passará a eternidade (Jo
3.36).
A pessoa de Cristo
Jesus Cristo é Deus-homem. Isto significa que ele tem duas naturezas: a humana e a
divina. No decorrer dos séculos muitos teólogos se reuniram para discutir esse assunto.
Os principais concílios que trataram desse tema ao tempo da igreja antiga foram:

Niceia (325): Defendeu a divindade de Cristo contra o herege Ário de


Alexandria que negava a eternidade de Jesus.
Constantinopla (381): Defendeu a plena humanidade de Jesus contra
Apolinário que dizia que em Cristo o Verbo havia tomado o lugar da alma
humana.
Éfeso (431): Defendeu a cristologia ortodoxa contra Nestor que defendia a
existência de duas pessoas em Cristo em vez de duas naturezas.
Calcedônia (451): Negou a doutrina de Êutiques que afirmava que em Cristo
as duas naturezas se fundiram numa só (monofisismo).

Sob a luz da Bíblia, os teólogos reunidos nesses concílios concluíram que Jesus
Cristo é perfeitamente humano e plenamente divino, sendo que essas duas naturezas
estão presentes numa só pessoa. A isso se dá o nome de União Hipostática. Este é um
dos grandes mistérios da fé cristã e, de conformidade com Mateus 16.13-17, é
necessária a intervenção de Deus para que alguém admita o conceito correto sobre
Jesus.
Veja-se a seguir os fatores e os textos bíblicos que mostram que Jesus é tanto
humano como divino.

Provas da real humanidade de Jesus


1. Ele teve um nascimento humano (Mt 1.18; Rm 9.5; Gl 4.4).
2. Ele veio da descendência de Davi (Lc 1.31-33; Rm 1.3).
3. Ele cresceu e se desenvolveu naturalmente (Lc 2.40,52).
4. Ele tem um corpo físico bem como uma alma humana (Mt 26.12; Lc 23.46; Jo
12.27; 1Jo 1.1).
5. Ele era sujeito a limitações físicas (Mt 21.18; Lc 22.44; Jo 4.6).

Provas da plena divindade de Jesus


1. Há nomes divinos que lhe são atribuídos (At 9.17; Rm 9.5; Hb 1.8; Ap 1.17
cp. 1.7-8).
2. Ele pode ser invocado e adorado como Deus (Mt 14.33; 1Co 1.2; Hb 1.6).
3. A ele são atribuídas obras divinas (Jo 1.3; Cl 1.16-17).
4. Ele pode perdoar pecados (Mc 2.5-11).
5. Ele pode dar a vida eterna (Jo 10.28; 17.1-2).
6. Ele é onipresente (Mt 18.20; 28.20; Jo 1.48).
7. Afirmações do Antigo Testamento a respeito de Deus são reconhecidas como
referentes a Jesus no Novo Testamento (Sl 102.24-27 cp. Hb 1.10-12; Is 6.1,10 cp.
Jo 12.40-41; Is 60.19 cp. Lc 2.32; Jr 17.10 cp. Ap 2.18,23).
8. O nome de Jesus é associado de maneira especial ao nome de Deus Pai e ao
Espírito Santo (2Co 13.13 [ou v. 14 - NVI]; Tg 1.1).

Fica claro, portanto, que Jesus Cristo é totalmente homem (1Tm 2.5) e totalmente Deus
(1Jo 5.20) em uma só pessoa (Rm 9.5).
A preexistência de Cristo
Fortemente relacionado à divindade de Cristo está o ensino acerca da sua
preexistência e eternidade. Os textos que servem de base para essa doutrina são:
Miqueias 5.2; Isaías 9.6; João 1.1-3; 8.56-58; Colossenses 1.17 e Hebreus 1.8.

O caráter de Jesus
A seguir são listados alguns aspectos do caráter de Jesus:

Santidade. Ele é sem pecado (Jo 8.46; Hb 4.15; 1Jo 3.5) e absolutamente puro (Jo 8.12
cf. 1Jo 1.5; 1Jo 3.3).

Amor. Inúmeras passagens bíblicas falam a respeito do amor de Jesus, bem como de
seus objetos: o Pai (Jo 14.31); a igreja (Ef 5.25); os crentes em particular (Jo 14.21; Gl
2.20); e os seus inimigos (Lc 23.34).

Mansidão. Jesus era manso, isto é, mantinha uma atitude contrária à aspereza. Ele
tratava as pessoas com brandura e docilidade (Mt 11.29; Lc 23.34; 2Co 10.1; 1Pe
2.23). Isso não significa, porém, que eventualmente não lidasse com o pecado de forma
severa e rigorosa (Mt 23.33; Lc 13.32; Jo 2.14-16; Ap 19.11-16).

Humildade. Jesus não era arrogante ou orgulhoso. Sua humildade é expressa, inclusive,
no modo como ele se submeteu ao Pai e dependeu dele (Mt 11.29; Jo 13.4-5; Fp 2.5-8).
A obra de Cristo
O autoesvaziamento de Cristo
O autoesvaziamento ou kenosis de Cristo é uma expressão que aponta para a
disposição humilde presente no Senhor de abrir mão voluntariamente da sua glória
celestial enquanto esteve neste mundo, assumindo assim a forma de servo e sendo
obediente até à morte, tudo por amor aos perdidos (Hb 12.2).
O texto principal acerca da kenosis é Filipenses 2.5-8. Note-se que esse ensino é
uma das principais bases doutrinárias para a unidade cristã e para a convivência
humilde, pacífica e não egoísta entre os membros da igreja de Deus (Fp 2.2-5).

A obra redentora de Jesus Cristo


A obra redentora de Cristo envolve especialmente sua morte e ressurreição (1Co
15.3-4). A Bíblia ensina que a morte de Cristo abrangeu diversos aspectos, conforme
mostra o quadro a seguir:

QUALIDADE SIGNIFICADO BASE BÍBLICA


Predeterminada Planejada com antecedência Lc 22.22; At 2.23; 4.27-28
Voluntária Por livre escolha Jo 10.17-18
Vicária Em favor dos outros 1Pe 3.18
Sacrificial Como sacrifício pelo pecado 1Co 5.7
Expiatória Como consequência da culpa Gl 3.13
Propiciatória Satisfez as exigências de Deus 1Jo 2.2; 4.10
Redentora Resgatou por meio de pagamento Mt 20.28
Substitutiva Em lugar de outros 1Pe 2.24

Após morrer e ser sepultado, Jesus ressuscitou dentre os mortos. A ressurreição do


Senhor é um ensino central da fé cristã. Sua negação implica a destruição completa do
cristianismo (1Co 15.14-19).

A seguir, são alistados alguns resultados que a ressurreição de Cristo produziu:

● Confirmou a divindade de Jesus (Rm 1.4).


● Serviu como garantia da justificação dos crentes (Rm 4.25).
● Forneceu uma base para a certeza da ressurreição futura dos cristãos (1Co 15.20;
2Co 4.14).

O texto bíblico clássico acerca da ressurreição, tanto de Cristo como dos crentes, é
1Coríntios 15.

A ascensão de Cristo e seu ministério presente


Após ressuscitar, Cristo foi assunto aos céus física e visivelmente, fatores que
mostram o padrão que marcará também a sua segunda vinda (At 1.9-11).
Nas alturas, o Senhor se assentou à direita de Deus (Hb 1.3-4; Cl 3.1), aguardando
o dia designado para seu retorno a este mundo (At 2.34-35)e realizando as seguintes
obras:
Ministração sacerdotal em prol da igreja, compadecendo-se dela (Hb 4.14-16) e
intercedendo por ela (Rm 8.34; Hb 7.25; 1Jo 2.1).
Concessão de dons ao seu povo (Ef 4.8-11).
Exercício da soberania sobre a igreja e sobre todo o universo físico e espiritual (Ef
1.20-23; Fp 2.9-11; 1Pe 3.22).
Sustentação da criação (Cl 1.17).

QUADRO DAS PRINCIPAIS PROFECIAS JÁ


CUMPRIDAS SOBRE JESUS
TEXTOS CUMPRIMENTO
PROFECIAS
DO AT NO NT
Ele teria um
Is 40.3 Mt 3.3
predecessor
Ele viria como um
Is 9.6 Lc 2.6-7; Gl 4.4
menino
Ele nasceria de uma
Is 7.14 Mt 1.22-23
virgem
Ele seria da linhagem 2Sm 7.12-
Mt 1.1
davídica 16
Ele nasceria em Belém Mq 5.2 Mt 2.5-6
Ele iria para o Egito Os 11.1 Mt 2.14-15
Ele moraria em
Is 9.1-2 Mt 4.13-16
Cafarnaum
Ele teria um ministério
Is 61.1-2 Lc 4.17-21
de consolo e libertação
Ele teria um ministério
Is 53.4 Mt 8.16-17
de curas
Ele evitaria alardear seu
Is 42.1-4 Mt 12.16-20
ministério
Ele ensinaria por
Sl 78.2 Mt 13.34-35
parábolas
Ele entraria em
Jerusalém montado num Zc 9.9 Mt 21.1-9
jumento
Ele seria traído por
Jo 13.18; 17.12; At
alguém bem próximo Sl 41.9
1.16
dele
Ele seria entregue por Zc 11.12-
Mt 26.15; 27.9-10
30 moedas de prata 13
Ele seria rejeitado e
Is 53.3 Mt 27.15-31
humilhado
Ele teria as mãos e os
Sl 22.16 Jo 20.25
pés perfurados
Ele seria traspassado Zc 12.10 Jo 19.33-37
Seus ossos não seriam
Sl 34.20 Jo 19.33-37
quebrados
Repartiriam suas vestes
Mt 27.35; Jo
e lançariam sortes sobre Sl 22.18
19.23-24
elas
Ele seria ferido em sua
Gn 3.15 Cl 2.15
obra de derrotar Satanás
Ele clamaria ao Pai na
Sl 22.1 Mt 27.46
hora da morte
Ele morreria entre
Is 53.12 Mc 15.27-28
malfeitores
Seu sepultamento seria
Is 53.9 Mt 27.57-60
provido por um rico
Ele ressuscitaria e veria Is 53.10-
Lc 24.34-48
o resultado de sua obra 11
Famílias de toda a terra
seriam abençoadas por
Gn 12.3 Gl 3.8,14,29
meio dele como o
descendente de Abraão

As inúmeras profecias relacionadas ao reinado terreno de Cristo (milênio) só terão


cumprimento em sua segunda vinda. Entre essas profecias, pode-se alistar as seguintes:

1. Ele matará o Anticristo e seus seguidores antes de estabelecer seu reino


milenar (Zc 14.12-15; 2Ts 2.8; Ap 19.11-21).
2. Ele se colocará sobre o Monte das Oliveiras provendo livramento para
Jerusalém invadida (Zc 14.1-5).
3. Ele será chorado pela nação de Israel que se converterá a ele (Zc 12.9-10; Mt
23.37-39; Rm 11.25-26).
4. Ele julgará as nações separando os bodes das ovelhas e definindo, assim,
quem entrará no reino (Mt 25.31-46).
5. Ele se assentará sobre o trono de Davi (Is 9.6-7; Lc 1.32-33).
6. Ele reinará em Jerusalém que desfrutará de paz perfeita (Zc 14.11).
7. Ele inaugurará um reino mundial de paz, de justiça e de conhecimento do
Senhor (Is 2.2-4; 11.4-10; Zc 14.9,16).
8. Ele governará em meio a fartura e prosperidade (Gn 49.10-12).
9. Ele reinará por mil anos (Ap 20.1-6).
10. Ele entregará o reino ao Pai (1Co 15.24,28).
11. Ele fará novos céus e nova terra (Ap 21.1,5-6).
12. Ele se assentará para sempre ao lado do Pai na Nova Jerusalém (Ap 22.3).
CUIDADO! VENENO!
Liberalismo teológico: Ensina que Jesus se aproximou ao máximo do ideal divino
para a humanidade, mas que não pode ser considerado Deus manifesto em forma
humana. Sua personalidade sublime e singular incutiu em seus seguidores a crença no
“Cristo da fé” capaz de grandes milagres e, nesse aspecto, muito diferente do Jesus
histórico. Sua ressurreição foi apenas um mito e não um evento ocorrido no tempo e no
espaço.

Espiritismo: Defende que Cristo não é o Filho de Deus encarnado que veio ao
mundo para salvar o homem do pecado e da perdição (o espiritismo não acredita em
céu e inferno). Segundo os espíritas, Jesus é somente um espírito mais evoluído que
serve de guia para as pessoas, sendo que todos podem chegar ao mesmo nível dele,
evoluindo por meio de sucessivas reencarnações. Surpreendentemente, os espíritas
afirmam que suas doutrinas são baseadas nos ensinos de Jesus!

Testemunhas de Jeová: Afirmam que Jesus não é divino, mas sim uma criatura
especial de Deus. De acordo com essa seita, a criação de Jesus ocorreu antes de todas
as coisas e ele viveu como uma criatura espiritual no céu até o dia em que nasceu em
Belém. Os mestres dessa religião ensinam que Jesus morreu e ressuscitou para resgatar
o homem, mas seu sacrifício foi somente humano. Por não crerem que Jesus é Deus, as
Testemunhas de Jeová não o adoram.

Religiões orientais e Nova Era: Creem na divindade de todos os homens (e de


tudo o mais que existe no universo). Logo, para essas seitas não existe diferença
essencial entre Jesus e os outros seres humanos. Dizem ainda que Cristo foi mais um
mestre iluminado, assim como muitos outros, e que ele tinha consciência de sua
divindade, algo que todas as pessoas deveriam ter. Muitos adeptos das religiões de
Nova Era dizem que Jesus passou seus anos de obscuridade na Índia ou no Tibet,
adquirindo “iluminação” junto aos monges budistas.
CAPÍTULO 4

A DOUTRINA ACERCA DO
ESPÍRITO SANTO
(Pneumatologia)
Cremos (...) no Espírito Santo, Senhor e vivificador, que procede do Pai, que com o Pai e
o Filho conjuntamente é adorado e glorificado, que falou através dos profetas.
Credo Niceno-Constantinopolitano

Introdução
A doutrina acerca do Espírito Santo talvez seja uma das áreas mais debatidas da
teologia cristã, sendo também o campo em que, na prática, a igreja tem cometido seus
maiores erros e excessos. Definições confusas e obscuras, interpretações bíblicas
intuitivas, valorização da experiência mais do que do testemunho bíblico, apego a
costumes e tradições, tudo isso tem contribuído para a construção de uma
pneumatologia defeituosa, bem distante do ensino apostólico.
Obviamente, os desvios nessa área têm gerado consequências desastrosas, tanto
para a vida pessoal dos crentes, como para as igrejas locais na realização de seus atos
de adoração, serviço e proclamação, o que impõe a necessidade de estudo mais sério e
de francas correções.
O material que segue visa atender um pouco a essa necessidade, protegendo o
estudante da Bíblia dos desvios tão comuns com que o povo de Deus se depara quando
ouve falar sobre a pessoa e obra do Espírito Santo. Neste capítulo, o cristão encontrará
também ferramentas para desenvolver uma pneumatologia sadia e propagá-la a seus
irmãos de fé.

A personalidade do Espírito Santo


O Espírito Santo não é uma força impessoal, conforme dizem algumas seitas. Ele
tem personalidade, ou seja, tem inteligência (Rm 8.27; 1Co 2.10-11), emoções (Is
63.10; Ef 4.30) e vontade (1Co 12.11).
Há outros fatores que demonstram a personalidade do Espírito:
1. É possível blasfemar contra ele (Mt 12.31-32).
2. Ele ensina os crentes (Jo 14.26).
3. É possível mentir para ele (At 5.3).
4. Ele guia os crentes (Rm 8.14).
5. Ele testifica aos crentes (Rm 8.16)
6. Ele intercede pelos crentes (Rm 8.26).
7. Ele fala aos crentes (Ap 2.7)

Os itens dessa lista mostram os diferentes aspectos próprios da personalidade do


Espírito Santo. Suas emoções e intelecto se expressam, por exemplo, quando ele se
entristece. Sua intercessão em favor dos crentes é evidência de sensibilidade
(emoções) e vontade. Sua atividade de ensinar, guiar, falar e distribuir dons aos crentes
demonstra que ele tem vontade e inteligência. Note-se ainda que a possibilidade de
uma pessoa mentir e blasfemar contra ele mostra que o Espírito não é algo, mas
alguém!
A doutrina da personalidade do Espírito Santo é de importância vital. Sua negação
implica, entre outras coisas, a rejeição da divindade do Espírito e, consequentemente, a
negação da doutrina da Trindade.
A divindade do Espírito Santo
A Bíblia ensina que o Espírito Santo é divino, sendo uma das pessoas da Trindade.
As provas bíblicas da divindade do Espírito são as seguintes:

1. Ele é chamado como Deus (At 5.3-4; 2Co 3.17).

2. Ele tem atributos divinos:

Eternidade (Hb 9.14).


Onipresença (Sl 139.7-10).
Onipotência (Lc 1.35).
Onisciência (1Co 2.10-11).

3. Ele realiza obras divinas:

Criação (Gn 1.2; Jó 33.4).


Transmissão de vida (Rm 8.11).
Autoria da profecia divina (2Pe 1.20-21).

4. Ele é identificado como Deus (Is 6.8-10 cp. At 28.25-27).

5. Ele tem o seu nome associado ao nome do Pai e do Filho (Mt 28.19; 2Co
13.13 [ou v. 14 – NVI]).
O modo como o Espírito Santo é chamado nas Escrituras também demonstra sua
personalidade e divindade. Veja-se o quadro a seguir:

Espírito de vosso Pai Mateus 10.20


Espírito de Deus Mateus 12.28
Espírito do Deus vivo 2Coríntios 3.3
Espírito do Senhor Lucas 4.18; Atos
5.9
Espírito da verdade João 14.17; 15.26;
16.13
Espírito de Cristo Romanos 8.9;
1Pedro 1.11
Espírito de Jesus Atos 16.7
Espírito de Jesus Cristo Filipenses 1.19
Espírito de seu Filho Gálatas 4.6
Espírito Santo da Efésios 1.13
promessa
Espírito que provém de 1Coríntios 2.12
Deus
Espírito eterno Hebreus 9.14
Espírito da graça Hebreus 10.29
Espírito que em nós Tiago 4.5
habita
Espírito da glória e de 1Pedro 4.14
Deus
Espírito de sabedoria,
entendimento, conselho,
Isaías 11.2
poder, conhecimento e
temor do Senhor
Senhor 2Coríntios 3.18
Consolador João 14.26; 15.26

A obra do Espírito Santo nos crentes


A Bíblia apresenta a obra do Espírito Santo nos crentes sob diferentes aspectos, a
saber:

Regeneração. Regenerar significa gerar novamente. Para que alguém se torne filho de
Deus (Jo 1.12) é necessário que nasça de novo, sendo gerado pelo Espírito Santo (Jo
3.3-6). A regeneração é necessária porque o homem, desde a Queda, é totalmente
depravado e, por isso, não lhe basta uma reforma. Ele precisa ser feito uma nova criatura
(2Co 5.17).

Batismo. Conforme se depreende de 1Coríntios 12.12-13, o batismo do Espírito Santo


é, basicamente, a inserção da pessoa no corpo místico de Cristo que é a igreja. A Bíblia
diz que é o próprio Cristo quem realiza esse batismo (Jo 1.33). Isso ocorre no momento
da conversão da pessoa. Assim, o crente não precisa buscar o batismo do Espírito
Santo, pois já o recebeu quando creu em Cristo como seu salvador (Rm 8.9). É preciso
dizer ainda que a ideia de que o batismo do Espírito Santo deve ser acompanhado do
falar em línguas é fantasiosa. Em Corinto, todos eram batizados no Espírito (1Co
12.13), mas nem todos falavam em outras línguas (1Co 12.30).
Habitação. Também a partir do momento da conversão, o Espírito Santo passa a
habitar permanentemente no crente, seja qual for o nível de seu crescimento ou
maturidade (At 19.1-2; 1Co 6.19). Essa realidade confere ao crente segurança e paz
(Rm 8.14-16). Ademais, de acordo com Paulo, a habitação do Espírito transforma o
corpo do crente num templo santo, devendo o cristão, por isso, evitar fazer uso
pecaminoso dos seus membros (1Co 6.15-20). Ao que tudo indica, a habitação
permanente do Espírito não era privilégio dado aos santos do AT (1Sm 16.13-14; Sl
51.11). Por outro lado, Pedro parece dizer que o Espírito estava nos profetas de forma
constante (1Pe 1.11). Seja como for, João ensina que uma mudança ocorreu em algum
aspecto na forma como o Espírito passou a ser dado aos crentes depois que o Senhor
foi glorificado (Jo 7.38-39. Vd. Tb. Cl 1.26-27).
Selo. Relacionado à doutrina da habitação permanente do Espírito Santo no crente, há o
ensino bíblico do selo do Espírito (Ef 1.13-14). De acordo com esse ensino, o Espírito
Santo atua como um selo de propriedade de Deus no crente, a partir da sua conversão.
Esse selo permanecerá em cada cristão até o dia em que o Senhor vier resgatar sua
propriedade. Trata-se, portanto, de um penhor ou garantia de que Deus completará a
obra de salvação que começou em cada cristão. A doutrina do selo do Espírito é, assim,
uma das mais claras evidências de que o crente não pode perder sua salvação.

Plenitude. A plenitude do Espírito Santo diz respeito ao controle que o Espírito deve
exercer sobre a vida do crente. Na Bíblia é possível observar dois tipos distintos de
plenitude espiritual. Há a plenitude ocasional, experimentada somente por alguns
instantes, em ocasiões específicas ou para fins determinados (At 4.8,31), e a plenitude
vivencial que aponta para um estilo de vida em que a pessoa se deixa dominar pela
influência do Espírito no seu dia a dia (Ef 5.18-20). Nesse segundo sentido em
particular, estar cheio do Espírito deve ser o estado comum de cada cristão (At 6.3).
Fruto. O fruto do Espírito é o conjunto de virtudes que ele produz no crente (Gl 5.22-
23). Os vários aspectos desse “fruto” são qualidades do caráter de Jesus desenvolvidas
no cristão na medida em que ele se deixa controlar pelo Espírito Santo (Gl 5.16). Vê-
se, assim, que o fruto do Espírito na vida de alguém é evidência clara e resultado óbvio
de sua plenitude.

Os dons do Espírito Santo


Os dons do Espírito Santo, seu significado e continuidade, estão entre os temas
mais debatidos dentro do contexto evangélico. É nesse campo que ocorrem os maiores
excessos na forma de agir de muitos crentes e é também por causa dessa discussão que
terríveis divisões acontecem nas igrejas.
De tudo isso decorre a necessidade de entender bem o que são os dons do Espírito
Santo, bem como seu propósito, duração e forma de funcionamento. De fato, a história
já demonstrou satisfatoriamente que a má compreensão desses assuntos traz prejuízos
desastrosos para o povo de Deus, precisamente num campo que deveria promover
unidade e edificação (1Pe 4.10-11).

Os dons alistados na Carta aos Romanos


Essa lista se encontra em Romanos 12.6-8 e é composta por sete itens.

Profecia: O profeta era alguém que recebia revelações diretas de Deus e as transmitia
aos homens de forma inerrante e infalível. No NT, as revelações proféticas eram
predominantemente doutrinárias, ou seja, os profetas revelavam verdades divinas
ocultas de outras gerações. Essas verdades eram também chamadas de mistérios (Ef
3.4-5). Só mui raramente os profetas traziam revelações sobre o futuro ou sobre a vida
particular de alguém e, ao que parece, só o faziam quando o que era revelado tinha forte
impacto sobre a igreja como um todo (At 11.28; 21.10-11). Os profetas tinham como
função primária lançar as bases doutrinárias, éticas e funcionais da igreja (Ef 2.20).
Como essas bases foram todas lançadas nos tempos dos apóstolos, os profetas
deixaram de existir já no fim do século I. O dom de profecia, portanto, não existe mais.

Serviço: É possível que esse dom abranja a habilidade dada por Deus de realizar bem
aqueles trabalhos que são considerados inferiores pelas pessoas em geral. Nem todos
são capazes de fazer esses serviços com qualidade. Por isso, Deus dotou alguns homens
e mulheres da igreja com uma capacidade especial para realizar tarefas dessa natureza
em favor dos santos.

Ensino: Trata-se da capacidade de transmitir a verdade de Deus à igreja com clareza e


autoridade, promovendo sua edificação e amadurecimento. Por meio dos mestres, a
igreja é protegida das falsas doutrinas e adquire base teológica para viver com retidão
e santidade.

Exortação: Esse dom abrange o trabalho de consolar, animar e encorajar. Os cristãos


geralmente são abalados não somente pelos problemas comuns da vida, mas também
por ataques e dificuldades que lhes sobrevêm por causa da fé. Por isso, para que seu
povo não fique à mercê do conselho de incrédulos, o Senhor concede esse dom a alguns
crentes, a fim de que os santos encontrem neles amparo, alívio e amizade.

Contribuição: A referência aqui é à tarefa de distribuir. Sendo a igreja de Cristo


formada por muitas pessoas pobres, há entre os santos aqueles cujo coração Deus dotou
com a disposição constante de assistir os necessitados. Paulo diz que essas pessoas
devem fazer isso generosamente. Outrossim, os crentes que têm esse dom devem se
vigiar para que, no seu exercício, não sejam levados pelo desejo de ser admirados
pelos homens (Mt 6.1).
Liderança: A prática desse dom envolve a administração de recursos da igreja e a
direção geral da comunidade cristã local. A igreja não foi deixada por Deus à mercê
das preferências de cada membro, pois isso a lançaria na desordem total (Jz 17.5-6).
Antes, o Senhor lhe concedeu pessoas capazes de liderá-la, apontando seus alvos e o
modo como devem ser atingidos. De acordo com Paulo, os líderes devem realizar seu
trabalho com toda diligência, zelando para que seu dom não seja negligenciado.

Misericórdia: A pessoa que tem esse dom se vê disposta a mostrar favor a seus irmãos
que sofrem por causa de doenças, perdas, decepções e tragédias. Por se tratar de uma
tarefa pesada e, às vezes, bastante desagradável, pode acontecer de algum crente ter
esse dom e passar a exercê-lo com pesar. Por isso, Paulo diz que os irmãos que têm o
dom de misericórdia devem exercê-lo com alegria.

Entre os dons alistados aqui somente o de profecia não existe mais. Com efeito, não
há nenhum indício ou razão na Escritura para afirmar que os demais também deixaram
de existir. Na verdade, o próprio viver diário da igreja mostra sua permanência viva
até os dias de hoje.

Os dons alistados na Primeira Carta aos Coríntios


A Primeira Carta de Paulo aos Coríntios traz a maior lista de dons espirituais do
Novo Testamento. São nove no total e se encontram em 1Coríntios 12.8-10. Em
1Coríntios 12.28 há outra pequena lista que repete em parte o que é alistado nos vv.8-
10, além de mencionar alguns dons citados nas listas de Romanos e de Efésios.

Palavra de sabedoria: A pessoa que tem esse dom diz palavras de sabedoria divina em
contraste com os indivíduos que promulgam filosofias vãs ou palavras de sabedoria
humana (1Co 2.6-7,13; 3.19). Os temas centrais abordados por quem tem o dom da
palavra de sabedoria são a graça de Deus (2Co 1.12) e, especialmente, a cruz de Cristo
(1Co 1.17,23-24). Esse dom, portanto, é fundamental para quem exerce o trabalho de
evangelismo (1Co 1.17; 2.1). Num sentido mais estrito, a palavra de sabedoria também
abrange a revelação de mistérios doutrinários trazidos à luz no tempo do Novo
Testamento pelos apóstolos (1Co 2.7-13). Nesse sentido estrito, a palavra de sabedoria
não existe mais, permanecendo apenas a sua expressão geral, ou seja, a capacidade de
interpretar a realidade à luz da graça e da cruz do Senhor, expondo isso verbalmente
aos outros no evangelismo e no ensino da igreja.

Palavra de conhecimento: É difícil saber o que Paulo tinha em mente quando fez
distinção entre a palavra de sabedoria e a palavra de conhecimento. Porém, parece
correto que a palavra de conhecimento se relaciona ao modo como se deve agir na
prática da vida cristã. Se for esse o caso, esse dom é útil para conduzir a igreja ao
crescimento na compreensão da sã doutrina, a fim de fazê-la abandonar
comportamentos imaturos ou errados (1Co 8.7; 15.33-34).

Fé: Não se trata da fé salvadora, pois essa fé é um dom dado a todos os crentes (Ef
2.8). O dom da fé aqui mencionado é provavelmente uma convicção de origem
sobrenatural de que Deus vai agir de forma especial numa determinada situação, quer
por veículos naturais, quer por meios milagrosos (1Co 13.2). Essa confiança firme faz
o crente agir como se o que espera estivesse prestes a se realizar (Hb 11.7-12). Não se
deve confundir esse dom com mero otimismo ou com alguma forma de se autoiludir. O
dom da fé é dado por Deus e gera uma surpreendente onda de confiança real no coração
da pessoa.

Curas e operação de milagres: Os dons de curas eram capacidades dadas por Deus a
alguns crentes de erradicar doenças, com o fim de servi-lo. O uso do plural (“dons de
curar”) dá margem para formas diferentes de cura, o que pode abranger, além do
milagre, o uso de meios naturais como remédios e cuidado médico. Já o dom de
operação de milagres, conforme geralmente é entendido, consistia de realizar
maravilhas fora da ordem natural das coisas. Parece certo dizer que o dom de curas, em
sua expressão sobrenatural, era uma categoria mais específica do dom de operação de
milagres que abrangia prodígios num sentido mais geral. Feitos sobrenaturais foram
muito comuns na fase inaugural da igreja primitiva (At 5.15-16; 6.8; 8.13). Porém, em
poucos anos essa fase começou a apresentar indícios de esfriamento (Fp 2.26-27; 1Tm
5.23; 2Tm 4.20). A razão disso é que as curas sobrenaturais e os milagres tinham por
objetivo autenticar a mensagem nova que estava sendo pregada (Mc 16.20; At 14.3;
2Co 12.12; Hb 2.4), não havendo necessidade dessa autenticação se perpetuar. Por
isso, não se vê hoje pessoas com dons de realizar curas ou feitos milagrosos. Isso,
contudo, não significa que o Senhor, eventualmente, não faça obras grandiosas, além da
compreensão humana. Antes, significa que quando Deus realiza feitos assim, ele o faz
em resposta à oração dos crentes em geral e não por meio de indivíduos dotados por
ele com capacitações sobrenaturais (Tg 5.14-18).

Profecias: Veja-se o que foi exposto no item anterior. Deve-se apenas acrescentar aqui
que uma das responsabilidades da igreja no tocante aos profetas era avaliar o que eles
diziam, comparando suas revelações com as verdades que o Senhor já havia
transmitido (1Co 14.29). De fato, os profetas deveriam profetizar de acordo com a
“proporção da fé” (Rm 12.6), ou seja, suas profecias deveriam se harmonizar com a
doutrina cristã já fixada.
Discernimento de espíritos: Esse dom não consiste de descobrir os nomes ou as
supostas áreas de atuação de demônios, como alguns tendem a crer. Antes, é a
capacidade de discernir a origem de uma mensagem ou ensino, isto é, trata-se do dom
de discernir o que realmente procede do Espírito Santo. Assim, o crente dotado desse
dom detecta se o que está sendo dito (com todos os seus desdobramentos práticos) é de
origem divina ou se é uma doutrina demoníaca (ou meramente humana) propagada por
falsos mestres (1Tm 4.1-2; 1Jo 4.1-6). Não existe qualquer indício na Escritura ou na
história do cristianismo que aponte para o desaparecimento desse dom, sendo vital a
sua permanência na igreja cristã de todas as épocas.

Variedade de línguas e interpretação: O dom de línguas era a capacidade dada pelo


Espírito Santo a alguns crentes de falar sobre as grandezas de Deus em um idioma
humano jamais aprendido por quem falava (At 2.7-11). Ao definir esse dom, Paulo
citou Isaías 28.11-12, identificando-o, assim, como um sinal de juízo contra judeus
incrédulos que rejeitavam a mensagem de Deus (1Co 14.21-22). De fato, Deuteronômio
28.46,49 diz que ouvir uma língua desconhecida seria um sinal do juízo de Deus contra
Israel sempre que esse povo rejeitasse sua mensagem (Jr 5.11-15). Ora, Israel rejeitou
o Filho (At 7.51-53). Por isso, Deus usou a igreja para fazer com que os judeus daquela
geração ouvissem línguas que não entendiam como sinal do juízo que estava por vir.
Esse juízo foi predito por Jesus (Mt 23.37-39) e chegou no ano 70 AD por mãos do
general romano Tito. Uma vez que o castigo contra Israel sinalizado pelas línguas
ocorreu, esse dom deixou de ser necessário e desapareceu. Obviamente, o fim do dom
de línguas trouxe também o fim do dom de interpretação.
Os dons alistados na Carta aos Efésios
Esses dons designam, na verdade, funções dadas a algumas pessoas com vistas ao
preparo dos crentes para o serviço de Deus, a fim de que a igreja seja edificada. A lista
é pequena e se encontra em Efésios 4.11:

Apóstolo: Num sentido geral, o apóstolo era simplesmente um missionário pioneiro ou


um mensageiro. Nesse sentido, Barnabé e Tiago, por exemplo, foram chamados de
apóstolos (At 14.14; Gl 1.19). Num sentido técnico, porém, esse termo tinha
abrangência bastante limitada, designando apenas aqueles que viram o Senhor
ressurreto e foram investidos diretamente por ele na função apostólica (At 1.21-22; 1Co
9.1; Gl 1.1), recebendo também, da parte de Deus, revelações doutrinárias especiais
que servem como fundamento doutrinário para a igreja de todas as épocas (Ef 2.20; 3.4-
5). Nesse sentido estrito, os apóstolos só existiram no século I e foram apenas doze (Ap
21.14). No Capítulo 8 (A Doutrina Acerca da Igreja) há um quadro que mostra como o
apóstolo no sentido técnico poderia ser identificado.

Profeta: Veja-se nos itens acima as considerações relativas ao dom de profecia.

Evangelista: É alguém que proclama as boas-novas. Nos tempos do NT designava


especialmente missionários itinerantes que iam de cidade em cidade anunciando a
mensagem de Cristo (At 8.5,26,40; 3Jo 1.7), embora o termo também seja aplicado a
indivíduos que tinham um ministério fixo num determinado lugar (2Tm 4.5).

Pastor mestre: Essa expressão pode designar duas funções distintas (pastores e
mestres) ou somente a função do ministro que se ocupa de pastorear e ensinar a igreja.
O artigo definido que consta do texto grego aponta para a segunda opção, realçando a
dupla responsabilidade que recai sobre os pastores, a saber: o cuidado e a instrução do
povo de Deus (At 20.28; 1Pe 5.2-3).
LISTAS DE DONS NO NOVO TESTAMENTO
Profecia, serviço, ensino,
Romanos 12.6-
exortação, contribuição,
8
liderança e misericórdia.
Palavra de sabedoria, palavra
do conhecimento, fé, curas,
1Coríntios operações de milagres,
12.8-10 profecia, discernimento de
espíritos, variedade de
línguas e interpretação.
Apóstolos, profetas, mestres,
1Coríntios operadores de milagres, dons
12.28 de curar, socorros, governos,
variedades de línguas.
Apóstolos, profetas,
Efésios 4.11 evangelistas e pastores
mestres.
Falar (de acordo com a
1Pedro 4.10-11
palavra de Deus) e servir

Figuras associadas ao Espírito Santo


A Bíblia associa o Espírito Santo a algumas figuras, realçando diferentes aspectos
da sua obra por meio dessas imagens.

FIGURA REFERÊNCIA SIGNIFICADO


Pomba Mt 3.16; Jo Procedência
1.32-34 celeste
Lavagem,
Jo 3.5; 7.37-39;
satisfação
Água 1Co 12.13; Tt
espiritual,
3.5
batismo
Espiritualidade,
impossibilidade
Vento Jo 3.8 de ser controlado
em seus
caminhos e ações
Presença de
Fogo At 2.3 Deus, juízo,
purificação
Unção,
capacitação para
Lc 4.18; At
Óleo realizar uma
10.38
tarefa ou assumir
uma função
Ef 1.13-14; Segurança, sinal
Selo
4.30 de propriedade.

CUIDADO! VENENO!
Doutrina da segunda bênção: Ainda que dentro do pentecostalismo existam
crentes verdadeiros, esse movimento erra gravemente ao ensinar que o batismo do
Espírito Santo só ocorre algum tempo depois da conversão desde que o crente o busque
intensamente, devendo ainda ser acompanhado pelo dom de línguas. A crença de que
essa chamada “segunda bênção” só é obtida depois de muito esforço próprio, por meio
de jejuns, vigílias e orações, tem colocado um peso insuportável sobre os ombros de
diversas ovelhas sinceras de Jesus, além de estimular a hipocrisia por parte de quem
finge ter obtido esse “batismo”. Ora, em Gálatas 3.2, Paulo censura seus leitores
dizendo que o Espírito Santo não pode ser recebido por meio da prática de obras de
devoção.

Continuísmo: Os continuístas defendem a continuidade do apostolado e/ou dos


chamados dons espetaculares, tais como profecias, línguas, curas e milagres (os que
defendem a visão oposta são chamados cessacionistas). São na maioria pentecostais,
mas é possível encontrar continuístas em todas as denominações evangélicas. Seus
argumentos se ancoram, obviamente, nas passagens bíblicas que tratam desses dons e,
em especial, no relato de experiências que afirmam ter tido ou testemunhado. É,
contudo, precisamente no campo da experiência que a fragilidade do continuísmo se
mostra mais evidente. Isso porque uma busca honesta demonstrará que não é possível
encontrar hoje nenhuma igreja onde os dons espetaculares estejam em vigor nos termos
descritos no Novo Testamento. Ao defender a continuidade desses dons, os continuístas
ficam com o ônus da prova, tendo o dever não somente de apontar textos bíblicos que
provem suas concepções, mas também igrejas locais em que os referidos dons estejam
em completo, constante, nítido e real funcionamento. É, pois, sua tarefa fornecer, além
de referências bíblicas, endereços postais que provem que os dons espetaculares estão
e vigor. Com efeito, se esses dons perduram ainda hoje, onde é possível encontrá-los?
Essa “prova postal”, porém, que seria muito fácil de produzir caso os tais dons ainda
existissem, nunca pôde ser apresentada pelos continuístas. Tudo o que se encontra
depois de uma acirrada busca são simulacros dos dons espetaculares, práticas bem
diferentes daquelas vividas pela igreja dos tempos apostólicos.

Testemunhas de Jeová: Dizem que o Espírito Santo é uma força impessoal,


rejeitando sua personalidade e divindade. Na verdade, essa seita designa o Espírito
como a “força ativa de Deus” e chega a usar essa expressão para traduzir Gênesis 1.2.
As Testemunhas de Jeová, ao negarem a divindade do Espírito, se assemelham aos
pneumatomaquianos (oponentes do Espírito) ou macedonianos (nome originado no
Bispo Macedônio de Constantinopla) do século IV que diziam que o Espírito Santo não
tinha substância divina, sendo apenas uma criatura do Filho.
CAPÍTULO 5

A DOUTRINA ACERCA DO HOMEM


(Antropologia)

– Compreendo, senhor. Estava pensando que bem poderia ter uma ascendência mais
honrosa.
– Descende de Adão e Eva – tornou Aslam – É honra suficientemente grande para que
o mendigo mais miserável possa andar de cabeça erguida, e também vergonha
suficientemente grande para fazer vergar os ombros do maior imperador da Terra. Dê-se
assim por satisfeito.

C. S. Lewis, O Príncipe e a Ilha Mágica

Introdução
O que é o homem? Como ele surgiu? Qual a razão de sua existência? O ser humano
tem algum grau de dignidade? Se tem, qual é a base dessa dignidade? O homem é
somente um animal constituído de simples matéria perecível ou sua estrutura abrange
algo mais? Tem ele deveres morais? Qual é a fonte e a base desses deveres?
Essas perguntas e muitas outras são feitas frequentemente por pessoas que veem
com razão a importância que as respostas a elas têm para o sentido da vida e o
procedimento ético. Diante dessas questões, filósofos seculares das mais variadas
tendências elaboraram diferentes respostas, sem que nenhuma delas fornecesse bases
sólidas para o respeito devido ao ser humano ou para um sistema de conduta que
pudesse ser esperado ou exigido das pessoas.
Os cristãos, por sua vez, creem que a Bíblia responde todas essas perguntas de
modo claro e preciso, formando uma antropologia sadia que eleva a importância de
cada indivíduo e que lança as bases para uma conduta honrosa.

A criação
Fora da Bíblia não há nada que possa ser dito com certeza sobre a origem do
homem. Os povos antigos legaram vários contos e lendas sobre o aparecimento da raça
humana na Terra, mas todos esses relatos são desprovidos de credibilidade.
Nos tempos modernos a ciência tem formulado teorias relacionadas à origem do
homem. Essas teorias, porém, baseiam-se mais em hipóteses do que em fatos
demonstráveis.
A verdade é que, à luz do ensino bíblico, o homem não é produto de uma evolução
natural como muitas pessoas acreditam. O homem é, isto sim, um ser criado por Deus
(Gn 1.26-27).

De fato, a Bíblia afirma que o homem recebeu de Deus um organismo físico


formado do pó da terra (Gn 2.7). Além de receber um organismo físico, ao homem
também foi dada uma alma (Gn 2.7).
Veja-se também os textos de Eclesiastes 12.7, Isaías 43.7 e Zacarias 12.1.

VERDADES SOBRE O CORPO E A


ALMA
O CORPO A ALMA
Foi concedida por
Foi formado do pó
Deus ao homem (Gn
da terra (Gn 2.7).
2.7; Zc 12.1).
É reconhecido como
Tem valor
um organismo
incomparável (Mt
maravilhoso (Sl 16.26).
139.14).
É templo do Espírito
Tem personalidade (Sl
Santo no homem que
139.14; Pv 21.10; Mt
se converte (1Co
26.38).
6.19).
É imortal,
Será restaurado na
permanecendo
ressurreição (1Co
consciente após a
15.51-53; Ap 20.4-
morte (Fp 1.22-23; Ap
6).
6.9-11).

Concepções divergentes sobre a origem da alma


Traducianismo: A alma dos filhos deriva da dos pais, como acontece com o corpo. É a
concepção de Tertuliano e Agostinho (Gn 5.3; Hb 7.9-10). A ortodoxia cristã tende para
essa posição.

Emanação do Ser Supremo: Um ser supremo origina a alma ao difundir e propagar sua
própria essência. Esse ser supremo pode ser o Logos (estoicos), o Uno (neoplatônicos)
ou a Substância (Spinoza).

Criação simultânea ou pré-existencialismo: Todas as almas foram criadas por Deus


de uma só vez quando o mundo se originou ou pouco antes disso. Foi a concepção de
Platão, Fílon e Orígenes. Essa teoria dá suporte para ideias reencarnacionistas (Ec
12.7).

Criação individual e direta: Deus cria cada alma no exato momento da fecundação e a
une ao corpo (Nm 16.22; Sl 104.30, Hb 12.9). O problema é que, nesse caso, Deus
criaria uma alma pura e perfeita e a daria ao homem imperfeito. Outro problema é que
Deus cessou sua obra criadora (Gn 2.3).

Evolução da matéria: A alma (entendida apenas como racionalidade, personalidade,


etc.) não tem substância ou existência independente. Trata-se de um fenômeno da
corporeidade, o resultado casual da evolução. É a posição de Marx e dos materialistas.
A estrutura do ser humano
Há, basicamente, duas concepções distintas acerca da estrutura do ser humano:

TRICOTOMISMO DICOTOMISMO
O homem é composto por
O homem é
uma parte material (corpo) e
composto de corpo,
uma espiritual (alma ou
alma e espírito.
espírito).
Base Bíblica
Mt 10.28; Lc 1.46-47 (aqui
Base Bíblica há um paralelismo em que
1Ts 5.23; Hb 4.12 alma e espírito são
sinônimos); Rm 8.10; 1Co
5.5; 2Co 7.1

Existe, contudo, na Bíblia, bases para a formação de concepções mistas. Em


Gênesis 2.7, por exemplo, a alma é definida como o corpo animado pelo espírito.
A condição original
Originalmente o homem foi criado:

À imagem e semelhança de Deus (Gn 1.27; 5.1; 9.6; 1Co 11.7). Isto não significa que
o homem é fisicamente semelhante a Deus, pois Deus é espírito (Jo 4.24) e não tem um
corpo. Certamente na expressão “imagem e semelhança” estão envolvidos a
personalidade, o senso moral, a capacidade de se relacionar num nível pessoal, o poder
de dominar a criação e a espiritualidade, fatores que caracterizam o ser humano e que
tanto o diferem dos animais.
É preciso esclarecer que imagem e semelhança são termos distintos usados para
descrever uma mesma realidade. A expressão encerra um recurso de linguagem
chamado hendíadis, palavra que significa, literalmente, “um por meio de dois”. Na
hendíadis, portanto, duas palavras de conceito básico levemente distinto são usadas
para se referir a um único conceito. Esse é, pois, o caso de “imagem e semelhança”.
O fato de ter sido criado à imagem e semelhança de Deus torna o homem um ser
digno de respeito.

Com faculdades intelectuais (Gn 2.19-20). Ao ser criado, o homem podia pensar, falar
e tomar decisões. Ele já possuía, então, uma natureza racional.

Com uma natureza moral santa (Ec 7.29). Quando Deus criou o homem, este não
tinha qualquer pecado ou impureza. Certamente esta foi a maior glória que recebeu. O
homem, no princípio, era um ser moralmente perfeito.

O propósito da criação do homem


O Catecismo Maior de Westminster, formulado pela Assembleia de Westminster
(1643-1649), ensina com precisão o propósito principal da criação do homem:

Pergunta 1: Qual é o fim supremo e principal do homem?

Resposta: O fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus e deleitar-se nele


para sempre.

A base bíblica para esse ensino se encontra em Romanos 11.36; 1Coríntios 10.31;
Salmo 73.24-26; João 17.22-24. (Vd. tb. Is 43.7).
CUIDADO! VENENO!
Evolucionismo/materialismo: Afirma que a realidade veio à luz pelo acaso e que o
homem é só mais um item que compõe essa realidade, tendo surgido por meio de forças
impessoais que deram andamento a um longo processo evolutivo. Foi, assim, por meio
da evolução que o ser humano chegou ao atual estágio em que se encontra biológica e
mentalmente. Uma vez que o homem é somente matéria, não existe vida além-túmulo.

Existencialismo: O termo “existencialismo” abrange uma vasta gama de ideias e


concepções. Em seu formato mais secularizado, porém, parte da noção de que o homem
simplesmente foi jogado e abandonado neste mundo, de maneira que, se quiser ser feliz,
deve viver aqui por conta própria, elaborando seus valores e tomando suas próprias
decisões. Portanto, de acordo com essa visão, não há nenhum sentido na vida. Contudo,
o ser humano pode vencer esse vazio existindo intensamente, isto é, vivendo de maneira
apaixonada (agindo, sentindo, provando, fazendo...), apesar de estar num mundo
absurdo e muitas vezes cruel. O tempo que o homem tem para tomar as decisões que
vão dinamizar sua vida é muito curto. De qualquer forma, no fim a morte transformará a
existência humana em nada. Existencialistas famosos são Karl Jaspers, Jean-Paul
Sartre, Martin Heiddeger e Søren Kierkegaard.

Religiões orientais e Nova Era: Toda a realidade é divina, o que inclui o homem.
Sendo divino, o ser humano tem poderes sobrenaturais que deve desenvolver e também
detém a prerrogativa de criar suas próprias verdades. Por meio da reencarnação, as
pessoas vivem várias vidas até alcançar uma consciência plenamente iluminada e,
enfim, dissolver-se na força do cosmos.
CAPÍTULO 6

A DOUTRINA ACERCA DO PECADO


(Hamartiologia)

Frequentemente eu tenho tido percepções muito profundas da minha própria


pecaminosidade e vileza; e muitas vezes isto me faz chorar amargamente (...). Quando
olho para o meu coração e vejo a minha iniquidade, ela se parece com um abismo
infinitamente mais profundo que o inferno.
Jonathan Edwards (1703 - 1758)

Introdução
O conceito bíblico de pecado e todas as verdades cristãs acerca desse tema não
têm recebido a merecida atenção nos tempos atuais, nem por parte do mundo
(obviamente), nem tampouco da igreja em geral (lamentavelmente).
Pouco se fala sobre o maior problema da humanidade, o que é lastimável, posto que
o pecado está na raiz de todas as desgraças que se abatem sobre os indivíduos, as
famílias e a sociedade como um todo.
As razões dessa negligência são, basicamente, duas: o secularismo que domina a
sociedade e o utilitarismo que invade as igrejas. Movidos pelo secularismo, os homens
tendem a explicar toda má conduta com base em noções científicas, como doenças ou
distúrbios psíquicos ou sociais, rejeitando qualquer ideia de pecado. Impulsionadas
pelo utilitarismo, as igrejas, por sua vez, tendem a evitar qualquer assunto que retarde
ou impeça o seu crescimento, afastando as pessoas que as visitam. Daí o silêncio
acerca de temas como o pecado e todas as suas conseqüências tanto aqui como na vida
futura.
A Bíblia, contrariando isso tudo, fala bastante sobre o pecado, tratando do assunto
com notável clareza. O traço que tanto caracteriza a raça humana não deixa de receber
ampla atenção na Palavra de Deus. É, pois, esse aspecto da doutrina cristã, tão
compreensivelmente mencionado nas páginas das Escrituras, que é exposto a seguir.

O significado de “pecado”
A Bíblia diz que “as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus;
e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós para que vos não ouça” (Is 59.2). Isso
mostra que, basicamente, o pecado é algo que provoca o rompimento das relações do
homem com Deus.
Falando, porém, de modo mais específico, o pecado pode ser definido como:

1. Omissão do dever (Tg 4.17).


2. Atitude errada para com Deus (Nm 21.7; Mc 3.29; 1Co 10.31).
3. Transgressão de lei (1Jo 3.4).
4. Ação errada em relação aos homens (Pv 14.21; Tg 2.9).
5. Não crer em Jesus (Jo 16.8-9).
6. A tendência natural para o erro (Rm 7.15-17).

Os três aspectos do pecado


AÇÃO PECAMINOSA: Refere-se às práticas que desagradam a Deus. Todo
homem as comete, tanto o salvo como o não salvo (Sl 51.4; 1Jo 1.8-10; 3.4). Dentro
desse aspecto estão também as omissões que o Senhor reprova (Tg 4.17).

NATUREZA PECAMINOSA: É a tendência natural que o homem tem para o mal


desde o seu nascimento (Sl 51.5; Rm 7.15-25). Essa natureza caída, ao que tudo indica,
é transmitida de pai para filho (Gn 5.3; Sl 51.5). Por ser uma realidade ligada à
depravação total do ser humano (Rm 3.10-12), a natureza pecaminosa compõe o
conceito de “pecado original”.

CULPA: Não é propriamente uma expressão do pecado, mas sim o impacto


jurídico que a transgressão de Adão teve sobre toda a humanidade, tornando-a
condenável (Rm 5.15-19; 1Co 15.22). Esse impacto sobrevém ao homem por
imputação, uma vez que Adão era o representante de cada ser humano (concepção
federalista).
Alguns teólogos entendem que a humanidade não teve em Adão um representante,
mas sim que ela estava contida seminalmente nele (como Levi estava em Abraão, cf. Hb
7.9-10), sendo participante do pecado cometido no Éden (Rm 5.12). Segundo essa
concepção, o homem não é condenado por ser-lhe imputada a culpa de Adão, mas sim
por sua própria culpa.
Seja qual for a posição adotada, o fato é que todos os homens nascem sob a
condenação decorrente do primeiro pecado (Rm 3.9-10). Quando, porém, alguém crê
em Cristo, essa condenação é anulada. A isso é dado o nome de justificação (Rm 3.23-
24; 5.1; 8.1).
Deve ficar claro que ao morrer na cruz, Cristo não anulou a possibilidade de o
crente cometer transgressões. Tampouco ele remove a natureza pecaminosa da pessoa
que se converte, ainda que a enfraqueça pela ação do Espírito Santo (Rm 8.1-4; Gl
5.16,24). A verdade é que, infelizmente, o cristão ainda não está livre dos dois
aspectos do pecado aqui denominados como “ação pecaminosa” e “natureza
pecaminosa”. Por isso, o crente aguarda ansiosamente o dia em que seu livramento será
total (Rm 7.24-25; 8.23; 2Pe 3.13; 1Jo 3.2-3).
O único aspecto do pecado que Cristo anulou totalmente na cruz foi a culpa. Sua
morte teve um efeito jurídico. Ele sofreu em lugar do pecador o castigo da condenação
que lhe era devido (Is 53.5; 1Pe 2.24; 3.18). Por isso, o crente desfruta da posição de
justo diante de Deus sem ter que temer qualquer julgamento ou sentença (Rm 5.1; 8.1).
Ao contrário do que muitos dizem, essa doutrina jamais deve encorajar o pecado (Rm
6.1-2).

O alcance do pecado
Nada no universo que Deus criou está fora do alcance do pecado. Tanto a realidade
material como a espiritual foram afetadas pela rebelião de criaturas racionais contra o
seu Criador. Assim, o pecado atingiu:

Os céus:O pecado entrou no universo por causa da rebelião de Satanás que, segundo a
tradição hermenêutica (questionada por alguns exegetas), é descrita em Isaías 14.12-15
e Ezequiel 28.12-15. Isso afetou os céus de modo a infestar as regiões celestiais de
anjos caídos (Jó 1.6; Ap 12.7) que também fazem guerra contra o crente (Ef 6.11-12).

A terra: Com a queda do homem, o pecado afetou a terra, sujeitando a natureza ao


sofrimento e à inutilidade (Rm 8.18-23). Tanto o reino vegetal (Gn 3.17-18) como o
animal (Gn 9.1-3) foram prejudicados, além de toda a humanidade (Ec 7.20; Rm 3.10-
12,19,23; 5.12).
A origem do pecado do homem
O pecado, ao se perfazer na história humana, passou pelas seguintes etapas:

Prova: Refere-se ao período durante o qual o homem foi sujeito ao teste que consistia
na obediência a uma ordem específica de Deus (Gn 2.15-17). Não se sabe quanto tempo
esse período durou.

Tentação: Refere-se à atividade maliciosa e persuasiva que Satanás, sob a forma de


serpente, exerceu sobre Eva, bem como à ação da mulher em oferecer o fruto ao seu
marido (Gn 3.1-6; 1Tm 2.13-14).

Queda: Refere-se ao fato de o homem ter cedido à tentação, quebrando a ordem de


Deus. A desobediência do homem foi voluntária. Como ser pessoal, dotado de real
livre-arbítrio, Adão pôde exercer plenamente sua capacidade de escolha quando
decidiu desobedecer ao Criador (Gn 3.6; Rm 5.12-19; 1Tm 2.14).

Os resultados da queda para a humanidade


Toda a raça humana estava, de algum modo, ligada a Adão quando ele pecou. Por
isso, os resultados de sua desobediência sobrevieram a todos os homens (Rm 5.12-19).
As consequências do pecado de Adão para a raça humana foram as seguintes:

A terra foi amaldiçoada, exigindo trabalho árduo para produzir alimento (Gn 3.17-
19).
A mulher passou a ter dores no parto e conflitos no campo da sujeição ao
marido (Gn 3.16).
Todos os homens são pecadores e estão sob condenação (Rm 5.16,18).
A morte, física e espiritual, entrou no mundo (Gn 2.17; 3.19; Rm 5.12,15,17; Ef
2.1).
A penalidade da morte eterna passou a existir (Rm 6.23; Jd 13; Ap 20.14-15).

Os efeitos da queda de Adão podem também ser observados a partir dos


rompimentos que causou, conforme ilustrado a seguir:

1. O rompimento da harmonia do homem com Deus (Gn 3.8).


2. O rompimento da harmonia do homem consigo mesmo (Gn 3.10,16a,19c).
3. O rompimento da harmonia do homem com seu semelhante (Gn 3.12,16b).
4. O rompimento da harmonia do homem com a natureza (Gn 3.17-19; 9.2).
5. O rompimento da harmonia na natureza (Rm 8.19-22).
6.
A depravação total
O pecado afetou o ser humano em sua totalidade. A esse efeito devastador do
pecado, dá-se o nome de “depravação total”.
Cabem aqui algumas ressalvas. Quando se diz que o homem é totalmente
depravado, isso não significa que cada pessoa do mundo pratica todas as formas de
abominação imagináveis. Também não significa que os seres humanos são incapazes de
realizar qualquer ato de bondade ou virtude.

A doutrina da depravação total afirma, isto sim, que as faculdades do ser humano
foram todas afetadas pelo pecado, não que sua conduta é sempre marcada por todo tipo
de ações más.
O quadro a seguir mostra o alcance da destruição do pecado no ser humano,
fornecendo algumas bases para a doutrina da depravação total.

ÁREA
EFEITO BASE BÍBLICA
AFETADA
O interior do homem é Gn 6.5; Sl 58.3; Mt
Mente uma fonte inesgotável de 15.18-19
palavras e ações más.
O homem não consegue Rm 3.11; 1Co 1.18;
entender as realidades 2.14; 2Co 3.14-15;
espirituais. 4.3-4
O homem tem sua Is 5.20; Rm 1.32; Ef
capacidade de julgar 4.17-19; 1Pe 4.4
Intelecto
entre o bem e o mal
limitada.
O homem tende a Sl 14.1; Mt 24.5,11;
acolher as mentiras e 2Ts 2.9-11; 2Tm 4.3-4
fábulas mais grosseiras.
O ser humano se alegra Jó 15.16; Is 66.3; 2Ts
em práticas detestáveis. 2.12; 2Pe 2.13
O ser humano não nutre
afeto algum pela Palavra Jr 6.10
Emoções
de Deus.
O ser humano ama as
Jo 3.19; 15.18-19; 1Jo
trevas, mas odeia Cristo
3.13
e seus discípulos.
O homem não consegue
realizar suas boas Jr 13.23; Rm 7.15-23
decisões.
O homem não consegue,
Vontade Jo 1.13; 6.44,65; Rm
por si só, optar por ir a
3.11
Cristo.
O homem deseja fazer a
Rm 8.8; Ef 2.1-3
vontade da carne.

O pecado e o livre-arbítrio
Livre arbítrio não é, como muitos pensam, a capacidade natural que as pessoas têm
de fazer as escolhas gerais do dia-a-dia. Isso, na verdade, é mera expressão do
exercício comum da vontade e, ainda que sofra as influências do pecado, não foi
erradicada com a queda do homem no Éden.
Observe-se a seguir uma possível definição de livre-arbítrio:

O homem desfrutou dessa faculdade antes da queda. Ao ser totalmente corrompido


pelo pecado, porém, isso se perdeu. Mesmo no homem convertido o livre-arbítrio não
foi plenamente restaurado. De fato, todo crente descobre, com tristeza, que o querer o
bem está nele, não, porém, o efetuá-lo (Rm 7.18-19) e que existe em sua carne uma lei
que limita seu poder de realizar o que quer (Rm 7.21).
A prova cabal do fim do livre-arbítrio não está, contudo, na área das ações, posto
que, eventualmente, os homens fazem “o bem que querem”. A prova cabal do fim do
livre-arbítrio está no campo das inclinações. Com efeito, todo indivíduo que decide
não desejar algo ou não inclinar-se para determinada paixão percebe de pronto que
essa decisão não surte efeito algum, sendo necessária uma longa batalha para que o mau
desejo ou a inclinação perversa sejam (talvez!) neutralizados.
Por ter perdido o livre-arbítrio, o homem corrompido só pode decidir acolher o
evangelho e crer efetivamente em Cristo se Deus agir poderosamente em seu coração
(At 16.14). A partir de si mesmo, essa decisão é impossível (Jó 14.4).

O crente e o pecado
Cristo proveu o sacrifício necessário para a satisfação da justiça de Deus (1Jo 2.2),
de forma que, graças à sua obra na cruz, toda transgressão pode ser perdoada. Assim, o
crente deve confessar seus pecados a Deus sabendo que ele é fiel e justo para purificá-
lo de toda injustiça (1Jo 1.9). Essa confissão deve ser expressão de verdadeiro
arrependimento (Tg 4.8-9).

No tocante à natureza pecaminosa, o crente deve, pelo poder do Espírito que nele
habita, enfraquecê-la, a fim de não andar sob os ditames de suas paixões carnais (Rm
6.12-13; 8.13; Gl 5.16-26; Ef 4.17-24; Cl 3.5). Ele deve fazer isso sabendo que foi
revestido de uma nova natureza (Rm 8.1-5, 9; 2Co 5.17; Cl 3.9-10) que o capacita a não
viver como escravo de suas más inclinações.
CUIDADO! VENENO!
Humanismo otimista: Rejeita qualquer noção de pecado ou de depravação do ser
humano. Parte do pressuposto de que os desvios de comportamento das pessoas são
devidos a influências externas tais como a educação recebida no lar, o ambiente social,
as experiências de frustração ou sofrimento e as pressões culturais e/ou religiosas. Os
indivíduos são dotados, portanto, de bondade intrínseca, a qual pode aflorar caso os
fatores restritivos externos sejam afastados. Esses pressupostos são acolhidos por
algumas vertentes da psicologia e da sociologia seculares.

Evolucionismo ateísta: Em suas expressões mais radicais, ensina que o homem


está evoluindo não só na esfera biológica, mas também moral. Isso, porém, não
significa que o ser humano está crescendo no cultivo de boas virtudes, mas sim que, em
seu amadurecimento cultural, caminha no rumo da total liberdade em relação a qualquer
padrão ético que lhe seja imposto. Uma vez que não existe Deus, o pecado e os
conceitos de bem e mal são somente fábulas. Por isso, no auge de sua evolução
“espiritual”, o homem se verá livre de qualquer consciência que lhe imponha uma
conduta considerada louvável à luz dos velhos ensinos cristãos.
CAPÍTULO 7

A DOUTRINA ACERCA DA SALVAÇÃO


(Soteriologia)

Tu me chamaste e teu grito rompeu a minha surdez. Fulguraste e brilhaste e tua luz
afugentou a minha cegueira. Espargiste tua fragrância e, respirando-a, suspirei por ti. Eu
te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti. Tu me tocaste, e agora estou ardendo no
desejo da tua paz.

Agostinho de Hipona, Confissões, X:27

Introdução
No anseio de cumprir a ordem de Jesus de evangelizar o mundo inteiro, os cristãos
frequentemente falam sobre a salvação em suas conversas com os não crentes. Isso, às
vezes, gera certa confusão, pois os incrédulos não entendem o que significa a afirmação
de que o pecador precisa ser salvo. Por isso, é preciso que o discípulo de Jesus tenha
em mente noções bem claras acerca da soteriologia bíblica, caso queria falar de forma
mais eficaz acerca das boas-novas que deve proclamar.
Basicamente, salvação é o livramento da punição eterna do pecado (no momento
em que se crê em Cristo), do poder escravizante do pecado (na medida em que o cristão
cresce em santidade) e da presença maligna do pecado (quando o homem redimido
estiver enfim com o Senhor). Esse livramento só é obtido pela fé em Cristo como o
Filho de Deus que morreu pelos pecados da humanidade, mas ressuscitou dentre os
mortos para justificação de todo o que crê (Jo 3.16; Rm 4.25).
A salvação, em sua plena consumação, abrange a alma do crente que é levada ao
céu quando chega a morte (At 7.59; Fp 1.23) e o seu corpo que será revestido de
incorruptibilidade ao tempo da ressurreição ou do arrebatamento da igreja (1Co 15.51-
55; 2Co 5.1-8; 1Ts 4.16-17).
Neste capítulo serão brevemente expostos os diferentes aspectos que compõem a
doutrina da salvação, conforme apresentada na Bíblia.

A predestinação
Os verbos “predestinar” e “predeterminar” traduzem a palavra grega proorízo.
Predestinar é destinar de antemão e se trata de uma ação de Deus que abrange todos os
eventos (At 4.27-28). No campo da soteriologia, a Bíblia afirma que Deus predestinou
os crentes para serem conforme a imagem de seu Filho e que o resultado final disso
será a glorificação deles (Rm 8.29-30).
Deus também predestinou os crentes para a adoção de filhos. Isso teve como única
causa a livre escolha do Senhor, realizada segundo o conselho da sua vontade (Ef
1.5,11).
O propósito último da predestinação dos crentes é o louvor da gloriosa graça de
Deus (Ef 1.6).

A eleição
A eleição (Gr. eklogé / eleitos, Gr. eklektoí) diz respeito ao ato livre e soberano de
Deus de escolher aqueles que, sem mérito algum, serão alvos efetivos da sua graça
salvadora (Rm 9.14-24; 11.3-8).
O ato divino de eleger os que seriam salvos ocorreu na eternidade, antes da
fundação do mundo (Ef 1.4), e foi realizado conforme a graça e a livre determinação do
Senhor (2Tm 1.9; 1Pe 1.1-2), e não de acordo com qualquer fator positivo que ele,
porventura, tenha visto previamente no homem (Rm 9.11,16; 11.5-6). De fato, a eleição
não busca homens dignos, mas sim produz homens dignos (Cl 1.12), fazendo deles
veículos de bênçãos (Mc 13.20) e protegendo-os do engano (Mt 24.24).
O Novo Testamento enfatiza que não há nenhuma injustiça da parte de Deus em seu
ato de eleger quem ele quer para a salvação (Rm 9.13-20).
Ao contrário do que dizem, a eleição não desestimula o evangelismo. Em vez disso,
essa doutrina encoraja a pregação da fé (At 18.9-10), uma vez que afirma que os
eleitos, cedo ou tarde, atenderão à mensagem das boas-novas (Jo 10.16; At 13.48; 1Ts
1.4-5; 2Ts 2.13-14) e que os escolhidos que estão dispersos serão, com certeza,
reunidos num só corpo, cumprindo enfim o plano infalível de Deus (Mt 24.31; Jo 11.51-
52).

A aquisição
Deus comprou (Gr. agorázo) ou adquiriu (Gr. peripoiéo) o crente para si e o preço
que pagou foi o sangue de seu próprio Filho. Como um escravo que foi adquirido por
precioso valor, o cristão agora pertence a Cristo, sendo servo dele para sempre (At
20.28; 1Co 6.20; 7.23; Ap 5.9).

A libertação
De acordo com Gálatas 3.10-11, todas as pessoas estão debaixo da maldição da lei,
sendo consideradas condenáveis diante de Deus em virtude de sua transgressão. O
crente, porém, foi liberto (Gr. vb. exagorázo) dessa maldição, pois Cristo o substituiu
na cruz, fazendo-se, ele próprio, maldição em lugar do pecador (Gl 3.13).
Cristo também libertou o crente do fardo da Lei a fim de que o homem salvo não
viva como um escravo oprimido, mas desfrute do status de filho de Deus por adoção
(Gl 4.5-6).
A redenção
No conceito de redenção (Gr. lytrosis – Hb 9.12 / apolytrosis – Rm 3.24; Ef 1.7)
está embutida a ideia de livrar por meio do pagamento de um resgate (Gr. lytron – Mt
20.28). Por meio do pagamento realizado por Cristo na cruz, os crentes foram
resgatados (Gr. vb. lytróo) da iniquidade (Tt 2.14) e da maneira vazia de viver (1Pe
1.18).
A redenção do crente tem também um aspecto futuro, adquirindo o sentido de
livramento da presente realidade marcada pelo pecado e seus efeitos (Rm 8.23; Ef
1.14; 4.30).

A vocação
A vocação (Gr. klesis / aquele que é chamado, Gr. kletós, vb. kaléo) de que se trata
aqui é o chamado especial que o Senhor dirige unicamente aos eleitos (Rm 1.6; 8.28,30;
1Co 7.17-24; Ef 4.1,4; Cl 3.15; Hb 3.1). Trata-se de um convite diferente do chamado
geral, dirigido a todas as pessoas (Mt 11.28; 22.14), uma vez que a vocação salvífica é
eficaz e sempre conduz o eleito a Cristo (1Tm 6.12; Jd 1). Essa vocação especial é
baseada unicamente na graça de Deus, sem que o homem chamado tenha mérito algum
(2Tm 1.9).
A resposta positiva à vocação salvífica é garantida porque esse chamado, uma vez
que é dirigido somente aos eleitos, é acompanhado pela obra de convencimento do
Espírito Santo que, com paciência e docilidade, atua no coração do indivíduo até que
ele entenda e aceite a mensagem cristã (At 16.14).
Frise-se que essa obra eficaz de vocação e convencimento não é realizada em cada
ser humano (Rm 11.4; 1Co 1.23-26), do contrário todos os homens seriam salvos,
hipótese que, como é sabido, jamais se cumprirá (Mt 25.46; 2Ts 1.9).
Assim, conforme dito, somente os eleitos são objeto do chamado gracioso (Rm
8.28-30; 2Ts 2.13-14). Estes, ainda que possam resistir à ação de Deus em sua vida
durante algum tempo, no fim fatalmente se rendem à voz de Cristo e, ansiando por ele,
curvam-se aos seus pés cheios de fé, arrependimento e gratidão (Jo 10.16). Os demais,
porém, são deixados na incredulidade ou punidos com endurecimento ainda maior (Is
63.17; Jo 12.37-40; Rm 1.24-28; 9.17-18; 11.7-10; 2Ts 2.11).

O chamado eficaz é necessário porque, segundo a Bíblia, nenhuma pessoa pode se


voltar para Deus ou para Cristo sem que primeiro o Senhor realize nela uma obra
sobrenatural, inclinando-a para a verdade, para a obediência e para a fé (Lm 5.21; Ez
36.25-27; Jo 6.44,65; Fp 2.13).
Deve-se ainda notar que a vocação salvífica se constitui na prova de que a
salvação de um indivíduo depende primariamente da vontade e da ação de Deus (Mt
11.27; Jo 1.13; 5.21; Tg 1.18). A salvação pertence a ele (Jn 2.9) e sem a sua iniciativa
ninguém poderá ser liberto da incredulidade (Jo 6.37; Ef 2.8).

O perdão
Na esfera da soteriologia, perdoar (Gr. charízomai / perdão, Gr. áfesis, vb. afíemi)
é o ato de Deus que consiste em cancelar toda a dívida que o pecador tem com ele (Cl
2.13), deixando-o livre para prosseguir, sem qualquer cobrança (Veja-se uma ilustração
disso em Mateus 18.23-27).
Esse perdão salvífico é único e ocorre ao tempo da conversão (At 10.43). Nesse
aspecto, é diferente do perdão que, diversas vezes ao longo da jornada cristã, Deus
concede ao crente que confessa seus pecados (1Jo 1.9).
O perdão salvador de Deus só é possível porque Cristo sofreu as consequências do
pecado (Ef 1.7; 4.32).
A justificação
Justificar (Gr. dikaióo) é declarar justo ou livre de culpa e de castigo.
Assim, a justificação (Gr. dikaíosis) é o ato judicial de Deus, baseado na obra de
Cristo, mediante o qual ele atribui justiça ao homem que deposita sua confiança em
Jesus, livrando-o da condenação decorrente da culpa do pecado (At 13.38-39; Rm
3.21-24; 5.1; 8.1,30,33-34; Fp 3.9; Tt 3.5-7).
Obviamente, a justificação abrange o perdão (Rm 4.6-8), mas vai além desse
conceito, pois não somente cancela os pecados do homem que crê, mas também atribui
a ele a justiça de Cristo realizada na cruz (Rm 5.18; 2Co 5.21).
A justificação é imediata, ou seja, ocorre no exato momento em que o homem passa
a ter fé em Cristo (Rm 4.5).

A reconciliação
Reconciliação (Gr. katallagé, vb. katallásso) é o restabelecimento da paz entre
Deus e o homem. Por causa do pecado, o relacionamento entre ambos foi rompido (Is
59.2; Tg 4.4). Cristo, porém, sofreu em seu corpo, pela morte, as consequências dessa
inimizade (Cl 1.21-22 – aqui consta o verbo apokathístemi, restaurar). Agora, quem
crê nele é reconciliado com Deus, sendo salvo da sua ira (Jo 3.36; Rm 5.9-11). Assim,
a reconciliação ocorre por meio de Cristo e abrange o perdão dos pecados (2Co 5.18-
19).
A mensagem que anuncia a disposição de Deus em reconciliar o homem consigo,
mediante Jesus, é o cerne das boas-novas pregadas pelos apóstolos, sendo essa a
mensagem que faz do evangelista um embaixador de Deus (2Co 5.20).

A reconciliação que ocorre no momento da conversão é única e definitiva. Porém,


há um aspecto da reconciliação que é mais dinâmico e que envolve repetição. Trata-se
das situações em que o crente vê seu relacionamento com Deus ser abalado por causa
do pecado pessoal. Nesses momentos a orientação bíblica é que o cristão busque, pelo
arrependimento e obediência, a restauração da comunhão que foi rompida (2Co 5.20).

A adoção
O termo “adoção” (Gr. huiothesía) é usado para descrever a posição que o crente
ocupa diante de Deus, desfrutando dos direitos e privilégios de filho.
Por causa da adoção, o cristão deixa de ser como um escravo que vive debaixo do
medo e começa a participar de um relacionamento com o Senhor marcado por
intimidade e segurança (Rm 8.15; Gl 4.5-6). Também pela adoção, o homem se vê livre
do jugo escravizante da lei e entra para a condição de herdeiro de Deus (Rm 8.17; Gl
4.7).
A adoção é garantida na predestinação feita pelo Pai (Ef 1.5), é efetivada na
conversão ao Filho (Jo 1.12) e é testificada no coração pelo Espírito (Rm 8.16).

A regeneração
Basicamente, regenerar (Gr. anagennáo / regeneração, Gr. palingenesia,) significa
gerar de novo. Não se trata, portanto, de uma mera reforma na vida de alguém, mas sim
de um novo nascimento que ocorre na esfera espiritual (Jo 3.3-6; 1Pe 1.3,23; 1Jo 3.9) e
cuja origem está em Deus.
Conforme o ensino de Jesus, ser regenerado é nascer “da água e do Espírito” (Jo
3.5). Essa expressão evoca a Nova Aliança mencionada em Ezequiel 36.25-27. Dessa
passagem se depreende que nascer “da água e do Espírito” é ser purificado dos
pecados e habitado pelo Espírito Santo (Tt 3.5-6).

Note-se que a regeneração é um ato soberano de Deus. É somente por sua vontade e
poder que alguém nasce de novo (Jo 1.13; Tg 1.18). Aliás, a palavra traduzida como
“de novo” em João 3.3 (Gr. ánothen), também significa “do alto”, indicando que a
causa primária da regeneração é celeste e não terrena.

A vivificação
A Bíblia ensina que o homem incrédulo está morto em meio a delitos e pecados.
Ocorrendo, porém, a fé em Cristo, o pecador é ressuscitado, recebendo vida espiritual
(Ef 2.1,5) e perdão (Cl 2.13).
Ao ser vivificado (Gr. vb. syzoopoiéo, ser vivificado com), o crente é, de certa
maneira, elevado à esfera celeste, onde desfruta de privilégios e bênçãos em sua nova
associação com o Cristo ressurreto (Ef 1.3; 2.6).

A recriação
O cristão é o prenúncio presente da nova criação futura (Ap 21.5). De fato, a Bíblia
diz que quem está em Cristo é parte da nova criação (Gr. kainé ktísis) de Deus. O efeito
disso é que o homem assim recriado abandona concepções e cosmovisões mundanas
(1Co 2.16; 2Co 5.16-17) e, na prática, se vê comprometido com as boas obras, assim
definidas segundo os padrões de Deus (Ef 2.10; 4.23-24).

Nessa recriação, a imagem de Deus no homem, que foi pervertida pelo pecado
desde o Éden, entra num processo dinâmico e glorioso de restauração (2Co 3.18; Cl
3.10).

A preservação
A doutrina da preservação é também conhecida como doutrina da perseverança dos
santos. Grosso modo, essa doutrina ensina que aqueles que Deus escolheu por sua graça
jamais poderão perder a salvação, ainda que estejam sujeitos a quedas e até a desvios
temporários.
Uma das bases para essa doutrina está na afirmação de que a salvação abrange uma
sequência de ações de Deus que começa na eternidade passada e se conclui com a
glorificação perene no futuro (Rm 8.29-30). Considerando a soberania e o poder de
Deus, essa sequência não pode ser frustrada ou interrompida.

De fato, no texto de Romanos 8.29-30, vê-se que a corrente da salvação mostra seu
elo inicial quando Deus conhece de antemão e predestina aqueles a quem decide
alcançar. Em seguida, ele chama e justifica essas pessoas, glorificando-as finalmente.
Evidentemente, não há como quebrar esse processo, estando a salvação garantida,
inclusive, pelo selo do Espírito que é o penhor da herança eterna (Ef 1.13-14).
Ademais, é absurdo conceber o Deus da Bíblia como um ser incapaz, que
predestina alguém para salvar, chama-o e o justifica, mas no fim não consegue
glorificá-lo. Aliás, indo precisamente contra essa ideia, a Bíblia afirma que é pelo
poder de Deus que os crentes são guardados para a salvação (Jo 10.28-29; 1Ts 5.23-24;
1Pe 1.5; 5.10; Jd 24-25).
Outra base para a doutrina da preservação está no conceito de novo nascimento.
Jesus ensinou que o homem salvo é aquele que nasceu de novo pela fé nele, podendo
agora ver o reino celeste (Jo 3.3). Sabe-se também que quem nasce de novo se torna
filho de Deus (Jo 1.12-13; 1Jo 5.1). Evidentemente, para perder essas bênçãos, o
crente teria que “desnascer”. E mais: se quisesse recuperá-las teria de nascer de novo
de novo! Ora, essas possibilidades não existem nas Escrituras. Nascer de novo ou ser
regenerado, tornando-se filho de Deus, é experiência única e, infalivelmente, resulta na
salvação do crente (Gl 3.26-29).
A doutrina da preservação dos santos também se sustenta na afirmação de que a
salvação não pode ser anulada pelo pecado individual do crente. Em 1Coríntios 5.1-5,
Paulo fala de um crente que tinha envolvimento sexual com a mulher do próprio pai.
Era um pecado tão grave que ele diz não ser comum nem mesmo entre os pagãos (v.1),
devendo esse homem ser “entregue a Satanás” (v.5), o que significa ser expulso da
igreja (v.13). Isso, porém, não fez com que aquele homem perdesse a salvação. Na
verdade, Paulo diz que a disciplina poderia trazer a destruição do corpo, mas que o
espírito daquele homem seria salvo (v.5). Ademais, em 1João 2.1, é ensinado que se
algum crente pecar, isso não gera sua condenação eterna, mas sim sua defesa, feita por
um “Advogado junto ao Pai: Jesus Cristo, o justo”.
Finalmente, é importante observar que a segurança do homem salvo é testificada
pelo próprio Espírito Santo em seu interior (Rm 8.15-16).
Outros textos que falam da segurança do crente são os seguintes: João 6.37-40;
Romanos 5.8-10; 8.33-39; 1Coríntios 1.7-8; 3.15; Efésios 4.30; Filipenses 1.6 e
Hebreus 7.25.

A santificação
Basicamente, santificação (Gr. hagiasmós) é a separação de algo por Deus para o
seu uso. Quando relacionada à salvação do homem, a santificação pode ser posicional
e experimental.

Santificação posicional: É a fase instantânea da santificação que tem lugar no momento


em que a pessoa aceita Cristo como Salvador (1Co 6.11). Nesse instante, o homem
passa a ocupar o status de santo diante de Deus, ou seja, é considerado separado para
pertencer a ele e para servi-lo.

Santificação experimental: É a fase progressiva da santificação (Rm 6.19,22; 2Co


7.1; 1Ts 4.3-7; Hb 12.14). Começa no momento da conversão e segue se desenvolvendo
até o dia da glorificação (Fp 1.6). O texto de 2Coríntios 3.18 diz que o cristão é
transformado de um grau de glória em outro, sendo aperfeiçoado em santidade.

A glorificação
A glorificação (Gr. vb. doxázo) diz respeito à consumação da salvação do crente
(Rm 8.17-18,21,30; 1Pe 5.4). Na glorificação o salvo entra para um estado de total
livramento do pecado e dos seus efeitos, passando a habitar com o Senhor para sempre
(Cl 3.4; 1Jo 3.2).
Essa fase abrange não somente a entrada da alma no céu (Lc 23.43; At 7.59; Fp
1.22-23), mas também, em sua realização completa, na ressurreição, o recebimento de
um corpo transformado, totalmente livre de corrupção e sobre o qual a morte não tem
poder (Rm 8.23; 1Co 15.42-43,51-54; 2Co 5.1-4).
O ambiente definitivo em que a glorificação será desfrutada é a nova terra que o
Senhor há de criar (Ap 21.1-4).

Como ser salvo


A salvação ocorre pela fé em Cristo (Jo 3.16-18; Rm 1.16-17; Ef 2.8-9). Essa fé é
precedida pela pregação, é acompanhada pelo arrependimento e é seguida de
perseverança e frutos. Se não for assim, será uma fé falsa e logo deixará de existir.

Base bíblica para a pregação como fator que precede a fé: Lucas 16.31; João
17.20; Romanos 10.13-17; 1Coríntios 1.21; Efésios 1.13; 2Timóteo 3.14-15; Tiago
1.18,21; 1Pedro 1.23.

Base bíblica para o arrependimento como fator que acompanha a fé: Mateus
21.28-32; Marcos 1.15; Atos 2.37-41; 3.19; 11.18.

Base bíblica para a perseverança e os frutos como fatores que decorrem da fé:
1Tessalonicenses 1.3-10; Hebreus 10.39; 1Pedro 1.5; 1João 5.4-5.

A fé salvadora é a aceitação de Cristo conforme ele é apresentado nas Escrituras


(Jo 1.12; At 8.37; 1Jo 5.10-12), isto é, como o Filho de Deus que veio ao mundo para
morrer pelos pecados, tendo depois ressuscitado dentre os mortos (Rm 10.9; 1Co 15.3-
4). Essa fé implica o abandono de qualquer outro caminho para ser salvo e a
dependência plena e exclusiva da obra completa de Cristo (At 4.12; Gl 2.16; Fp 3.7-9).
A fé mediante a qual alguém é salvo tem origem sobrenatural (Ef 2.8; Fp 1.29; Hb
12.2) e, por isso, perdura e frutifica. Essa é a fé dos eleitos (Tt 1.1).
Quando a fé é apenas uma anuência intelectual ou uma reação emocional, ela se
mostra improdutiva e logo desaparece (Mt 13.20-22). Essa é a fé morta que nada
produz, pouco perdura e a ninguém salva (Jo 2.23-25; 12.42-43; Tg 2.14,17,26).

CUIDADO! VENENO!
Arminianismo: O ensino bíblico que afirma que o crente não perde a salvação é
chamado tecnicamente de doutrina da perseverança dos santos. Trata-se de um dos
temas principais defendidos pela teologia reformada. Dentro do protestantismo, a
vertente que se opõe à doutrina da perseverança dos santos é o arminianismo, sistema
idealizado pelo teólogo holandês Jacó Armínio (1560-1609). Entre outras coisas, o
arminianismo nega a fórmula “uma vez salvo, salvo para sempre”. Ainda que esse
modelo tenha sido condenado pelo Sínodo de Dort (1618-1619), muitas igrejas
evangélicas modernas o adotam, sendo possível encontrar seus expoentes entre batistas
(eventualmente), assembleianos (principalmente) e presbiterianos
(surpreendentemente). O perigo do arminianismo, considerado sob esse aspecto, é que
faz a segurança do crente depender de seu esforço próprio. No final das contas, a
salvação acaba sendo devida à dedicação e empenho do homem em vez de ser pela fé
somente. Na prática, as igrejas que ensinam a perda da salvação exigem que o crente
desviado conserte sua vida e volte para a igreja se quiser ser “salvo de novo”. A
implicação lógica é que, de acordo com essa concepção, a “segunda” (ou terceira, ou
quarta!) salvação ocorre pelas obras, ainda que os arminianos nem sempre estejam
dispostos a assumir essa conclusão.

Catolicismo Romano: Enquanto o Novo Testamento ensina que a justiça de Deus é


imputada ao homem no momento em que ele crê em Cristo (justiça imputada ou
atribuída – Rm 5.1), o romanismo ensina que a justiça de Deus é infundida na pessoa
aos poucos, na medida em que ela obedece aos ensinos da igreja católica (justiça
infusa). Assim, na doutrina papista, o indivíduo só descobre se foi justificado quando
comparecer diante de Deus e o Senhor avaliar se, ao longo da vida, aquela pessoa
acumulou a justiça necessária para desfrutar da visão beatífica. Os católicos creem que
a fé em Cristo abrange a adesão completa aos ensinos e regras da igreja. É
precisamente a adesão a isso tudo que tornará um homem justificado ou não. Se ocorrer
da obediência de alguém não ser suficiente para a sua entrada no reino do céu, ele será
enviado ao purgatório, a fim de passar por um castigo temporário e, uma vez
purificado, obter a justiça que falta para a sua salvação. De acordo com a doutrina
romanista, rezas, missas e obras de penitência em favor dos mortos auxiliam a reduzir o
tempo no purgatório. Não há nada na Escritura que ensine essas coisas, mas os
romanistas não se incomodam com isso, posto que consideram sua tradição no mesmo
pé de igualdade que a Bíblia em termos de autoridade.
Sinergismo: O termo sinergismo vem do grego e denota a ideia de trabalho
conjunto. Os sinergistas creem, assim, que a salvação do pecador é obra de Deus, mas
que o homem coopera com ele, fazendo sua parte. Os arminianos são considerados
sinergistas, pois acreditam que o ser humano trabalha em conjunto com Deus para ser
salvo na medida em que decide, de si mesmo, depositar sua fé em Cristo e perseverar
nos caminhos dele. Porém, de um modo geral, qualquer crença que afirma que o
indivíduo precisa “fazer sua parte” para ser salvo pode ser considerada uma crença
sinergista. O oposto do sinergismo é o monergismo, proposto pela teologia reformada
ou calvinista. Essa concepção ensina que somente o Senhor opera na salvação do
homem. Para os monergistas, mesmo a fé e a perseverança do crente são obras de Deus
na vida de seus eleitos.

Universalismo: O universalismo entende que, ao final, todos serão salvos. Alguns


universalistas ensinam que isso será precedido por um período de juízo aplicado aos
maus, mas que de forma nenhuma esse juízo será eterno. O primeiro teólogo de
destaque a divulgar ideias universalistas foi Orígenes de Alexandria (c. 185-253).
Segundo ele, toda a realidade criada, inclusive a angélica, caminha no rumo da
apocatástase, ou seja, da plena reconciliação com Deus por meio de Cristo. Karl
Rahner, John A. T. Robinson e John Hick são os proponentes mais destacados do
universalismo atual. O “inclusivismo soteriológico”, como o universalismo é também
chamado, encontra apoio na teologia do processo, no teísmo aberto e em outras
vertentes do cristianismo tanto protestante quanto católico romano.

Aniquilacionismo: De acordo com essa visão, não existe nenhuma dimensão além e,
depois da morte, o homem simplesmente apodrece. Ligada a essa concepção, mas com
contornos menos radicais, está o condicionalismo ou a doutrina da imortalidade
condicional, segundo a qual a imortalidade é uma dádiva de Deus concedida a todos os
homens, mas só poderão retê-la aqueles que preencherem a condição de crer em Cristo.
Assim, para os condicionalistas, os que rejeitam o Salvador serão aniquilados, caindo
na inexistência completa. Os condicionalistas geralmente aceitam a possibilidade de um
período indefinido de sofrimento no inferno, antes da total aniquilação do ímpio. A
noção de um inferno eterno e literal, porém, de acordo com essa concepção, deve ser
recusada, pois, segundo entendem, essa ideia não se harmoniza com o conceito de um
Deus justo que vencerá definitivamente o mal.

Espiritismo: Para os espíritas a salvação é o livramento do espírito humano da


realidade material em que está preso. Esse livramento ocorre por meio do processo de
reencarnação, pelo qual o espírito evolui passando por vários ciclos de existência no
plano material. A aceleração desse processo de livramento ocorre por meio de boas
obras. O ensino acerca do pecado e da morte expiatória de Cristo, bem como as
doutrinas da salvação pela fé, da ressurreição dos mortos, do reino celeste e do inferno,
não fazem nenhum sentido dentro da concepção espírita, não havendo qualquer ponto de
semelhança entre esse modelo religioso e o cristianismo bíblico.
CAPÍTULO 8

A DOUTRINA ACERCA DA IGREJA


(Eclesiologia)

Porque a igreja não tem outro Rei senão Jesus Cristo. Porque a igreja não deve ingerir-se
na política do mundo, tirar desta a sua própria inspiração nem apelar para suas espadas,
suas prisões, seus tesouros. Porque a igreja vencerá pelas forças espirituais que Deus
depositou em seu seio, e, acima de tudo, pelo reinado de seu Chefe adorável. Porque a
igreja não deve contar com tronos terrenos nem triunfos efêmeros, mas que a sua marcha
se assemelhe à do Rei: da manjedoura para a cruz; da cruz para a coroa!

J. H. Merle D’Aubigné, História da Reforma do


décimo-sexto século, Vol. VI, p. 247

Introdução
Uma das doutrinas mais negligenciadas dentro do cristianismo é a eclesiologia, ou
seja, o ensino bíblico acerca da comunidade da fé, sua natureza, relevância, deveres e
propósito.

Essa falta de conhecimento tem gerado prejuízos enormes para a causa do Mestre.
Desprovidos de conceitos claros, os crentes têm dado o título de igreja a grupos que
nem de longe se ajustam ao que realmente o Corpo de Cristo é e, então, têm se
associado com esses grupos. Além disso, sem diretrizes acerca do modo como a igreja
deve funcionar, comunidades cristãs inventam formas estranhas de louvor, de disciplina
e de culto, fazendo com que o nome “igreja” seja associado com práticas baderneiras,
com crendices toscas e com excessos inaceitáveis.
Como se não bastasse, a falta de conhecimento da eclesiologia bíblica tem sido
acompanhada por uma crítica severa contra qualquer tipo de comunidade cristã
formalmente organizada. Essa crítica afirma que as igrejas locais são absolutamente
dispensáveis para quem quer adorar a Deus e que, na verdade, essas instituições são
somente instrumentos nas mãos de uma minoria que se deleita em oprimir e explorar
pessoas de boa-fé.
Todos esses desvios podem ser facilmente evitados pelos crentes que conhecem o
ensino cristão sobre a igreja. Além disso, o crente que entende a eclesiologia bíblica
saberá não somente fugir dos erros que tentam desfigurar a igreja de Deus, mas também
se sentirá motivado a se comportar de modo santo dentro dela.

O significado de “igreja”
A palavra “igreja” vem do termo grego ekklesía, que significa “assembleia”.
Juntando esse sentido básico com outras informações dadas pelo Novo Testamento, é
possível definir a igreja da seguinte forma:

A igreja, para efeito de estudo, pode ser definida em termos de organismo e


organização. Como organismo, a igreja é o corpo místico de Cristo, do qual ele é a
cabeça e os crentes são os membros (1Co 12.12-13). Na qualidade de organização, a
então “igreja local” é um grupo de crentes reunidos com os propósitos mencionados na
definição acima.

QUATRO RESSALVAS

A igreja bíblica não tem um templo considerado como lugar sagrado (At 20.20;
Rm 16.5; 1Co 3.16-17; 6.19; 2Co 6.16; Ef 2.22; Cl 4.15; 1Pe 2.5).
Nem todas as comunidades evangélicas são igrejas no sentido bíblico (Mt
7.21-23).
Nenhuma igreja pode se apresentar como a única verdadeira (Jo 14.6).
Nenhuma igreja pode se apresentar como a melhor entre todas as demais (Ap
3.17).

Distinções comuns
Igreja local e igreja universal: A primeira designação diz respeito a uma
comunidade de crentes que se reúne numa localidade específica. A segunda designação
se refere geralmente aos crentes em Cristo espalhados por todo o mundo.
Igreja visível e igreja invisível: A primeira designação refere-se à igreja local. A
segunda designação aponta para a igreja universal.
Igreja militante e igreja triunfante: A primeira é a igreja que ainda batalha neste
mundo. A segunda, o conjunto de crentes que já está com Cristo na glória celeste.

Os símbolos da igreja
O corpo: É símbolo que denota a unidade dos membros da igreja e a diversidade das
suas funções no corpo de Cristo (Rm 12.4-5).

O templo: É figura que destaca a igreja como habitação de Deus (Ef 2.19-22).

O casal: Simboliza a união singular e indissolúvel da igreja com Cristo (Ef 5.31-32).

Os propósitos da igreja
O propósito da igreja se divide em dois aspectos: o imediato e o final.
O propósito imediato:Esse aspecto do propósito da igreja envolve o testemunho que
ela deve dar a este mundo acerca da verdade, seja por meio da evangelização direta ou
da vida de cada membro (1Pe 2.9).
O propósito final: Nesse aspecto a igreja cumpre o propósito eterno de Deus para a
história, ou seja, a sua glória. Por meio da igreja, Deus será eternamente glorificado (Ef
1.6,12,14; 2.6-7).

A sublimidade da igreja
O NT destaca a sublimidade da igreja por meio do ensino de diversas verdades
relativas a ela. A lista abaixo mostra algumas dessas verdades:

1. Ela é edificada e protegida por Cristo (Mt 16.18).


2. Ela foi comprada por Deus com o sangue de Cristo (At 20.28).
3. Ela é herdeira com Cristo (Rm 8.17).
4. Ela é defendida por Deus, sendo livre de qualquer acusação (Rm 8.31-34).
5. Ela é digna de ser protegida e de que se padeça por ela (2Co 11.28; Cl 1.24;
1Tm 5.16).
6. Ela é formada por pessoas santificadas por Cristo (1Co 1.2).
7. Ela é o corpo de Cristo (Ef 1.22; Cl 1.18).
8. Ela é, num sentido figurado e misterioso, o “complemento” de Cristo (Ef 1.22-
23).
9. Ela é o veículo especial por meio do qual Deus torna sua sabedoria conhecida
pelos principados e pelas potestades (Ef 3.10).
10. Ela é objeto do amor e do cuidado especial de Cristo (Ef 5.25-27).
11. Ela é a casa do Deus vivo e o sustentáculo da verdade (1Tm 3.15).
12. Ela é descrita com termos altamente honrosos e sublimes (1Pe 2.9).
13. Ela é supervisionada e disciplinada por Cristo (Ap 1.12-13,20; 2.1,5).
A liderança da igreja
A Bíblia menciona cinco grupos distintos de líderes eclesiásticos: apóstolos,
profetas, evangelistas, pastores-mestres (Ef 4.11) e diáconos (Fp 1.1).

Apóstolos

O NT usa o termo “apóstolo” em dois sentidos. Num sentido não técnico a palavra se
refere a um missionário, mensageiro ou pregador (At 14.14; Rm 16.7?; Gl 1.19), já que
o vocábulo significa, literalmente, “alguém mandado”. No sentido técnico, porém, o
termo é restrito a um grupo que existiu somente no século I, quando a igreja lançava
seus alicerces (Ef 2.20). Esse grupo foi formado por doze homens apenas (Ap 21.14).
O quadro ao lado mostra os requisitos que eram necessários para ser apóstolo nesse
sentido especial.
Profetas
Também pertenceram ao período em que a igreja lançava suas bases doutrinárias,
éticas e funcionais (Ef 2.20). Sua função principal era ser um canal de revelação
doutrinária inédita (Ef 3.5), mas, às vezes, os profetas também faziam previsões,
especialmente quando o evento predito tinha grande impacto sobre a igreja como um
todo (At 11.28; 21.10-11).

Evangelistas
São oficiais da igreja designados para proclamar a mensagem de salvação em
Cristo (Ef 4.11). Veja mais informações sobre esse cargo no Capítulo 4, subtítulo “Os
Dons Alistados na Carta aos Efésios”.

Bispos, pastores, presbíteros ou anciãos


Todos esses termos se referem ao mesmo cargo (At 20.17,28; Ef 4.11; Tt 1.5,7). As
designações distintas servem para realçar diferentes aspectos do trabalho pastoral,
conforme se vê a seguir.

Bispo: Supervisor, guardião ou superintendente (Gr. Epískopos).


Pastor: Aquele que cuida de um rebanho, apascenta, vigia e guia (Gr. Poimén).
Em Efésios 4.11 o termo está conectado à palavra “mestre”. Veja a explicação
para isso no Capítulo 4, subtítulo “Os Dons Alistados na Carta aos Efésios”.
Presbítero: Ancião (Gr. Presbyteros). Evoca a função de juiz e a ideia de
honorabilidade.
Ancião: É mera tradução de presbyteros.

REQUISITOS PARA SER PASTOR

REQUISITO SIGNIFICADO BASE BÍBLICA


A vida e a família do
Vida pastor devem servir 1Tm 3.1-7; Tt
exemplar de modelo para a 1.5-9
igreja
Chamado interior
O desejo de ser 1Tm 3.1
pastor
Vocação
Chamado exterior
O reconhecimento da At 14.23
igreja
Gênero É vedada a liderança 1Co 14.34;
masculino feminina na igreja 1Tm 2.11-14

OBSERVAÇÕES IMPORTANTES

As bases para a proibição de a mulher liderar a igreja não são culturais, mas
teológicas, a saber, a ordem da criação e a doutrina da queda (1Tm 2.11-14).
Na igreja primitiva havia profetisas e, quando tinham revelação, era-lhes
permitido falar (1Co 11.5). O dom de profetizar, contudo, conforme visto,
desapareceu ao fim do século I.
Na Bíblia é permitido que as mulheres ensinem os homens fora do contexto
eclesiástico (At 18.26), pois isso não compromete o funcionamento ideal da
igreja (1Tm 3.15).
As mulheres podem realizar alguma forma de diaconia (serviço – Rm 16.1),
mas sem assumir o diaconato, pois este é um cargo próprio de líderes
eclesiásticos.

Diáconos
O termo “diácono” (Gr. diákonos) designa alguém que serve, apoia ou auxilia. Está
ligado ao verbo diakonéo, cujo sentido é servir a mesa (Lc 12.37), cuidar ou ajudar.
A princípio, os diáconos eram apenas um grupo de amparo social (At 6.1-6).
Porém, ainda no tempo do NT, sua importância cresceu, vindo o cargo a compor a
liderança da igreja (Fp 1.1), tanto que os requisitos bíblicos para o diaconato são quase
os mesmos impostos aos pastores (1Tm 3.8-13).

As ordenanças dadas à igreja


Por “ordenanças” se entende as duas instituições que Cristo deixou para seus
seguidores observar, a saber: o batismo e a ceia. As ordenanças simbolizam verdades
cristãs ligadas à salvação. Portanto, se o praticante desses atos não tiver provado as
verdades que eles simbolizam, sua observância não terá nenhum valor.

O Batismo
O batismo é obrigatório a todo aquele que aceitou Jesus Cristo como seu salvador,
pois o próprio Senhor o ordenou (Mt 28.19-20). Essa ordenança tem quatro objetivos:

A profissão pública de fé (1Pe 3.21).


A identificação do batizando com os demais discípulos de Jesus (Mt 28.19).
A representação da lavagem espiritual (At 22.16 cp. 1Co 6.11).
A representação da morte do crente para o pecado, seu sepultamento com
Cristo e sua ressurreição para uma nova vida (Rm 6.1-4; Cl 2.12).

A forma de batismo praticada nos dias do Novo Testamento era a total imersão do
crente na água (Mc 1.9-11; Jo 3.23; At 8.36-39). Porém, no meio cristão há igrejas que
praticam a aspersão e a efusão, tendo por base textos como Atos 9.18; 10.47-48; 16.33;
22.16 e 1Coríntios 10.2.
O batismo infantil não é ensinado na Bíblia, uma vez que, antes de ser batizado, o
indivíduo deve crer (At 2.41; 8.36-38). É preciso reconhecer, porém, que igrejas sérias
têm um entendimento diferente desse assunto e batizam crianças, tendo por base a
Teologia do Pacto e textos como Atos 16.33 (é dito que provavelmente havia crianças
na casa do carcereiro), Romanos 4.11 (a circuncisão é definida aqui como um selo de
fé e, mesmo assim, era ministrada a bebês que ainda não podiam ter fé) e 1Coríntios
10.2 (havia bebês participando dos eventos do Êxodo mencionados aqui).
É preciso destacar finalmente que, diferente do que algumas seitas ensinam, o
batismo não é necessário à salvação (Lc 23.39-43; 1Co 1.14-17).

A Ceia do Senhor
A ceia do Senhor é um memorial que recorda o sacrifício de Cristo (1Co 11.24-25),
memorial este celebrado em meio a uma realidade espiritual que transcende a
experiência regular da igreja, na medida em que proporciona aos crentes uma
cumplicidade mais plena com o próprio Senhor presente de forma intensa no momento
da celebração (1Co 10.16-17).
Jesus instituiu a ceia pouco antes de sua paixão (1Co 11.23-26). Cada elemento tem
um significado: o pão partido simboliza o corpo de Cristo que foi ferido; o vinho é
símbolo do seu sangue vertido na morte em favor dos pecadores.

A ceia do Senhor tem um propósito tríplice:

Comemoração (1Co 11.24-25).


Comunhão (1Co 10.16-17).
Comunicação (1Co 11.26).
Todo o crente tem o dever de participar da ceia, sendo exigido dele que não o faça
indignamente a fim de não se tornar réu do corpo e do sangue de Jesus (1Co 11.27-30).
O contexto de 1Coríntios 11 mostra que participar da ceia indignamente é, basicamente,
comer e beber nutrindo desprezo e desconsideração pelos irmãos (1Co 11.18,20-22,33-
34).

Quatro visões distintas

Transubstanciação – Catolicismo romano: Os elementos


da Ceia se transformam na carne e no sangue do Senhor (Mt
26.26; Jo 6.53-57).
Consubstanciação – Luteranismo: A carne e o sangue de
Cristo literais estão presentes na Ceia junto com os elementos
(Mt 26.26; Jo 6.53-57).
Presença Espiritual – Calvinismo: Cristo está presente de
forma espiritual nos elementos da Ceia (1Co 10.16).
Memorial – Zuinglianismo: Os elementos da Ceia
recordam o sacrifício de Cristo (Jo 6.52 cf. 63; 1Co 11.24-25).
A disciplina na igreja
A igreja tem como um dos seus deveres aplicar a disciplina conforme ensinada no
Novo Testamento. Essa prática consiste na expulsão da pessoa disciplinada seguida do
rompimento da comunhão dos crentes com ela. Dada sua severidade, a disciplina só
pode ser aplicada quando a pessoa se mostra incorrigível, recusando se arrepender e
abandonar o pecado. Se em casos assim não houver a expulsão, toda a igreja ficará
maculada pelo pecado do membro rebelde (1Co 5.6).
O Novo Testamento contempla dois modelos de processo disciplinar eclesiástico:

Trifásico: É o processo descrito em Mateus 18.15-17 no qual três etapas precisam


ser superadas antes da efetiva excomunhão do pecador. Esse processo deve ser
aplicado a casos de pecados que, ao tempo do início do processo, são conhecidos
somente por um indivíduo da igreja ou por uma pequena minoria. Havendo
arrependimento em qualquer das etapas, o processo termina sem que haja expulsão e o
pecador arrependido recebe, então, o perdão dos que o exortaram.
Monofásico: É o processo descrito em 1Coríntios 5.1-5,9-11. Aplica-se a casos de
pecados de grande impacto e assumidos publicamente pelo membro da igreja. Nesses
casos, a obstinação se configura de pronto e a expulsão ocorre imediatamente, tão logo
a igreja possa se reunir para operá-la.

No trato com o pecado, os cristãos também têm na Bíblia mostras de como lidar
com o comportamento reprovável de grupos inteiros, deixando claro que em casos
assim o problema deve ser levado a alguém que tenha algum grau de autoridade na
igreja (1Co 1.11-12). Também há uma orientação específica para o caso de pecados de
líderes (1Tm 5.19-20). Nessa hipótese, pode haver repreensão na presença de todos,
mas o texto não deixa claro se esses “todos” são os irmãos em geral ou se são os
demais líderes. Seja como for, o resultado da obstinação será sempre a excomunhão, ou
seja, a expulsão do pecador rebelde e contumaz.

Os objetivos da disciplina eclesiástica são os seguintes:

Cumprir as ordens de Deus acerca do modo como sua igreja deve lidar com a
rebeldia.
Colocar o ofensor sob a mão punitiva de Deus (1Co 5.4-5) e longe do amparo
dos irmãos (Mt 18.17; 1Co 5.9-11) a fim de que, sendo fustigado por tudo isso,
enfim se arrependa (2Co 2.6-11).
Manter a pureza da igreja (1Co 5.6-8).
Gerar temor nos demais irmãos (At 5.11; 1Tm 5.20).
Evitar o juízo que Deus traz sobre a igreja que tolera o mal em seu meio (Ap
2.14-16,20-23).

UMA PERGUNTA, VÁRIAS RESPOSTAS

Porque é fundamental que o crente faça parte de uma igreja local e se reúna
regularmente com seus irmãos?

1. Porque cerca de metade do Novo Testamento foi escrita tendo em vista


especificamente o ensino, a correção e o encorajamento de igrejas locais,
mostrando a extrema importância que o Espírito Santo confere à comunidade
dos crentes.
2. Porque só assim o crente poderá zelar pela pureza da igreja em processos
disciplinares (Mt 18.17; 1Co 5.3-5).
3. Porque a espiritualidade cristã é baseada na Trindade que é marcada por
perfeita comunhão, amor e amizade (Jo 17.11,20-22).
4. Porque a união dos crentes expressa na adoração conjunta e na alegre e
amorosa comunhão fornece o contexto em que Deus age trazendo mais pessoas
à salvação (At 2.42-47).
5. Porque o Espírito Santo invariavelmente fala à sua igreja e atua sobre ela nos
momentos em que está reunida em oração e culto (At 4.31; 13.1-3).
6. Porque a igreja, tendo sido comprada por preço altíssimo, precisa ser
amparada, nutrida e protegida, sendo certo que a participação de crentes
comprometidos ajudará na realização dessa tarefa (At 20.28).
7. Porque longe do convívio eclesiástico, os dons espirituais que o crente
recebeu com vistas à edificação dos santos não poderão ser exercitados e ele
será como um membro paralisado no corpo de Cristo que se enfraquecerá por
causa dessa inércia (Rm 12.4-8; 1Co 12.4-27).
8. Porque sem estar na igreja o cristão não poderá obedecer as ordens de
admoestar, amar, socorrer e suportar seus irmãos (Rm 12.10; 15.14; Gl 5.13;
Ef 4.2,32; 5.21; Cl 3.13, 16, 1Ts 4.18; 5.11; Hb 3.13; Tg 5.16; 1Jo 3.23).
9. Porque a Ceia do Senhor não pode ser celebrada fora do convívio dos irmãos
(1Co 10.17; 11.33).
10. Porque o desprezo pela igreja é censurado na Bíblia (1Co 11.22).
11. Porque Deus não habita somente no corpo do crente, mas também na
congregação dos santos, realizando ali uma obra especial de edificação (Ef
2.20-22).
12. Porque é dentro do contexto coletivo cristão que o crente é fortalecido em seu
interior e recebe capacitação para compreender melhor o amor de Cristo
sendo, então, dominado por Deus (Ef 3.14-19).
13. Porque é na igreja local que o crente é equipado para o serviço santo por
meio do ministério de homens que Deus estabeleceu (Ef 4.11-16).
14. Porque Deus ordena o louvor coletivo como parte da sua adoração e não
apenas o louvor individual (Cl 3.16).
15. Porque a igreja é a única instituição que protege e sustenta a verdade neste
mundo, o que aumenta o dever do crente de zelar pelo fortalecimento e bom
funcionamento dela (1Tm 3.15).
16. Porque a Bíblia ordena que o crente não deixe de se congregar e a
desobediência a essa ordem é considerada apostasia (Hb 10.25; 1Jo 2.19).
17. Porque a comunhão com os irmãos é um dos resultados de andar na luz (1Jo
1.7).
CUIDADO! VENENO!
Romanismo: Entende que a Igreja Católica Romana é a única instituição
verdadeiramente fundada por Cristo e herdeira dos apóstolos, cujos sucessores são
todos os seus bispos, em especial o papa. Este é o chefe da igreja e sucessor de Pedro.
Segundo a visão romanista, somente a Igreja Católica detém a totalidade dos meios
necessários à salvação, o que inclui os sacramentos (principalmente a eucaristia) que
santificam, purificam e transformam os fiéis. Na visão católica menos radical, alguns
elementos da verdade podem estar eventualmente presentes em outras comunidades
cristãs, mas somente a igreja romana detém o depósito integral da fé e o poder
exclusivo de interpretar corretamente a Bíblia. Segundo os romanistas, Maria, sendo
mãe de Jesus, é também a mãe da igreja que deve, assim, venerá-la como concebida
sem pecado, eternamente virgem e assunta ao céu em corpo e alma. A eclesiologia
romanista abrange também uma estrutura altamente hierarquizada que, em ordem
decrescente, é composta por papa (a quem, desde o Concílio Vaticano I, em 1870, se
atribui infalibilidade em questões de fé e moral), cardeais, patriarcas, arcebispos,
bispos, padres e diáconos. Todo o clero católico (excetuando os diáconos) é
celibatário.

Igreja emergente: Trata-se de um movimento evangélico surgido no final do


século XX que se propõe a apresentar ao mundo uma igreja aberta aos conceitos da
pós-modernidade e livre dos “rígidos” padrões éticos, doutrinários e funcionais
propostos pelas igrejas históricas formalmente organizadas. Os expoentes do modelo
eclesiástico emergente defendem, portanto, uma tolerância maior no diálogo entre a
igreja e a sociedade pluralista presente, propondo um discurso cristão menos “radical”,
uma pregação evangelística menos exclusivista, uma visão ética mais flexível e
tolerante, uma liberdade mais ampla de expressões cultuais e um diálogo conciliador
com outras religiões.
Os sem igreja: Uma tendência comum na atualidade é a defesa de uma espécie de
cristianismo em que o crente não pertence a nenhuma igreja, vivendo isoladamente sua
fé. Os “sem igreja”, como são chamados, geralmente justificam suas opiniões partindo
de experiências desagradáveis que viveram em alguma comunidade cristã. Segundo seu
parecer, essas experiências fornecem base sólida para o que acreditam ser uma
espiritualidade meramente individual. A crítica a essa visão tende a ser bastante severa,
pois, além de mostrar a farta evidência bíblica para a importância da igreja local,
destaca também que os defensores do cristianismo “sem igreja” são geralmente pessoas
que se fazem de vítimas com um discurso piedoso, mas que, na verdade, são gente de
difícil convivência, pessoas que não aceitam nenhum tipo de autoridade, crentes
inclinados a criticar tudo e todos e também incapazes de cooperar com um grupo,
querendo apenas fazer valer suas preferências e opiniões. A experiência mostra ainda
que os “sem igreja” geralmente são pessoas que não dão certo em lugar nenhum e que,
na verdade, seu anseio maior não é por uma espiritualidade individual, mas sim por
uma vida cristã sem compromissos.
CAPÍTULO 9

A DOUTRINA ACERCA DOS ANJOS


(Angelologia)

Assim, pois, de maneira alguma e em tempo algum, os espíritos que chamamos anjos
começaram por ser trevas. No mesmo instante em que Deus os criou foram luz; criados,
não para serem ou viverem simplesmente, mas ainda iluminados para viverem vida feliz e
sábia.

Agostinho de Hipona, Cidade de Deus, XI:XI

Introdução
Contrariando as previsões dos racionalistas dos séculos XVIII e XIX, o homem
pós-moderno tem um profundo interesse pelo universo espiritual. Infelizmente, porém,
por causa da ignorância bíblica, esse interesse, via de regra, produz construções
equivocadas, baseadas em mitos e superstições vazias.
É o caso das ideias gerais que as pessoas de hoje nutrem acerca dos anjos. Livros e
revistas aparecem vez por outra tratando desse assunto e discursos são pronunciados
acerca do tema até com certa vivacidade, despertando o interesse de um público
enorme. Contudo, as conclusões que muitas vezes são apresentadas pelos “mestres”
deste mundo raramente se harmonizam com a doutrina cristã sobre o assunto, uma vez
que não se baseiam na Bíblia e, quando a Palavra de Deus é eventualmente citada para
corroborar alguma proposição, seu texto é geralmente distorcido para atender aos
interesses do expoente.
Diante desse cenário, este capítulo pretende oferecer elementos com os quais o
crente possa construir uma angelologia verdadeiramente bíblica com que possa evitar e
corrigir os desvios modernos. Ademais, uma vez que esse tema, conforme será visto,
aparece na Bíblia inúmeras vezes, fica fora de dúvida que sua análise merece
consideração especial.

Terminologia
Anjos aparecem na Bíblia do princípio ao fim (Gn 3.24; Ap 22.16). São
mencionados 325 vezes em 33 dos 66 livros. Só o Apocalipse os menciona 76 vezes.
Os termos que a Bíblia usa para se referir aos anjos são os seguintes:

Malak: Mensageiro, anjo (109 vezes no AT). Pode se referir a um profeta (Ml
1.1), mas geralmente se aplica a anjos.
Querubim: Singular Chetub. Significado incerto. Talvez sugira alguém que
está perto de Deus, ministrando a ele, ou alguém admitido em sua presença (Gn
3.24; Êx 25.18s; Ez 1.5s; 10.15s; 28.12s).
Serafim: Possivelmente vem de uma raiz hebraica que significa “consumir
com fogo” (Is 6.2,6).
Angelos: Mensageiro, anjo (186 vezes no NT).
Outros nomes: “Filhos de Deus” (Jó 1.6; 2.1); “seres celestiais” (Sl 89.6);
“santos/assembleia dos santos” (Sl 89.5-7; Dn 4.13; Zc 14.5); “milícia
celestial” (Lc 2.13); “santas miríades” (Jd 14).

Informações gerais sobre os anjos


INFORMAÇÃO BASE BÍBLICA
São espirituais
Gn 18.2; Ez 9.2; Hb
(invisíveis, mas
1.14
podem tomar forma).
Foram criados Jó 38.7; Sl 148.2-5; Cl
perfeitos. 1.16.
2Sm 14.20; Ez 28.16-
São seres pessoais. 17; Lc 15.10; Ap 22.7-
8.
Têm poderes 2Sm 24.17; Sl 103.20;
extraordinários. Mt 26.53; Ap 20.1-3
Dn 10.13s; 12.1; Lc
Pertencem a diferentes
1.19; 1Ts 4.16; Cl 1.16;
classificações.
Jd 9
São seres que não se
Mt 22.30
casam.
São imortais. Lc 20.36
São inumeráveis. Hb 12.22; Ap 5.11
A Bíblia se refere aos anjos usando o pronome
masculino. Contudo, segundo o entendimento de
alguns, há uma única exceção em Zacarias 5.9. É
questionável, porém, se o que é descrito nesse
texto é uma visão angélica.

A natureza moral dos anjos


Todos os anjos foram criados santos por Deus (Jó 38.4-7). Contudo, a Bíblia diz
que muitos se rebelaram contra o Criador, tornando-se definitivamente maus (2Pe 2.4;
Jd 6).
Desde os tempos antigos foi aceito pelos grandes teólogos da igreja que os anjos
que guardaram seu estado original foram confirmados em bondade, uma vez que as
Escrituras os apresentam associados ao serviço permanente de louvor e a eventos do
porvir (Sl 103.20; Mt 25.31; Mc 8.38). Além disso, os anjos bons não podem cair
porque foram eleitos (1Tm 5.21).

Acerca dos anjos maus, também chamados de demônios, a Bíblia diz que muitos
deles estão em prisão, reservados para juízo (2Pe 2.4; Jd 6). Isso, porém, talvez não
signifique que eles estejam confinados num lugar. A menção da prisão (tártaro, abismo,
trevas, correntes) pode ser apenas uma referência à situação em que se encontram,
aguardando o juízo de Deus. Seja como for, é certo que há muitos anjos maus em plena
atividade neste mundo (Ef 6.12).
No futuro, anjos maus serão derrotados por Miguel e seus anjos (Ap 12.7-8) e junto
com o diabo, serão lançados à terra, onde provavelmente vão atuar de modo intenso
durante a Grande Tribulação (Ap 12.9,12). As Escrituras também ensinam que os anjos
maus serão julgados pelos crentes (1Co 6.3), não havendo esperança de salvação para
eles (Hb 2.16). Com efeito, no fim todos serão lançados no fogo eterno (Mt 25.41).

O ministério dos anjos


Os anjos realizam o ministério de adorar e servir ao Senhor (Sl 103.20; Is 6.2s; Dn
7.10; Ap 5.11-13; 19.1s), jamais aceitando adoração para si mesmos (Ap 22.8-9). Em
seu serviço a Deus, eles atuam na história da salvação trazendo mensagens, instruindo e
guiando os homens (Mt 1.20; 2.13; Lc 1.11-38; 2.8-15; At 10.3-5). Os anjos também
atuam como instrumentos na aplicação do juízo divino contra os maus (Gn 19.13; 2Sm
24.16; 2Rs 19.35; Mt 13.39; At 12.23; Ap 20.1-3).
Talvez a tarefa principal dos anjos neste mundo seja ministrar aos crentes (Hb
1.14). O modo exato como isso é feito não é esclarecido nas Escrituras.
O Novo Testamento ainda dá indícios de que as crianças são, de alguma forma,
beneficiadas pelo ministério dos anjos (Mt 18.10), que os salvos recebem amparo
angélico em face da morte (Lc 16.22) e que os anjos têm um interesse intenso pelo
maravilhoso tema da salvação do homem (1Pe 1.12).
Satanás
O termo “Satanás” aparece em 7 livros do AT e é citado por todos os autores do
NT. Vem do hebraico (satan) e significa “adversário”. O verbo relacionado a esse
substantivo tem o sentido de “ficar em emboscada” ou “opor-se”. No NT essa palavra
aparece 36 vezes. Satanás é também chamado de “diabo” (Gr. diábolos. Ocorre 33
vezes no NT), vocábulo que significa “caluniador” e/ou “difamador”.
Com base na Vulgata Latina (tradução de Jerônimo) que traduz “estrela da manhã”,
em Isaías 14.12, como lucifer (portador da luz – Veja-se 2Co 11.14), Satanás passou a
ser chamado pelos teólogos antigos de Lúcifer. No NT ele recebe as designações de
Belzebu, o maioral dos demônios (Mt 12.24 – Em alguns manuscritos “senhor das
moscas”), maligno (Mt 13.38), Belial (2Co 6.15), tentador (Mt 4.3; 1Ts 3.5), inimigo
(Mt 13.28-29), homicida e pai da mentira (Jo 8.44), deus deste século (2Co 4.4),
príncipe da potestade do ar (Ef 2.2), príncipe deste mundo (Jo 12.31; 14.30; 16.11) e
Abadom (no hebraico) ou Apoliom (no grego). Esses dois últimos termos significam
“destruidor” ou “exterminador” e servem para identificar o “anjo do abismo” ou o rei
dos demônios (Ap 9.11).
O texto de Apocalipse 12.7-10 fornece outras designações para Satanás (grande
dragão, antiga serpente, sedutor de todo o mundo, acusador de nossos irmãos, etc.).
Essas designações revelam muito do seu caráter e se relacionam a diferentes aspectos
da sua obra.

A origem e a queda de Satanás


Satanás é um anjo criado por Deus que posteriormente caiu de sua posição e estado
original. Geralmente é aceito que as palavras de Isaías 14.12-15 e de Ezequiel 28.11-
19 foram dirigidas aos reis de Babilônia e de Tiro, respectivamente, mas que, de forma
indireta, dizem respeito a Satanás. Assim, pode-se afirmar o seguinte:

Satanás foi criado perfeito (Ez 28.12,15).


Satanás tinha uma posição elevada (Is 14.12; Ez 28.14).
Satanás se ensoberbeceu (Is 14.13-14; Ez 28.15-17; 1Tm 3.6).
Satanás foi deposto de sua elevada posição (Is 14.15; Ez 28.16-19).

Satanás é... Satanás não é...


Um anjo mau Um deus mau (Tg
(Ez 28.15) 2.19)
Astuto (2Co Onisciente (Jó
2.11; Ef 6.11-12) 1.9-11)
Poderoso (2Co Onipotente (Lc
11.14; 2Ts 2.9) 10.18; 2Co 2.11)
Atuante em todo
Onipresente (Jó
o mundo (Ap
1.7)
20.3)

A obra de Satanás e dos demônios


Satanás é o tentador por excelência (Mt 4.1-11; 1Tm 3.6-7). Ele também confunde,
engana (2Co 11.3,13-15; Ap 20.3) e vive em busca de alguém para destruir (1Pe 5.8;
Ap 12.17). No uso de sua sagacidade (2Co 2.10-11), ele induz à imoralidade (1Co 7.5),
semeia o joio (Mt 13.39) e incita a perseguição contra o povo de Deus (Ap 2.10). Por
causa de sua terrível crueldade, Satanás muitas vezes é usado por Deus como um
instrumento de disciplina para seus servos (2Co 12.7), bem como para os crentes
rebeldes e os apóstatas (1Co 5.5; 1Tm 1.20).
O quadro que segue mostra outros aspectos da obra de Satanás:

OCAS IÃO DIREÇÃO OBRAS Ref. Bíblicas


Deu origem ao Ez 28.15; Gn
PAS S ADO
pecado 3.1-13
Jó 2.7; At
Oprime
10.38
Causa a morte Hb 2.14
CRENTES E
Tenta 1Ts 3.5
INCRÉDULOS
Ilude 2Tm 2.26
Inspira ideais
At 5.3
iníquos
Toma posse Jo 13.27
PRES ENTE Cega o
2Co 4.4
entendimento
INCRÉDULOS Dissipa o
M c 4.15
Evangelho
Produz ministros M t 13.25,38-
do mal 39

1Ts 2.18
CRENTES Faz oposição
Acusa Ap 12.9-10
Dará poder ao
FUTURO 2Ts 2.9-10
Anticristo

Satanás tem acesso ao trono de Deus (Jó 1.6; 2.1; Zc 3.1-6; Lc 22.31; Ap 12.7-10),
reina sobre a hierarquia dos demônios (Mt 25.41; Ef 6.12; Ap 12.7) e também sobre
este mundo (Lc 4.5-6; 2Co 4.3; Ef 2.1-3; 1Jo 5.19-20).

Quanto aos demônios, a Bíblia ensina que eles:

1. Creem em Deus e têm temor dele (Tg 2.19).


2. Conhecem Jesus (Mc 1.24).
3. Sabem de sua condenação (Mt 8.29).
4. Opõem-se aos propósitos de Deus (Dn 10.10-14).
5. Promovem o culto de si mesmos (1Co 10.20-21).
6. Têm suas próprias doutrinas e as divulgam (1Tm 4.1-3).
7. Realizam grande feitos miraculosos (Ap 16.13-14).
8. Alguns, muito poderosos, enganam as nações (Dn 10.13; Is 24.21; Ap 16.13-
14).
9. Afligem e atacam os crentes (2Co 12.7; Ef 6.11-12).
10. Podem causar doenças (Mt 9.33).
11. Podem possuir pessoas (Mc 5.2).
12. Podem possuir animais (Mc 5.13).
É preciso destacar que, mesmo sendo contrários a Deus e inimigos do seu povo,
Satanás e seus anjos muitas vezes são instrumentos que cumprem os decretos do Senhor
(Gn 3.15; 1Sm 16.14; 1Rs 22.23; 2Cr 18.18-21; 2Co 12.7-10).

O destino de Satanás
No futuro, Satanás será expulso dos lugares celestiais (Ap 12.9). Ele será
aprisionado no abismo e solto somente ao final de mil anos (Ap 20.1-9). Por fim,
Satanás será lançado no lago de fogo (Ap 20.10).

O crente em relação a Satanás


• Deve revestir-se da armadura de Deus (Ef 6.11-18).
• Deve ser prudente e se autodominar, a fim de evitar a criação de
circunstâncias propícias à atuação do adversário (2Co 2.10-11; Ef 4.27).
• Deve trabalhar para livrar os que caíram na armadilha do diabo (2Tm 2.25-
26).
• Deve resistir ao diabo (Mt 4.10; At 5.3; 1Tm 5.15; Tg 4.7; 1Pe 5.8-9).

Resistir a Satanás significa fazer uso das grandes verdades da Palavra de Deus na
luta contra ele. Portanto, para resisti-lo é necessário conhecer a Bíblia e as doutrinas
nela ensinadas. Foi dessa maneira que Jesus enfrentou Satanás durante a tentação no
deserto (Mt 4.1-11). É bom lembrar também que naquela ocasião Jesus estava cheio do
Espírito (Lc 4.1), sendo esta também uma condição necessária para vencer o inimigo.
Em Apocalipse 12.11 encontram-se as três causas principais da vitória total do
crente sobre Satanás, a saber: o sangue do Cristo (cf. Hb 2.14-15), o testemunho firme e
corajoso e a perseverança mesmo em face da morte.
CUIDADO! VENENO!
Testemunhas de Jeová e Adventismo: As Testemunhas de Jeová acreditam que o
arcanjo Miguel era Jesus antes de se encarnar e que ele retomou essa designação após a
ressurreição. Os Adventistas do Sétimo Dia pensam da mesma forma, mas não negam a
divindade de Jesus como fazem as Testemunhas de Jeová. O livro de Hebreus reprova
qualquer forma de identificação de Jesus com um anjo (Hb 1.4-14).

Mormonismo: Ensina que o arcanjo Miguel é Adão e que ele ajudou Javé a criar o
mundo. Dentro do mormonismo existe também a figura do anjo Moroni, central para a
sua doutrina. De acordo com o Livro de Mórmon, Moroni foi um profeta que, após a
morte, virou anjo e mostrou a Joseph Smith o local onde estavam certas placas de ouro
cobertas com inscrições. Essas placas, uma vez traduzidas, formaram o Livro de
Mórmon. Moroni, quando homem, foi filho de Mórmon, o profeta que organizou as
placas. O mormonismo ensina a possibilidade de o homem se tornar divino passando
antes pelo estado angélico, como ocorreu com Moroni.

Catolicismo Romano: Ensina que, desde o nascimento, Deus envia um anjo para
proteger cada pessoa ao longo da vida. A partir de 1670, o dia 2 de outubro passou a
celebrar a Festa do Anjo da Guarda de cada indivíduo. Os católicos também veneram
os anjos realizando festas em sua homenagem e dirigindo orações a Miguel, Gabriel e
Rafael. Cidades e países sob a influência católica adotam esses seres como seus santos
padroeiros. Ao que tudo indica, a angelolatria se infiltrou na igreja cristã a partir das
seitas gnósticas, cujos adeptos, desde o período formativo desses movimentos
heréticos, praticavam o culto dos anjos (Cl 2.18), tentando inseri-lo na prática da
espiritualidade cristã.

Evangelicalismo popular: Tende a atribuir quaisquer males e até os mais simples


desconfortos à ação de demônios e criam estratégias (inclusive o uso de amuletos),
orações e palavras de ordem para refreá-los e combatê-los. A partir de Daniel 10.10-
13 alguns evangélicos concluem que orar em voz alta pode ser perigoso, pois os
demônios, tomando conhecimento do conteúdo das súplicas, poderiam frustrá-las.
Seguindo na esteira do antigo paganismo, também adotam a ideia de que os demônios
atuam em territórios específicos, sendo, assim, “espíritos territoriais”. A base que usam
para essa crença são textos como Daniel 10.13 e Marcos 5.9-10 (cp. Lc 8.31). Daí a
prática de fazer passeatas e rodear cidades e regiões reivindicando esses espaços para
Jesus.

Esoterismo e Nova Era: Define os anjos como mensageiros e intermediários da


“Grande Mente Cósmica” que é composta por tudo e é um com tudo (panteísmo). Os
anjos são capazes de proteger pessoas, raças e até nações e também têm poder para
criar novas realidades. Os mestres esotéricos e de Nova Era ensinam que as pessoas
têm anjos particulares cujos nomes podem ser descobertos (geralmente por meio da
data de nascimento do indivíduo) e com quem podem se relacionar até o ponto de se
fundirem com essas entidades. Nessas buscas, é fomentado o uso de velas, orações e
pedidos por escrito. O contato mais desejável com esses seres, porém, se dá por meio
da “expansão da consciência” que viabiliza visões angélicas e até o acesso ao mundo
dos anjos, tudo com o objetivo de conhecer mistérios espirituais e obter auxílio ou
livramento.
CAPÍTULO 10

A DOUTRINA ACERCA DAS


ÚLTIMAS COISAS
(Escatologia)

A Deus, o arquiteto das eras, lhe pareceu bem fazer-nos participantes de confiança do
seu plano para o futuro, e revelou seu propósito e seu programa com detalhes na
Palavra.

J. Dwight Pentecost, Prefácio de Things to come.

Introdução
Muitos crentes ficam confusos acerca dos eventos que Deus determinou que
tomassem lugar no futuro. Isso não é sem motivo. Com efeito, a Bíblia apresenta certa
obscuridade no tocante a essas questões, o que fez com que surgissem posições
escatológicas distintas mesmo entre os teólogos mais sérios e zelosos.

Ainda assim, é inegável que existem certos elementos que claramente compõem o
quadro bíblico escatológico, sendo aceitos pela maior parte dos estudiosos da Palavra
como eventos preditos na Bíblia. É verdade que os estudiosos nem sempre estão de
acordo quanto à ordem cronológica que esses eventos irão seguir. Porém, mesmo em
meio a essa divergência, é perfeitamente possível delinear os contornos de uma
escatologia bíblica saudável, nutrindo a firme esperança de um final glorioso para a
história, no qual Deus reinará absoluto e será “tudo em todos” (1Co 15.28).
Neste capítulo serão expostos os eventos principais que a Bíblia aponta como
componentes do plano de Deus para o futuro. Esses eventos estão dispostos aqui na
ordem em que ocorrerão, segundo a posição teológica adotada neste livro
(premilenismo pretribulacionista).

O arrebatamento da igreja
O arrebatamento é o primeiro de uma série de eventos que tomarão lugar na história
como cumprimento de predições bíblicas. O texto clássico que trata desse assunto é
1Tessalonicenses 4.13-18. Segundo esse texto, o arrebatamento da igreja acontecerá da
seguinte forma:

Os mortos em Cristo:Os crentes em Jesus que já morreram ressuscitarão e subirão ao


céu com corpos glorificados (1Co 15.20-23; 1Ts 4.16). É bom destacar que as almas
dos crentes que morrem vão imediatamente para o céu (Lc 16.22-23; 23.41-43; 2 Co
5.6-8; Fp 1.23). Seus corpos, contudo, jazem sem vida na sepultura e, afinal, se
desfazem. Por ocasião do arrebatamento, porém, os corpos dos crentes mortos serão
vivificados outra vez (Jó 19.25-27) e eles serão arrebatados para estar para sempre
com Cristo.

Os crentes vivos: Logo após a ressurreição dos crentes em Jesus que já morreram, os
crentes que estiverem vivos subirão juntamente com eles para o encontro com o Senhor
nos ares (1Ts 4.17). Eles também terão seus corpos glorificados (1Co 15.50-54; 2Co
5.1-5).

Após isso tudo, a igreja comparecerá diante do Tribunal de Cristo (Rm 14.10; 1Co
3.10-15; 2Co 5.10) para, finalmente, receber os galardões (Lc 14.14; 1Co 4.5; 2Tm 4.8;
Ap 22.12).
A grande tribulação
Logo após o arrebatamento da igreja, começará a “grande tribulação” ou a
“septuagésima semana de Daniel”, o período de “angústia para Jacó” (Jr 30.7). Jesus
falou sobre a grande tribulação em Mateus 24.4-30, dizendo que será um período de
muita aflição, engano e apostasia que precederá imediatamente a sua vinda.

A Bíblia também ensina que a grande tribulação vai durar sete anos (Dn 9.27),
sendo três anos e meio de falsa paz (1Ts 5.2-3) e três anos e meio de dores (Dn 7.25;
12.1,7,11; Ap 11.2-3; 12.6,14; 13.5). É por esse tempo que o anticristo estará atuando
de maneira poderosa sobre toda a terra (Dn 7.7-8,11,19-27; Mt 24.15; 2Ts 2.3-12; Ap
13.1-8).
Mesmo sendo um tempo de engano, opressão e sofrimento, a graça salvadora de
Deus será atuante durante a grande tribulação. De fato, a oposição severa do anticristo
não impedirá que multidões se convertam e recebam a redenção que Cristo oferece (Ap
7.9-14).
A maior parte dos eventos que tomarão lugar no período da grande tribulação está
registrada em Apocalipse 6-19.

A segunda vinda de Cristo


Ao fim do período da tribulação, o Senhor Jesus voltará para estabelecer o seu
reino milenar neste mundo (Mt 24.30; Lc 21.25-28). A segunda vinda de Cristo será um
evento histórico que todos poderão testemunhar (At 1.11; Ap 1.7).
Abaixo são enumerados fatos importantes que tomarão lugar quando o Senhor Jesus
voltar:

1. Os crentes virão junto com Cristo. Uma possível base para essa afirmação é
Apocalipse 19.11-14.
2. O anticristo que estará atacando Jerusalém com seus exércitos será derrotado
(Zc 12.1-8; 14.1-15; Lc 21.20; 2Ts 2.8), sendo então lançado no lago de fogo, junto
com o falso profeta (Ap 19.15-21).
3. Satanás será preso por mil anos (Ap 20.1-3).
4. Os judeus se arrependerão e crerão em Cristo (Zc 12.9-13 cp. Jo 19.36-37; Mt
23.39; Rm 11.25-27), entrando então no reino para desfrutar finalmente da terra
que lhes foi dada (Ez 28.25-26).
5. Os santos do Antigo Testamento e os crentes mortos na tribulação
ressuscitarão para reinar com Cristo durante os mil anos (Jó 19.25-27; Is 26.19;
Dn 12.2-3,13; Ap 20.4-6).
6. As nações serão reunidas para julgamento e os gentios salvos que estiverem
vivos serão separados para entrar no reino milenar (Mt 24.30-31,36-41; 25.31-
34,41).

O milênio
A segunda vinda de Cristo inaugurará o período de mil anos durante os quais ele
reinará na terra em cumprimento às promessas feitas a Davi (2Sm 7.10-16; Lc 1.32-33;
Ap 20.4). Durante esse período Satanás estará preso (Ap 20.1-3) e a terra desfrutará de
paz e justiça (Is 2.1-5; 11.6-9; Zc 14.9).
A partir da análise bíblica, tudo indica que no reino milenar pessoas ressurretas
conviverão com indivíduos ainda não ressurretos. Isso não deve causar espanto, pois os
episódios que seguiram a ressurreição de Cristo mostram que essa convivência é
perfeitamente possível (Mt 28.9-10; Lc 24.28-31,39-43; Jo 21.1-14).

Assim, no milênio estarão os crentes que serão arrebatados antes da tribulação e


que voltarão com Cristo (Ap 19.11-14), os santos do Antigo Testamento que
ressuscitarão (Dn 12.13), os salvos da tribulação que também ressuscitarão (Ap 20.4-
6) e os salvos de Israel e das nações que não terão passado ainda pela morte (Mt
25.31-34). Esses últimos, sendo pessoas comuns, ainda não ressurretas, viverão vidas
normais, trabalhando, constituindo família e estando sujeitos à morte, ainda que em
idade bastante avançada (Is 65.18-25).
Sendo assim, novos indivíduos nascerão durante o milênio e, ainda que o temor do
Senhor predomine nas novas gerações (especialmente, talvez, de judeus. Cf. Is 65.23), é
certo que entre as nações surgirão pessoas com inclinações naturais, nutrindo
disposições contrárias ao grande Rei. Isso abrirá as portas para o evento que é descrito
a seguir.

A revolta final
Conforme Apocalipse 20.7-10, ao fim do milênio Satanás será solto e sairá
seduzindo as nações para que se rebelem contra o Rei. Ele encontrará corações
propensos à revolta e formará um exército que atacará a cidade santa.
Um fogo do céu, contudo, destruirá a todos e Satanás será finalmente lançado no
lago de fogo e enxofre onde já terão sido lançados o anticristo e o falso profeta.
O grande trono branco
Esta expressão se refere ao conhecido “Juízo Final”. Depois da última revolta, um
trono será firmado para julgar os incrédulos mortos de todas as eras (Ap 20.11-15).
Será, assim, a ocasião em que serão julgados os que não tiveram parte na primeira
ressurreição (Ap 20.5). Estes serão julgados e condenados a passar a eternidade no
lago de fogo.
É bem provável que as pessoas que morreram durante o milênio, salvas ou não,
também ressuscitem para o juízo do grande trono branco, já que a Bíblia não aponta
nenhuma outra ocasião em que a ressurreição dessas pessoas possa ocorrer.

O novo céu e a nova terra


O juízo final marcará o fim de uma era, pondo termo à presente criação (2Pe 3.10-
13). Após sua realização, haverá novos céus e nova terra, com bênçãos infindas para os
salvos e tormento constante para os perdidos (Ap 21.1-8).
GRÁFICO PANORÂMICO ESCATOLÓGICO

Posições escatológicas distintas


No meio evangélico existem pastores sérios e zelosos que acolhem posições
escatológicas diferentes da exposta neste livro (premilenismo pretribulacionista ou
dispensacionalista). As principais entre elas são as seguintes:

POSIÇÃO
DEFINIÇÃO
ESCATOLÓGICA
Não aceita o futuro
estabelecimento de um reino
de mil anos literais. Para os
Amilenismo
amilenistas, o milênio é o
Origens a partir do
período entre a ascensão de
séc. IV
Cristo e sua segunda vinda,
tempo em que o Senhor reina
no céu.
Ensina que o avanço da
ciência e do evangelho
inaugurará uma era de paz e
prosperidade no futuro (o
Pós-milenismo milênio). Quando esse
Origens a partir do cenário novo e desejável
séc. XII estiver pronto, ocorrerá a
segunda vinda de Cristo,
coroando esse tempo de
glória e iniciando o estado
eterno.
Defende que o arrebatamento
Premilenismo e a volta de Cristo formam
histórico um único evento, depois do
Origens a partir do qual será imediatamente
séc. II estabelecido um reino de mil
anos literais de paz e justiça.
Afirma que a igreja
permanecerá na terra até a
segunda vinda de Cristo,
Pós-tribulacionismo
ficando sujeita às aflições do
Origens a partir do
tempo do anticristo e sendo
séc. II
arrebatada somente quando o
Senhor voltar, a fim de
encontrá-lo nos ares.
Mid-tribulacionismo Diz que a igreja será
ou arrebatada no meio da
Mesotribulacionismo tribulação, antes que comece
Origens em meados o período de 42 meses de
do séc. XX efetivo juízo e sofrimento.
Ensina que nem todos os
crentes serão arrebatados,
Arrebatamento
mas somente os que têm certa
Parcial
maturidade espiritual e que
Origens em meados
estão preparados, esperando
do séc. XIX
o dia do encontro com o
Senhor.

O gráfico abaixo ilustra a concepção do premilenismo histórico. Note-se que,


segundo essa posição, o arrebatamento da igreja ocorre depois da tribulação e coincide
com a segunda vinda de Cristo.
Nos tempos do Império Romano, quando o imperador visitava uma cidade, seus
habitantes saíam ao seu encontro para recepcioná-lo a certa distância dos muros.
Depois todos entravam juntos novamente na cidade.
Alguns teólogos entendem que essa figura se aplica ao arrebatamento, sendo a
igreja uma comitiva que sai ao encontro do Senhor para recebê-lo honrosamente em sua
vinda, voltando logo em seguida à terra para o estabelecimento do Reino.
CUIDADO! VENENO!
Teologia do Processo e Teísmo Aberto: A teologia do processo entende a
realidade como um processo do qual Deus faz parte, influenciando e também sofrendo
influências. Nesse processo, Deus respeita o livre-arbítrio das pessoas e tenta
convencê-las a fazer o que ele almeja. Porém, não pode coagir ninguém, de modo que
tudo o que lhe resta é desejar que as coisas ocorram como ele gostaria que ocorressem.
Quando os bons desejos de Deus não se cumprem e suas tentativas de persuasão se
revelam infrutíferas, ele sofre e se coloca ao lado daqueles que também padecem por
causa das decisões más. Sendo alguém que apenas tenta influenciar o curso do universo,
Deus não conhece o futuro, pois este depende das decisões ainda indefinidas de outros
agentes que ele não pode obrigar em nenhum sentido. O teísmo aberto segue nessa
mesma direção, ensinando igualmente que Deus jamais desrespeita o livre-arbítrio do
homem. A partir daí, seus proponentes negam que Deus predeterminou o futuro, pois,
segundo entendem, se ele o fizesse, então o homem não teria liberdade de fato. Assim,
também no teísmo aberto Deus sequer conhece o futuro, posto que este nunca foi fixado
por ele de antemão. É dessa forma que Deus se “abriu”, limitando sua soberania, a fim
de que o homem seja o real construtor da história.
Doutrina do sono da alma (psicopaniquia): Essa doutrina, proposta pelos
adventistas e por uma minoria de evangélicos, entende que entre a morte e a
ressurreição, a alma da pessoa dorme, ou seja, entra num estado de inconsciência,
despertando no dia final juntamente com a ressurreição do corpo para receber a herança
divina ou a punição eterna. Esse ensino geralmente se baseia nas afirmações bíblicas
que se referem aos mortos como “os que dormem” (1Co 15.6,20; 1Ts 4.13-15). Porém,
deve-se observar que essa expressão é apenas um eufemismo, isto é, o emprego de uma
linguagem branda para suavizar a referência à dura realidade da morte. O próprio Jesus
usou essa linguagem eufemística em João 11.11, explicando-a em seguida aos
discípulos (Jo 11.12-14). Também se deve observar que a referência aos que dormem
aponta para o estado dos corpos dos falecidos, estes sim inconscientes até o dia da
ressurreição, quando, enfim, “despertarão”. Textos como Mateus 17.2-3, Lucas 16.22-
26; 23.43; Atos 7.59; 2Coríntios 5.8, Filipenses 1.23, Hebreus 12.23 e Apocalipse 6.9-
11 mostram a falácia do ensino que propõe o sono da alma.
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Sobre o autor

MARCOS GRANCONATO é pastor titular da Igreja Batista


Redenção em São Paulo. Formou-se em teologia no Seminário
Bíblico Palavra da Vida. É graduado em direito pela
Universidade São Francisco de Bragança Paulista e mestre em
teologia histórica pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação
Andrew Jumper.

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