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Éric Laurent

o TRAU MA'AO AVESSO*

.'E ss~sjornadas foram pe~sadas I~ogodepois d~ 11 de


setembro e do traumatrsmo criado pelo ternvel
(
atentado suicida. Ql!eIl} teria podido sup?r que elás
aconteceriam uma, s~mana após uni verdadeiro, (
traumatismo na vida política francesa? O resultado do:
primeiro turno das eleições presidenciais francesas, nas
\. quais um representante da extrema direita venceu o -
representante da .esquerda do' governo, pode, com efeito,
ser incluído nessa categoria de acontecimentos. Primeiro,
porque o acontecimento e seu alcance excedem os
comentários que tentam dar conta (ie1.es. Os comentaristas
políticos e as "classes falantes" em geral tentam reduzir o
sem-sentido produzido por essa nomea~ão, mas o' fato , ,
'resiste, verdadeiro buraco no discurso político francês.
Qualificar um tal fato de "traumático" pode, agora,
ser feito num sentido clínico e ~ào apenas metafórico. É
que assistimos, nas duas últimas décadas do século XX, a
uma nova extensão da síndrome de stress pós-traurr:~tica,
do post-traumatic stress disorder, encontrado nos manuais
" \
estatísticos epidemiológicos, tanto no manual americano
DSM IV quanto no manual europeu CID-10.

A generalização do trauma "-


O sentido clássico foi 'especialmente estendido para
além dos limites recebidos até então nos anos 80. A
extensão do termo se justifica por um fenômeno que se
situa na interface entre adescrição científica do mundo e
um fenômeno cultural que a-excede.
Na medida em que a ciência avança em sua descrição
de-cada-uma de nossas determinações objetivas, desde a
programação genética até a pn;>gramação do>meio
ambiente, passando pelo cálculo cada vez mais preciso dos.
riscos possíveis, a ciência faz existir uma causalidade
! '

programada. O mundo, mais que um relógio, aparece


como um programa de computador, É a nossa maneira
atual de ler o livro de Deus. Na medida em que apenas essa
causalidade é recebida, surge o escândalo do trauma que, ele
sim, escapa a toda programação. É na medida emque nos
beneficiamos de uma melhor descrição científica do mundo,
que to~am co~sistência a síndromedestress pós-traumático,
ligada à irrupção de uma causa,não programável, e a
tendência a descrever o mundo a partir do trauma. ~
,/ \....
INSTITUTO DE PSICA-NÁLlSE, E SAÚDE MENTA"L DE MINAS GERAIS

PÁPEIS DE PSICANÁLISE v.I N.l ABR. 2004


~.'

, I

Tudo olque não é programável se Ele tomou' partido contra os -rriétodos


torna trauma. Isso chega a ponto de, por ~tilizados. pela psiquiatria alemã da época
exemplo, nas conferências da OMS, para tratar os traumatizados .. O
assistirmos a proposições visando a ~ "tratamento" consistia na aplicação de
considerar a própria sexualidade como choqu es elétricos, completado pela
post-tràumatic stress disorder. Nosso corpo sugestão autoritária para fór çar os
. não foi feito para ser sexuado, como soldados a voltar aoJront, .com um
mostra o fato de que os homens e as enquadramento muito jirme. Os métodos
mulheres se comportam muito pior que·' franceses e Ingleses, distintos, eram 'mais
os animais- Deduz-se disso um trauma flexíveis. -
incontestável ligado ao sexo': Pode-se, A segunda guerra mundial seguiu
então, descrever a sexuação inteira- .a tendência liberal do tratamento dos . )

m e n t e, como uma d ifícil reação ao neuróticos de guerra, mas foi,


trauma. É um-esforço, dentre 'outro,s, . sobretudo, o pós-guerra do Vietnã que"
- p ar.a absorver a descrição do mudou ~ concepção do tratamento do
funcionamento do body ou da mind, trauma na psiquiatria. Só em 1979 ~ que
segundo um único modelo, o da os ve te r a n o s são "r e ce n se a d o s ,
causalidade programada -e da irrupção avaliados, inseridos 'nos programas de
da contingência surpreendente. . reabilitação, e que a sociedade
É paradoxal, poder íamos dizer, americana se reconcilia com seus
demandar a um psicanalista para falar dassoldadãs traumatizados. Os psiquiatras
co nseqü nci as do trauma, já que' a americanos, grandernente mobilizados
ê

psicanálise fr eu d ia n a foi fundada . em torno desse problernaf trazem 'em


I

precisamente sobre o ~bandono da teoria seu favor o éonceito de stress e a


do trauma da sedução. Durante dois anos ,'particularidade da' reação que e le
de sua vida, entre' 1895 e 1897, Freud,:: engendra. É a' irn p o r tâ rrci a d a.,
com efeito, pensou poder r~duzir~a mobilização dos psiquiatras epsicólogos
sexualidade a um trauma. Em seguida, .amer icarios sobre o tema social da
ele abandonou essa teoria e pensou que reinserção q-ue tira o trauma do círculo
. ..-7-..

era na sexuàlidade como tal que se > estreito da psiquiatria militar, para se
dev~ria en~ontr'ar,jl causã n~essária d~ torna! ~rna p,er~pectiva KeraJ, de
mal-estar na sex ualidatle.".e não ria abordagem de fe-n m e n o s cl-ínicos J ô

l '
contingência. ~ r; ligados às catástr ofes individuais ou
Foi 25 anos mais tarde, depois da coletivas da vida social.
Primeira Guerra Mundial, que Freud O segundo' fator que leva à·
d eu um sentido novo aos acidentes extensão da síndrome é a patologia
traumáticos e às patologias d e le s própria às megalóp oles da segunda
decorrentes.' Ele faz deles, então, um' metade do século XX. As megalópoles
exemplo do fracasso do princípio do agem num duplo registro, Por um lado,
prazer e um dos fundamentos da pulsão elas engendram ,u/m esp,aç,o social
de morte. A síndrome traumática de marcadopor um efeito de irrealidade.
guerra, quer sua d efiniçã o seja: O, admirável .pensado r alemão /Wal~er
psicanalítica ou não, é caracterizada por Benjamin chamava esse efeito de "o
um núcleo constante: durante longos mundo da alegoria", próprio à grande
períodos e semnenhum remédio, sonhos cidade, onde o reino da mercadoria, da -
r epetitivo's, que reproduzem a cena publicidade do signo, mergulha o sujeito
traumática, provocam um -d esp er tar num mundo artificial, numa metáfora da
. angustiado. Esses sonhos contrastam com vida. Mídia.,e télevisão generalizaram _
. urna atividade de vigília ~u~ pode não .esse serit inren tq de ir-rea li dade; de
ser pertubada. . ~ virtualidade. A aldeia- global corre
Fr e ud' devia conhecer essas sempre o' risco, de ~e representar como
síndrornes, pois ele foi consultado como uma galeria de lojas de uma megalópole
expert durante a guerra e logo depois dela. virtual. .:»
-'
DOSSI ER

COMO o SEXO CHEGA Às CRIANÇAS

Por outro lado, o lugar do artefato àquela que comporta o encontro de um


~é o lugar da agressão, , da violência urbana, (
risco importante para a segurança ou para
da agressão. sexual, do terrorismo ete. a~ saúde. do sujeito. A lista; dos, perigos
- Foi primeiramente nos' Estados mistura catástrofe técnica, acidente
Unidos que os grupos feministas individual ou coletivo, agressão individual
quiseram reconhecer o estupr?_ como um ou atentado, guerra e estupro.
trauma, não mais como um delito do " Nós aprendemos, através, de um .
direito comum, mas co-mo um 'crime acompanhamento' mais profundo "dos
clínico, proyocando conseqüências 'casos; que,~ contrariamente ao que Freud
subjetivas delonga duração. Eles pensava em 1918, o fato de se ter sido'
r . . pediram, portanto, indenizações mais ferido fisicamente não protege de uma
importantes e sanções maiores da paste neurose traumática. 80% dós feridos
dos tribunais. \ / .gmves em atentados apresentam, e isso
Certas categ or ias prtifissio nais até muitos anos depois do acontecimento,
t.ámbém pediram indenizações pelo sfnd no mes de r e pet ição , disfunções
, stressque elas sofriam. Por uma espécie fóbicas ou depressivas.
de careta da 'história, o sindicato dos Aprendemos igualmente que as
condutores de trem 'alemães pediu criança-s p-odem' perfeitamente conhecer
indenizações pelo stress produzido pelo disfunçõessimilares àquelas apresentadas
fato de que .a Alemanha é o país da pelos adultos. Enfim, nós aprendemos,
. .Europa onde mais/se suicida -pulando que nisso,. assim como "e m outros
debaixo dos 'trens (um suicíd'io a cada fenômenosrnórbidos, as mulheres se
cinco minutos).' , ' revelam, de .longe, .mais resistentes que
.Eu digo careta da história, pois não os homens.
podemos esquecer, nesse fenômeno, da
rni portân'cia da r.efl e xão só b re as .A energia do trauma
seqüelas dos campos de concentração. Os
'\
psiquiatras que se ocuparam dos Em 1895, Freud, de-início.iatou o
sobreviventes' d-escobriram, com efeito, núcleo da neurose à síndrome de
a "s ín d r o m e ~,de culpabilidade' do repetição. Ele mencionava, e-m sua
sobrevivente", com fenÔmenos 'comparáveis descrição da histeria de angústia,' o
àqueles d o s traumás de guerra: despertar n o tu r n o séguido de urna
ansiedade e depressão, associados .a síndrome de repetição com pesadelos. É'
disfunções somáticas variadas. A partir só depois do isol~mento do puro instinto
de uma experiência de-encontro com a de morte que ele separará às sonhos de
morte que desafia toda razão, fenômenos repetição da histeria, e, falará, na
parecidos se produzern., J
síndrorne de repetição traumática, .de um
Dois 'fatores participam para a fracasso da repetição' neurótica, de um
extensão _da clínica do trauma. Por um' fracasso das defesas, de um fracasso do
lado; a e~peri.ência psiquiátrica dos escudo para-excitação.
traumas de guerra nos países A questão é saber como reler agorá
democráticos, ou seja, nos países que essas metá,foras energéticas freudianas.
.,
não -aban do- nam seus cidadãos.
,/
Em
'\.. \
A questão do trauma constitui, de alguma
relação a isso, as novas definições das maneira, uma p e d r a de to qu e . Ela
missões de "manutenção d~ paz", a parece, com efeito, ser, por excelência, o
I

extensão dcpapel' "humanitário'" dos lugar da energ ia.rda quantidade de '


exércitos, especialmente os europeus, efração. .\
~acentua'm essa experiência. Um. filme Em 1,926:; quand'õ,modifica 0_

, cop'lb'Warrio'rs popularizou o tr~urria de sentido do "traumatismo de nascimento"


guerra nas operações de manutenção da de seu alitigo aluno Otto-Rank, 'Freud
paz. Por outro lado, a consideração da traz de volta ás concepções energéticas ' "
patologia civil do trauma estende a que ele' havia anteriormente concebido
definição da ex-periência traumatizante como momentos de ang~stia diante das <


INSTITtUTO-OE PSI'CANÂLlSE E SAÚDE MENTAL DE MINAS GERAIS

P'ÁPE'IS ÓE PSICANÂLlSE v.I N.l ABR. 2004

perdas essenciais. 'Fr eu d distingue a linguagem. O trauma -decàrr'e de uma


angústia sentida 0,0 nascimento daquilo tôpologia que não é simplesmente de
que decorre, propriamente dizendo, do inter-ior e 'de' e xter io r, O tr áuma, a
,traumatismo' da perda do obj e to alucinação, a experiência de gozo perverso
_materno: Freucl ousa fazer da perda são fenômenos que podemos dizer ·que
necessária da mãe omodelo de todos os tocam '0 real. O neurótico também
outros traumas. É sobre esse fundo que experimenta momentos de angústia que
se deve entender o aforismo que figura lhe dão uma idéia desses fenômenos e o
num texto quasecontemporâneo,
- ~
o texto
.
arrancam de sua tendência.a considerar a
sobre "A deriegação", de 1925, em que o vida como um ~onho. '
objeto não deve ser encontrado, Nesse sentido, a extensão da clínica
mas sempr~ "reencontrado",
encontrado sobre o fundo de uma perda
sempre do trauma nas classificações psiquiátricas.
~
é a conseqüência
\
lógica da extensão da
-
primordial. o descrição Iingüísticado mundo, quer seja
. .Lacan retraduziu o inconsciente nos modelos 'científicos ou em sua exterisão .
freudiano e a perda.fundamental que lhe mais ou menos justificada nas neuro-
é central nos termos do pensamerrto do ci;ências. Mas a questão verdadeira que soe
século XX, aquele que pudemos chamar coloca é aquela do lugar lógico do trauma
de século da "virada lingüística". l\T9 nos diferentes modelos que nos são
.c
cu rs o d e s s e s cu lo XX, tradições
é propostos.
/filosóficas diferentes, Frege, Russel,
Husserl ete. puseram o acento sobre o Os dois lugares do trauma:
t
'drama que faz com que nós não possamos
_ A questão do traumatismo é
mais sair da linguagem, uma vez que
justamente uma questã9 de interior e
estejamos nela. É o que o primeiro
exterior, mas as relações dessas dimensões
Wi tt.g e'ns te in 'enuncia em sua tese,
são complexas corno muitos dos textos de
pessimista segundo a qual a filosofia pode
Freud, além 'daquele sobre a negação,
apenas demonstrar tau tologias e que' Q
mostram.
mundo não pode "mostrar-se" senão
Lacan, desde 1953, propõe.. para
através de outros discursos: aestética, a
dar conta disso, inscrever ,à linguagem
moral, a religião.
num espaço particular, o toro. \
x, Lacan mostrou que a tese de Freud
<,

, podeser formulada assim: nós viemos ao Ao querer dar a isso uma


mundo com um parasita que ele chama , representação intuitiva, parece que
de inconsciente. No momento mesmo 'em -antes do que à superfície de uma -
que aprendemos a falar" fazemos a' zona, é à forma tridimensionalde um
toro que se deveria recorrer, já que
experiência de alguma coisa que vive de
• • o '\ •
sua exterioridade periférica: e sua
""forma, diferente. do vivente, que é a exteríoridade central constituem
~ linguagem
/'
e às significações.
~
É nesse' '. uma única região.
mesmo movimento que comunicamos
nossas e xper iê ncias libidinais e que'
fazemos a descoberta dos limites dessa
comunicação - o fato de que a linguagem
é um muro-Senão somos excessivamente'
esmagados pelo mal-entendido, então
conseguimos falar. Mas fazemos então a
- experiência de que não sairemos mais da \

linguagem.
Na bçrda do sistema da linguagem,
'um certo número de fenômenos clínicos
decorre da categoria dei real. Esses
- fenômenos estão ao 'mesmo tempo na
borda e no fundo desse sistema da
,/

-.Esse modelo apresenta


-, ~I • a particu- Nessa, perspectiva" o psicanalista é
laridade ,de designar um interior que está um doador de.sentido. Ele trata se fazendo
"também no exterior. '\ Ele' interessa de u~a espécie det'herói herrnenêutico"
profundamente à concepção do espaço em ' da' comunidade de discursos da 'qual' ele
geral. As reflexões sob~<? à topologia 'nos procede. ;Como psicoter apeuta, eleé
permitem .ir em direção ;à "liberação aquele que r ei n te gr a n_ sujeito nos
" progressiva da noção de distância em diferentes díscursos dós quais ele" foi
geometria''.e também de '~distância" psíquica' , bailido.'Pode ser-lhe necessário" comp ~
em relação a ~m trauma. O toro é a fo'rma terapeuta, refázer o la~o do sujeito corri o
-, mais' simples dó espaço que inclui um buraco. discurso da lei! clã escola. São as diferentes
( Numprimeiro sentido, portanto, o -~figuras do discurso do ~'estre qU'e vêm em
t'rau'm;"~ uni .bur aco no .in ter ior-, do oposição fora de s~ntido com o sujeito,
:-simbólico; O simbólico e aqui tornado como depois do impacto inicial. É assim' que "o )

f<, o sistema das Vorstellungm através das quais sujeito pode' reconciliar-se-com a desordem
""'" Q sujeito quer encontrar a presença-de um do mundo.
real. (}l,simbólico inclui aí ô sintoma em , A psicanálise
- )
se apóia aísobre:o
suaenvoltura.forrnal e também aquilo que , inconsciente-corno um,' dispositivo que
não chega a fazer síntoma, esse ponto de produz sentido libidinal. Isso supõe '
real' que permanece xter ior a u ma é desconfiar d,ájnscrição do sujeito nas
represen-tação simbólica, seja ela sintoma ""\grándes categorias anônimas e preservar
ou fantasma inconsciente. Ele'permite sua particularidade. Essa abordagem se' .
figurar o real em J.'exdusão~nt~rna cio afasta, portanto, dos Alcoholics Ano'/1,)mous.
simb6Iico"> Ela não -d esco n h e ce , no entanto, 'q
=;»; ') _ ( • importância ao laço com o grupo e pode
O sintoma pode aparecer como um lhe-dar seu lugar, como: por exemplo, no ';'
enunciado repetitivo-sobre o real [...]. ' tratarne nto em grupõ, dos 'traumatizados ,
O sujeito não poderesponder ao real
a não ser fazendo , um ~sintoma. oem -...-0-
tal catástrofe aérea, 'em tal 'atentado/
( sintoma é a,resposta do=sujeito ao específico, .e m tal guer'ra, etc. O
traumático de reaL,_ ' ! ' reconhecimento de um trauma particular,
, , , " '.' ,'próErio
' a cada um, é um meio Sfc:.produzir
. í

, , Es~e pon~o ~e re~l: lmp~s~lvel d~ s:r ,reconhecimento e, 'portanto,~séntido. Isso' ',I


reabso:vldo no s,IlI!.?ohco, e,../a,.angust~a s~~õe tam~ém se Ín~~t~r _à di~tância das'
~stendld~ nu~ s~I'lt~d~ gene:a~l~ado no psicoterapias autorrtárras, do conselho
qual ele inclui a angustia traumáuca. .imperativo,' da sugestão. Trata-se, enfiin,
.:
)-
li -'I' de não fazer dessa psicanálise aplicada uma . ->:

~~fva da quirniote rapia. Ela "pode 'ser. / ,


,!

combi nad a .ce rt.afn e.nte . com uma


sustentação medicarnentosa durante o
temponecessário. , '
, Masótraumatismo do real podeser-
compreendido num éoutro "séritido",
O tratament<:?,-que se deduz, desse aquele que J~A. Miller desenvolve em seu
modelo é o seguinte: em caso de, trauma, comentário do últimó ensiná de Lacan. As
7

é preciso corzs,eguir dar sentido àquilo que relações do 'outro, e dosujeitopodem ser
~nãp tem. É, o tratamento pelosentido. A também tomadas ao avesso. Há simbólico' ,í
, psicanáliseseinscreve, então, junto .coil} ~ n'~ real, F a ~str,\1turà da linguag~m, a
, outras psico.terapias/nume; vontade de não -existência da linguagem na qual a criança"
limitar o trauma a um 'fora de sentido é tomada, o banho de linguagem no qual
Jqu<1ntitativo. _Ela cons'ide'r'q que" no' ela cai. Nesse sentido, é a)i~guaiém que é'
,acidente mais contingente, a restituição da real ou pelo menos a .linguagerrr como
) trama do sentido, da irtscriçâo do trauma
J / parasita, fora de sentido do vivente. ,
na particularidade inconsciente do sujeite,' Nós não aprendemos as regras que'
J •••• -' " _ I . - ~.

fantasma e sintoma, é curativa. compõem para riós,o Outro do l~~o social.


O'.-
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INSTITUTO DE PSICANÂUSE E SAÚDE ME_NTAL DE MINAS GERAIS

PÃPE1S DE PSjCANÁUSE v.I N.l ABR. 2004

Nós seguimos as regras que nós Nessa abordagem, oanalisia ocupa


aprendemos com os outros. O sentido das o lugar, da perda essencial do' objeto. Se
regras é inventado a partir de um ponto ele pode ajuda~um sujeitoa reencontrar
primordial, fora do se n t id o , que é à a palavra depois de um traumatismo, é
"ligação" .com \0 O~tro. ~ um ponto de porque ele c:onsegue\ estar, ele próprio,
vista ,mais
/
p r'ó x irn o do segundo
'
no lugar do .trauma. Foi nesse sentido
, Wittgenstein e de seu argumento de que Lacan disse que' "o analista é
-co nstitu içâo de uma "comunidade de traumático", Ele o é tal J:omo,a própria,
vidas" constituindo urna pragmática linguagem. Ele pode ocupar esse lugar
primordial: Nessa perspectiva, depois de do, insensato, pois sua formação, o ,levou
um trauma, é preciso réi nve ntar um a reduzir o sentido do sintoma a seu
Outro que não existe mais. É preciso núcleo mais 'p r.ó x irn o de uma
então "causar" um sujeito pa~a que ele contingência fora de sentido. Digamos
reencontre as regras de vida com um que ele ~ão crê mais no sentido.
Outro que foi perdidov Nâo se ~eaprende' ,( 'o p s ic a na l is ta podeentãô se
a viver com um Outro perâido âessa qualificar como u,miraumatismo
forma. Inventa-se 'u m carn inho novo "suficienteme-nte J:om" para que ele
-causado pelo traumatismo. É sobretudo "ernpuxe" a falar. Como ousar enunciar
, pelá via do insensato do fantasma e do, uma tal proposição? Isso é diz e r à
"
sintoma que essa via se traça. É por meio mesma coisa que uma pesso~ me confiou'
d~ que exce-de todo "sentido" possível na aqui mesmo, em Nova Yor.k: o dia.Ll de
causa libidinal que essa via é possível. setembro teve a conseqüência surp reen-
. Podemos figurar o estatuto da linguagem dente de deslocar os limites do discurso.
no real assim: . Pusemo-nos a falar com pessoas com
quem não fará vamos e de coisas das
quais não falávamos. Membros de uma·
família, que se tinham tornado

RO estranhos
Laços
sentido,
uns para os outros, reataram.
novos .foram
o analista
tr auma ti z a o discurso
autorizar
criados.
é' um - parceiro

o . outro
comum
discurso
Nesse
que
para
do
inconsciente. Não se tratado analista
como "h er i he r rrre n u ti co ", -É,
ó ê

.É uma via na qual -a produção de


s ob r e tu d o , aquele que sabe- que a
~ sentido se separa de toda ,abordagem "-
linguagem, em seu fundo -mais Intimo,
"cognitiva", Não se aprende mais a viver
depois do trauma do que .se aprendem
permanece
'''a linguagem
. .
fora de sentido. Ele sabe que
é um vírus" tal como diz
.

as regras da linguagem. Inventa-se o


o títu lo de uma canção da performing
Outro da lin gu a g ejn . superando a
artist Laurie Anderson. \..
angústia da perda da mãe, "causado"
Pela posição que o analista ocupa,
pela. mãe. Mais profundamente ainda, a
imersão n a lingua'gem é tr aurn tica á
ele é quem .gar ante <o surgimento do
porque ela' comporta, em seu centro, inconsciente que emerge sempr~ em sua
uma não-relação. A não-relação sexual dimensão de ~u ptura do. se n tido
'~ nunca seescreve. Ela resta sempre como .estabelecido, Como Outro discurso, ele é
'~ma regra quefalta a ser inve~t~da, mas destinado a uma posição rum-sensical, É um
que semH~e faz falta. É o que faz com que parceir o anti-her me nêu tico , como os
Lacan tenha dito que o traumatismo é, heróis de Rainman ou de Forrest-Gump. Ele
ern última instância, o 'traumatismo é. aquele que sabe que a linguagem
í
sexual. É um sentido muito diferente funciona como a repetição insensata do
daquele que a OMS utiliza para dar conta "rum, Forrest, rum!" que .escande o filme. Ele,
da sexualidade. . corre com o sujeito contra o sentido.

-.
ce DOSSIER

COMO O SEXO CHEGA ÀS CRr~NçAS

A ànálise como narração e a análise como doador de sentido ou àquela-daquele que


instalação restitui o sentido recalcado.
Com os -filósofos da linguagem e
O analista sabe, assim, que ele opera .contra as abordagens cognitivas, nós
com materiais frágeis. 'A análise não é um' sabemos qUê a linguagem faz outra coisa
. ajuste da metáfora ou do relato da vi~~.d~ do que codificar uma experiência do
cada sujeito. Não é o "relato que conviria viven tev .Ela é um código a mais na
' no lugar da história que não existe, urna multiplicação dos códigos sensoriais, o
vez recuperado '0 dossier perdido sob .o código da visão, dá audição, do afeto ete.
) recalque. A análise parece muito mais, nessa Mas, diferentemente da' abordagem
'-perspectiva, com uma ins~alação precária filosÓfica da relação intersubjetiva, que
-corno aquela que se encontra agora em pode ter um filósofo a m er icano
todos- os nossos museus ou quando das contemporâneo como Donald Davidson, o
grandes cerimônias da comunidade' psicanalista sabe que ~ão é u~ "~u?do
artística, chamadas de bienais. Eu vi, há comum" e compartIlhado que e a
pouco, no Whitne.y Museurr:-' uma dessas ;eferência últi~a da linguagem, O que nos
instalações. Tratava-se de uma sala ondeo é comum é, sobretudo, a referência ao
artista, John Leafios, tinha reconstituído traumatismo linguageiro, o que realmente
uma esp écie de -pseu d o- exposição· faz obstáculo à constituiçâó de u11).mundo.
arqueológica consagrada à cultura de O que é comum - a toda relação
Aztleclan. Essa cultura teria sido centradaintersubjetiva é a não-existência da relação
não 'sobre o sacrifício sangrento, como os sexual, falha-na qual virão se inscrever os
antigos 'Mai~s,)llas sobre a castração rit~al.. objetos fragmentados 'do gozo. .
O '"título ~a instalação era ~Rememberz~g Se nós co nju g arnos esses dOIS
castration. E o que resta quando a castraçao sentidos do trauma,o trauma é, mais um
não quer mais dize~ nada de tr~g~co para ~ processo do que um acontec~~en~o. Ele
nossa cultura. Br inca-se ent~o c~n: o . acompanha para sempre o sujeito.
passado de um mundo no qual teria eXI:tIdo É preciso manter juntos os dois
~-signifi_ca~ão ~itu:l de um~,t~l operaçao._A ~ 'pontos de vista sobre o direito e o avesso
mstalaçao m~eIra e uma espeCle d: o~eraçao do trauma, que nós' escrevemos.
frágil sobre O que nos resta de sentido em - I ,

torno do falo. Mais vale concebera análise


assimdo que como !lma metáfora narrativa
cheia de sentido. O analista, nessa segunda
, posição, se situa além ou aquém de' uma
concepção terapêutica do sentido.
Na 'primeira
reparação
posição,
do sentido, o' analista é mais
,
a -d a
S~O RO
evidentemente terapeuta. Mas, na
segunda posição, ele percebe o 'próprio
É o que faz a originalidade da
sentido como um objeto perigoso, Ele
psicanálise, no conjunto das terapias do
pode produzir "ouerdoses" que o tornam -
trauma pç>r meio da palavra." p r~curso
in o'p e r a n te . É, assim, impossí~eJ
generalizado às psicoterapias PQS-
interpretar mais as "aranhas" de Louise
traumáticas, próprias à nossa civilização,
Bourgeois do-que ela própria o fez. Será nos dá novos deveres e novas
preciso, então, ao analista, medir; para responsabilidades, É a ocasião de fazer
cada sujeito, até onde ele pode escu tar ~a singularidade do dIscurso
apresentar os dois pólos de sua ação. psicanalítico ny~a experi~nctcclí~i~a
Isso- depende evi~entemente dos compartilhada. E tanto mais necessano
"traumatismos"
I e x t e r io-r e s ,que o p"Ol:quesabemos que o mundo, depois de
- arÚdis~nte's6freu. Mas, é 'preCiso, no -, ,11 de setembro de 2001, nos conduzirá,
entanto, qüe o analista saiba que ele não sem d úvi d a- alguma t; parahossa
pode reduzir sua posição àquela de um infelicidade, a intervir depois de um
INSTITUTO DE PSICANÁLISE E SAÚDE MENTAL DE MINAS GERAI-S

PÁPEIS DE PSICANÁUSE v.I N.l ABR. 2004

,
trauma ou outro. Freud nos havia deixado
o séculõXX no "mal-estar-da civilização",
talvez o século XXI nos leve a falar
sobretudo da "civilização e de seu trauma"?

* Texto de Éric t.aurenttraduzldo a partir do' original "Le


trauma à I' envers", publicado em Ornicsr? digital n.204; de 3
de maio de 2002. .

TRADUÇÃO: Cristina Drummond /.

REVISÃO: Ornar Duane

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