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25/7/2019 CULTURA IV - Prova parcial I - Documentos de Google

Primeira Prova Parcial Cultura VI

A partir da leitura e reflexão dos textos xerocados, faça uma análise crítica e
estabeleça pontes que os vinculem com a “história” de “Vavó Xixi e seu neto
Zeca Santos” de José Luandino Vieira para sabermos quem é, o que sente e qual
é o lugar do sujeito pós - colonial na realidade africana em língua portuguesa.
Situe o autor, a época e o lugar.

A história “Vavó Xixi e seu neto Zeca Santos” faz parte de ‘Luuanda’ um livro do qual
em 2014 comemorou-se o cinquenta aniversário da sua publicação. Quando o
escreveu, José ‘Luandino’ Vieira estava na prisão. Tinha sido condenado em 1961
pelas suas atividades de militância pela independência de Angola. Escreveu lá
grande parte de sua obra. O livro só foi publicado porque sua mulher, Linda, nas
visitas ao marido, levava folhas escondidas entre as roupas.

Luuanda esteve envolvido em violência desde a sua elaboração, na cadeia, até a


sua premiação, em 1965. O autor, os escritores que lhe concederam o prémio da
Sociedade Portuguesa de Escritores foram difamados. Até que a própria Sociedade
Portuguesa de Escritores foi fechada. Porém, o livro cresceu na consideração dos
leitores e críticos, como criação literária própria de Angola. Muitos artigos foram
escritos falando da importância do livro para a literatura angolana, as literaturas
africanas e mesmo as literaturas em língua portuguesa. A linguagem inovadora
utilizada nos três contos, um dos assuntos mais discutidos na época em que foi
editado o livro, constitui uma afirmação da identidade literária angolana. Luandino
traz para os seus textos, em plena vigência do regime colonial português, vocábulos
e expressões do quimbundo1, usando a linguagem do musseque, frequentemente
menosprezada pelos colonizadores e chamada de ‘pretoguês’. O fato do autor
elevar ao status literário a fala misturada do povo, constituiu uma reivindicação do
dominado, uma denúncia da situação colonial, uma defesa da ‘angolanidade’. Ao
criar neologismos e modificar a estrutura da língua portuguesa através do uso do
quimbundo e do 'pretoguês', coloca a linguagem do povo dominado ao mesmo nível
que a do prestigiado português. O colonizado deve assumir a língua de seu

1
Os quimbundos são um dos onze grupos etnolingüísticos de Angola e formam a segunda maior população dentre esses
grupos.

Profa. Consuelo Vázquez 1 Est. Alicia Orioli

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conquistador, deixando de lado a sua própria, aquela que exprime seus sentimentos
e sonhos, a que têm valor afetivo.

Na história ‘Vavó Xixi e seu neto Zeca Santos’, o autor descreve a miséria, a fome e
a tristeza e a angústia nas que vive o povo submetido aos colonizadores. A fome e a
escassez de meios que atingem a população colonizada durante o período
salazarista. Vavó Xíxi busca enganar a fome cozinhando flores para comer,
enquanto mente para si própria que são mandiocas pequenas. Zeca Santos, por sua
vez, anda pela cidade, quase desmaia, ‘busca trabalho’, mas sempre preocupado
com a sua bonita camisa amarela com desenhos de flores que ele acredita lhe
proporciona uma imagem de prosperidade; “essa camisa que tinha-lhe custado o
último dinheiro e provocado uma grande maca com vavó.” As piadas narradas pela
“mais velha”, assim como o sonho que a transporta ao passado de abundância,
sobrevêm nos momentos de maior angústia, ela brinca até com a possibilidade real
da morte. Ainda que de formas distintas, ambos fazem gestos de resistência à
miséria feroz e à angústia que os invade. Os dois personagens sucumbem no final e
desatam a chorar, entregando-se à angústia completa que domina a cena angolana.
A história não têm final feliz. Os habitantes do musseque não podem concretizar
seus desejos.

Um outro aspecto a considerar é a condição de assimilado de alguns dos


povoadores. Quando o Zeca vai pedir emprego, o encarregado lhe faz um monte de
perguntas; entre elas destaca “... se era assimilado …”. Na nota do rodapé o autor
esclarece o conceito: “assimilado: africano identificado com a cultura do
colonizador”. Talvez tinha ficado confundido com a forma de vestir do Zeca, a sua
camisa amarela com flores e as calças estreitas; de fato ele ao lhe mandar embora
xingando e ameaçando - lhe, falou, entre outros insultos “Calcinhas ...!”. Vocábulo
que o escritor explica: “calcinhas: (depreciativo) que se veste à européia”. Para
Luandino o sujeito ou identidade nacional nasce do diálogo entre dois tipos de
angolanos diferentes, os assimilados, mais próximos ao colonizador português, e
pessoas mais ligadas ao universo tradicional angolano.

Profa. Consuelo Vázquez 2 Est. Alicia Orioli

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Nos povos negros colonizados houve uma primeira tendência que foi a de “assimilar
a cultura européia, alienando - se dos valores da cultura africana”2. O fenômeno da
assimilação foi denunciado, por Franz Fanon no título de seu livro “Pele negra,
máscaras brancas”, em alusão aos negros que - para integrar-se socialmente -
tinham como o ideal de ser branco, alisando o cabelo e assumindo do colonizador a
música, a religião, os costumes.

A consideração do conceito de assimilação traz um outro: o de “negritude3” que teve


um desenvolvimento complexo, por vezes, ambíguo.

O movimento da “Negritude” nasceu fora da África no início do século XX. O


criador da palavra “negritude” foi Aimé Césaire, escritor antilhano quem a usou pela
primeira vez num poema:

Minha negritude não é nem torre nem catedral


Ela mergulha na carne rubra do solo
Ela mergulha na ardente carne do céu
Ela rompe a prostração opaca de sua justa paciência.

Négritude, em francês, deriva de nègre, termo que nessa época era pejorativo,
utilizado para ofender, em contraposição a noir. A intenção inicial do movimento foi
justamente inverter o sentido da palavra e lhe dar uma conotação positiva,
valorizando a identidade negra. Césaire definiu a negritude em três aspectos:
identidade, fidelidade e solidariedade. Isto é ter orgulho da condição racial, ter uma
relação de vínculo indelével com a herança ancestral africana e um sentimento que
une todos os "irmãos de cor" do mundo.

2
Bernd, Zilá - Negritude e Literatura em América Latina
3
Dicionário Aurélio (definicao de Negritude): 1. Estado ou condição das pessoas da raça negra; 2.
Ideologia característica da fase de conscientização, pelos povos negros africanos, da opressão
colonialista, a qual busca reencontrar a subjetividade negra, observada objetivamente (sic) na fase
pré-colonial e perdida pela dominação da cultura branca ocidental.
Dicionário Houaiss a definição é: 1. qualidade ou condição de negro; 2. sentimento de orgulho racial
e conscientização do valor e riqueza cultural dos negros.

Profa. Consuelo Vázquez 3 Est. Alicia Orioli

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Na primeira fase era um movimento de caráter cultural com a intenção de negar a


política da assimilação à cultura européia. Tratou-se de um protesto contra a atitude
do branco de desprezar a originalidade da cultura negra, um ato de recusa à
assimilação colonial, enfim, uma defesa dos valores do mundo negro. Afirmava Jean
Paul Sartre, "trata-se de morrer para a cultura branca a fim de renascer para a alma
negra”. Segundo Frantz Fanon o dilema dos negros deixou de ser "embranquecer
ou desaparecer".

O termo negritude, segundo a classificação de Zilá Bernd, pode significar o fato de


pertencer à raça negra; à própria raça como coletividade; à consciência e à
reivindicação do homem negro civilizado; à característica de um estilo artístico ou
literário; ao conjunto de valores da civilização africana.

Mas o movimento teve várias contradições, a defesa oficial dos "valores africanos"
tornou-se discurso vazio quando muitos dos antigos moradores da Casa dos
Estudantes do Império, ao voltar para África, não procuraram a melhora das
condições de vida do povo.

Enfim, o movimento da negritude, permitiu a revalorização da herança ancestral


africana e contribuiu para o negro construir uma auto-imagem positiva, mas não
deslegitimou o preconceito da dependência do negro-africano do européio;
promoveu uma revolução no campo racial, sem considerar demais esferas da vida
(social, política). Os marxistas pensavam que à ideologia da negritude ao privilegiar
o discurso de afirmação racial, dividia a luta dos oprimidos, desviando o real
problema do negro: sua situação de explorado no sistema capitalista.

Segundo Lígia F. Ferreira, existe um outro termo que expressa um conceito similar:
Negridade. A palavra se forma a partir de negro + -idade, sufixo latino que significa
“qualidade”, “maneira de ser”, “estado”, “propriedade”. O termo “negridade” aparece
na obra de Zilá Bernd “Negritude e Literatura em América Latina”. E mais outra
palavra: negrícia. Esta não consta nos dicionários de português brasileiro mas -

Profa. Consuelo Vázquez 4 Est. Alicia Orioli

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explica - o significado da derivação seria: negro + -ícia, sufixo latino, feminino de


-ício = “qualidade”, “propriedade”, “maneira de ser”. Lígia F. Ferreira pergunta “Por
que “negrícia” em vez de “negridão”, ou “negridade” ou ainda “negrismo”? ”

O sujeito pós-colonial surge a partir de uma análise crítica do legado cultural do


colonizador. Trata se de resgatar a identidade original africana incorporando da
influência européia o que for positivo e respeitoso da africanidade. É uma
apropriação do legado do conquistador revisado e combinado com a subjetividade
nativa própria. O pós - colonial está em cada território que, havendo sido colônia,
transformou-se em autónomo não só formalmente, mas essencialmente no aspecto
cultural, criando uma arte própria, mesmo que influida pela do colonizador.
obviamente não falamos num sujeito pós - colonial uniforme, ele é heterogéneo e
multiforme, porque responde às experiências particulares de cada nação originária e
também de cada conquistador.

Profa. Consuelo Vázquez 5 Est. Alicia Orioli

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