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Vermelho e Preto

E o preto manchou o verde. O menino negro zuniu por


entre as folhagens, desviou de uma árvore, depois de outra,
pulou um tronco caído e pensou em se esconder ali. Essa
ideia não durou nem um segundo. Eles o encontrariam, não
importa o quão escura fosse a noite, nem o quão oco fosse
aquele caule, o menino seria iluminado pela luz amarela que
vinha das carabinas. Ele precisava correr, voar, o mais alto
que fosse preciso, mas em dias como aquele o preto não
manchava o azul, preto só conhecia vermelho.

O garoto então voltou a correr. Seus olhos, acostumados


com a noite e ajudados pela grande e branca lua cheia,
procuravam um caminho que o jagunço não conseguisse
rastrear. Os pés machucados não doíam mais, nem em contato
com os galhos quebrados que os perfuravam. Estavam
acostumados. Ele também sentia que poderia correr a noite
inteira. O fôlego não lhe faltava, pulava moitas e buracos
sem ofegar, pois, é claro, estava acostumado. Encontrou
então o rio Paranaguaçu que corria para o vale, mas todo
mundo sabia que com água profunda o menino não era
acostumado. A última vez que teve contato com ela fôra sendo
jogado do alto de um navio.

Hesitou. Parado na frente do rio o menino podia ver a


lua e as estrelas refletidas na água. Talvez uma lágrima
tenha escorrido mas ele já não notava mais. Mesmo sem
percebê-la, notou que fôra interrompida no momento que algo
lhe beliscou o ombro. A luz amarela veio, iluminando o
menino pelas costas, logo depois o som do trovão, e então o
beliscão. O vermelho manchara o preto mais uma vez. A força
e o susto então o empurraram no rio Paranaguaçu, fazendo com
que as cores se misturassem numa dança, na qual o vermelho
rodeava o preto, pintava e brincava, sendo dissipado pela
água. Se algum jagunço pudesse ver esse menino dentro do
rio, veria em seu rosto um grande sorriso branco como a lua.
A correnteza negra o levou. O menino desceu pro vale.

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