Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
dos Costumes
Prefácio
B III [As divisões da filosofia] – As três divisões da filosofia – física, ética e lógica –
precisam encontrar seus respectivos princípios. A lógica trata do conhecimento formal do
entendimento, da razão em si e das regras universais do pensamento, sem distinguir objetos.
A física, ou teoria da natureza, trata do conhecimento racional da matéria, segundo leis da
natureza. A ética está relacionada com o conhecimento material dos objetos submetidos às
leis da liberdade. A lógica não tem parte empírica. A física, ao contrário, determina as leis da
natureza como objeto da experiência, enquanto a ética determina as leis da vontade
humana que é afetada pela natureza. A filosofia empírica baseia-se em princípios da
experiência. A filosofia pura apoia-se em princípios a priori, sendo a lógica simplesmente
formal e a metafísica ligada a objetos do entendimento. A física, como metafísica da
natureza, tem uma parte empírica e outra racional. A ética, como metafísica dos costumes,
tem na antropologia prática sua parte empírica e na moral a parte racional. A física e a
ética devem separar os elementos empíricos do racional e descobrir as fontes a priori de seus
princípios.
Na filosofia moral, para uma lei valer moralmente como obrigação, ela deve ter em si uma
necessidade absoluta. O princípio de obrigação deve ser buscado nos conceitos da razão
pura a priori. Os princípios baseados na experiência ainda que universal, apoiam-se em
móbil empírico e não podem ser considerados leis morais, mas apenas regras práticas. A
filosofia moral está na sua parte pura e não depende em nada do conhecimento da natureza
humana, mesmo que se aplique a este, lhe fornecendo como ser racional as leis a priori. Estas
exigem uma faculdade de julgar alinhada pela experiência, a fim de adequar suas aplicações e
o acesso à vontade humana em sua prática eficaz. As inclinações impedem ao homem aplicar
a ideia de uma razão pura prática que ele mesmo concebe. A metafísica dos costumes é
necessária para fornecer os princípios a priori a fim de evitar as perversões dos costumes. O
que é bom moralmente está conforme à lei moral e se cumpre por amor à lei. A pureza e
autenticidade da lei moral surgem da metafísica dos costumes. Deve-se distinguir os
motivos morais de determinação que se apresentam a priori só à razão, dos motivos
empíricos que o entendimento eleva a conceitos universais só pela experiência. A crítica da
razão pura prática exige que se demonstre sua unidade com a razão especulativa num
princípio comum, o que a Fundamentação não pode fornecer. A Fundamentação é uma
preparação para a Metafísica dos Costumes. Ela visa fixar o princípio supremo da moralidade,
considerando por si mesmo sem levar em conta as consequências.
Primeira Seção
[Razão] – O instinto tem mais exatidão do que a razão para indicar a regra de comportamento
em função da felicidade. Tendo em vista a felicidade, a natureza escolheria os fins através do
instinto e não da razão. Na base dos juízos contrários ao bem-estar, está uma condição
suprema à qual a razão se destina, sem ser a felicidade. A razão é uma faculdade prática que
influencia a vontade e produz uma vontade boa em si. Essa vontade é o bem supremo de toda
aspiração de felicidade.
[Dever] – O conceito de dever contém em si o de boa vontade e a faz realçar por contraste às
limitações e obstáculos. É fácil distinguir a ação por dever da intenção egoísta, mas não o é se
além do dever ela é acompanhada por uma inclinação imediata. É preciso separar a ação
conforme ao dever, da ação por dever. O conteúdo da moral de uma ação está na prática por
dever e não por inclinação. O valor do caráter consiste em fazer o bem por dever e não por
inclinação. A felicidade é a soma de todas inclinações, mas há uma lei que a promove
independente das inclinações, somente por dever. O amor prático reside na vontade e o amor
das paixões, patológico, depende da sensibilidade.
Uma ação praticada por dever tem o valor moral determinado pela máxima e pelo princípio
do querer, segundo o qual ela foi executada. A vontade encontra-se entre o princípio formal a
priori e o móbil material a posteriori. Uma vez retirado o princípio material, resta apenas o
princípio formal do querer em geral para que seja praticada por dever.
Dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei. Só pode ser objeto de respeito o
princípio que está ligado à vontade e nunca o seu efeito. Sem a influência da inclinação e de
todo objeto da vontade, esta só pode ser determinada objetivamente pela lei e subjetivamente
pelo puro respeito à lei prática e a máxima que manda lhe obedecer contra todas inclinações.
A máxima é o princípio subjetivo do querer e o princípio objetivo é a lei prática de todos
seres racionais. Só a representação da lei em si mesma, feita pelo ser racional, determina a
vontade e não suas consequências. O sentimento de respeito à lei produz-se por si mesmo por
intermédio do conceito de razão. Ele é a representação de um valor superior ao amor-próprio.
O respeito à pessoa é derivado da lei que essa pessoa possui. O interesse moral é o respeito
pela lei.
[A lei moral] – A lei universal das ações em geral manda agir de acordo com a máxima que a
vontade quer que se torne uma lei universal. A máxima não-moral, na condição de lei
universal, destrói-se necessariamente. A necessidade das ações por puro respeito à lei prática
é o que constitui o dever. A essa necessidade, todos outros motivos cedem. O dever é a
condição de uma vontade boa em si, cujo valor é superior a tudo. O conhecimento do que
cada um deve fazer pertence a cada homem, mesmo o mais vulgar. O entendimento vulgar só
adquire capacidade de julgar quando exclui todos motivos sensíveis das leis práticas. A razão
impõe suas prescrições sem prometer nada às inclinações. Assim, a razão vulgar, por motivos
práticos, sai de seu domínio e vai ao campo da filosofia prática em busca de instruções claras
sobre a fonte do seu princípio, opondo as máximas às inclinações. Desse modo, a razão
vulgar encontra na filosofia o refúgio para suas dificuldades e sutilezas de uma dialética
natural.
Segunda seção
B 25 – O conceito de dever tirado do uso vulgar da razão prática não é um conceito empírico.
Entretanto, não há um caso na experiência que seja conforme ao dever com motivos morais.
O valor moral não está nas ações visíveis, mas nos seus princípios íntimos ocultos. O que
interessa é saber se a razão por si mesma, independente de todos os fenômenos, ordena o que
deve acontecer. O dever em geral reside na ideia de uma razão que determina a vontade por
motivos a priori. Nenhuma experiência pode dar motivo para concluir a possibilidade de leis
apodícticas em moral. Só a ideia que a razão traça a priori é que une a perfeição moral ao
conceito de vontade livre. Pode-se distinguir a pura filosofia dos costumes (metafísica) da
moral aplicada (à natureza humana).
[Origem dos conceitos morais] – A pura representação do dever e da lei moral em geral tem
uma influência mais poderosa do que todos os outros mobiles empíricos, sobre o coração
humano. Os motivos empíricos misturados aos racionais podem levar tanto ao bem como ao
mal. Todos conceitos morais têm a sua sede e origem a priori na razão, seja a vulgar, seja a
filosófica. As leis morais devem valer para todo o ser racional em geral. É do conceito
universal de um ser racional em geral que se devem deduzi-las. A metafísica dos costumes
torna possível fundar os costumes sobre os seus autênticos princípios e criar disposições
morais pura, implantando-as no uso vulgar e prático, além de permitir a instrução moral. A
faculdade prática da razão deve ser descrita, partindo de suas regras universais de
determinação, até ao ponto em que dela brota o conceito de dever.
[Felicidade] – A felicidade é o fim que se deve admitir a generalidade por uma necessidade
natural. O imperativo hipotético assertórico visa a praticar ações em favor da felicidade. A
prudência é a habilidade para escolher os meios para atingir o maior bem-estar.
[Moralidade] – O imperativo categórico não se relaciona com a matéria da ação e o seu fim,
mas com a forma e o princípio do qual a ação deriva. A disposição caracteriza o que é bom na
ação. O imperativo categórico é o imperativo da moralidade. Os três princípios impostos à
vontade diferenciam-se como regras da habilidade, conselhos da prudência ou leis da
moralidade. A lei é um conceito de necessidade incondicionada, objetiva e geral. O conselho é
uma necessidade que só vale sob condição subjetiva e contingente. Os imperativos da
habilidade são técnicos, os da prudência são pragmáticos, pertencem ao bem-estar; e os
categóricos são morais, pertencem aos costumes em geral.
O dever perfeito não permite qualquer exceção em favor da inclinação, doutro modo será um
dever imperfeito. Temos que poder querer que uma máxima da ação se transforme em lei
universal. As exceções provam o reconhecimento da validade do imperativo categórico,
havendo apenas uma resistência da inclinação às prescrições da razão. A verdadeira legislação
só pode exprimir-se em imperativos categóricos. Os seres racionais são os únicos que podem
aplicar o imperativo categórico. A filosofia deve provar que nada se pode esperar da
inclinação dos homens e tudo do poder supremo da lei e do seu respeito. Tudo o que é
empírico prejudica a pureza dos costumes. A virtude verdadeira representa a moralidade
despida de toda mescla com elementos sensíveis ou amor-próprio. Na filosofia prática, para
descobrir-se a lei objetiva prática, basta a relação da vontade consigo mesma, enquanto for
determinada só pela razão. Tudo o que é empírico desaparece, pois a razão por si só
determina esse procedimento a priori.
[O fim em si] – O fim dado pela razão vale para todos os seres racionais. O meio é o princípio
da possibilidade da ação. O impulso é o princípio subjetivo do desejar e o motivo o princípio
objetivo. Os princípios práticos são formais, sem fim subjetivo. São materiais quando se
baseiam em fins subjetivos e em impulsos. Os efeitos da ação relativo aos fins materiais
servem de base apenas aos imperativos hipotéticos. O fim em si mesmo está na base de um
possível imperativo categórico. Todo ser racional existe como fim em si. O desejo universal
de todos os seres racionais devem ser o de libertar-se de todas inclinações. Os seres
irracionais, cuja existência depende da natureza, têm valor relativos e chamam-se coisas. Os
seres racionais são pessoas e, por natureza, fins em si. Estes são os fins objetivos e que não
podem servir como meios, pois têm valor absoluto.
Todas três fórmulas da lei têm uma forma nas leis universais da natureza; na matéria, o ser
racional como fim em si, e uma determinação completa de todas as máximas, de acordo com
a ideia de um reino dos fins como reino da natureza. Há três categorias de unidade da forma
universal da vontade, da pluralidade da matéria dos fins e da totalidade do sistema dos
mesmos. Pelo método rigoroso, o juízo moral deve proceder sempre pela fórmula universal
do imperativo categórico: “agir segundo a máxima que por si possa ser uma lei universal”.
Porém, para aproximar-se da intuição, deve-se passar pelos três conceitos relativos a cada
formulação do imperativo. O imperativo categórico é fórmula de uma vontade boa absoluta.
A natureza racional distingui-se por dá-se um fim em si. Esse fim é a matéria de toda boa
vontade. Assim, o ser racional não deve nunca ser o meio, mas a condição suprema restrita
dos meios, como fim. A moralidade é a relação das ações com a autonomia da vontade, com a
legislação possível por meio das suas máximas. A vontade santa concorda com as leis da
natureza. A vontade que não é boa em absoluto é obrigada em relação ao princípio da
autonomia. A necessidade objetiva de uma ação por obrigação é o dever. A pessoa sublime é
legisladora da lei moral e por isso está subordinada à ela. A dignidade da humanidade está em
ser legisladora universal e subordinada a suas leis.
Terceira seção
B 101 [Círculo] – Para conceber um ser racional, consciente de sua causalidade perante as
ações e dotado de vontade, deve-se atribuir-lhe a propriedade de determinar o agir sob a ideia
de liberdade. O interesse pelo imperativo categórico é um dever válido para todo ser racional,
permitindo que a necessidade subjetiva se diferencie da objetiva. O interesse pelo fato de ser
digno da felicidade, mesmo sem participar das causas eficientes e na submissão às leis morais
no ordem dos fins, segundo a liberdade da vontade. Liberdade e legislação da vontade são
autônomas e uma não pode explicar a outra. A distinção entre representação externas,
passivas, e internas, ativas, permite perceber por trás do fenômeno a existência da coisa em si
inacessível ao conhecimento.
[Mundo sensível e inteligível] – O homem não tem um conceito a priori de si. Todo
conhecimento íntimo é dado pelo modo que a consciência é afetada, como fenômeno de sua
natureza. Mas além dessa composição de fenômenos, o sujeito é constituído por um eu em si.
Por isso, o homem está incluído no mundo sensível, pela sua sensibilidade fenomênica e no
mundo inteligível, por causa de sua atividade pura, que não é afetada pelos sentidos, porém
de imediato. A razão é a faculdade que distingue o homem em si das outras coisas. A razão é
uma atividade pura própria que está acima do entendimento, que é passivo ao sentidos. Ela
estabelece a separação entre o mundo sensível e o inteligível, marcando os limites do
entendimento. O ser racional, como inteligência, deve pertencer ao mundo inteligível. Ele tem
dois pontos de vista. Um pertence ao mundo sensível e das leis naturais heterônomas. Outro,
do mundo inteligível, com leis autônomas da natureza e fundadas na razão. A ideia de
liberdade está ligada ao conceito de autonomia e este ao princípio de universalidade que está
na base das ações dos seres racionais. Quando é livre, o homem ascende ao mundo inteligível
e à moralidade. Quando obrigado, ele pertence ao mundo sensível, ainda que pertença ao
inteligível.
B 110 – A vontade é uma causa eficiente que pertence ao mundo inteligível. As ações do
mundo sensível são fenômenos da causalidade da vontade. Tendo o mundo inteligível o
fundamento do mundo sensível, as leis daquele mundo são imperativos ao homem e as ações
conforme estes princípios são deveres. Esse dever categórico representa uma proposição
sintética a priori. Acima da vontade afetada pelos sentidos, sobrevém a ideia da vontade do
mundo inteligível pura prática em si, condição da vontade sensível. O desejo de libertar-se
dos impulsos e inclinações, em favor de bons sentimentos, prova que pela vontade livre de
impulsos da sensibilidade se vai a uma ordem de coisas diferente dos apetites da
sensibilidade. Do ponto de vista do mundo inteligível, o indivíduo tem a consciência de
possuir uma vontade boa que constitui a lei do mundo inteligível e só é pensado como dever
por ser também membro do mundo sensível.
Nota final
B 127 [Deficiência da razão] – O uso prático da razão conduz à necessidade absoluta das leis
das ações de um ser racional, como tal, livre. A condição sob a qual essa necessidade acontece
é uma limitação da razão. Esse incondicional necessário é, assim, admitido como pressuposto.
É um defeito da razão humana em geral, não conceber uma lei prática incondicionada como
necessidade absoluta esse é o limite da razão humana.
Bibliografia
KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes; trad. Paulo Quintela. – São Paulo: Abril
Cultural, 1980. (Os Pensadores)