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O ntologia pós - metafísica e o

movimento humano como linguagem

Post-Methaphysical Ontology and human movement


as a language
Resumo O presente trabalho problematiza a concepção de onto-
logia hegemônica da tradição ocidental de pensamento, referen-
ciada no plano metafísico, e apresenta as inflexões com relação
a ela construídas no século XX, que propõem uma ontologia pós-
-metafísica. O texto situa o lugar do corpo e do movimento huma-
no em ambas as perspectivas, mostrando de que maneira a opção
por uma postura pós-metafísica abre possibilidades para conce-
ber o movimento humano como linguagem referenciada na ima-
nência e situada no fluxo do permanente vir a ser. Optamos pela
concepção de ser humano como ser de linguagem, e pela elabora-
ção benjaminiana da linguagem para pensar o movimento huma-
no como tal, a partir do entendimento do filósofo berlinense de
que o ser humano é capaz de diferentes linguagens, a nominal e
as não nominais. Finalmente, são apresentados alguns desdobra-
mentos desse conceito para o campo da educação e do movimen-
to humano, visando tensionar o entendimento tradicional do em-
P aulo E valdo F ensterseifer
preendimento educacional pautado no conhecimento de caráter Universidade Regional do
discursivo e pelos cânones da ciência moderna, propondo, para Noroeste do Estado do Rio
tal, revalorizar os saberes não discursivos e de caráter estético. Grande do Sul (UNIJUÍ)
Palavras-chave ontologia pós-metafísica; linguagem; movi- fenster@unijui.edu.br
mento humano; educação física.
S antiago P ich
Abstract This paper discusses the hegemonic ontology concept Universidade Federal do
of the western tradition, which is related to the metaphysical Paraná (UFPR)
sphere, and shows the inflexions of the concept constructed in santiago.pich@yahoo.com.br
the XX century, that propose a post-metaphysical ontology. The
text reflects the place of the body and of the human movement
in both ontology concepts, showing that the choice of a post-
metaphysical concept opens possibilities to conceive human
movement as a language connected to immanency and situated
in the constant flow of the coming-to-be. We made the option
for the concept of man as a being-of-language and for the benja-
minian conception of language to consider human movement as
a language, on the basis of Benjamin’s concept that the human
being can deal with different languages, the nominal and the non-
nominal ones. Finally, are shown some implications of those con-
cepts for Education and human movement, aiming at criticizing
the traditional education concept based on discursive knowledge
and modern science, proposing to revalue non-discursive and aes-
thetic knowledge.
Keywords post-metaphysical ontology; language; human
movement; physical education.
Introdução e do Bem” 1. Assim, é a ação humana orienta-

N
o entender de Castoriadis (2004, p. 229- da pelo logos que conseguirá instituir o bem
230), a ideia de um saber total, por um da ordem no mundo, sendo o próprio corpo a
lado, e a ideia de uma matéria rebelde a referência primeira nesse processo.
tal saber, por outro, já estão presentes no ima- Segundo Castoriadis (2004), tanto Pla-
ginário grego e se expressam nas duas grandes tão quanto Aristóteles – e poderíamos agre-
tradições filosóficas daí derivadas: a opção par- gar neoplatonistas como Plotino – guardarão
menidiana, para a qual a matéria implica o in- esse traço grego pré-socrático, o que os leva a
determinado “não é” (o que é o inteiramente reconhecerem algo de indeterminado ou irra-
determinado), e a tradição heraclitiano-demo- cional presente na matéria. Essa problemática
crítico-sofista, vinculada a uma noção de mate- está na base de toda a metafísica posterior, le-
rialidade incognoscível, a qual será deixada de vando a teologia cristã à busca incessante de
lado por boa parte da tradição ocidental. expurgá-la, e ao racionalismo moderno a pen-
O esforço em resolver o embate entre sar um sujeito epistêmico desencarnado. Con-
Parmênides e Heráclito, entre “ser” e “dever- temporaneamente, ela tornou-se alvo das crí-
-ser”, “essência” e “aparência”, levou Platão ticas que buscam romper com esta tradição.
a identificar “ser” com “ideia” (eidos), consti- São posições que suspeitam de toda preten-
tuindo-se esta na base da ontologia só acessí- são ontológica que seja referenciada no plano
vel por um conhecimento epistêmico (quem metafísico, e que reconhecem a historicidade
sabe seja esta a maior marca que herdamos de toda pretensão de definição do “ser”.
do platonismo), e identificando plenamente No século XX assistimos a um movimen-
ontologia com metafísica. Já o vir a ser, de to que visa a operar a dissociação entre on-
caráter histórico, temporal, transitório, cor- tologia e metafísica, o que implica assumir e
ruptível, passa a ser objeto da doxa, portando positivar a impossibilidade de responder de
algo menor no construto platônico. forma definitiva à pergunta pelo ser, a busca
Interessa-nos, neste momento, apon- pelo caráter imutável da essência das coisas e
tar a maneira como Plotino, representante a pretensão de descobrir as relações causais
privilegiado do neoplatonismo, estabelece o necessárias que regem o funcionamento do
vínculo entre matéria e forma com o bem e o mundo. Essa nova postura ontológica ques-
mal porque nele o corpo adquire uma singu- tiona também a negação da materialidade do
lar relevância. De alguma maneira, podemos corpo humano como via legítima de acesso ao
ver nesse registro importantes marcas para conhecimento. Esta postura propõe fundar
a relação entre logos e materialidade corpó- outra ontologia ancorada na historicidade, na
rea na tradição ocidental, bem como nele já contingência e na imanência. Nesse movimen-
se fazem presentes as marcas da helenização to, ao corpo e ao movimento humano é atri-
do cristianismo. Para o filósofo, o mal não re- buído (ou restituído?) um valor ontológico.
side na matéria, mas na matéria em sua quali- Para Marilena Chauí (1998), os filósofos Mar-
dade de não formada. Na medida em que ela tin Heidegger e Maurice Merleau-Ponty são
comporta um impulso para o irracional, deve representantes privilegiados dessa inflexão
ser sempre submetida aos ditames do logos. no pensamento ocidental moderno. Valemo-
Esse pressuposto tem implicações relevantes -nos das palavras da referida autora para ilus-
para a relação do homem com o corpo por re- trar esta nova postura ontológica:
conhecer o caráter frágil e parcialmente cor-
A nova ontologia parte da afirma-
ruptível da natureza do corpo. “Consequen-
ção de que estamos no mundo e de
temente não é a corporeidade o mal, mas a
que o mundo é mais velho do que
corporeidade que impede com a sua pulsão 1
[MANCINELLI, 2006 - Texto original em italiano,
de sombra o itinerarium rumo à glória do Nous
tradução nossa]

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nós (isto é, não esperou o sujeito do Deus, recomeçar do zero a história da fala, ou
conhecimento para existir), mas, si- melhor, arrancar a fala à história”.3
multaneamente, de que somos ca- Gadamer, por sua vez, lembra que se
pazes de dar sentido ao mundo, de podemos falar em uma objetividade da lin-
conhecê-lo e transformá-lo. guagem (Sachlichkeit) não é, pois, a da ciên-
cia (Objektivität), que conhece leis, “tem algo
Não somos uma consciência refle- em suas mãos”.4 Falar, enfatiza ele, “não sig-
xiva pura, mas uma consciência en- nifica, de maneira alguma, tornar coisas dis-
carnada num corpo. Nosso corpo poníveis, e calculáveis […] essa experiência
não é apenas uma coisa natural, tal permanece ela mesma, entrelaçada no com-
como a física, a biologia e a psico- portamento vital”. É um raciocínio que vale
logia o estudam, mas é um corpo para pensarmos o MH sem os estreitamentos
humano, isto é, habitado e animado do cientificismo. Afinal,
por uma consciência. Não somos
pensamento puro, pois somos um que pobre ideia a que gostaria que
corpo. Não somos coisa natural, o rigor do discurso só dissesse res-
pois somos uma consciência.2 peito às cinzas já frias de uma inspi-
ração já extinta! Se o ardor é ardor
Diante deste quadro, vincular o caráter do pensamento (e não do senti-
ontológico ao movimento humano (MH), ou mento), se o rigor é rigor do pen-
dar ao MH um caráter ontológico, pode tan- samento (e não algum prolonga-
to nos levar à metafísica (ao entificar o MH), mento ou transposição da exatidão
como pode pô-la em questão, dando um novo físico-matemática), então, a certo
sentido a ontologia. Assim o faz a fenomeno- nível de profundidade, ardor e rigor
logia, permitindo reconhecer o ser no apare- são contemporâneos e se juntam
cer do MH em seu diálogo com o mundo. Esta para expressar somente certa so-
compreensão – que nos permite reconhecer licitação imperativa, impetuosa, e
que o movimento “é”, não apenas “represen- doce também, da coisa que pede
ta”, restando ao esforço conceitual “correr para ser pensada.5
atrás”, e apreendendo-o sempre parcialmen-
te (o que não é um defeito da linguagem, mas Se não quisermos portanto incorrer em
a sua própria condição) – tornou-se um de- uma perspectiva metafísica, em uma ontote-
safio para um pensamento que poderíamos ologia, “ontologia” deve ser tomada como
denominar pós-metafísico e que rompe com “palavra caída”, devolvida dos céus metafísi-
uma noção instrumental da linguagem. cos para o mundo humano (juntamente com a
A “deficiência representacional” da verdade, o homem, o método…). É nessa pers-
linguagem, sua “imperfeição constitutiva”, pectiva que nos propomos a pensar aqui o MH.
sempre encontrou paladinos prontos a supe-
rar este “déficit”. Este esforço para superar O movimento humano observado
o “caos das línguas históricas” e suas defici- pela lente da ontologia ocidental
ências, é criticado por Merleau-Ponty na se- Se, primeiramente, a ontologia na tra-
guinte afirmação: “O algoritmo, o projeto de dição ocidental de pensamento é devedora
uma língua universal, é a revolta contra a lin- da “ideia” platônica, com implicações para
guagem dada. Não se quer depender de suas pensarmos o MH, uma nova conformação irá
confusões, quer-se refazê-la à medida da ver-
dade, redefini-la segundo o pensamento de 3
[MERLEAU-PONTY 2002, p. 25]
4
[GADAMER, 1999, p. 658]
[CHAUÍ, 1998, p. 241]
2 5
[Birault, apud BRUM, 1986, p. 8]

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tomar o MH na modernidade como reprodu- Já o pensamento de Descartes ocupará
ção de um padrão de exatidão / perfeição, a um lugar central para a modernidade, centra-
adequação da técnica a uma ideia de movi- lidade que reside, no entender de Heidegger,
mento perfeito definível por meio das ciên- no fato de ter sido ele o responsável pela
cias naturais, em particular a cinesiologia e, construção de uma metafísica na qual “são
principalmente, a biomecânica, buscando a tomados como efetivamente sendo apenas
pretensão de coincidência entre conceito, en- os entes que se oferecem como objetos de
tendido como cálculo, e coisa. uma representação exata: são verdadeira-
Neste pensamento, afirma Fensterseifer mente apenas os entes representáveis com
(2001, p. 55), o sujeito torna-se fundamento certeza e que podem ser submetidos ao cál-
epistemológico posto que as certezas subjeti- culo e ao domínio técnico […]”.9 Para viabili-
vas substituem as autoridades e a tradição na zar esse projeto é preciso “sepultar epistemo-
legitimação do conhecimento. Elas se tornam logicamente o ‘mundo exterior’ em um nada
fundamento ético ao definirem suas regras de negativo para então permitir que ele ressus-
ação independentemente dos padrões tradi- cite mediante provas”10, que se pautam pelo
cionais e coletivos. Tornam-se também funda- critério da mensurabilidade, tomado como
mento ontológico ao condicionar a existência critério ontológico por excelência.
da realidade das coisas a sua capacidade de Nunca é demais lembrar a herança dua-
representá-las de forma “clara e distinta”. lista que nos deixou Descartes expressa nesta
Para Schneider, Maquiavel talvez tenha passagem: “[…] a alma, pela qual sou o que
sido pioneiro na compreensão desta nova sou, é inteiramente distinta do corpo e, in-
subjetividade, “expressando-a na possível clusive, é mais fácil de conhecer do que ele,
eficiência pesquisadora e manipulativa do e, ainda que o corpo nada fosse, a alma não
indivíduo-sujeito Príncipe, direcionada ao ob- deixaria de ser tudo o que é”.11
jeto sociedade, isto é, ao conjunto da ação Enfim, essa tradição de pensamento
humana […]”.6 Na mesma senda, prescinde da experiência, tomando como
alheio ao conhecimento verdadeiro tudo
Bacon, admirador de Maquiavel,
aquilo que derive de um sujeito “encharcado
compreendeu as possibilidades
da força e do poder da nova sub-
de mundo”. O esforço metodológico deste
jetividade elegendo como objeto pensamento pauta-se pela necessidade de
de análise, cálculo e observação a promover uma assepsia de qualquer particu-
natureza em geral. Esta se expres- laridade ou contingência, levando às últimas
sa em suas regularidades a serem consequências a máxima aristotélica de que
descobertas pela atenção às causas não há episteme do particular. Certamente
eficientes que possibilitam a regula- não iremos muito longe nesta trilha se ob-
ridade do seu movimento.7 jetivamos reconhecer um outro lugar para
o MH. Acreditamos ser isto possível a partir
Bacon, em oposição à teleologia aristo-
de uma concepção de linguagem como traço
télica – que com a questão “para que” inse-
distintivo da condição humana, não mais um
ria a noção de causa final – dará centralidade
instrumento, mas como o próprio modo pelo
à pergunta “por que”, “a fim de produzir o
qual o ser se dá a nós, como experimentamos
conhecimento sobre as causas eficientes de
o mundo (GADAMER, 1999).
toda a movimentação da natureza e, com
isso, dominar o setor de objetos de acordo
com e a favor dos interesses humanos”.8
6
[SCHNEIDER, 2011, p. 26] 9
[Heidegger apud FIGUEIREDO, 1995, p. 31]
7
[Ibid., p. 26-27] 10
[HEIDEGGER, 1988, p. 273]
8
[Ibid., p. 27] 11
[DESCARTES, 1985, p. 56]

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Algumas notas sobre a linguagem comunica en el lenguaje y no a tra-
em Benjamin e o movimento como vés del lenguaje. No hay por lo tan-
linguagem to un sujeto hablante del lenguaje,
Nossa investigação traz como tese a si con ello se entiende a quien se
compreensão de que o corpo faz-se humano comunica a través del lenguaje. El
ao dar-se como linguagem. Assim, para co- ser espiritual se comunica en y no
nhecermos o MH precisamos tomá-lo como a través del lenguaje: es decir, no
linguagem. Deste modo o entendimento es exteriormente idéntico al ser lin-
acerca do ser e pensar não mais se coloca em güístico. El ser espiritual se identifi-
uma relação de anterioridade/posterioridade ca con el lingüístico solo en cuanto
para quem nasce no/para o mundo humano. es comunicable. Lo que es comuni-
Isto reforça a posição que reconhece que a cable en un ser espiritual es su ser
ontogenia não reproduz a filogenia. Pensar o lingüístico. […] El lenguaje comu-
MH como linguagem também não nos permi- nica el ser lingüístico de las cosas.12
te afirmar hierarquias ou monopólios nos mo-
dos de dizer o ser. É importante esclarecer neste momento
Entendemos que os escritos do filósofo que Benjamin reconhece a participação de
alemão Walter Benjamin nos oferecem um todas as coisas do mundo no ser da linguagem,
rico horizonte para iniciarmos o caminho de condição que permite a comunicabilidade e
uma teorização que nos permita situar o mo- a traduzibilidade entre as diferentes formas
vimento como linguagem, bem como a rela- de linguagem do ser humano e da natureza.
ção desta com outras linguagens humanas. Retomando a citação acima, vemos que para
Para tanto, nós nos valeremos dos escritos da Benjamin o ser se dá na linguagem, entendida
juventude situados na fase teológica de Ben- não como instrumento que permite comuni-
jamin (GAGNEBIN, 2005a), em particular “So- car um conteúdo, mas a própria condição lin-
bre a linguagem em geral e sobre a linguagem guística que identifica as coisas do mundo, e,
dos homens” (LGLH) (1916) e “A tarefa do em particular o ser humano como ser capaz
tradutor” (TT) (1921). Também nos valeremos da(s) linguagem(ns) mais elevada(s). Por ou-
do “Prefácio” (Vorrede) de sua Habilitationss- tro lado, na medida em que o ser da lingua-
chrift intitulada “A origem do drama barroco gem é pura medialidade sem conteúdo, isto
alemão” (ODBA) (1928). permite superar o caráter metafísico da lin-
No primeiro escrito aqui citado identifi- guagem, uma vez que o seu objeto não é mais
camos uma compreensão que é basilar para apreender a essência das coisas, mas ser pura
apoiar a concepção de linguagem por nós de- potência do dizer, dizer a própria dizibilidade.
fendida, qual seja o caráter não instrumental No intuito de identificar a especificidade
da linguagem e o ser humano como ser que se da linguagem dos homens, Benjamin recor-
dá na linguagem. Para Benjamin a linguagem re ao argumento teológico que atribui à lin-
não é um meio que nos permite transmitir guagem do homem o nomear as coisas, isto
mensagens a outrem sobre coisas do mundo, é, a linguagem humana está sinalizada pela
mas é, em primeiro lugar, uma medialidade palavra que nomeia as coisas do mundo. “La
pura, é comunicação da própria comunicabili- esencia lingüística del hombre es por lo tanto
dade, portanto, potência do dizer. Vejamos o nombrar las cosas”.13 Nesse sentido, Jeanne
que o autor nos diz: Marie Gagnebin entende que Benjamin, nes-
se momento da sua vida, concebe que “[…]
¿Qué comunica el lenguaje?
Comunica la esencia espiritual que
le corresponde. Es fundamental
12
[BENJAMIN, 2007, p. 93 – o negrito é nosso]

13
[Ibid., p. 94]
saber que esta esencia espiritual se

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a língua humana, antes de ser discurso e co- – é apresentada a insuficiência da linguagem
municação, é nomeação – e, no Gênese, esta para o acesso à ideia, à verdade. Contudo, e
nomeação primordial é definida como res- de forma paradoxal, a verdade precisa dar-se
posta ao Deus criador”.14 Em outro momen- para poder vir a ser, e, esse movimento só é
to do texto supracitado o filósofo berlinense possível mediante o conceito. A contempla-
afirma: “Pero, dado que la esencia espiritual ção das ideias e a apresentação da verdade
del hombre es el lenguaje mismo, el hombre são restituídas como a tarefa filosófica por
no puede comunicarse a través de él, sino en excelência. Dessa maneira, o autor visa a
él”.15 Por ser um ser de linguagem que se dá distanciar-se da linguagem instrumental da
nas palavras, o ser humano e, consequente- ciência, cuja linguagem busca a apreensão e o
mente sua linguagem, é o único inteiramente domínio do objeto. Para Benjamin:
comunicável. É o que diferencia a linguagem
humana da linguagem das coisas. Contudo, Graças a seu papel mediador, os
que o ser humano seja um ser de linguagem conceitos permitem aos fenômenos
implica sempre o confronto com a sua inapre- participar do Ser das ideias. Esse
ensibilidade última. Conforme Gagnebin: “O mesmo papel mediador torna-os ap-
homem é assim, essencialmente, um ser de tos para a outra tarefa da filosofia,
linguagem, mas a linguagem, que o define, lhe igualmente primordial: a represen-
escapa de maneira igualmente essencial”.16 tação (apresentação17) das ideias. A
Dessa maneira, entendemos que inexiste um redenção dos fenômenos por meio
ponto de vista exterior do qual poderíamos das ideias se efetua ao mesmo tem-
objetificar a linguagem. po que a representação (apresenta-
Embora Benjamin se valha da referência ção) das ideias por meio da empiria.
à linguagem adâmica, na qual havia uma per- Pois elas não se representam por si
feita coincidência entre palavra e coisa, para mesmas, mas unicamente a partir de
pensar a origem da linguagem humana, não um ordenamento de elementos ma-
se registra na obra aqui referenciada qualquer teriais no conceito, de uma configu-
sinal de nostalgia e de tentativa de retorno a ração desses elementos.18
um passado primigênio. Pelo contrário, a que-
da permite o permanente vir a ser do homem A atividade filosófica – e poderíamos
como um ser de linguagem, na medida em dizer isto de todo trabalho intelectual que se
que nessa perspectiva não há um sentido úl- ancora na produção conceitual aqui entendi-
timo a ser desvendado, mas uma constante do no seu sentido mais amplo (incluindo as
produção e recriação de conceitos. diversas linguagens das quais o ser humano
Essa postura se coaduna com o concei- é capaz19) – deve situar-se no horizonte da
to de apresentação da verdade como tarefa contemplação das ideias. Para Benjamin: “A
da filosofia, tal como proposto no Prefácio ideia é algo de linguístico, é o elemento sim-
(Vorrede) da ODBA. Neste caso, Benjamin bólico presente na essência da palavra. […] A
propõe que a relação com a verdade está tarefa do filósofo é restaurar em sua primazia,
dada pela tríade ideia – conceito – fenômeno. pela representação (apresentação), o caráter
Na medida em que a ideia em si não é aces-
sível ao homem, mas somente por meio do 17
[Preferimos aqui o termo “apresentação” e não
conceito – o qual, por seu caráter mediador “representação” para a tradução do original
alemão Darstellung, para evitar, conforme a precisa
permite a relação dos fenômenos com a ideia
observação de Gagnebin (2005b), que seja atribuída
a Benjamin uma concepção representacional da
14
[GAGNEBIN, 2009, p. 20] linguagem, da qual ele próprio tenta se afastar]
15
[BENJAMIN, 2007, p. 95 – o negrito é nosso] 18
[BENJAMIN, 1984, p. 56]
16
[GAGNEBIN, 2009, p. 22] 19
[Ampliaremos este aspecto mais adiante]

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simbólico da palavra, no qual a ideia chega à oralidade, mas que se dê em outras formas de
consciência de si, o que é o oposto de qual- linguagem como a linguagem de movimento.
quer comunicação dirigida ao exterior”.20 E
mais adiante complementa: “Com isso, redefi- Hay un lenguaje de la escultura,
ne-se, no antigo sentido, a tendência de toda de la pintura, de la poesía [do mo-
conceptualização filosófica: observar o vir a vimento – nós]. Como el lenguaje
ser dos fenômenos em seu Ser”.21 de la poesía está fundado – si bien
Devemos evitar, ainda, que a leitura que no sólo, sin embargo siempre – en
Benjamin faz de Platão nos leve a concluir el lenguaje nominal del hombre, se
erroneamente de forma contrária ao que ha- puede muy bien pensar que el len-
víamos dito acima, isto é, à concepção pós- guaje de la escultura o de la pintura
-metafísica da linguagem na obra benjaminia- esté fundado en ciertas especies de
na. Nesse sentido, consideramos oportuna a lenguajes de las cosas y que se rea-
leitura proposta por Jeanne Marie Gagnebin: lice en ellos una traducción del len-
guaje de las cosas a un lenguaje in-
A enunciação filosófica ordena-se finitamente superior y sin embargo
em redor desse centro (a ideia), quizás aun de la misma esfera. Se
presença indizível que provoca e trata aquí de lenguajes no nomina-
impulsiona a linguagem, justamen- les, no acústicos, de lenguajes de la
te porque sempre lhe escapa. Essa materia, respecto de los que es pre-
figura de ausência atuante lembra, ciso pensar en la afinidad material
naturalmente, os meandros da te- de las cosas en su comunicación.24
ologia negativa; mas ela também
pode ser pensada, de maneira pro- A ideia acima é por demais instigante
fana, como o centro indizível de como chave de leitura para pensarmos o movi-
fundamentação da própria lingua- mento humano. As linguagens artísticas, com
gem, uma espécie de imanência ra- as quais entendemos o movimento humano
dical que se furta à expressão.22 guarda uma estreita relação, são concebidas,
de maneira paradoxal. Elas permanecendo na
Para Benjamin ser na linguagem é uma mesma esfera das coisas, isto é, no plano da
marca de todas as coisas do mundo, porém a materialidade na qualidade de linguagens não
linguagem das coisas é “muda”, e inferior à nominais, mas as transcende, rumo a um nível
linguagem “nomeadora do conhecimento do linguístico muito superior ao das coisas. Nesse
homem”.23 Embora, devamos reconhecer que mesmo registro, entendemos que o movimen-
Benjamin aposta na primazia da linguagem to humano, é uma linguagem, que, permane-
conceitual, da “linguagem nomeadora”, ele cendo imbricada na materialidade dos proces-
reconhece ao mesmo tempo a existência de sos corporais, os transcende para apresentar
outras linguagens das quais o ser humano é ideias que emanam da relação do homem com
capaz. Além disso, ele também postula a tra- o mundo e expressam essa relação.
duzibilidade entre elas. Aliás, é esse caráter o É oportuno lembrar neste momento que
que lhes permite comungar a condição de lin- a relação entre as diferentes linguagens, em
guagem. Portanto, entendemos que é possí- particular no pensamento benjaminiano, en-
vel conceber que o conceito não se restrinja à tre a linguagem muda das coisas e a lingua-
gem nomeadora do ser humano, tem como
20
[Ibid., p. 58]
fundamento a redenção das coisas, quando
21
[Ibid., p. 69]
22
[GAGNEBIN, 2005b, p. 188]
23
Ibid., p. 102-106] 24
[BENJAMIN, 2007, p. 107 – o negrito é nosso]

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postas em contato novamente com a po- Uma das preocupações centrais de Benjamin
tência da linguagem divina por meio da me- em ambos os textos citados é a crítica à “con-
diação da linguagem humana. Isto lhes res- cepção burguesa” ou instrumental de lingua-
titui a participação linguística no âmbito do gem, por estar ela pautada numa relação de
Divino. Nesse movimento, entendemos que dominação para com a coisa, na tentativa de
as linguagens não nominais por se situarem apreendê-la em si. Numa outra direção, Ben-
mormente no plano estético permitem uma jamin propõe no segundo momento que à fi-
relação outra com a verdade, recuperando o losofia não cumpre a tarefa do “conhecimen-
valor positivo da contemplação estética como to”, mas da exposição da verdade, isto é, o
via legítima de acesso à verdade. Schneider apresentar as ideias numa relação contempla-
(2008) propõe que a relação entre linguagem tiva para com elas. Essa postura aproxima de-
nominal e não nominal (não acústica, na ter- cisivamente a relação entre beleza e verdade
minologia preferida pela autor) ou artística numa relação de coparticipação constitutiva.
(âmbito no qual situamos a linguagem de mo- Gagnebin, no que tange à relação entre
vimento) tem um valor essencial para uma ou- verdade e beleza na introdução da referida
tra aproximação da natureza, na medida em tese, nos diz que para Benjamin
que a linguagem artística nos lembra o seu
lamento. Podemos, a partir daí, pensar em não há, então, uma subsunção da
uma relação de reconciliação ou reaproxima- beleza à verdade em uma hierarquia
ção não dominadora com a natureza (e com o ontológica que submete o sensível
próprio corpo em sua qualidade de natureza ao inteligível e o aparecer ao ser.
primeira) (Sensucht zur Natur, nas palavras de Entre verdade e beleza haveria
Benjamin), que tem na dimensão estética seu uma relação de copertencimento
fundamento. Para Schneider: constitutivo como entre essência e
forma: como forma da verdade, a
A arte de algum modo reconstitui beleza não pode se contentar em
o processo identificatório original brilhar e aparecer, se quiser ser fiel
procurando retroceder ao âmbito à sua essência, à verdade; e, reci-
ainda não comprometido com a lin- procamente, como essência da be-
guagem totalmente objetivada. A leza, a verdade não pode ser uma
arte, assim, seria reconhecedora de abstração inteligível ‘em si’, sob
sinais que a linguagem objetivada pena de desaparecer, de perder sua
na realidade esqueceu ou apagou Wirklichkeit (realidade efetiva).26
na sobredenominação. A arte tal-
vez fosse o resquício de linguagem Esse posicionamento nos leva tanto a
que resta para ouvir o lamento da resgatar a relação entre filosofia e arte, como
natureza e de todas as coisas.25 a repensar o papel do conhecimento estético
no empreendimento educacional de maneira
Nesse sentido, destacamos que as teses geral, e na área da educação física em particu-
do texto do qual nos valemos até o momen- lar. Sabemos que essas áreas de conhecimen-
to “Sobre a linguagem em geral e sobre a lin- to, a arte e a educação física, tiveram desde a
guagem dos homens”, serão posteriormente gênese até a atualidade um lugar marginal no
desenvolvidas na introdução à tese de habi- projeto da escola moderna (SOUZA; GALVÃO,
litação do filósofo berlinense publicada sob 2005), em que é privilegiado o saber conceitu-
o título de “A origem do drama barroco ale- al calcado nos moldes da ciência. Além disso,
mão” (GAGNEBIN, 2005b; SCHNEIDER, 2008). os saberes tanto da educação física quanto
25
[SCHNEIDER, 2008, p. 258]
26
[GAGNEBIN, 2005b, p. 190]

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das artes foram considerados válidos, na me- ser visto como uma marca constitutiva da
dida em que procuraram passar pelo crivo da potência da linguagem. Para Benjamin: “La
cientificidade, pautando-se nos critérios do traducción es la transposición de un lenguaje
treinamento esportivo, do desenvolvimento a otro mediante una continuidad de transfor-
da aptidão física para a promoção da saúde e maciones. La traducción rige espacios conti-
da geometrização da arte, respectivamente. nuos de transformación y no abstractas regio-
Continuando com o problema da rela- nes de igualdad y semejanza”.27 Valemo-nos
ção entre as diferentes linguagens humanas então das palavras de Gagnebin para exprimir
bem como a tradução da linguagem muda a relação da tradução com o original: “[…] a
da natureza para a linguagem nomeadora verdade do original só pode se dar a ver no
do homem, o conceito de tradução nos pare- afastamento do original, nas diversas trans-
ce neste momento de grande valia. Embora formações e traduções históricas que ele per-
Walter Benjamin não tenha se utilizado do corre, não na sua imediatez inicial”.28
conceito de tradução para exprimir a relação Esse argumento é reforçado se pensar-
entre as diferentes linguagens das quais o ser mos, com Benjamin, que a linguagem pós-
humano é capaz, entendemos que ele é uma -edênica, a linguagem da queda, que as “pala-
ferramenta teórica de grande valia para pen- vras caídas” estão “condenadas” à mediação.
sarmos a tradução entre as diferentes lingua- Já não mais (e nunca mais) poderão preten-
gens humanas. der esgotar, numa identificação sem resíduos,
Para Benjamin (2007, p. 102), haveria a coisa em si (BENJAMIN, 2007), o que impli-
uma clara hierarquia entre as linguagens, que ca o caráter babélico da linguagem. Assim, a
teria no seu ápice a linguagem divina. Contu- multiplicidade de linguagens e a permanente
do, se também considerarmos que a relação produção de conceitos que procurem expri-
entre as linguagens permite a dinamicidade mir o mundo é o horizonte no qual se movi-
da própria linguagem, nós nos deparamos menta a condição humana na perspectiva
com um aspecto relevante para nossa argu- pós-metafísica. Para Gagnebin: “A ‘queda’ é
mentação. A traduzibilidade entre as lingua- a perda dolorosa desta imediaticidade, per-
gens das quais o ser humano é capaz pode ser da que se manifesta, no plano linguístico, por
proposta não a partir de uma hierarquia que uma ‘sobredenominação’ (Überbenennung),
situe no seu topo a palavra, a discursividade uma mediação infinita do conhecimento que
(como seria, talvez, a opção benjaminiana), nunca chega ao fim”.29
mas que entenda as diferentes linguagens Retornando à ideia do tradutor, lembra-
como espaços legítimos de produção de ver- mos o alerta que Benjamin nos apresenta pro-
dade os quais se relacionam entre si a par- curando evitar a rigidez de qualquer tentativa
tir da tentativa de contemplar e apresentar de tradução literal do original, em particular
uma ideia. Dessa maneira, não se justificaria quando essa preocupação afeta decisivamen-
a subsunção de toda e qualquer linguagem te o sentido. Para tanto, o autor se vale da
à discursividade, mas seria reconhecida a es- metáfora da reconstituição de um vaso de flor
pecificidade e legitimidade de diferentes lin- que foi quebrado a partir das partes que resta-
guagens para exprimir o ser. Na medida em ram. A reconstituição nunca será uma volta ao
que não situamos hierarquias, mas propomos original, mas a possibilidade de refazê-lo, con-
a traduzibilidade das linguagens entre si, re- forme as possibilidades de quem opera esse
conhecemos, na esteira benjaminiana, que trabalho. Portanto, na tarefa da tradução se
nunca haverá uma coincidência na tradução. reconhece a impossibilidade da identificação
Haverá sempre uma relação (re)criativa com plena com o original. Além disso, o resultado
o original. Isto é, a pretensão de não coinci- 27
[BENJAMIN, 2007, p. 102]
dência entre as linguagens, longe de ser um 28
[GAGNEBIN, 2009, p. 21]
defeito da relação entre as linguagens deve 29
[Ibid., p. 18]

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da tradução será a elevação a uma linguagem weberiana. Nesse sentido, da dimensão cor-
superior, e, de forma alguma, a perda ou a de- pórea é retirada sua valoração negativa, e ao
turpação de uma essência (Benjamin, 2007, p. corpo e ao movimento humano lhes é reco-
87). Destacamos ainda, que a relação entre as nhecido status ontológico na configuração da
linguagens – na medida em que obriga a cada humanidade do homem.
uma delas a incorporar algo de estranho den- Por outro lado, se abandonamos a con-
tro de si, na medida em que sua autossuficiên- cepção representacional da linguagem que
cia é questionada – as potencializa. Schneider dá sustento à ontologia metafísica, e que se
chama a esse movimento, com muita lucidez, assenta no pressuposto da existência de Uma
de “transcriação constante”.30 Gagnebin Linguagem, a linguagem matemática, a qual
apresenta com precisão essa noção: por seu caráter neutro (e imaculado) não está
corrompida por nenhum vestígio de subjetivi-
Somente a explicitação radical da dade e assumimos a ideia de que o ser huma-
multiplicidade das línguas [no nosso no é um ser de linguagem – isto é, se concebe-
caso, das linguagens das quais o ser mos o ser humano como um ser que se dá na
humano é capaz], isto é, o reconhe- linguagem e não que se expressa por meio da
cimento da alteridade irredutível da linguagem – entenderemos que a linguagem
língua estrangeira, implica em cada se encontra em um constante vir a ser, na me-
língua singular este deslocamento dida em que o ser humano está “condenado”
doloroso e essencial que a obriga a à linguagem babélica após a queda depois de
sair de sua autossuficiência natural abandonar a ilusão de uma correspondência
e, tornando-a estrangeira a si mes- absoluta entre palavra e coisa.
ma, desperta nela o eco de outra Além disso, se concebemos que o ser hu-
língua, universalmente verdadeira.31 mano é capaz de diversas linguagens e reco-
nhecemos dignidade não tão somente à racio-
Seguindo a autora acima, entendemos nalidade discursiva, mas também à linguagem
que não haveria uma língua (ou uma lingua- corporal e à linguagem artística, e sustenta-
gem) universal, mas que a convergência entre mos que entre elas é possível a “tradução” – e
as línguas pressuporia uma unidade da com- consequentemente entendemos que os sabe-
preensão humana. res que se manifestam em diferentes regis-
tros linguísticos em torno de uma ideia não se
Considerações finais: ontologia reduzem ao conceito discursivo, mas podem
pós-metafísica, movimento ser exprimidos pelas diversas linguagens das
humano e educação quais o ser humano é capaz – teremos uma
Para avançar rumo ao final do texto re- outra aproximação da ideia de verdade. Nesse
alizaremos uma síntese das posições defen- sentido, as expressões corporais e artísticas
didas ao longo do processo argumentativo, ganham dignidade e valor de verdade.
procurando avançar no sentido de elaborar Entendemos que as implicações dessas
possíveis desdobramentos para pensar o lu- ideias para a educação física, em particular
gar do movimento humano na educação. para aquela que ocorre no campo escolar,
Sustentar uma ontologia que não mais são decisivas. Em primeiro lugar, porque
se equivalha a metafísica, mas que se susten- questionam de maneira radical a concepção
te na imanência, nos leva a instituir dignidade de conhecimento que impera na escola, ou-
a “este mundo”, para usar uma expressão torgando legitimidade aos conhecimentos
considerados secundários no campo esco-
lar, notadamente aqueles tematizados nas
30
[SCHNEIDER, 2008, p. 211] disciplinas de caráter artístico e na educação

31
[GAGNEBIN, 2009, p. 27] física. Por outro lado, questionam o modo

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como essas disciplinas concebem o conjunto da racionalidade, portanto da possibilidade
de práticas por elas tematizadas, bem como de entendimento sobre algo no mundo, e
a necessidade de assumir a linguagem corpo- que assume como legítimas expressões lin-
ral como via legítima de produção de conhe- guísticas não discursivas, as quais possam
cimento. Contudo, essa postura implica um de algum modo dialogar com a racionalidade
desafio para o pensamento em educação, discursiva. Esse é o problema sobre o qual en-
qual seja, o explorar as possibilidades e os saiamos algo, com a clara percepção de que
limites de uma linguagem que não abre mão muito temos a pensar e dialogar.

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Dados dos Autores:

Paulo Evaldo Fensterseifer


Professor do Curso de Educação Física - Departamento
de Humanidades e Educação - UNIJUÍ e do Programa
de Pós-Graduação em Educação nas Ciências - UNIJUÍ
Licenciado em Educação Física - UFSM; Bacharel em
Filosofia - UNIJUÍ; Doutor em Educação (UNICAMP)

Santiago Pich
Professor do Departamento de Educação Física - UFPR;
Licenciado em Educação Física (IPEF - Argentina); Mestre
em Ciência do Movimento Humano (UFSM); Doutor
em Ciências Humanas (DICH/UFSC).

Aprovado: 19-10-2011
Recebido: 23-04-2012

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