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Psicoterapia:
formação e
regulamentação
1
índice PraPsis
PraPsis
Agenda
3
3 Psicoterapia
GT Psicoterapia 4
A diversidade na Psicoterapia 5
A presente edição do EntreLinhas enfoca as psicoterapia na esfera pública e na esfera privada
psicoterapias. Escolher esse tema, assim como os é levantada pelos psicólogos Jaime Betts, Marta
expediente conteúdos a serem tratados neste jornal, fez com
a intencionalidade de diminuir o sofrimento e de
Conte e Denise Costa Hausen.
que nos deparássemos com a complexidade em Duas questões polêmicas envolvendo a
O público e o privado 8
criar espaços de apropriação da vida.
Presidente: Neuza Maria de Fátima Guareschi todas as fases de seu planejamento e elaboração. psicoterapia também estão na pauta: o depoi-
Vice-presidente: Bárbara Conte Na Psicologia, o campo das psicoterapias
Tesoureiro: Diego Villas-Bôas da Rocha Enfrentamos, por exemplo, o desafio de contem- mento sem dano, por Márcia Steffen, e a psicote-
tem tomado grande parte dos projetos profissio-
Secretária: Maria da Graça Jacques plar a diversidade, pois várias são as abordagens rapia virtual, por Silvana de Oliveira. Para encer-
nais. Muitos calouros ingressam na universidade,
Conselheiros:
Adriana Martello
Ari Gomes Pereira Jr.
Depoimento sem dano 10 e possibilidades de compreender as práticas psi-
coterápicas efetivadas por psicólogos. Convenci-
dos de ser este um tema inesgotável, optamos por
desejosos de transformar-se em terapeutas, en-
saiando, desde os primeiros semestres do curso,
rar, inauguramos uma nova seção no EntreLinhas,
que irá entrevistar algum destaque no tema pro-
posto para cada edição. Desta vez, o convidado é
Betina Hillesheim movimentos que o reconheçam nesta posição.
Entrevista 12
Raquel Conte Poletto extrema relevância que não podem deixar de ser
que se refere à formação, às práticas de supervi-
Silvana de Oliveira
Simone Maria Hüning Platão, no Banquete, por exemplo, alvo de reflexões críticas e de debates.
são e às questões éticas, entre outras. A urgência
Com este objetivo, o Sistema Conselhos
Vera Lúcia Pasini
referiu-se ao terapeuta como aque- instituiu um Grupo de Trabalho nacional para
em discutir esses pontos se exacerba na medida
em que se estabelece um movimento de regula-
Coordenação Editorial
Comissão de Comunicação: Helena Beatriz Scarparo, le que exerce a “therapeía”, ou seja, discutir questões relativas à formação e à regula-
mentação da psicoterapia. Assim, esta edição é
mentação da Psicoterapia, e este trabalho é apre-
Hélio Castro, Letícia Giannechini, Liliana Rauber,
Maria da Graça Jacques, Silvana de Oliveira cuida do Eros para que ele entre em sentado no artigo da conselheira Bárbara Conte,
um convite enfático para que a categoria partici-
equilíbrio. Parece que desde sempre faz parte pe desta discussão e contribua com reflexões que
Jornalista Responsável: Liliana Rauber (MTB/RS 9684) que preside o GT de Psicoterapia no CRPRS.
do desejo humano buscar modos de conquistar a ampliem as interlocuções e aprimorem as possi-
A diversidade nas abordagens psicotera-
Colaboraram nesta edição: : André G. Vieira,
constância e encontrar as maneiras de satisfação bilidades de que as psicoterapias se constituam
Bárbara Conte, Denise Costa Hausen, Jaime Betts, pêuticas fica evidenciada nos diferentes textos
no encontro com o outro. O vocábulo terapia tem em espaços promotores de intervenções que ga-
Luís Claudio Figueiredo, Magda Mello, desta edição. A Psicoterapia Psicanalítica é tema
Márcia Inês Monteiro Steffen, Marta Conte, origem grega – therapeuen – e significa cura e ini- rantam a transformação do sofrimento em novas
da psicóloga Magda Mello, a Junguiana é aborda-
Editorial
Neuza Maria de Fátima Guareschi, Nira Lopes Acquaviva,
ciação. Assim, a palavra denota, ao mesmo tempo, possibilidades de prazer e da primazia de Eros.
Paulo Knapp, Ricardo Wainer, Silvana de Oliveira. da pelo psicólogo André Vieira, a Sistêmica é o
foco da psicóloga Nira Lopes Acquaviva, e a te-
Projeto Gráfico: Verdi Design
Diagramação: Tavane Reichert Machado rapia cognitiva é tratada pelo psicólogo Ricardo
(tavanerm@terra.com.br) Wainer e pelo psiquiatra Paulo Knapp. O uso da
Ilustrações: Marsal Alves Branco (marsal@feevale.br)
Regulamentação da Psicoterapia:
Impressão: Gráfica Trindade
Tiragem: 12.000 exemplares
Distribuição gratuita
e-mail: jornal@crprs.org.br
CRPRS
12 a 15 de setembro – Natal/RN
• Encontro Internacional Psicologia das - Instituto Cyro Martins
Informações: (84) 3211-1552 ou
Emergências e dos Desastres Informações: (51) 3338.6041 ou
sbphnatal@mkmeventos.com.br
No curso de Mestrado em Psicologia mos que esta lógica da compartimentalização 21 a 23 de março – Buenos Aires/Argentina cyromartins@cpovo.net
• II Congresso Latino Americano de Entidades
Social, durante uma aula de Metodologia de não incide apenas sobre aquilo que chamamos Solenidade de entrega Informações: www.sapsed.org.ar/en- de Psicologia – ULAPSI
• Psicoterapia Psicanalítica de Crian-
Pesquisa, ouvi a seguinte frase de um profes- de área do conhecimento ou a prática profis- das carteiras de cuentrointernacional ças - Instituto Cyro Martins
12 a 14 de setembro – Havana/Cuba
sor: “Se Freud vivesse na academia de hoje, sional de uma determinada disciplina de um Informações: (51) 3338.6041 ou
certamente não lhe seria permitido criar as campo de saber. Ela passa a constituir o lugar
identidade profissional • XI Colóquio Internacional de Psicosso- Informações: www.ulapsi.org
cyromartins@cpovo.net
27 de fevereiro — Passo Fundo ciologia e Sociologia Clínica • XIX Jornada Anual do IEPP - Vulnerabilidade
teorias que o consagraram na história da hu- de onde se pode falar e quem pode falar sobre 10 a 13 de abril – Belo Horizonte/MG • Terapia de Casal e Família – CEFI
02 de março — Caxias do Sul e Desamparo
manidade”. Freud conseguiu driblar o projeto o quê, delimitando o domínio sobre os objetos, Informações: www.fafich.ufmg.br/co- Informações: (51) 3222-5578 ou
28 e 29 de setembro – Porto Alegre/RS
da modernidade que se ocupou do compro- os campos de competência, ou seja, as formas 07 de março — Bagé loquio cefipoa@terra.com.br
Informações: (51) 3333-4801 ou www.iepp.
misso de alavancar o progresso através da de conhecer e dominar uma realidade para me- 13 de março — Erechim, • XXI Congresso Brasileiro de Psicanálise • Terapia de Casal e Família – CLIP
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lhor intervir sobre ela. Embora podemos pensar Santa Cruz do Sul Informações: (51) 3222 6134 ou
ordenação do mundo.Para eliminar as 9 a 12 de maio – Porto Alegre/RS
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que este é um modo aceito para construirmos 29 de março — Porto Alegre Informações: www.abp.org.br
Conselho Regional de Psicologia do Rio ambigüidades, os chamados conhe- conhecimento e refletirmos sobre as práticas CURSOS DE ESPECIALIZAÇÃO
Grande do Sul CRP-07 30 de março — Santa Maria, • V Congresso Norte e Nordeste de Psico-
cimentos científicos operam como Psi, não podemos deixar de assinalar que esta Pelotas, Santo Ângelo logia – V CONPSI • Avaliação Psicológica – Ulbra/Canoas
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NOVO ENDEREÇO: ferramentas centrais para constituir lógica também é indissociável do modo como 23 a 26 de maio – Maceió/AL Informações: (51) 3477-9120 ou 3477-9122
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CEP: 90410-006 – Porto Alegre – RS categorias, classificar, ordenar e de- tâncias da vida, isto é, tornar privativo do es- Educação em Direitos org.br ou www.crp15.org.br/~vconpsi Informações: (51) 3320-5214 ou www.conesul.org
Informações: (51) 3222-5578 ou www.
Fone/Fax: (51) 3334-6799
E-mail: comunicacao@crprs.org.br terminar os lugares para cada coisa. pecialista um objeto de saber não é apenas Humanos • Mídia e Psicologia: produção de subje- • Intervenções Psicossociais – UPF
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Psicologia Brasileiro de Orientação Vocacional &
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GT Psicoterapia a diversidade na psicoterapia
4 5
a diversidade na psicoterapia
6 7
o público e o privado
A Psicanálise em organizações que convoca o sujeito a procurar o terceiro setor, a escuta acolhedora de sua pala-
não-governamentais
É através do acolhimento da palavra que humanizamos a condição hu-
mana. É pela via da palavra que o sofrimento se humaniza. E isso se dá pela via
da transferência.
A transferência, no sentido psicanalítico do termo, não se restringe apenas
ao contexto do setting analítico, embora tenha ali sua condição experimental por
excelência. A transferência é dada pela palavra de um sujeito dirigida a um outro,
Cada vez mais a psicanálisé e praticada em contextos diversos ao do setting clássico dos consul- sob forma de queixa, demanda ou de questionamento, em busca de um saber su-
O interesse em discutir a possibilidade do uso de psicoterapias na rede de Para nos determos na escuta, cabe situar que é da escuta que depende aquilo que se diz. E tórios privados, sendo exercida por profissionais inseridos em diferentes contextos institucionais, seja posto ao outro a respeito de sua condição humana, qualquer que seja.
saúde pública convida-nos a criar um campo conceitual que considere, ao mesmo o que se desembaraça varia segundo aquele que escuta e questiona, seja educador, magistrado, em serviços de saúde (públicos ou privados), na assistência social, na educação ou diretamente nas O que faz com que a resposta daquele que acolhe essa palavra tenha um
tempo, os diferentes referenciais teóricos que as amparam e os princípios e diretri- teólogo ou psicólogo. comunidades. Essa constatação, facilmente feita, levanta de imediato algumas questões, entre elas se o efeito humanizante curativo depende do quanto remeta o sujeito à verdade de
zes do SUS, especialmente a integralidade, a resolutividade e a intersetorialidade. O sujeito é sempre uma incógnita, e para não naufragar é preciso que nos libertemos da conceito de clínica ampliada se aplica à psicanálise. seu desejo em relação ao outro, verdade que poderá orientar seu agir num senti-
A Clínica Ampliada, como um conceito em construção, tem lugar especial no técnica calcada no prognóstico e na impessoalidade, para oferecer-lhe algumas bordas, que se or- O conceito de clínica ampliada implica a inserção da prática clínica de cada profissional num do politicamente desalienante.
campo das psicoterapias. Trata-se, então, de aproximar estes dois termos a partir de ganizam desde uma série de atributos e identificações, a partir de como ele é falado. contexto de interdisciplinaridade, transdisciplinaridade e intersetorialidade. A interdisciplina implica o Para que a transferência possa ser trabalhada eticamente, é preciso criar
idéias advindas da escuta na prática clínica, nas discussões em sala de aula, nas su- Esta fala com o sujeito se traduzirá na aposta de que ele tem um valor e na possibilidade de reconhecimento dos limites de cada disciplina e a construção das interfaces e implicações recíprocas dispositivos clínicos adequados, em que o amor de transferência dirigido ao saber
pervisões de estágio e a partir da práxis desenvolvida no Centro de Referência em Re- ele vir a se interrogar sobre a sua implicação naquilo do qual padece = responsabilidade. entre as mesmas; a transdisciplina implica o reconhecimento das conseqüências éticas que o conceito suposto ao profissional possa dar lugar à verdade que a palavra do sujeito filtra.
dução de Danos, com profissionais da atenção básica e os serviços especializados. A aposta não está dirigida a algum resultado pré-determinado ou ideal, mas parte da posição de singularidade subjetiva traz para a prática clínica, pois é o sujeito singular que transversa (e deveria Em nossa experiência no Imama (Instituto da Mama do Rio Grande do Sul, uma
Clínica Ampliada é um conceito operador que emerge na inter- de quem se serve de suporte para que um sujeito possa aí lançar-se a desejar. articular) as diferentes práticas; e o de intersetorialidade implica a necessidade de se trabalhar em con- organização da sociedade civil de interesse público, criada há 13 anos), a palavra das
Pela desmontagem dos estereótipos em torno da idéia de “desprovido, drogado, marginal, junto com os diferentes setores concernidos na problemática em questão. mulheres com história de câncer de mama que procuram a instituição é acolhida num
face com as políticas públicas e que tem exigido revisitar a concep- delinqüente” permite-se diminuir o imaginário no qual está tomado (e nós também) para enfatizar dispositivo clínico que denominamos Grupo de Ajuda de Mulher para Mulher.
Uma prática clínica, qualquer que seja, é atravessada pela ética psicanalítica sempre que leva em consi-
ção sujeito, saúde, modelo assistencial, dispositivos de produção as possibilidades simbólicas, abrindo os caminhos da fala. Para isto não dá para ir muito rápido nas deração a singularidade de cada pessoa em sua dupla dimensão de indivíduo-cidadão e de sujeito desejante. Trata-se de um grupo aberto, de freqüência semanal, coordenado por uma
de subjetividade, estratégias de implicação subjetiva, concepção suposições, é sempre mais prudente manter-se em posição de ignorância, para fazer o sujeito falar, psicóloga psicanalista, em que cada mulher pode expressar seu sofrimento diante
convocá-lo a seu tempo, a assumir uma posição, arriscar-se. Uma prática é humanizante sempre que leva em consideração esse duplo do diagnóstico, do tratamento e de seus efeitos colaterais, bem como das mutila-
de cura, entre outros. Estes vários aspectos precisam ser “re-inventados”, vis-
lumbrando o contexto e as condições subjetivas viáveis à consolidação, mesmo que A cada narrativa nos implicamos, nos afetamos e nos interrogamos: quem fala? Para quem se registro do sujeito, dividido entre persona (pública e privada) e desejo in- ções e ameaça à vida que a enfermidade representa. Informações interdisciplinares
dirige esta fala? Em nome do que articula esta fala? Qual o efeito do que diz? sobre a enfermidade são trabalhadas, e sua palavra é acolhida por um grupo de
temporária, de âncoras simbólicas, não bastando, para isto, visões multidimensio- consciente. Divisão esta que está sempre em jogo em qualquer situação mulheres que passaram por experiência semelhante. O encontro de sua palavra
nais da relação do sujeito no laço social. Para além disto, as releituras que incluam e A escuta implica a leitura do que se escuta, implica outra dimensão que
considerem as afetações nestas várias dimensões e os efeitos dos ideais sociais nos está suposta no que o sujeito diz. Com esta leitura permite-se a queda do sen- em que o ser humano esteja implicado, muito embora freqüentemente isso angustiada com a de outras mulheres marcadas pelos mesmos significantes, mas
já posicionadas de outra forma diante do problema, tem um efeito fundamental
processos de subjetivação contemporâneos são fundamentais.
tido fixo (imaginário) e a emergência do novo (significante) que se dá na medi- não apenas não seja levado em consideração como também muitas vezes de desidentificação com a equação “câncer de mama igual à morte”.
Nesta perspectiva, algumas questões problematizam a prática psicoterápica,
entre elas: O que tem exigido esta ampliação? O que se amplia? Em nome do que se da que naquilo que o sujeito diz se pode ler outra coisa. é explicitamente desconsiderado, o que é o mais comum de acontecer. Aos poucos, as defesas diante da experiência traumática do diagnóstico e
A leitura da escuta depende da produção de uma diferença que se dá nas dobras da fala, A psicanálise implica acolher a palavra do sujeito em seus dois registros. Como persona pública, do tratamento dão lugar a um questionamento e uma formulação de suas teorias
amplia? Com que objetivos e quais os efeitos possíveis desta ampliação? Entre os vá-
entre enunciado e enunciação. Na dimensão do enunciado há efeitos de sintoma e na dimensão a palavra do sujeito cidadão se organiza em função de uma causa que lhe diz respeito e que o convoca a a respeito do porquê da enfermidade. Trata-se de uma pergunta bem diferente
rios desafios que se colocam para a ampliação da clínica, listaria alguns:
da enunciação (inconsciente) há o aparecimento de uma outra significação, o que está em jogo agir no contexto social. O terceiro setor oportuniza que as pessoas possam sair de uma posição passiva e daquela do “por que eu?” vitimizante, mortífera e reivindicadora de inocência.
• O desenvolvimento da atenção integral através da acolhida das demandas
no discurso. O trabalho sobre a equivocação de um sentido aparentemente fixo ou comum é o que tomem voz ativa na busca de resolução dos problemas que lhe dizem respeito. Sair de uma posição passi- Muitas chegam a contar o que consideram que está errado em suas vidas, que
de saúde e o desenvolvimento de uma responsabilidade conjunta. tem a ver com o desencadeamento da enfermidade, e que querem mudar.
• Integralidade, universalidade, equidade, participação social, interdiscipli- pode introduzir no discurso uma desorganização que permitirá o confronto com outra coisa que não va, seja de vitimização ou de submetimento, e enfrentar suas questões diante do social e de si mesmo, não
estava presente — o NOVO — a produção de efeitos de sujeito. é pouca coisa. Trata-se de assumir uma posição que em alguns lugares se chama de advocacy, isto é, de Trata-se de um exemplo, entre tantos possíveis, de um dispositivo clínico de
naridade e intersetorialidade. fala em que o sofrimento subjetivo pode ser humanizado pela troca simbólica da pa-
• Saúde coletiva, que supõe processos cooperativos, reconhecendo a im- É pelas brechas que se viabilizam “passes”, articular-se em organizações não-governamentais e sem fins lucrativos para lutar por
licenças de trânsito de um lugar a outro, que uma causa de interesse público, fazendo pressão sobre o poder de Estado execu- lavra com outras mulheres, com a garantia de não ser tragada pelo discurso mórbido
portância da formação de rede e o respeito às diferenças. que caracteriza as salas de espera desassistidas de uma escuta humanizante.
• Saúde como capacidade de enfrentar adversidades e lutar por qualidade permitam ao sujeito explorar outras vias tivo, legislativo e judiciário, bem como convocando o setor privado a participar da
menos perigosas, legitimadas pelo cole- resolução do problema.
de vida de forma criativa e com o reconhecimento de um coletivo.
tivo e “encorajadas pelo trabalho de to- Entretanto, basta assumir voz ativa para que a prática seja desalienan-
• Análise da complexidade dos sintomas sociais contemporâneos e a cria-
dos aqueles que estão engajados como te? A psicanálise ensina que não. O século XX também nos ensinou que as Jaime Betts
ção de dispositivos de inscrição social para o mal estar contemporâneo.
sujeitos no exercício de suas posições revoluções completam 360 graus instituindo um tirano igual ou pior que o que Psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA); psicólogo,
• Superação do paradigma biológico e hospitalocêntrico dos especialismos
simbólicas” (FORGET, 2005, p. 3). deu origem ao movimento. Para que a prática do advocacy não reproduza em especialista em Psicologia Clínica e em Psicologia Organizacional e do Trabalho; funda-
para uma perspectiva de atenção básica resolutiva. dor e Diretor Técnico do Instituto da Mama do Rio Grande do Sul (Imama).
Existem possibilidades nas outros termos a prática discursiva alienante que está na origem da condição
• O risco como inevitável em uma sociedade de risco exige o desenvolvi-
mento de responsabilidade nas estratégias de redução de danos subjetivos e so- interfaces educação-saúde-jus-
ciais incorporada aos estilos de existência. tiça, sustentadas por diálogos
• Mudanças nos modos tecno-assistenciais do enfoque nas causas para as transdisciplinares, que auxiliam
condições de promoção de saúde. na desmontagem de discursos
Psicoterapia:
• A municipalização da saúde e a necessidade de constituição de serviços intoxicados (professores, pais,
profissionais de saúde, opera- O ponto não é de diluir fronteiras ou invadir espa-
diversificados e criativos, potencializando os recursos da região.
É o contexto histórico, social, econômico e cultural que desafia a clínica psi- dores da lei) que impedem a ços, mas de reforçar a atualidade da proposição freu-
formação ou formatação
cológica a flexibilizar seus contornos e ampliar seus referenciais para uma leitura escuta e podem ser acessa- diana acerca do que se demanda a um psicoterapeuta/
dos desde o campo das psi-
da escuta do sujeito. Vários níveis estão implicados nesta discussão para se pensar
coterapias, seja no âmbito
psicanalista (aqui tomada a teoria como permitindo a
no plano terapêutico individualizado no contexto das práticas psicoterápicas: indi-
público ou privado. equivalência). É de grande atualidade a forma como Freud (1926)
vidual, grupal, institucional, comunitário (FAGUNDES, 1991). A articulação destes
defende o exercício da psicanálise. Afirma ele: “Um analista deve,
diferentes níveis permite trânsitos subjetivos e sociais.
portanto, antes de tudo, ter aprendido essa Psicologia, essa Psicolo-
Outros aspectos precisam ser considerados na escuta a partir do campo das
gia profunda ou Psicologia do inconsciente, ou pelo menos tanto dela
psicoterapias, entre eles citam-se: o afrouxamento nos processos de responsabili-
A psicoterapia como uma prática nasce quando se institui o primeiro voltar-se quanto se conhece nos dias que correm”; “e aqui, antes de tudo, so-
zação social, a confusão de papéis e funções sociais, a marcação de limites situa- mos levados à obrigação do analista de tornar-se capaz, por uma pro-
dos mais na realidade imaginário do que no simbólico, o ideal situado na adoles- de um sujeito atendendo uma demanda no que tange ao sofrimento psíquico. Fala-
mos então de um ato no seu sentido mais amplo que incide sobre o psiquismo de um funda análise dele próprio, da recepção sem preconceitos do material
cência e no consumo, o narcisismo e individualismo. analítico” e, finalmente, “desfrutam da supervisão de analistas mais
outro, modificando-o, alterando-lhe sentimentos, condutas ou pensamentos. Podemos
A clínica do contemporâneo, ao aproximar as dimensões do saber, do fazer velhos e mais experimentados quando lhes é permitido fazer suas pri-
pensá-la como uma terapêutica do psiquismo que não se rege por nenhum pré-requisito.
e as demandas sociais, transcende do nível exclusivo dos profissionais e técnicos meiras experiências”.
No seu sentido mais restrito, no campo da profissão, no entanto, a psicoterapia é uma
da saúde, apontando uma necessária ponte para os vários saberes em uma pers- É reforçada, no texto, a instituição como espaço para o exer-
prática originada no final do século XIX, tornada popular por Hippolyte Bernheim como um
pectiva transdisciplinar. Marcada por sua instabilidade, convoca-nos a uma ação cício do que se convencionou chamar “o tripé da formação”.
método de tratamento de doenças psicológicas.
clínica/política a partir do que se produz como demanda e não pode ser pensada Marta Conte Importante alocar a tema do rigor e reforçar a relevância da não
Neste sentido mais específico, viabiliza-se a partir de alguns pressupostos, so-
fora desta situação crítica. Centro de Referência em permissibilidade. No entanto, é preciso também poder discutir-se a
bretudo de uma teoria que lhe dê sustento e de um sujeito preparado para o exercício de
A leitura institucional das relações de poder e saber e seus efeitos sobre tentativa de passagem ao controle, o que tem sido chamado de regu-
Redução de Danos da uma ação sobre o psiquismo de alguém que demanda por essa ação. Ação essa, então,
cada sujeito tornam-se inseparáveis e imprescindíveis. Considera-se a história lação (ou formatação) de uma ação que se faz muito mais plasmada
Escola de Saúde Pública, perpetrada por alguém especialmente habilitado e reconhecido como capaz para realizar
coletiva e a versão que cada sujeito/grupo/família/instituição produz a partir das na práxis e no cumprimento do tripé proposto desde sua criação, o
Sanitarista, Mestre em Psi- esse ato. A questão é a quem é permitido tal ato.
contradições do nosso tempo. que postulamos como formação. Prática que se dá no modelo da ação
cologia do Desenvolvimen- A prática da psicoterapia tem sido acompanhada ao longo dos tempos (e especial-
A principal direção para o tratamento nas psicoterapias é a invenção de dis- específica fundadora do psiquismo. É preciso que a relação, seja da
to, Doutora em Psicologia mente me refiro ao Rio Grande do Sul) por discussões relativas ao princípio de exclusão/
positivos de produção de laço social, âncoras simbólicas no horizonte da utopia. supervisão, do seminário, ou da análise pessoal, faça uma marca de-
Clínica pela PUC/SP. inclusão: quem de direito pode exercer a psicoterapia? Que força delimita esse exercício?
Caminho contrário ao adaptacionismo, utilitarismo ou abordagens ortopédicas sejante. Marca que funda e faz germinar o desejo de poder se colocar
Em outras palavras, e de outra forma, mantém-se o parcialismo que reaviva e presentifica
(promessa de um objeto harmônico). a serviço de um outro no ofício do escutar. Ao mesmo tempo é im-
a lei austríaca que sustentou a acusação de charlatanismo a Theodor Reik? Lei que tor-
Com esse propósito é estratégico problematizar o laço social e as produções portante não fincar a bandeira de propriedade ou de uma legislação
nava ilegal que uma pessoa sem um grau médico tratasse de pacientes?
de sofrimentos e gozos decorrentes dos ideais de consumo a partir do Século XX Passados 80 anos exatos da resposta dada por Freud em defesa da análise cerceadora do modelo de nossa formação generalista.
(felicidade, trocas interpessoais, culto ao corpo), desnaturalizando seus eventos, 1 Artigo baseado no
leiga, novamente nos defrontamos com questões legalistas, com propostas que O chamamento de um fórum representativo de instituições das
fazendo aparecer restos sociais, silenciados no jogo de forças que dá corpo à reali- trabalho apresentado
no Fórum de Discussão: pensam a permissibilidade ao exercício da psicoterapia legislada de forma diversas perspectivas teóricas se aproxima da idéia de contemplar diversi-
dade. Restos sociais são produções sociais que insistem em aparecer no social sem sectária, não emanada de uma discussão transparente, aberta e represen- dades como também de respeito à representatividade. Devendo ser aco-
Formação em Psicologia
conexão com a realidade social e histórica que as produzem. e Saúde Pública, realizado tativa da categoria, ou mais amplamente das categorias profissionais que lhido como espaço privilegiado para o debate do tema da Psicoterapia.
E, penso que este compromisso toma contorno nos atos de escuta que rom- pelo CRPRS em 15 de junho têm no exercício da psicoterapia uma das suas atribuições. Questão que
pam com sentidos fixos, para escutar/ler novas significações na constituição de de 2006, na PUC/RS.
de alguma forma dá continuidade ao modelo proposto das especialidades,
novas formas de existência com inscrição e legitimidade no laço social. importado de outra categoria profissional, e que se coloca na contramão da Denise Costa Hausen
proposta de formação de nossa profissão, com o que se nomeia como uma Psicóloga, psicanalista, professora da
formação generalista. Faculdade de Psicologia da PUCRS, Doutora em Psicologia (PUCRS)
8 9
depoimento sem dano subjetividade e território virtual
10 11
entrevista
Psicoterapia: Formação
e Regulamentação
O EntreLinhas inaugura uma nova seção, onde serão ouvidos es-
pecialistas em áreas relacionadas às temáticas de cada edição.
Acompanhe a entrevista com o psicanalista Luís Claudio Figuei-
redo, professor da USP e da PUC-SP e autor de diversos livros sobre
Psicanálise e Psicoterapia.
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