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ISSN 2316-7599

Caderno de PESQUISA
sumário
Pesquisa e avaliação educacional............................................................................................7

ARTIGO 1 EQUIDADE E DESEMPENHO EDUCACIONAL: UMA ANÁLISE DAS REDES


ESTADUAIS DE AVALIAÇÃO NO BRASIL.............................................................................................8

Introdução...................................................................................................................................................9

1. O coeficiente de correlação intraclasse..................................................................................... 10

2. Ilustração 1: Máxima desigualdade educacional (CCI = 1 ou 100%).................................. 11

3. Ilustração 2: Máxima igualdade educacional (CCI = 0 ou 0%).............................................. 13

4. Ilustração 3: Situação realista de desigualdade educacional (0 < CCI < 1 ou um CCI


acima de zero a abaixo de 100%)..................................................................................................... 14

5. A equidade numa perspectiva comparativa internacional: os dados do Pisa................ 15

6. A equidade numa perspectiva comparativa nacional: os dados das avaliações das


Redes Estaduais de ensino no Brasil.............................................................................................. 19

7. Implicações para políticas públicas............................................................................................ 23

Referências Bibliográficas.................................................................................................................. 25

ARTIGO 2 AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: UMA


RELAÇÃO COMPLEMENTAR................................................................................................................ 26

Introdução................................................................................................................................................ 27

1. O direito de aprender: dimensionando o desafio nos anos iniciais de escolarização.. 28

2. Concepções sobre Alfabetização e Letramento...................................................................... 30

3. As avaliações em larga escala de Alfabetização..................................................................... 33

4. A avaliação da Alfabetização no Ceará....................................................................................... 37

5. A experiência de Minas Gerais...................................................................................................... 38

6. Da avaliação ao ensino.................................................................................................................... 40

7. Considerações finais........................................................................................................................ 43

Referências Bibliográficas.................................................................................................................. 44

Anexos...................................................................................................................................................... 45

ARTIGO 3 Avaliação em larga escala e ensino de Matemática................................ 52

Resumo..................................................................................................................................................... 53

Introdução................................................................................................................................................ 53

1. Um panorama inicial........................................................................................................................ 55

2. Concepções atuais sobre currículo e ensino de Matemática.............................................. 57


3. Pesquisas acadêmicas sobre ensino de Matemática............................................................ 60

4. Olhando a avaliação e pensando na sala de aula................................................................... 63

5. Suporte para a reflexão: três exemplos de itens.................................................................... 67

6. Considerações finais........................................................................................................................ 70

Referências bibliográficas.................................................................................................................. 72

ARTIGO 4 AVALIAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E A FORMAÇÃO DO LEITOR


PROFICIENTE........................................................................................................................................... 76

Introdução................................................................................................................................................ 77

1. O que é ler e compreender um texto?........................................................................................ 78

2. Comentando alguns dados............................................................................................................. 81

3. Caminhos possíveis para ensinar a ler...................................................................................... 84

4. Considerações finais........................................................................................................................ 87

Referências bibliográficas.................................................................................................................. 89

ARTIGO 5 O DOMÍNIO DA PALAVRA E AS AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA........................ 92

Introdução................................................................................................................................................ 93

1. A língua e a leitura............................................................................................................................ 94

2. As avaliações em larga escala e o domínio da palavra.......................................................102

Referências bibliográficas................................................................................................................109
Pesquisa e
avaliação educacional

A Coleção 2011 de divulgação dos resultados das avaliações em larga escala,


realizadas pelo Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação
(CAEd), apresenta, em seus primeiros volumes, textos referentes às disciplinas
avaliadas, bem como sobre temas de interesse das instâncias gestoras. O
objetivo é complementar a apropriação dos resultados ao suscitar discussões
como a equidade da educação e a importância de se avaliar determinadas
áreas do conhecimento.

A proposta tem como alicerce a ideia de que os resultados obtidos com a


avaliação podem servir de subsídio para rever diretrizes e traçar metas para
a promoção da melhoria do ensino. Diante disso, é importante tratar de temas
que circundam a avaliação e não só os seus resultados, proporcionando
uma análise crítica e permanente das políticas implementadas e da prática
pedagógica. No intuito de reforçar as discussões já fomentadas nas Revistas
do Sistema, do Gestor e Pedagógica, o Caderno de Pesquisa apresenta os
artigos completos que serviram como referência para os textos presentes
nessas publicações.

O primeiro artigo, Equidade e desempenho educacional: uma análise das Redes


Estaduais de avaliação no Brasil, explica um método estatístico, a análise dos
coeficientes de correlação intraclasse (CCI), que possibilita ter uma compreen-
são da dimensão da equidade nos sistemas educacionais. Os artigos seguintes
tratam especificamente de duas disciplinas avaliadas, Língua Portuguesa e
Matemática, tanto na Alfabetização como nos Ensinos Fundamental e Médio,
abordando questões como a avaliação e sua relação com o processo de ensino-
-aprendizagem. São eles: Avaliação em larga escala e práticas de alfabetização:
uma relação complementar; Avaliação em larga escala e ensino de Matemática;
Avaliação em Língua Portuguesa e a formação do leitor proficiente; e O domínio
da palavra e as avaliações em larga escala.
ARTIGO 1

EQUIDADE E DESEMPENHO
EDUCACIONAL: UMA ANÁLISE
DAS REDES ESTADUAIS DE
AVALIAÇÃO NO BRASIL
Artigo 1
9

Introdução

A expansão das avaliações educacionais


em larga escala no Brasil tornou possí-
vel obtermos resultados sobre o desempe-
dade das práticas pedagógicas adotadas, o
clima escolar, o nível socioeconômico médio
dos alunos de uma escola etc.
nho de milhões de alunos, provenientes dos
mais diferentes contextos socioeconômicos No estudo das avaliações em larga escala,
e de diversos estados e regiões do país. Exa- é comum utilizar a estatística para descre-
minando essa grande massa de dados, é ver e analisar dados e relações entre vari-
possível perceber que o desempenho educa- áveis que, de outro modo, seriam difíceis
cional dos alunos brasileiros varia bastante, de serem sintetizadas ou compreendidas.
para todas as séries e disciplinas avaliadas. Dessa forma, a estatística também propõe
alguns métodos para tratar especificamente
Essa desigualdade de desempenho educa- da questão da equidade associada ao de-
cional não é um fenômeno exclusivamente sempenho educacional.
brasileiro; antes, encontra-se sempre pre-
sente, em maior ou menor grau, em todos Neste texto, nosso propósito é utilizar,
os países que já tiveram a oportunidade de para tratar desse tema, um método es-
mensurar o desempenho acadêmico de seus tatístico relativamente simples, a análise
estudantes. A desigualdade educacional pode dos coeficientes de correlação intraclasse
estar associada a diversos fatores, como os (CCI), o qual, apesar de sua simplicida-
individuais, que são exemplos os traços de de (ou talvez mesmo por causa dela),
personalidade e o nível socioeconômico dos possibilita-nos ter uma compreensão
alunos, e os coletivos, que envolvem grupos abrangente da questão da equidade nos
inteiros de estudantes, como o tipo e quali- sistemas educacionais.
Artigo 1

10

1. O coeficiente de correlação intraclasse

Estatisticamente, é possível mensurar a desigualdade educacional através de um coeficiente


próprio – chamado de coeficiente de correlação intraclasse, ou CCI – que varia entre 0 (maior
igualdade possível) e 1 (maior desigualdade possível).

O ponto de partida para o cálculo desse coeficiente é considerar a variação apresentada pelos
resultados dos alunos. Essa variação pode ser de dois tipos. O primeiro deles, que podemos
chamar de variação intraescolar, corresponde aos desvios (para mais ou para menos) que
as notas dos alunos apresentam em relação às médias de suas respectivas escolas; e um
segundo tipo, que chamamos de variação extraescolar, corresponde à variação das médias
das escolas em relação à média geral de toda a amostra ou de toda a população avaliada.
Dessa forma, as escolas variam entre si quanto ao seu desempenho coletivo médio (variação
extraescolar) e, dentro de cada uma delas, os alunos também variam entre si quanto ao seu
desempenho individual (variação intraescolar). A soma desses dois tipos de variação resulta
na variabilidade total de desempenho observada nos resultados das avaliações dos alunos.

Assim, o coeficiente de correlação intraclasse (CCI) nada mais é do que a proporção que
a variação de desempenho devida às escolas representa em relação à variação total (a
intraescolar mais a extraescolar) observada. Em termos simbólicos, é comum apresentar
o CCI como:

CCI = τ00/(τ00 + σ2)


onde:
σ2 (sigma quadrado): variância intraescolar
τ00 (tau zero zero): variância extraescolar

sendo que essas variâncias estão associadas à medida da proficiência Y do aluno i da escola
j (Yij), descrita em dois níveis (1= aluno e 2= escola) do seguinte modo:

Nível 1:
Yij = β0j + rij

Nível 2:
β0j = γ00 + u0j

onde rij é o erro aleatório dos alunos em relação a suas respectivas médias escolares e
u0j é o erro aleatório da média da escola j em relação à média geral γ00 (que é um valor
constante). Dessa forma, a variância dos escores individuais – var (Yij) – é dada por:
Artigo 1
11

var (Yij) = var (β0j + rij) = var (β0j) + var (rij)


onde:
var (β0j) = var (γ00 + u0j) = var (u0j) = τ00
var (rij) = σ2

Em determinadas situações, ao invés de se usar uma proporção que varia de 0 a 1, alguns


analistas e autores preferem multiplicar esse valor por 100, expressando, assim, o CCI na
forma de um percentual.

Três ilustrações

Apresentaremos a seguir algumas ilustrações que, esperamos, sejam capazes de esclarecer


o conceito e a interpretação do CCI como um mecanismo de mensuração da igualdade (ou
desigualdade) educacional.

2. Ilustração 1: Máxima desigualdade


educacional (CCI = 1 ou 100%)

Nesta ilustração, consideremos que a nossa população educacional se resuma a seis estu-
dantes, com os alunos identificados pelos números de 1 a 3 pertencentes a uma determinada
escola (azul) e os outros três alunos, identificados pelos números de 4 a 6, pertencentes a
uma segunda escola (vermelha). No Gráfico 1, podemos ver os resultados obtidos por esses
alunos num determinado exame hipotético, com esses resultados expressos numa escala
arbitrária de proficiência.

Gráfico 1 • Perfeita desigualdade educacional (CCI = 1)

Proficiência
240
220
200 • • •
180
160
140
120 • • •
100
Estudante 1 2 3 4 5 6
Artigo 1

12

Pelo Gráfico 1, podem ser feitas duas observações notáveis:

1) Não existe variação intraescolar nesta situação, visto que as notas dos alunos dentro de
cada escola são iguais. Em outras palavras, os desvios das notas dos alunos em relação à
média de suas respectivas escolas é zero, ou, ainda, a nota de cada aluno corresponde à
média de sua respectiva escola.

2) A escola azul tem um desempenho médio superior ao da escola vermelha, visto que as
médias dessas escolas correspondem, respectivamente, a 200 e a 120 pontos na Escala
de Proficiência.

Cálculo do CCI na ilustração 1:

Como não há variação das notas dos alunos em torno de suas respectivas médias escolares,
então sigma quadrado (σ2) é nulo. Por outro lado, existem, de fato, variações das médias
escolares em relação à média geral. Neste exemplo, a média geral seria 160, correspondendo
à média dos seis alunos avaliados; portanto, a escola azul (com uma média de 200 pontos),
estaria 40 pontos acima da média geral, enquanto a escola vermelha (com uma média de 120
pontos) estaria 40 pontos abaixo. Dessa forma, o fato de sigma quadrado (σ2) ser nulo e de
tau zero zero (τ00) não o ser, leva-nos ao seguinte resultado:

CCI = τ00/(τ00 + σ2) = 1/(1 + 0) = 1 ou 100%

Interpretação:

Na situação descrita pela ilustração 1, o fato de um aluno pertencer a uma escola específica
determina completamente o resultado que esse aluno terá numa dada avaliação. Portanto, caso
essa avaliação esteja, por exemplo, sendo utilizada para se decidir quem entrará numa faculdade
ou num emprego, os alunos “azuis” estarão em total vantagem em relação aos alunos “vermelhos”,
visto que, nesta situação, é a escola o único agente responsável pelo melhor ou pior resultado
acadêmico desses estudantes, ao mesmo tempo em que há, de fato, casos de escolas melhores
(como a azul) e piores (como a vermelha).
Artigo 1
13

3. Ilustração 2: Máxima igualdade


educacional (CCI = 0 ou 0%)
Vamos considerar um segundo caso, de máxima igualdade educacional.

Gráfico 2 • Máxima igualdade educacional (CCI = 0)

Proficiência
240
220
200 •
180 •
160 • •
140 •
120 •
100
Estudante 1 2 3 4 5 6

Interpretação:

Neste segundo gráfico, mantendo-se as mesmas convenções do caso anterior, pode-se perceber que:

1) Não existe variação extraescolar neste exemplo, porque as médias das escolas são iguais
entre si. (A média, geometricamente, pode ser definida como o ponto do meio de uma distribuição
simétrica de valores, como a que ocorre para ambas as escolas nesse exemplo). Dessa forma,
para ambas as escolas, a média corresponde a 160 pontos, valor que também corresponde à
média geral. Logo, não há variação entre as médias escolares e a média geral.

2) Por outro lado, agora existe uma variação intraescolar, visto que, dentro de cada escola,
há alunos obtendo notas diferentes, que podem ser maiores, iguais ou menores do que as
médias de suas respectivas escolas.

Cálculo do CCI na Ilustração 2:

Como, neste caso, a variação intraescolar assume um valor não-nulo, ao mesmo tempo em
que a variação extraescolar vale zero, substituindo esses valores na equação do coeficiente
de correlação intraclasse, obtemos:
Artigo 1

14

CCI = τ00/(τ00 + σ2) = 0/(0+ 1) = 0

Interpretação:

Na situação dada pelo Gráfico 2, observa-se que, a princípio, o fato de o aluno pertencer a
uma determinada escola, por si só, não é nenhuma garantia de que ele estará abaixo ou
acima da média geral observada. Ambas as escolas têm a mesma média, e o que distingue
um aluno de todos os demais (de sua própria escola ou da outra) é o diferencial da nota desse
aluno em relação à média de sua escola, que é igual à média geral da amostra ou população.

Dessa forma, o fato de um aluno pertencer a esta ou àquela escola não representa nenhuma
garantia de que o seu desempenho será maior, menor ou igual ao dos demais alunos. Esta
seria, portanto, uma situação de perfeita igualdade educacional, o que, como veremos adiante,
não é, necessariamente, algo desejável.

4. Ilustração 3: Situação realista de


desigualdade educacional (0 < CCI < 1 ou
um CCI acima de zero a abaixo de 100%)

Gráfico 3 • Situação realista de desigualdade educacional


(0 < CCI < 1 ou um CCI acima de zero a abaixo de 100%)

Proficiência
240
220 •
200
180 • •
160 •
140 • •
120
100
Estudante 1 2 3 4 5 6

Este gráfico mostra o tipo de caso que, de modo geral, encontramos na prática:
Artigo 1
15

1) É possível observar diferenças individuais entre os alunos dentro de uma mesma escola
(portanto, a variação intraescolar não é nula).

2) Ao mesmo tempo, também é possível observar diferenças entre as médias das escolas
(portanto, a variação extraescolar também existe, sendo igualmente não-nula).

Esses dois fatos fazem com que, ao se calcular o CCI, o resultado obtido venha a se situar
entre zero e um (ou entre zero e 100%).

Interpretação:

A situação descrita pelo Gráfico 3 é, como se comentou, um caso intermediário entre a ocorrência de
uma situação de máxima desigualdade (Ilustração 1) e de outra de máxima igualdade (Ilustração 2).

Nessa terceira situação, quanto mais o valor do coeficiente se aproxima de 1 (ou, em termos
percentuais, de 100%), mais as médias escolares se afastam umas das outras e, portanto, mais
desigual é o sistema educacional em questão. Inversamente, quanto mais o coeficiente se apro-
xima de zero, mais próximas entre si estão as médias das escolas, e mais igualitário é o sistema.

5. A equidade numa perspectiva comparativa


internacional: os dados do Pisa

O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), cujos resultados analisaremos


nesta seção, é, talvez, o mais conhecido dos atuais programas de avaliação educacional de
âmbito internacional. É realizado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômicos (OCDE), organismo multinacional sediado em Paris, França, e que congrega,
grosso modo, os chamados países desenvolvidos, dos quais são exemplos os Estados Unidos,
Canadá, Austrália, Japão e os países da Europa Ocidental, entre outros. Apesar de não ser
membro da OCDE, o Brasil vem participando, como convidado, de todas as avaliações do
Pisa desde a edição de 2000.

O Pisa avalia estudantes na faixa dos 15 anos, idade associada ao término da educação fun-
damental em praticamente todos os países do mundo. As avaliações são amostrais por país e
ocorrem de três em três anos, sendo que, em cada edição, privilegiam uma área específica do
conhecimento acadêmico, tais como Linguagem, Matemática e Ciências da Natureza, entre outras.
Artigo 1

16

O gráfico a seguir apresenta a medida da variabilidade dos resultados de Matemática obtidos


na edição de 2003 do Pisa. É possível observar no gráfico que cada país está representado
por uma barra, que pode se encontrar deslocada mais para a esquerda ou para a direita.

Gráfico 4 • Variações extra e intraescolares em Matemática, por país.


Variância total entre escolas Variância total dentro das escolas
Variância entre escolas explicada pelo Variância dentro das escolas explicada
índice de statuseconômico, social e pelo índice de statuseconômico, social
cultural dos estudantes e das escolas e cultural dos estudantes e das escolas

Desempenho
Variância entre escolas Variância dentro das escolas médio na
escala de
100 80 60 40 20 0 20 40 60 80 100 matemática

Turquia 423
Hungria 490
Japão 534
Bélgica 529
Itália 466
Alemanha 503
Áustria 506
Holanda 538
Uruguai 422
Hong Kong (China) 550
República Checa 516
Brasil 356
Coréia do Sul 542
Eslováquia 498
Liechtenstein 536
Grécia 445
Suíça 527
Tunísia 359
Indonésia 360
Luxemburgo 493
Tailândia 417
Portugal 466
Federação Russa 468
Média Média Sérvia 437
OCDE OCDE
33,6 67,0 México 385
Estados Unidos 483
Austrália 524
Letônia 483
Nova Zelândia 523
Espanha 485
Macau (China) 527
Canadá 532
Irlanda 503
Dinamarca 514
Polônia 490
Suécia 509
Noruega 495
Finlândia 544
Islândia 515
Reino Unido 1 m

Fonte: Pisa, 2003.


Artigo 1
17

A interpretação desse gráfico é relativamente simples: ele encontra-se dividido entre os


lados esquerdo e direito por uma reta vertical central associada ao valor zero da escala,
representada na parte superior do gráfico. Para cada país, a porção da barra que aparece
à esquerda dessa linha central corresponde à proporção, ou, melhor dizendo, neste caso,
ao percentual da variação dos resultados individuais dos alunos devida à variação entre as
médias escolares. Em outras palavras, o lado esquerdo da barra é, portanto, uma medida
da variação extraescolar de resultados dentro do respectivo país.

Por outro lado, à direita da linha vertical central, encontra-se a variação de resultados asso-
ciada às diferenças individuais dos alunos, ou seja, a porção direita da barra é uma medida
da variação intraescolar dos resultados, para manter a nomenclatura que empregamos no
início deste texto.1

Para melhor interpretar o gráfico, cabe atentar-se para duas de suas principais caracterís-
ticas: (a) a extensão total da barra representando cada país (ou seja, seus lados esquerdo
e direito somados) corresponde à variabilidade total dos resultados de seus alunos e (b)
conforme se viu pela definição do coeficiente de correlação intraclasse, pode-se dizer que,
no gráfico, o CCI de cada país é o resultado da divisão do comprimento da parte esquerda
da barra (variação extraescolar) pelo seu comprimento total (ou seja, pela variação total
dos resultados dos alunos).

Algumas conclusões importantes que se depreendem desse gráfico são:

1) Entre os países da OCDE vistos como um todo, cerca de um terço (33%) das variações totais
de resultados observados entre os alunos avaliados deve-se a diferenças entre as médias
das escolas; por outro lado, os dois terços (67%) restantes dessas variações são devidos
aos resultados individuais dos alunos dentro de suas respectivas escolas.

2) Percebe-se diferenças internacionais consideráveis quanto à variabilidade total dos


resultados educacionais, algo que se pode mensurar pelas extensões totais das barras
representando cada país. Desse modo, países como, por exemplo, a Turquia, a Hungria e
mesmo o Brasil apresentam variações totais de resultados consideravelmente maiores do
que os resultados médios da OCDE, conforme se pode observar pela maior extensão de suas
respectivas variações totais. Por outro lado, há também países com variações consideravel-
mente menores, como o México, Tunísia, Indonésia e outros, cujas barras apresentam uma
extensão consideravelmente menor do que a média da OCDE.

1 Pode-se também observar, no gráfico, que, em cada um dos lados da barra associada a um determinado país,
existem barras menores e representadas por tons mais fortes de grená (lado esquerdo) e de cinza (lado direito).
Essas barras escuras representam a proporção da variabilidade que é explicada pelo status socioeconômico dos
alunos, ou seja, elas representam a variação de resultados acadêmicos associada à variação de sua condição
socioeconômica. Entretanto, no presente artigo, não estaremos nos referindo especificamente a esta questão.
Artigo 1

18

Entretanto, cabe também dizer que essas variações, para mais ou para menos, dizem res-
peito especificamente à variabilidade dos resultados dos alunos, e não à eficácia do ensino,
a qual pode ser estimada, por exemplo, através das médias nacionais obtidas na prova
em questão. O que se quer dizer com isso é que o estudo sobre a equidade, sozinho, não é
capaz de nos dizer tudo sobre o grau de avanço educacional em que um país ou região se
encontra. Um grande nível de equidade pode vir a ser algo ruim quando esse nivelamento
se dá “por baixo”, ou seja, quando, a uma grande medida de igualdade, se associa também
uma baixa medida de eficácia.

3) Observa-se também uma grande diferença entre os países no que diz respeito à desigual-
dade educacional, que, grosso modo, é tanto maior quanto maiores são as suas variações
extraescolares – ou seja, quanto maior é o lado esquerdo de suas respectivas barras. O próprio
arranjo das barras no gráfico, que estão dispostas de cima para baixo em ordem decrescente
de variação extraescolar, já nos permite ter uma ideia bastante clara dessas diferenças
internacionais. Pelo gráfico, portanto, observa-se que países como a Turquia, Hungria, Japão,
Bélgica, Itália e Alemanha, entre outros, apresentam fortes níveis de desigualdade: neles, as
variações extraescolares são elevadas, e os CCIs giram em torno de 50% ou mais, indicando,
portanto, que nas provas do Pisa, cerca de 50% ou mais da variação dos resultados obser-
vados entre os alunos deveu-se a variações entre as médias de suas respectivas escolas.
É curioso observar, portanto, que, ao contrário do que talvez o senso comum possa levar a
pensar, situações de elevada desigualdade educacional podem, conforme se vê nestes casos,
coexistir com padrões socioeconômicos relativamente elevados dos países.

4) Por outro lado, na extremidade inferior do gráfico, observam-se países com um elevado
nível de igualdade educacional, devido ao fato de suas respectivas variações extraesco-
lares serem bastante baixas. Em outras palavras, pode-se dizer aqui que as variações de
desempenho observadas entre os alunos deveram-se quase que exclusivamente ao próprio
desempenho individual dos estudantes, e não às escolas específicas por eles frequentadas,
visto que as médias das escolas estão muito próximas umas das outras. Observando-se os
países mais igualitários que aparecem nessa extremidade inferior do gráfico, percebe-se
que esse grupo tende a ser dominado pelos países nórdicos (Islândia, Finlândia, Noruega,
Suécia e Dinamarca), além de determinados países da Europa Ocidental (Reino Unido, Irlanda
e Espanha), entre outros.
Artigo 1
19

6. A equidade numa perspectiva comparativa


nacional: os dados das avaliações das
redes estaduais de ensino no Brasil

No Brasil, particularmente nas duas últimas décadas, tem crescido acentuadamente o mo-
vimento, por parte dos estados da federação, de implementação dos seus próprios sistemas
de avaliação educacional, voltados principalmente para a mensuração da proficiência nas
escolas de suas respectivas redes. Além disso, um número considerável de escolas municipais
e particulares também vêm aderindo a essas iniciativas, de modo que os sistemas estaduais
passam a avaliar também escolas pertencentes a outras redes de ensino.

Muitas vezes, para a efetivação das atividades avaliativas, esses sistemas estaduais con-
tratam empresas especializadas na realização de avaliações educacionais em larga escala,
sendo, por exemplo, a Fundação Cesgranrio uma das pioneiras no Brasil neste setor. Em
anos recentes, outra instituição vem se destacando nacionalmente na área de avaliação de
sistemas estaduais de educação, o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação
(CAEd) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais, o qual tem firmado
convênio com um grande números de Secretarias de Educação de estados brasileiros. Em
2010, o CAEd realizou avaliações censitárias nas Redes Estaduais de ensino do Acre, Ceará,
Espírito Santo, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. De modo
geral, nessas avaliações são aplicados testes de Língua Portuguesa e de Matemática aos
alunos matriculados nos anos finais dos principais ciclos da escolarização básica, como o
5º e o 9º anos (respectivamente 4ª e 8ª séries) do Ensino Fundamental e a 3º ano (3ª série)
do Ensino Médio.

A partir dos microdados dessas avaliações, foi possível, para fins de investigação do tema
da desigualdade abordado neste texto, elaborar algumas análises acerca do coeficiente de
correlação intraclasse presente nos resultados de Matemática do 9º ano do Ensino Funda-
mental em seis dos estados acima mencionados, que não serão identificados. A Tabela 1, a
seguir, apresenta os principais dados desses estados:

Tabela 1 • Número de alunos e de escolas estaduais avaliadas em


Matemática (9º ano EF) em 2010, por rede estadual de educação.
ESTADO ALUNOS ESCOLAS

ESTADO 4 169316 2768


ESTADO 5 58356 1089
ESTADO 6 14983 278
ESTADO 2 52901 748
Artigo 1

20

ESTADO ALUNOS ESCOLAS

ESTADO 3 32190 332


ESTADO 1 6939 122
TOTAL 334685 5337

Fonte: CAEd, 2011.

A escolha da Matemática e do ano específico (9º ano do Ensino Fundamental) se justifica,


no presente trabalho, para fins de se obter uma maior comparabilidade com os resultados
internacionais já apresentados acerca do Pisa, visto que, além do Pisa 2003 ter investigado
o desempenho em Matemática, os alunos nele avaliados, pela sua idade (15 anos) corres-
pondem, em geral, aos alunos matriculados no 9º ano do Ensino Fundamental no Brasil.

Outro ponto que facilita a comparabilidade entre esses diferentes programas é o fato de que
o estudo da variabilidade de resultados educacionais não depende da Escala de Proficiência
adotada (como é o caso das diferentes escalas de Matemática do Pisa e do Saeb, sendo que
esta última foi adotada em todas as avaliações estaduais brasileiras aqui referidas). Isto
ocorre porque é possível expressar uma Escala de Proficiência como uma transformação
linear da outra, de modo que as variações dos resultados, expressas como proporções ou
percentuais das variações gerais, não dependem do sistema de pontuação adotado por esta
ou aquela escala.

Por outro lado, não se pode dizer com isso que os resultados do Pisa, vistos acima, sejam
plenamente comparáveis aos dos estados avaliados pelo CAEd, havendo diversas razões
relevantes para isso. Primeiro, os dados do Pisa são amostrais e possuem representatividade
nacional; por outro lado, nas avaliações estaduais feitas pelo CAEd, os dados são censitários.
Além disso, não se pode, naturalmente, usar uma coleção aparentemente aleatória de dados
estaduais para representar, de modo ponderado, a totalidade nacional.

Em segundo lugar, há também o problema da população-alvo dos testes: no Pisa, são os


alunos de 15 anos de idade em cada país considerado, independentemente da série que estão
frequentando. Portanto, no Pisa, é perfeitamente possível que alunos de séries diferentes
façam uma mesma prova, algo que ocorre, por exemplo, no caso de alunos de 15 anos que
estão frequentando séries defasadas para sua respectiva idade, em decorrência da repetência
escolar. Por outro lado, nas avaliações estaduais brasileiras, a população-alvo são, neste caso,
os alunos matriculados no 9º ano do Ensino Fundamental, independentemente de sua idade.

Em terceiro lugar, cabe também mencionar que os dados do Pisa, por serem representativos de
todo um país, são calculados com base em testes aplicados a todas as redes de ensino existentes
no país em questão (Redes Estaduais, Municipais e Particulares), ao passo que, nas avaliações
estaduais que consideramos, os dados referem-se somente às Redes Estaduais de ensino.
Artigo 1
21

Disso se depreende que, mantendo-se constantes todos os demais fatores, é de se esperar


obtermos, para os estados brasileiros, coeficientes de correlação intraclasse menores do
que os obtidos com os dados do Pisa, visto que, neste último caso, a população é mais
heterogênea, o que implica maiores disparidades entre as médias escolares e, portanto,
maiores valores de CCI nesses casos.

Apresentamos, a seguir, os valores de CCI obtidos para a Matemática do 9º ano do Ensino


Fundamental nos seis estados considerados:

Tabela 2 • Coeficientes de correlação interna em Matemática


(9º ano EF) por rede estadual de educação em 2010.
ESTADO CCI

ESTADO 1 7,9
ESTADO 3 9,5
ESTADO 6 13,6
ESTADO 4 16,5
ESTADO 2 10,5
ESTADO 5 14,0

Fonte: CAEd, 2011.

Algumas conclusões que se podem tirar desses valores são:

Os coeficientes de correlação intraclasse são consideravelmente menores para os dados


das avaliações das Redes Estaduais (variam de 7,9 a 16,5%), quando comparadas com o
CCI do Brasil como um todo na avaliação do Pisa, conforme se previu pelo fato de os dados
do Pisa envolverem também redes diferentes das estaduais.

Há uma variação considerável entre os estados analisados quanto ao coeficiente de correlação


intraclasse, com o ESTADO 1 apresentando o menor CCI (7,9%) e o ESTADO 4, o maior (16,5%).

Conclui-se, portanto, que a Rede Estadual do ESTADO 1 caracteriza-se por uma grande homo-
geneidade (equidade) dos resultados escolares, conforme mensurados por suas respectivas
médias de proficiência. Entretanto, conforme já mencionado, sozinha, uma maior equidade
não chega a ser um indício de um ensino de maior qualidade. Para que isto aconteça, é preciso
que, à maior equidade, estejam associados também melhores resultados. Caso contrário, o
que se tem é um nivelamento por baixo (como observado no ESTADO 1, o que se pode ver
pela sua baixa média de proficiência), conforme evidenciada na tabela e no gráfico a seguir,
que expressam as médias de todas as Redes Estaduais consideradas por essas avaliações:
Artigo 1

22

Tabela 3 • Médias de Matemática (9º ano EF) por


rede estadual de educação em 2010.
ESTADO Média

ESTADO 4 268,9
ESTADO 6 247,2
ESTADO 3 235,7
ESTADO 5 234,8
ESTADO 2 229,9
ESTADO 1 229,7

Fonte: CAEd, 2011.

Gráfico 5 • Médias de Matemática (9º ano EF) por


rede estadual de educação em 2010.

Fonte: CAEd, 2011.

Por outro lado, o ESTADO 4 é o que apresentou uma maior heterogeneidade dos resultados
escolares: nele, cerca de um sexto das diferenças de resultados observadas entre os alunos
deveu-se a diferenças entre as médias de suas respectivas escolas.

Além disso, como mostra o Gráfico 6 a seguir, parece haver, nos estados investigados, uma
notável associação positiva entre proficiência e desigualdade. Neste gráfico, por exemplo,
o ESTADO 4 é o ponto da extremidade superior direita (maior desempenho médio e maior
desigualdade), ao passo que, no canto esquerdo do gráfico (menores médias de Matemática),
situam-se também os casos mais igualitários (menores CCIs).
Artigo 1
23

Além disso, a informação no gráfico, de que o valor do R quadrado da regressão linear (R


Sq Linear) do CCI sobre a proficiência média vale 0,672, significa que a proficiência média
“explica” aproximadamente dois terços das variações de CCI encontradas nessa amostra
de estados, o que é um valor consideravelmente elevado.2

Gráfico 6 • Associação entre médias de proficiência e coeficientes de correlação


intraclasse em Matemática (9º ano EF) por rede estadual de educação em 2010.

7. Implicações para políticas públicas

As informações obtidas com essa análise permitem algumas observações relevantes. Primeiro,
que as Redes Estaduais de educação brasileira parecem se constituir em sistemas consideravel-
mente homogêneos, pois o que distingue o desempenho individual dos alunos (para mais ou para
menos) é mais o diferencial entre o desempenho desses alunos em relação às médias de suas
respectivas escolas, e nem tanto as médias dessas escolas em relação à média da população.

Paralelamente a essa relativa homogeneidade de resultados, também se percebe que os


sistemas mais homogêneos são também os menos eficazes, visto que, aos maiores casos
de igualdade (menores valores de CCI), associam-se os piores resultados (menores médias).
Portanto, um ponto a que os gestores dos sistemas estaduais têm que se atentar é para o

2 Embora, para ponderar essa afirmativa, deve-se argumentar que regressões feitas com um número pequeno de
casos – como a deste exemplo – tendem a apresentar valores maiores de R quadrado.
Artigo 1

24

chamado “nivelamento por baixo”, pelo qual a igualdade é conseguida juntamente com a
ineficiência, o que, certamente, não é interessante para ninguém.

Esta última constatação permite também que se perceba que há variações consideráveis
de desempenho e de equidade entre os estados. Portanto, um ponto interessante, para fins
de investigação, é determinar possíveis modos de aumentar a eficácia do ensino ao mesmo
tempo em que se conserve baixa a desigualdade escolar. Conseguir esse duplo objetivo
deve ser, sem dúvida, uma das metas prioritárias das administrações educacionais de todos
estados da federação.
Artigo 1
25

Referências Bibliográficas

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SINGER, J. D.; WILLETT, J. B. Applied longitudinal data analysis: modeling change and event
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Artigo 2

26

ARTIGO 2

AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA


E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO:
UMA RELAÇÃO COMPLEMENTAR
Artigo 2
27

Introdução
O objetivo deste texto é desenvolver algumas uma educação de qualidade, além do acesso
reflexões sobre as relações entre as avaliações e da permanência na escola.
em larga escala e processos de ensino-apren-
dizagem no campo da Alfabetização e do Le- Para cumprir o objetivo proposto neste texto,
tramento em língua materna e Matemática. inicialmente apresentamos alguns dados
Em outras palavras, buscamos compreender que permitem dimensionar os desafios
de que maneira essa modalidade avaliativa enfrentados pelos sistemas de ensino na
pode influenciar as práticas de alfabetização. tarefa de democratizar o acesso de crianças
e jovens aos conhecimentos sistematizados
Essas reflexões se justificam uma vez que e garantir a permanência desses sujeitos na
se constata, atualmente, como um grande escola com sucesso. Em seguida, discutimos
desafio a aquisição da leitura e da escrita os progressos e os desafios contemporâneos
e dos conhecimentos matemáticos iniciais. na área da Alfabetização e do Letramento.
Além disso, a avaliação em larga escala é um
meio pelo qual as lacunas no ensino, nesse Na sequência das discussões, destacamos
caso da Alfabetização, podem ser diagnos- o papel das avaliações em larga escala da
ticadas. Dessa forma, é apropriado pensar Alfabetização inicial, focalizando a de âmbito
como essas avaliações podem influenciar nacional (Provinha Brasil), a qual contribui para
o campo do ensino e da aprendizagem, já a promoção do debate sobre a Alfabetização a
que elas verificam quais são, especifica- partir de novos enquadramentos, que dão pu-
mente, as necessidades dos sistemas, em blicidade a ideia de que diferentes habilidades
uma visão macro; fato que pode auxiliar a cognitivas estão envolvidas nesse processo.
implementação de ações para a mudança Nessa parte, são citados ainda, como exemplo,
de uma realidade educacional. dois programas estaduais de avaliação.

Sabemos que, nos dias atuais, são garanti- Finalmente, apresentamos as relações entre
dos os direitos de acesso e permanência de Alfabetização e avaliação em larga escala.
crianças, jovens e adultos na escola, confor- Nessa última seção, o foco são as práticas
me determinam os artigos da Constituição pedagógicas que se desenvolvem no con-
e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação texto escolar, ao ser enfatizado o papel das
Nacional, nº 9394/96. No entanto, esse aces- escolas e dos professores na implementação
so ainda não se traduz, na realidade educa- de ações eficazes, que favorecem a apropria-
cional brasileira, em efetiva aprendizagem, o ção dos conhecimentos sistematizados nas
que desafia professores, sistemas de ensino avaliações, através das habilidades elenca-
e pesquisadores da área. Ao diagnosticar e das como necessárias à apropriação da lín-
divulgar lacunas na aprendizagem, as ava- gua materna e do conhecimento matemático.
liações em larga escala contribuem para São ainda sugeridas, aos docentes, algumas
assegurar o direito que os cidadãos têm a possibilidades de intervenções pedagógicas.
Artigo 2

28

1. O direito de aprender: dimensionando o


desafio nos anos iniciais de escolarização

A constatação de que boa parcela dos estudantes não tem desenvolvido habilidades básicas
de leitura e de raciocínio lógico matemático, ao concluir os anos iniciais do Ensino Funda-
mental, trouxe, à cena do debate educacional, questões ligadas à Alfabetização, motivando
questionamentos acerca da eficácia da escola na apropriação da língua escrita e do código
matemático. Para compreender os fatores envolvidos nesses questionamentos é necessário
reportar a alguns aspectos históricos do processo de democratização da educação no Brasil,
especificamente no que se refere ao ensino e aprendizagem da língua materna.

Na realidade brasileira, a Alfabetização passa a se constituir como um desafio aos sistemas


educacionais à medida que se democratiza o acesso ao Ensino Fundamental, a partir da
década de 1970. A chegada dos estudantes das classes populares a uma escola pública
referenciada por valores e atitudes de classes sociais mais privilegiadas desnuda as difi-
culdades dessa escola em lidar com seu novo público, especialmente no que concerne ao
ensino/aprendizagem da língua materna. Na tentativa de explicar as dificuldades encontra-
das pelos estudantes das classes populares em lograrem sucesso em suas aprendizagens
escolares erigiram-se diferentes explicações, que variaram em apontar, como causa desse
insucesso, desde a condição cultural desfavorável dos estudantes até às limitações dos
métodos de alfabetização utilizados pelas escolas e das práticas pedagógicas implementadas
pelos docentes.

De qualquer forma, o reconhecimento da importância de garantir o acesso à escola às crianças


brasileiras em tenra idade levou à promulgação da Lei 11.274/2006, que estende o Ensino
Fundamental de oito para nove anos, prevendo a inserção das crianças de seis anos nessa
etapa da Educação Básica. O intuito da referida Lei é garantir mais um ano de escolaridade
obrigatória às crianças brasileiras aumentando, portanto, suas chances de lograrem sucesso
em sua trajetória acadêmica. A inserção das crianças de seis anos no Ensino Fundamen-
tal teria, ainda, o objetivo de assegurar investimentos pedagógicos mais concentrados no
processo de alfabetização, de modo que, ao término do 3º ano da escolarização básica, os
estudantes estivessem aptos a interagir, por exemplo, com diferentes gêneros textuais,
condição importante para um prosseguimento do processo de escolarização.

Dados obtidos a partir de estudos longitudinais, como o projeto Geres − Estudo Longitudinal
sobre Qualidade e Equidade no Ensino Fundamental Brasileiro, que acompanhou um mesmo
grupo de estudantes ao longo de um período de sua escolarização, e de avaliações em larga
escala, têm demonstrado que os primeiros anos na escola são aqueles nos quais os estu-
dantes obtêm avanços mais significativos em sua proficiência, tanto em Língua Portuguesa
Artigo 2
29

quanto em Matemática. Embora os ganhos em termos de desenvolvimento de habilidades


cognitivas envolvidas nessas áreas do conhecimento permaneçam em etapas posteriores do
processo de escolarização, eles acontecem num ritmo mais lento. Isso indica a necessidade
de investimentos consistentes nos primeiros anos da vida escolar, de modo a assegurar
esses ganhos a todos os estudantes. Nesse sentido, as avaliações em larga escala têm de-
sempenhado o importante papel de oferecer subsídios para a definição desses investimentos.

De acordo com os dados do Censo Escolar, esses três primeiros anos de escolaridade (ciclo
de Alfabetização), no entanto, ainda representam um “funil” que concorre para a construção
de um quadro de distorção entre a escolaridade esperada e aquela efetivamente percebida
entre os estudantes. Segundo esses dados, em 2011, 2,1% dos estudantes foram reprovados
no 1º ano do Ensino Fundamental; 6,7% foram reprovados no 2º ano e 11,4% no 3º ano (antiga
2ª série), última etapa do ciclo de Alfabetização. Somados os três anos que compõem esse
ciclo, tem-se um total de 20,2% de reprovações nos anos iniciais do Ensino Fundamental;
essa taxa é menor se comparada a 2010, onde os índices, dos três anos, totalizaram 23,9%.
Cabe destacar que esse percentual não se distribui igualmente entre criança de diferentes
camadas sociais, concentrando-se fortemente nas camadas mais pobres da população.
Também há grandes disparidades entre as regiões e estados da federação, sendo as regiões
Norte e Nordeste aquelas que exibem situações mais preocupantes. Observamos, portanto,
que há escolas que ainda apresentam taxas diferenciadas de rendimentos e que não são
igualmente eficazes para todas as crianças.

Muitos são os fatores, intra e extraescolares, que corroboram para a construção desse
cenário. Desigualdade na distribuição de renda, que repercute em menor acesso de alguns
segmentos da sociedade a bens culturais e na persistência do quadro de trabalho infantil,
por exemplo, é um fator que não pode ser desconsiderado quando se volta o olhar para a
educação brasileira, mais especificamente para a questão da Alfabetização. No entanto,
apesar do grau de complexidade desse quadro, é importante pensarmos no papel e na função
da escola como via de promoção de condições mais equânimes de acesso e permanência
dos estudantes nos sistemas de ensino com sucesso, ou seja, aprendendo efetivamente.

Com relação à qualidade do ensino ofertado nessa etapa, podemos perceber uma progressiva
queda das taxas de analfabetismo no Brasil entre a população com 15 anos ou mais. Como
destaca Naoe (2012):

Somos 14 milhões de analfabetos, segundo o IBGE. Desses, a maior parte se encontra na


região Nordeste, em municípios com até 50 mil habitantes, na população com mais de 15
anos, entre negros e pardos e na zona rural, ou seja, encontra-se na população historicamente
marginalizada. O censo relativo ao ano de 2010 revela uma redução de 29% em relação aos
números apresentados em 2000, mas ainda insatisfatória, especialmente, quando conside-
rados os critérios utilizados pelo IBGE. Hoje, é considerada alfabetizada a pessoa capaz de
ler e escrever um bilhete simples. (NAOE, 2012).
Artigo 2

30

Apesar dessa queda percentual, verificada em 2010, a quantidade de pessoas na faixa etária
dos 15 anos ou mais consideradas analfabetas ainda é bastante significativa, chegando a 14
milhões de pessoas, como exposto acima. Esse número indica que os sistemas de ensino ainda
não conseguiram superar o desafio de democratizar o acesso à leitura e à escrita entre os alunos.

Como se pode perceber, garantir acesso e permanência aos estudantes não garante que, de
fato, todos aprendam o código escrito e as habilidades matemáticas com qualidade, sendo
capazes de utilizá-los nos diferentes contextos sociais. Assim, uma escola comprometida
com a promoção da equidade e da qualidade deve promover o acesso à leitura, a escrita e aos
conhecimentos lógico-matemáticos, com vistas à criação de condições para que os sujeitos
possam transitar por esferas mais amplas da vida social. Para isso, a democratização do
acesso à escola deve, necessariamente, implicar a democratização do acesso ao conhecimento
sistematizado, sendo esse o desafio que se coloca como premente aos sistemas de ensino.

2. Concepções sobre
Alfabetização e Letramento

O objetivo desta seção é oferecer subsídios teóricos sobre Alfabetização e Letramento, a fim
de que seus desafios e suas relações com as avaliações externas possam ser compreendidos.
Como se pode notar, na seção anterior, o entendimento acerca da democratização do ensino
e a constatação de que há um grande desafio na promoção da educação de qualidade, foram
necessários para a reflexão sobre a alfabetização dos estudantes.

Um dos primeiros critérios para definir o analfabetismo considerava alfabetizado o indivíduo


que sabia escrever seu nome. No entanto, as demandas do mundo moderno que exigem, cada
vez mais, o domínio de diferentes práticas de leitura e escrita, fez com que esse conceito se
ampliasse. Dessa forma, atualmente, de acordo com padrões definidos internacionalmente,
considera-se analfabeta uma pessoa que não sabe ler ou escrever um bilhete simples, o que
indica que o conceito de analfabetismo não diz respeito apenas a habilidades de codificação
e decodificação da escrita, mas se refere a uma apropriação desta para fazer frente a uma
demanda elementar do cotidiano: a leitura de um bilhete. Essa definição difere da anterior,
a partir da qual um indivíduo que lê e escreve o próprio nome é considerado alfabetizado,
sendo bastante restrita por não considerar a utilização da escrita e da leitura em esferas
mais amplas da vida social.

Essa mudança na concepção de indivíduo alfabetizado é, em grande parte, consequência


das exigências no ensino da língua materna. Atualmente, o foco das práticas pedagógicas,
na disciplina de Língua Portuguesa, é o trabalho com diversos gêneros textuais, ao invés da
Artigo 2
31

preocupação com a escolha de um melhor método para alfabetizar. No campo da Alfabeti-


zação Matemática, as mudanças de concepções também foram visíveis ao longo do tempo.
Atualmente, considera-se importante a associação dos conhecimentos matemáticos com o
cotidiano dos estudantes, o diálogo constante e a resolução de problemas que vão além do
simples cálculo mecânico. Aprender Matemática significa transpor a aquisição de códigos e a
memorização de cálculos e formas, e utilizar os conhecimentos nas diferentes esferas sociais.

Essas mudanças de concepção e de práticas, em ambas as disciplinas, traduzem o conceito


de letramento que complementam os processos de aquisição do código escrito e matemá-
tico. O termo letramento, diz respeito não apenas a aprendizagem de um código, mas ao
uso desse código nas diversas esferas sociais. Segundo Tfouni (2006), o letramento, em
Língua Portuguesa, refere-se à capacidade de utilizar conhecimentos relativos à linguagem
escrita nas práticas sociais cotidianas. O letramento matemático, de acordo com relatório
Pisa 2000 citado por Gonçalves (s.d), é a habilidade de um indivíduo identificar e entender o
papel da Matemática no mundo, realizando julgamentos matemáticos bem fundamentados
e empregando o conhecimento de forma que satisfaça às necessidades da vida.

Para entender essa mudança de paradigmas, torna-se necessário compreender alguns


aspectos históricos da Alfabetização, em especial no que se refere à aquisição da linguagem
escrita. Durante muito tempo, os avanços na área da Alfabetização se restringiam a escolha
de um possível melhor método para alfabetizar, como já dito anteriormente. Nessa época,
que antecede os anos 80 do século XX, os debates em torno dos métodos de alfabetização
mobilizaram, de um lado, os defensores das perspectivas sintéticas − metodologias que vão da
parte (fonema, sílaba) ao todo (o texto) − e, de outro, aqueles que defendiam as metodologias
de base analítica – que vão do todo (texto, oração) às partes (sílabas, fonemas). Tais debates
focalizavam, prioritariamente, os processos de ensino, reduzindo a questão da Alfabetização
à dimensão do como ensinar a língua escrita e à dimensão linguística desse processo.

A partir de meados da década de 1980, a chegada à realidade brasileira dos estudos de


Emília Ferreiro, que evidenciavam o papel ativo do alfabetizando no processo de apropriação
da língua materna, deslocou o debate em torno da Alfabetização da dimensão do ensino
para a dimensão da aprendizagem. Embora os estudos da psicogênese da língua escrita
desenvolvidos por Ferreiro e Teberosky (1985) tenham, muitas vezes, sido apropriados de
forma equivocada pelas escolas, os mesmos contribuíram para que se pensasse a Alfabe-
tização a partir de novos paradigmas, os quais colocavam o alfabetizando e seus processos
de formulação de hipóteses sobre a língua materna no centro dos debates. Assiste-se a
um deslocamento progressivo dos debates em torno da Alfabetização de uma perspectiva
mecanicista, focada nos processos de aprendizagem do código alfabético, para uma pers-
pectiva psicológica, que enfatizava a ação criativa do alfabetizando sobre a língua em seu
processo de aprendizagem. Nesse processo de mudança de paradigmas, à medida que o
alfabetizando e suas hipóteses sobre a construção da língua escrita passam a ser o foco
de análise da Alfabetização, a dimensão psicológica desse processo acaba por se sobrepor
Artigo 2

32

à dimensão linguística. Ensino e aprendizagem permanecem desvinculados, como pólos


opostos que se negam mutuamente.

Soares (2004), ao refletir sobre essa perda de especificidade do processo de alfabetização,


ou “desinvenção do processo de alfabetização”, também ocorrido devido à concepção de
Letramento, defende a ideia de que essa deseinvenção é uma das causas para as dificuldades
enfrentadas pelas escolas brasileiras em promover a aprendizagem da língua escrita pelos
estudantes. A autora alerta para o fato de que o reconhecimento do papel ativo do alfabeti-
zando em seu processo de construção de hipóteses sobre o funcionamento do sistema de
representação e o uso de diversos gêneros textuais na sala de aula não deve obscurecer o
fato de que existe uma dimensão linguística desse processo que requer ensino sistemático.

Dados de pesquisas recentes sobre a prática de professores nas salas de aula apontam para
distorções que apropriações equivocadas dos princípios construtivistas e do letramento
têm causado nas práticas docentes, com repercussões nas aprendizagens dos estudantes.
Morais (2011) relata os resultados das pesquisas de Monteiro, Mamede e Cunha, realizadas
em 2003 e 2004, que apresentam como dado comum a constatação de que a concepção de
“erro construtivo” trazida pelos estudos de Ferreiro e Teberosky (1985) têm se traduzido, nas
práticas docentes, numa ausência de intervenção dos professores com relação aos erros
de escrita cometidos por seus estudantes. Da mesma forma, o uso de gêneros textuais nas
aulas de Língua Portuguesa, muitas vezes, não está associado às atividades de sistemati-
zação do código escrito.

Corroborando a necessária intervenção dos professores nos processos de aprendizagem


inicial da língua escrita pelos estudantes, Albuquerque, Morais e Ferreira (2006) constatam,
em pesquisa realizada com professores alfabetizadores do estado de Pernambuco, que existe
estreita relação entre ensino sistemático voltado à reflexão sobre as propriedades da notação
alfabética e a eficácia no processo de alfabetização dos estudantes das turmas pesquisadas.

Esses dados apontam para o fato de que embora as crianças estejam envolvidas, desde muito
cedo, em situações nas quais a leitura e a escrita estão presentes e tenham, com relação a
esses objetos culturais, curiosidades que as levam a formular hipóteses sobre como eles se
organizam, a apropriação do sistema de representação, que é a escrita, requer a intervenção
de mediadores informados − os professores − que saibam orientar suas ações de modo a
intervir, no processo de formulação de hipóteses que os estudantes vivenciam ativamente.

Para que haja sucesso nesse processo de aquisição do código, os primeiros anos de escola-
rização são muito importantes, não apenas porque marcam as primeiras experiências dos
estudantes com o universo escolar, mas também porque as crianças encontram-se em um
momento especialmente propício ao desenvolvimento de habilidades cognitivas fundamentais.
Artigo 2
33

Dessa forma, a escola necessita ter claramente definidas as metas que pretende alcançar
e refletir como esses objetivos podem ser alcançados, considerando as especificidades
de cada momento do processo de desenvolvimento de seus estudantes. No que concerne
especificamente ao processo de alfabetização, é necessário conhecer como esse processo
é vivido pelas crianças das diferentes faixas etárias que compõem os três anos do ciclo de
Alfabetização (1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental), sem a perspectiva de uma antecipação
de conteúdos, mas considerando o modo como a leitura, a escrita e as experiências com o
conhecimento lógico matemático podem se inserir nas vivências cotidianas das crianças de
seis, sete e oito anos. Em outras palavras, as práticas de letramento devem estar associadas
às vivências dos estudantes.

3. As avaliações em larga
escala de Alfabetização

Os avanços na avaliação educacional são bem recentes no Brasil e em outros países. Somente
a partir das décadas de 1980 e 1990 foram aparentes as mudanças verificadas nessa área.
Esses avanços tiveram como base o princípio da educabilidade, que defendia a ideia de que
todos os estudantes eram capazes de aprender. Foi a partir desse princípio que surgiram
as avaliações formativas no contexto da sala de aula. Até então, as avaliações tradicionais e
classificatórias aprofundavam as desigualdades existentes dentro da escola e contribuíam
para um processo de distinções, focado apenas no produto final. As avaliações formativas,
por outro lado, preocupavam-se com o desenvolvimento do estudante e amenizaram essas
lacunas, já que tinham seu foco no processo de aprendizagem.

Paralelo, e em complementaridade, às avaliações internas realizadas no âmbito escolar,


inauguraram-se, também nos anos 1980, as avaliações diagnósticas de larga escala. Essas
avaliações visam diagnosticar a qualidade dos serviços educacionais prestados à sociedade.

Cada uma dessas modalidades de avaliação apresenta seus próprios instrumentos, sua
metodologia e seus objetivos. Enquanto a avaliação interna à escola permite um acom-
panhamento individualizado da aprendizagem de cada estudante ao longo do ano letivo,
as avaliações em larga escala configuram uma perspectiva mais ampla, diagnosticando o
desempenho escolar de um grupo, para então serem tomadas providências em busca de
uma realidade educacional mais equânime e de qualidade.

A primeira etapa de um processo de avaliação em larga escala é a definição de uma Matriz


de Referência para avaliação, que subsidia a elaboração dos itens que compõem os testes.
Artigo 2

34

As Matrizes de Referência são um recorte da matriz curricular. Nelas são descritas e apre-
sentadas as habilidades ligadas a uma determinada área de conhecimento e que se pretende
avaliar em diferentes momentos da trajetória escolar dos estudantes.

No caso das avaliações em alfabetização de Língua Portuguesa, a elaboração das Matrizes


de Referência requer uma reflexão sobre as diferentes habilidades que devem ser desen-
volvidas pelos alfabetizandos em seu processo de apropriação do sistema de representação
que é a língua escrita. O Brasil não se dispõe de modelos curriculares a serem adotados
indistintamente pelas escolas e de prescrições metodológicas que direcionem a prática
pedagógica dos professores alfabetizadores. Tal perspectiva é coerente com o fato de ter,
no país, realidades muito distintas nos diferentes sistemas de ensino e, ainda, trajetórias
trilhadas pelos mesmos que não podem ser desconsideradas pela adoção de modelos
curriculares com pretensões homogeneizantes. Impõem-se, então, o desafio de, ao serem
definidas Matrizes de Referência para avaliação da Alfabetização, considerar as habilidades
envolvidas no processo de apropriação da língua escrita como sistema de representação,
sem desconsiderar a Alfabetização como processo discursivo, a partir do qual o estudante
se apropria desse sistema em situações concretas de uso. No caso da leitura, situações nas
quais o alfabetizando se apropria das regularidades do sistema ao mesmo tempo em que
busca sentido para sua atividade de leitura.

Nesse sentido, ao longo de seu processo de apropriação desse sistema de representação,


o estudante precisa desenvolver uma série de habilidades que lhe permitam responder, do
ponto de vista cognitivo, a duas perguntas: Como a escrita se organiza? Para que ela pode
e deve ser usada?

A primeira pergunta requer do alfabetizando a percepção de que a escrita não é um desenho


da fala, mas um sistema de signos a partir dos quais é possível representar os sons da fala.
Em geral as crianças chegam a essa percepção por sua inserção num ambiente em que
estão presentes materiais escritos e pessoas fazendo uso desses materiais em situações
sociais significativas, a partir da intervenção de mediadores que as orientem e estejam
disponíveis para satisfazer às suas curiosidades.

A resposta à segunda pergunta − para que ela pode e deve ser usada? − nunca será ple-
namente respondida, pois à medida que, ao longo da vida, há o envolvimento em variadas
situações que demandam diferentes habilidades de leitura, dá-se a essa pergunta novas
respostas. Nos anos iniciais do processo de escolarização a resposta a essa segunda per-
gunta requer do alfabetizando o desenvolvimento de um conjunto de habilidades é preciso
saber: interagir com diferentes gêneros textuais, reconhecer as especificidades dos mesmos,
extrair deles informações relevantes, inferir outras pela conjugação de informações textuais
e, dessas, com o conhecimento de mundo do leitor, identificar qual é o assunto abordado no
texto, dentre outras habilidades igualmente importantes. Em geral, no processo de ensino
essas habilidades são vivenciadas de forma integrada, compondo um conjunto que define
Artigo 2
35

a capacidade de interagir com textos de diferentes graus de complexidade e com objetivos


comunicativos distintos.

No processo de elaboração de Matrizes de Referência para avaliação da Alfabetização é


necessário que cada uma dessas habilidades − pelo menos aquelas passíveis de se avaliar
em testes em larga escala − sejam descritas. Tal descrição contribui para dar visibilidade
a essas habilidades, que muitas vezes não são percebidas em suas especificidades pelos
professores alfabetizadores.

Ao definirem, em suas Matrizes de Referência para avaliação, as habilidades envolvidas no


processo de construção da leitura e da escrita e dos conhecimentos matemáticos, as avalia-
ções em larga escala têm cumprido o relevante papel de oferecer subsídios às escolas para:
a) identificar as diferentes dimensões envolvidas em processos cognitivos que, no cotidiano
das salas de aula, ficam, muitas vezes, obscurecidos por metodologias de ensino que não
necessariamente investem nessas habilidades; b) promover um diagnóstico precoce de como
os estudantes estão desenvolvendo tais habilidades ao longo do processo de escolarização,
e não apenas em séries de conclusão das diferentes etapas (por exemplo, o 5º ano/4ª série
ou 9º ano/8ª série); c) realizar intervenções pedagógicas qualificadas, capazes de promover
situações de ensino que conduzam às aprendizagens necessárias; d) estabelecer metas de
aprendizagem para as diferentes etapas do processo de escolarização e para um compro-
metimento da ação docente com o alcance dessas metas.

A Provinha Brasil, parte do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), aplicada desde
2008, é um instrumento de avaliação diagnóstica da alfabetização que tem por objetivos os
pontos destacados acima. Por essa razão, a provinha é aplicada no início e ao término do 2º
ano de escolarização. Em suas primeiras edições, a Provinha avaliou apenas a leitura, em
2011 passou a avaliar, também, conhecimentos matemáticos.

Na Matriz de Referência para a avaliação de leitura da Provinha Brasil (ANEXO 1) encontram-


-se descritas habilidades ligadas: à apropriação do sistema de escrita, que dizem respeito à
dimensão linguística do reconhecimento dos princípios que organizam o sistema de escrita;
à leitura, enquanto processo de produção de sentidos para o que se lê, e ao reconhecimento
das funções sociais dos textos que circulam em diferentes esferas da vida social.

Na Matriz de Referência para a avaliação da Alfabetização matemática (ANEXO 2) encontram-


-se as habilidades ligadas: ao reconhecimento dos números e operações matemáticas; à
geometria; às grandezas e medidas e às formas de tratar informações veiculadas a partir
de dados numéricos.

Embora não devam ser tomadas como orientações curriculares, pois estas últimas devem
ser mais abrangentes e englobar habilidades que não são passíveis de avaliação em larga
escala, as Matrizes de Referência para avaliação descrevem habilidades fundamentais, que
Artigo 2

36

precisam ser contempladas na alfabetização inicial em Língua Portuguesa e Matemática.


Justamente pelo caráter basilar das habilidades que descrevem, essas Matrizes têm dado
suporte a trabalhos de pesquisa que focalizam as práticas alfabetizadoras dos docentes,
buscando compreender como tais habilidades são contempladas por essas práticas e as
repercussões disso no desempenho dos estudantes.

Morais, Leal e Pessoa (2011) realizaram uma pesquisa que analisa a recepção e o uso da
Provinha Brasil em escolas de três regiões do estado de Pernambuco que obtiveram bom
desempenho na avaliação. Constataram que habilidades de compreensão e leitura avaliadas
pela Provinha − localizar informações em textos, inferir informações, reconhecer o assunto
de um texto − ainda são pouco exploradas pelos professores no cotidiano das classes de
Alfabetização, dado que aponta para a importância de que os resultados das avaliações em
larga escala sejam apropriados pelas escolas e pelos professores, e que deles decorram
um movimento de reflexão sobre a prática, no âmbito da escola. Esse movimento vem sendo
implementado em muitos estados da federação, que têm encontrado, nas avaliações em
larga escala dessa fase da escolarização, subsídios para reverter quadros de baixo desem-
penho escolar a partir da implementação de políticas públicas voltadas às especificidades
desses estados.

As avaliações externas têm contribuído para dar visibilidade não apenas aos problemas que
ainda persistem no que concerne à Alfabetização, mas também a dimensões desse processo
que estiveram, por um longo tempo, obscurecidas no debate educacional.

Soares (2004) destaca o papel que as avaliações externas à escola vêm desempenhando,
na realidade brasileira, de evidenciar os limites e lacunas do processo de formação de lei-
tores nas diferentes etapas da Educação Básica, avaliadas tanto por programas de âmbito
internacional (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes - Pisa) como de âmbito
nacional (Saeb) e estadual.

Ao diagnosticarem o baixo desempenho em leitura e em tarefas envolvendo o conhecimento


matemático de estudantes concluintes dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental e do
Ensino Médio, tais avaliações apontaram, a partir da década de 1990 − quando foi instituído
o Saeb − a necessidade de se compreender como o processo de formação de sujeitos aptos
a responder às demandas de uma sociedade letrada vem sendo conduzido em etapas mais
precoces de escolarização.

Em suma, as avaliações em larga escala da Alfabetização têm cumprido o importante papel


de dar visibilidade à dimensão linguística da Alfabetização ao descreverem, em suas Matrizes
de Referência, as diferentes habilidades envolvidas no processo de apropriação da língua
escrita. Tais habilidades se referem tanto àquelas percepções iniciais, pelo alfabetizando, de
como a língua escrita funciona enquanto sistema de representação, quanto aos processos
de produção de sentidos para a leitura e ao reconhecimento da função social dos textos.
Artigo 2
37

No que concerne ao desenvolvimento de habilidades lógico-matemáticas, as avaliações


sinalizam, às escolas e aos professores, a necessidade de se expandir o trabalho com as
crianças, desde os anos iniciais de escolarização, para além das práticas ligadas exclusiva-
mente à aritmética, envolvendo diferentes dimensões do conhecimento lógico-matemático.

Com vistas a ilustrar as discussões que se problematizam aqui, apresenta-se ao leitor as


experiências de avaliação em larga escala da Alfabetização de dois estados: Ceará e Minas
Gerais. Dessa forma, será possível perceber as repercussões dessas avaliações para o
enfrentamento dos desafios da Alfabetização nesses estados. Cabe ressaltar que a escolha
dos exemplos se justifica na medida em que ambos foram pioneiros na introdução das
avaliações externas de Alfabetização.

4. A avaliação da Alfabetização no Ceará

A avaliação em larga escala da Alfabetização foi implementada no Ceará em 2007. O quadro


do desempenho dos estudantes de vários municípios cearenses nas avaliações em larga
escala do Saeb era bastante adverso, fato que levou à constatação de que muitos desses
estudantes, ao término dos anos iniciais do Ensino Fundamental, ainda não haviam desen-
volvido habilidades básicas de leitura. Esse dado sinalizava a premência de ações capazes
de garantir o acompanhamento/monitoramento dos processos de ensino e aprendizagem
da língua escrita com vistas a intervenções precoces nesse processo, capazes de corrigir
possíveis distorções. Com o objetivo de atender a essa demanda foi criado, no âmbito do
programa de avaliação do estado, denominado Sistema Permanente de Avaliação do Estado
do Ceará (Spaece), o Spaece-Alfa, vertente voltada exclusivamente à avaliação da Alfabeti-
zação − estudantes do 2º ano do Ensino Fundamental de nove anos.

A criação do Spaece-Alfa foi parte de um conjunto de ações implementadas pelo estado do


Ceará com o objetivo de reverter o quadro de baixa proficiência dos estudantes do Ensino
Fundamental em leitura. O projeto não avalia os conhecimentos matemáticos nessa etapa
de escolaridade.

No processo de elaboração da Matriz de Referência do Spaece-Alfa buscou-se uma definição


daquelas habilidades fundamentais ao processo de apropriação da escrita alfabética que
permitissem o prosseguimento dos estudantes em etapas posteriores do processo de esco-
larização com perspectivas de sucesso. Da mesma forma que na Provinha Brasil, a Matriz
do Spaece-Alfa (ANEXO 3) está organizada em dois eixos: eixo 1, “Apropriação do Sistema de
Escrita” e eixo 2, “Leitura”. Em seu conjunto, os descritores que compõem a Matriz permitem
mapear habilidades desenvolvidas pelos estudantes que concorrem para uma apropriação
Artigo 2

38

da escrita alfabética e para a capacidade de utilizá-la para interagir com textos de gêneros
diversos, compatíveis com a etapa de escolarização avaliada.

No contexto do Spaece-Alfa, além das ações de avaliação, foram implementadas pela Secre-
taria Estadual de Educação do Ceará, em parceria com o Centro Políticas Públicas e Avaliação
da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF), outras estratégias, voltadas
à divulgação dos resultados dessas avaliações nas escolas e à formação de professores, no
intuito de permitir que os mesmos compreendessem as habilidades avaliadas pelo teste,
estabelecendo um diálogo entre elas e suas práticas alfabetizadoras.

Uma das formas de divulgação dos resultados é a apresentação das proficiências dos es-
tudantes nos Boletins. A partir da medida dos desempenhos escolares, é possível alocar
os estudantes em Padrões de Desempenho, os quais apresentam perfis cognitivos que
compreendem determinadas habilidades. No caso do Spaece-Alfa foram determinados cinco
padrões: Não Alfabetizado, Alfabetização Incompleta, Intermediário, Suficiente e Desejável.

Além das médias de proficiência do estado e de cada município, as avaliações ainda permi-
tem identificar, em cada escola, os estudantes que se enquadram nos referidos padrões e, a
partir desse diagnóstico, é possível realizar ações para a melhoria do ensino e aprendizado,
que reflete em melhores desempenhos.

É importante destacar que a realização das avaliações por si só não conduzem a uma me-
lhoria dos níveis de proficiência dos estudantes. É necessário que, do processo de avaliação,
decorram políticas de acompanhamento dos municípios e das escolas que apresentam pro-
blemas com relação à aprendizagem dos estudantes, além da implementação de ações que
permitam aos professores uma apropriação desses resultados, uma melhor compreensão
das habilidades descritas nas Matrizes e a definição de intervenções pedagógicas capazes
de promover o desenvolvimento dessas habilidades pelos estudantes.

Nesse sentido, a avaliação em larga escala da Alfabetização precisa ser concebida como
um instrumento a serviço dos professores e das escolas, pois somente nessa perspectiva
ela pode oferecer contribuições para a promoção da Alfabetização.

5. A experiência de Minas Gerais

A avaliação da Alfabetização no estado de Minas Gerais realiza-se através Sistema Mineiro de


Avaliação da Educação Pública (Simave). Integrado a esse sistema, desenvolve-se o Programa
de Avaliação da Alfabetização (Proalfa), cujo foco é a avaliação do processo de alfabetização.
Artigo 2
39

Assim como no caso anteriormente apresentado do estado do Ceará, o Simave foi instituído,
em Minas Gerais, com o objetivo de reverter quadros de baixa proficiência dos estudantes
em anos finais do Ensino Fundamental constatado a partir das avaliações nacionais. Com o
intuito de monitorar o processo de formação do leitor, em etapas precoces de seu processo
de escolarização, foi instituído o Proalfa.

A Matriz de Referência do Proalfa (ANEXO 4) está organizada em cinco tópicos: tópico 1,


“Reconhecimento das convenções do sistema alfabético”; tópico 2, “Apropriação do sistema
alfabético”; tópico 3 “Usos sociais da leitura e da escrita”, tópico 4, “Leitura: compreensão,
análise e avaliação”; e tópico 5, “Produção escrita”. Assim como as outras Matrizes de Refe-
rência para avaliação, já discutidas neste texto, essa Matriz também descreve habilidades
de apropriação do código alfabético e aquelas que se referem à produção de sentidos para a
leitura, incluindo, num tópico separado, habilidades que focalizam os usos sociais da leitura
e da escrita, voltadas, portanto, à dimensão do Letramento. Além das habilidades de leitura,
são contempladas, também pela Matriz do Proalfa, habilidades de escrita.

A primeira avaliação do Proalfa ocorreu em 2005 e teve caráter amostral, sendo aplicada
aos estudantes do 2º ano do Ensino Fundamental. Essa mesma avaliação se repetiu no ano
de 2006. No ano de 2007, foram avaliados estudantes do: 2º ano, de forma amostral; 3º ano,
de forma censitária; 4º ano, de forma amostral e, ainda, 4º ano que apresentaram baixo
desempenho em avaliações anteriores e que frequentaram programas de acompanhamento,
com a finalidade de reversão do quadro de baixo desempenho. Esse mesmo esquema, que
alterna avaliações amostrais nos 2º e 4º anos e censitárias nos 3º e 4º anos, neste último
para estudantes de baixo desempenho, se repetiu nos anos de 2008 a 2011.

A experiência de Minas Gerais aponta para outro modelo de realização de avaliações da Alfa-
betização, no qual existe a alternância entre avaliações amostrais e censitárias. As avaliações
do 2º ano permitem traçar um panorama das habilidades em leitura, desenvolvidas pelos
estudantes no meio do período de três anos, ao final do qual se espera que os estudantes
estejam alfabetizados. Desse panorama decorre a definição de metas a serem alcançadas
ao término do 3º ano de escolarização, as quais são monitoradas a partir de avaliação
censitária e acompanhadas de forma mais próxima, em se tratando dos estudantes que
apresentaram baixo desempenho na avaliação. O alcance das metas previstas é novamente
avaliado ao final do 4º ano, de forma amostral para o conjunto dos estudantes e, de forma
censitária, para aquele grupo que apresentou baixo desempenho na avaliação realizada no
3º ano. Esse conjunto de ações tem contribuído para uma elevação progressiva das médias
de proficiência dos estudantes do 3º ano do Ensino Fundamental, como é possível perceber
pela análise comparativa dessas médias no período de 2006 a 2011, no gráfico abaixo:
Artigo 2

40

Gráfico 7 • Evolução das proficiências médias de 2006 a 2011 no 3º


ano no ensino fundamental das redes estadual e municipais.

Fonte: Revista Pedagógica Proalfa, 3º ano do Ensino Fundamental, 2011.

O Proalfa determinou três Padrões de Desempenho para alocar os estudantes de acordo com
suas Proficiências: Baixo, Intermediário e Recomendado. Como podemos notar no gráfico
acima, em 2011, a média de Proficiência da Rede Estadual e Municipal enquadrava os estudan-
tes, do 3º do Ensino Fundamental de Minas Gerais, no Padrão de Desempenho Intermediário,
já em 2011, com o aumento da média de Proficiência, de ambas as redes, observamos que
a média se encontra no Padrão Recomendado, que engloba pontuações maiores.

6. Da avaliação ao ensino

Nas seções anteriores, destacamos que as avaliações em larga escala têm contribuído para
dar visibilidade a aspectos do processo de alfabetização que muitas vezes se encontram
obscurecidos no cotidiano dos professores alfabetizadores. Entretanto, é importante consi-
derar que a descrição das habilidades envolvidas na apropriação da língua escrita e dos
conhecimentos matemáticos nas Matrizes de Referência é um esforço analítico para a cons-
trução de instrumentos de avaliação capazes de captar dimensões de processos cognitivos
que são vivenciados pelos sujeitos de forma integral e integrada. Ao mesmo tempo em que se
apropriam das regularidades que organizam a escrita alfabética, as crianças interagem com
Artigo 2
41

textos reais, produzem sentidos para eles, identificam as situações da vida cotidiana na qual
esses textos circulam e reconhecem as finalidades dos mesmos. Do mesmo modo, em suas
brincadeiras, como, por exemplo, no jogo tradicional de amarelinha, vivenciam situações nas
quais o conhecimento dos números e suas diferentes funções se misturam ao reconhecimento
de formas geométricas e à percepção dos deslocamentos do corpo no espaço.

Esses fatos apontam a necessária diferenciação entre situações de ensino e situações de


avaliação, especialmente avaliações no modelo discutido neste texto, que se caracterizam
por abarcarem um amplo universo de estudantes devendo, portanto, atender igualmente
a esse conjunto muitas vezes bastante heterogêneo de aprendizes. Também é importante
estabelecer diferenciações entre os instrumentos utilizados nas avaliações em larga escala
− itens dos testes de múltipla escolha − daqueles utilizados pelos professores na escola.

Resguardadas as especificidades das situações de ensino e de avaliação, é possível ao


professor se beneficiar de um conhecimento das habilidades que concorrem para a cons-
trução de competências mais amplas pelos estudantes para, com base nesse conhecimento,
organizar intervenções pedagógicas que favoreçam o desenvolvimento dessas habilida-
des. Essas intervenções, entretanto, não devem abordar de forma isolada tais habilidades,
privilegiando-se uma integração das mesmas em situações de aprendizagem significativas
para os estudantes.

A seguir, são apresentados alguns exemplos de como tal perspectiva integradora pode se
concretizar nas práticas docentes. O ponto de partida para essa exemplificação é uma atividade
importante para o processo de alfabetização e letramento dos estudantes: a prática de ouvir
e contar histórias.

Ao realizar a leitura de histórias com ou para os estudantes, os professores dispõem de


excelentes oportunidades para desenvolver algumas das habilidades descritas nas Matri-
zes de Referência para avaliação da Alfabetização. Pode-se começar a refletir sobre essas
habilidades pensando, ao mesmo tempo, nas ações e mediações docentes envolvidas nesse
processo que se constitui de vários momentos.

1. A escolha do texto a ser lido para/com os estudantes: é importante que o professor


escolha textos de boa qualidade literária, que possam ser apreciados pelas crianças
por sua beleza e atratividade.

2. A formulação de hipóteses sobre o conteúdo dos textos: sempre que possível o suporte
no qual o texto se encontra deve ser levado para a sala e apresentado às crianças, que
devem ser convidadas a observá-lo, formular hipóteses sobre seu conteúdo e finalidades.
Assim, estarão sendo exploradas aquelas habilidades ligadas ao reconhecimento dos
diferentes gêneros textuais e suas finalidades.
Artigo 2

42

3. A diferenciação e reconhecimento de letras: ao observarem as capas de livros, por


exemplo, as crianças vão se familiarizando com escritas em diferentes padrões de
letras, por isso elas devem sempre ser convidadas a ler o título da história. O professor
deve mediar e orientar esse processo a partir do qual, ao mesmo tempo em que se
familiarizam com o sistema de representação que é a escrita, os estudantes produzem
sentidos para a atividade de leitura na medida em que têm a possibilidade de fruição
do texto literário.

4. A produção de sentidos para a leitura: ao ler a história para os estudantes, o professor


deve emprestar entonação a sua leitura, torná-la expressiva e viva, dessa forma os
estudantes percebem que o texto tem algo a “dizer”. Após a leitura é importante que o
professor discuta com os estudantes o que foi lido. Perguntar qual o assunto do texto,
instigar a turma a inferir informações que não estão postas claramente na superfície
textual, solicitar que recuperem informações apresentadas pelo texto são estratégias
importantes, que levam ao desenvolvimento de habilidades de leitura fundamentais à
formação de um leitor proficiente. Ao mesmo tempo, ao discutirem o que foi lido, os
estudantes exercitam práticas de oralidade fundamentais para a organização das ideias,
o desenvolvimento da competência comunicativa, a defesa de pontos de vista. Essas são
habilidades que não são avaliadas pelos testes em larga escala, mas que concorrem
para o desenvolvimento de outras habilidades contempladas pelos mesmos.

Nesse exemplo, foram abordadas possibilidades de intervenções pedagógicas a partir da


prática de “contação” de histórias, na qual o professor é o leitor. Além desse tipo de atividade,
são fundamentais também aquelas nas quais o aluno é convidado a ler de forma autônoma
e a refletir sobre as regularidades da escrita: a letra que inicia uma palavra, os sons que se
repetem, por exemplo, em poesias e trava-línguas, o estabelecimento de correspondências
entre o falado e o escrito a partir, por exemplo, de textos de memória, como cantigas do
folclore popular. Nessas atividades, são exploradas, de forma integrada, as dimensões do
ensino das regularidades que organizam a escrita alfabética e a vivência da alfabetização
como processo discursivo, que permite a inserção do alfabetizando no universo letrado e a
produção de sentidos para o que lê e escreve.

No campo da alfabetização inicial em Matemática também é importante integrar conheci-


mentos referentes aos diferentes tópicos abordados nas Matrizes de Referência para ava-
liação. Numa atividade como a construção de um mercadinho na sala de aula, por exemplo,
os estudantes desenvolvem habilidades ligadas a diferentes tópicos: a organização dos
“produtos” do mercadinho em seções favorece a classificação; a observação dos rótulos dos
produtos e a definição se eles são vendidos a quilo, metro, ou litro permite aproximações
ao tema grandezas e mediadas; números e operações estão envolvidos nas situações de
compra e venda das “mercadorias”.
Artigo 2
43

Como é possível observar a partir dos exemplos dados, é importante que os professores
planejem situações de ensino capazes de promover a integração daquelas habilidades des-
critas nas Matrizes para fins de avaliação.

7. Considerações finais

Ao longo deste texto, buscamos refletir sobre as contribuições da avaliação em larga escala
para o enfrentamento do desafio que a Alfabetização ainda representa na realidade brasileira.
Percebemos, a partir de uma incursão à experiência da avaliação nacional da Alfabetização
e às experiências de dois estados da federação, que tal contribuição tem consistido numa
recolocação do tema da alfabetização aos professores, às escolas e à sociedade de modo
mais amplo, resgatando a dimensão linguística envolvida nesse processo. Entretanto, não se
pode incorrer no erro de realizar uma transposição linear entre instrumentos de avaliação
e situações de ensino. É preciso reconhecer que aqueles atendem a objetivos bem distintos
destas e, portanto, se organizam a partir de outros princípios. As Matrizes de Referência
para avaliação, ao descreverem habilidades cognitivas, procedem a um processo de análise
no qual operações cognitivas complexas − como, por exemplo, a leitura − são “fatiadas”
para que se possam avaliar suas várias dimensões. Nas práticas de ensino, o movimento,
ao contrário, deve ser de síntese, de integração dessas habilidades, como destacado no
tópico anterior deste texto.

Outra contribuição importante que as avaliações da Alfabetização em Língua Materna e


Matemática podem trazer é subsidiar discussões relativas ao estabelecimento de metas
para as diferentes etapas da escolarização. A partir da Lei 11.274/2006, que institui o Ensino
Fundamental de nove anos, com o ingresso das crianças de seis anos, passamos ter os
três primeiros anos da Educação Básica como aqueles destinados à Alfabetização. Esses
anos, então, constituem-se em um ciclo inicial de alfabetização ao longo do qual é forçoso
conhecer quais os progressos alcançados pelos alfabetizandos e como intervir para que
novos avanços sejam possíveis, para que se tenha, ao término desses três primeiros anos,
uma massa de estudantes alfabetizados. Que habilidades, em Língua Materna e Matemática,
devem ser desenvolvidas pelos estudantes em seu primeiro, segundo e terceiro anos de
escolarização? A resposta a essa pergunta orienta a definição das Matrizes de Referência
para a Alfabetização e é também o que buscam muitas escolas, professores e professoras
em suas tentativas de encontrar a melhor forma de conduzir suas práticas pedagógicas
frente à realidade de um Ensino Fundamental que agora recebe crianças de seis anos e deve
cumprir o seu compromisso de que nenhuma delas conclua seu terceiro ano de escolarização
sem estar alfabetizada.
Artigo 2

44

Referências Bibliográficas

ALBUQUERQUE, E.B.C; FERREIRA, A.T.B.F. & MORAIS, A.G. “As práticas cotidianas de alfabetiza-
ção: o que fazem as professoras?” Anais da 28ª. Reunião Anual da ANPED, Caxambu, 2006.

BRASIL. Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/


ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 18 de Janeiro de 2012.

BRASIL. Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/


ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11274.htm. Acesso em: 10 de Janeiro de 2012.

CAEd. Revista Pedagógica Simave Proalfa, 3º ano do Ensino Fundamental. Juiz de Fora:
Universidade Federal de Juiz de Fora, 2011.

FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1985.

GONÇALVES, Heitor Antônio. O Conceito de Letramento Matemático: algumas aproximações.


São João del Rei, Universidade Federal de São João del Rei, s/d. Disponível em: http://educar.
sec.ba.gov.br/todospelaescola/wp-content/uploads/2011/06/Letramento_matematico.pdf.
Acessado em 10 de agosto de 2012.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. PNAD 2009: rendimento e número de


trabalhadores com carteira assinada sobem e desocupação aumenta. 2010. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1708.
Acesso em 10 de novembro 2011.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Provinha


Brasil. Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_basica/provinha_brasil/matriz_re-
ferencia/2009/matriz_de_referencia_provinha_brasil.pdf. Acesso em 03 de fevereiro de 2012.

MORAIS, A.G. O ensino da língua portuguesa no Ciclo de Alfabetização e a avaliação da aprendizagem


feita pela provinha Brasil. Texto elaborado como subsídio ás discussões do I Simpósio sobre o ensino
na área de linguagens: alfabetização e letramento, língua portuguesa e literatura na Educação Básica
e as Matrizes de Referência das avaliações em larga escala. Brasília, INEP, 2011 (mimeo.)

MORAIS, A.G.; LEAL, T.F.; PESSOA, A.C.G. Provinha Brasil - sua recepção pelos docentes e
usos na alfabetização. Relatório final de atividades apresentado ao INEP. Recife: Universidade
Federal de Pernambuco, 2011.

NAOE, Aline. Analfabetismo no Brasil evidencia desigualdades sociais históricas. Revista


Eletrônica de Jornalismo Científico, 2012. Disponível em: http://www.comciencia.br/comcie
ncia/?section=8&edicao=74&id=923 . Consultado em 18 de setembro de 2012.

SOARES, Magda. Alfabetização e letramento, 2° ed. São Paulo: Contexto, 2004.

TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez. 2006.


Artigo 2
45

ANEXOS

Anexo 1 • Matriz Provinha Brasil de Português

PROVINHA BRASIL
Matriz de Referência para Avaliação da Alfabetização e do Letramento Inicial

Apropriação do sistema de escrita: habilidades relacionadas à


1º EIXO identificação e ao reconhecimento de princípios do sistema de
escrita.
Habilidade (descritor) Detalhamento da habilidade (descritor)

Diferenciar letras de outros sinais gráficos, identificar pelo nome as letras


D1: Reconhecer letras.
do alfabeto ou reconhecer os diferentes tipos de grafia das letras.

Identificar o número de sílabas que formam uma palavra por contagem ou


D2: Reconhecer sílabas.
comparação das sílabas de palavras dadas por imagens.
Identificar em palavras a representação de unidades sonoras como:
D3: Estabelecer relação entre unidades sonoras e suas o letras que possuem correspondência sonora única (ex.: p, b, t, d,
representações gráficas. f);
o letras com mais de uma correspondência sonora (ex.: “c” e “g”);
o sílabas.

2º EIXO Leitura
Habilidade (descritor) Detalhamento da habilidade (descritor)
Identificar a escrita de uma palavra ditada ou ilustrada, sem que isso seja
D4: Ler palavras. possível a partir do reconhecimento de um único fonema ou de uma única
sílaba.
Localizar informações em enunciados curtos e de sentido completo, sem
D5: Ler frases. que isso seja possível a partir da estratégia de identificação de uma única
palavra que liga o gabarito à frase.
D6: Localizar informação explícita em textos. Localizar informação em diferentes gêneros textuais, com diferentes
tamanhos e estruturas e com distintos graus de evidência da informação,
exigindo, em alguns casos, relacionar dados do texto para chegar à
resposta correta.
Antecipar o assunto do texto com base no suporte ou nas características
D7: Reconhecer assunto de um texto. gráficas do gênero ou, ainda, em um nível mais complexo, reconhecer o
assunto, fundamentando-se apenas na leitura individual do texto.

Antecipar a finalidade do texto com base no suporte ou nas características


D8: Identificar a finalidade do texto. gráficas do gênero ou, ainda, em um nível mais complexo, identificar a
finalidade, apoiando-se apenas na leitura individual do texto.
Identificar repetições e substituições que contribuem para a coerência e a
D9: Estabelecer relação entre partes do texto.
coesão textual.
Inferir informação.
D10: Inferir informação.

Observações:
A Matriz de Referência da Provinha Brasil foi revisada para a edição de 2009 e 2011.
Por questões técnicas, o Descritor 9 não será avaliado.
Artigo 2

46

Anexo 2 • Matriz Provinha Brasil de Matemática

Matriz de Referência para Avaliação da Alfabetização Matemática Inicial


1º EIXO Números e Operações
Competências Descritores/Habilidades

D1.1 – Associar a contagem de coleções de objetos à representação

C1 - Mobilizar idéias, conceitos e numérica das suas respectivas quantidades.

estruturas relacionadas à construção do D1.2 – Associar a denominação do número a sua respectiva


significado dos números e suas representação simbólica
representações. D1.3 – Comparar ou ordenar quantidades pela contagem para identificar
igualdade ou desigualdade numérica.

D1.4 – Comparar ou ordenar números naturais.

D2.1 - Resolver problemas que demandam as ações de juntar, separar,


C2 – Resolver problemas por meio da acrescentar e retirar quantidades.
adição ou subtração. D2.2 - Resolver problemas que demandam as ações de comparar e
completar quantidades.

C3 – Resolver problemas por meio da D3.1 - Resolver problemas que envolvam as idéias da multiplicação.
aplicação das idéias que preparam para
D3.2 - Resolver problemas que envolvam as idéias da divisão.
a multiplicação e a divisão.

2º EIXO Geometria
Competências Descritores/Habilidades

C4– Reconhecer as representações de D4.1 – Identificar figuras geométricas planas.


figuras geométricas. D4.2 – Reconhecer as representações de figuras geométricas espaciais.

3º EIXO Grandezas e Medidas


Competências Descritores/Habilidades

C5 – Identificar, comparar, relacionar e D5.1 – Comparar e ordenar comprimentos.


ordenar grandezas. D5.2 – Identificar e relacionar cédulas e moedas.

C5 – Identificar, comparar, relacionar e D5.3 - Identificar, comparar, relacionar e ordenar tempo em diferentes
ordenar grandezas. sistemas de medida.

4º EIXO Tratamento da Informação


Competências Descritores/Habilidades

D6.1 – Identificar informações apresentadas em tabelas.

C6 – Ler e interpretar dados em gráficos, D6.2 – Identificar informações apresentadas em gráficos de colunas.
tabelas e textos. D6.3 – Identificar informações relacionadas a Matemática

apresentadas em diferentes portadores textuais.


Artigo 2
47
Anexo 3 • Matriz Spaece

Eixo 1: Apropriação do sistema de escrita - habilidades relacionadas à identificação e ao reconhecimento de aspectos


relacionados à tecnologia da escrita.

Tópico Descritor

D1 - Identificar letras entre desenhos, números e outros símbolos gráficos.


1.1 - Quanto ao reconhecimento de letras.
D2 - Reconhecer as letras do alfabeto.

D3 - Identificar as direções da escrita.

D4 - Identificar o espaçamento entre palavras na segmentação da


1.2 - Quanto ao domínio das convenções gráficas.
escrita.
D5 - Reconhecer as diferentes formas de grafar uma mesma letra ou
palavra.

D6 - Identificar rimas.

D7 - Identificar o número de sílabas de uma palavra.


1.3 - Quanto ao desenvolvimento da consciência
fonológica.
D8 - Identificar sílabas canônicas (consoante/vogal) em uma palavra.

D9 - Identificar sílabas não canônicas (vogal, consoante/vogal/


consoante, consoante/consoante/vogal etc.) em uma palavra.

Eixo 2: Leitura - habilidades relacionadas à leitura de palavras, frases e textos.

Tópico Descritor

D10 - Ler palavras no padrão canônico (consoante/vogal).


2.1 - Quanto à leitura de palavras.
D11 - Ler palavras nos padrões não canônicos (vogal, consoante/ vogal/
consoante, consoante/consoante/vogal etc.).

2.2 - Quanto à leitura de frases. D12 - Ler frases.

D13 - Localizar informação explícita em textos.

D14 - Inferir informação em texto verbal.


2.3.1 - Quanto à informação D16 - Interpretar textos não verbais e textos que ar-
do texto verbal e/ou não
2.3 - Quanto à verbal. ticulam elementos verbais e não verbais.
leitura de textos.
D17 - Reconhecer o tema ou assunto de um texto ouvido.

D18 - Reconhecer o tema ou assunto de um texto lido.


2.3.2 - Quanto aos gêneros
associados às sequências D22 - Identificar o propósito comunicativo em diferentes gêneros.
discursivas básicas.
Artigo 2

48
Anexo 4 • Matriz Simave

Tópicos Competências Habilidades Detalhamento das habilidades

O aluno deve reconhecer letras do alfabeto apresentadas isola-


H1. Identificar letras do alfabeto
damente, em sequências de letras ou no contexto de palavras.
H2. Diferenciar letras de O aluno precisa diferenciar letras de números e de outros
outros sinais gráficos, símbolos. Deve reconhecer, por exemplo, um texto que circula
C1. Identificação de como os números, sinais socialmente ou uma sequência que apresenta somente letras,
letras do alfabeto de pontuação ou de outros entre outros textos ou outras sequências que apresentam letras
sistemas de representação e números.
T1- Reconhecimento O aluno deve identificar letras isoladas ou palavras escritas com
H3. Distinguir, como leitor,
de convenções do diferentes tipos de letras: maiúscula, minúscula; cursiva; caixa
diferentes tipos de letras
sistema alfabético alta e baixa.
O alfabetizando, ao ter contato com um texto (contos, tirinhas,
notícias, entre outros), deve identificar a direção formal da escrita:
onde se inicia a leitura ou onde se localiza a última palavra do
H4. Conhecer as direções
C2. Uso adequado texto. Considerando a tarefa de registro escrito, espera-se que o
e o alinhamento da escrita
da página aluno copie uma frase respeitando as direções da escrita (de cima
da língua portuguesa
para baixo, da esquerda para a direita), bem como demonstre o
uso correto das linhas, das margens e do local adequado para
iniciar a escrita em uma folha.
O alfabetizando precisa identificar o número de sílabas que
compõe uma palavra ao ouvir a pronúncia de palavras (mo-
C3. Aquisição H5. Identificar, ao ouvir uma nossílabas, dissílabas, trissílabas, polissílabas; oxítonas, paro-
T2- Apropriação do
de consciência palavra, o número de sílabas xítonas, proparoxítonas); com diferentes estruturas silábicas
sistema alfabético
fonológica (consciência silábica) (CV – consoante-vogal, CCV – consoante-consoante-vogal, CVC
– consoante-vogal-consoante, V – vogal, VC – vogal-consoante,
ditongo, etc.).
Ao ouvir palavras ditadas, pertencentes a um mesmo campo
C3. Aquisição H6. Identificar sons de sílabas
semântico ou a campos semânticos distintos, o aluno deve
de consciência (consciência fonológica e
identificar sons de sílabas com diferentes estruturas (CV, CCV,
fonológica consciência fonêmica)
CVC, V, VC, ditongo, etc.) no início, meio ou no final das palavras.
O aluno precisa reconhecer o número de palavras que compõe
H7. Compreender a função
C4. Reconhecimento um pequeno texto. Precisa, também, ao observar uma palavra,
de segmentação de espaços
da palavra como ser capaz de identificar o número de vezes que ela se repete em
em branco na delimitação de
T2- Apropriação do unidade gráfica um texto. Espera-se, ainda, que palavras compostas por menos
palavras em textos escritos
sistema alfabético de três letras, por exemplo, sejam identificadas como palavras.
O aluno deve ler palavras silenciosamente, com apoio de um
desenho que as representam. Essa habilidade apresenta palavras
H8. Ler palavras
C5. Leitura em um nível crescente de dificuldade em relação à estrutura
de palavras e silábica, ou seja, sílabas CV, CVC, CCV, V e palavras com ditongo.
pequenos textos O aluno deve ler frases e pequenos textos de até 6 linhas, de
H9. Ler pequenos textos temas e gêneros mais recorrentes na vida social, localizando
informações explícitas neles contidas.
O aprendiz precisa identificar, no texto lido, uma informação
que se apresenta explicitamente. Essa informação pode estar
H10. Localizar informação
T3- Leitura: C6. Localização presente no início, no meio ou no fim do texto. O texto pode apre-
explícita em textos de maior
compreensão, de informações sentar diferentes graus de complexidade dependendo de fatores
extensão e de gêneros e
análise e avaliação explícitas em textos como: sua extensão (pequena, média ou grande), gênero, tema
temas menos familiares
(mais ou menos usual) linguagem. Tais fatores podem interferir
no processo de localização de informação.
Artigo 2
49

Tópicos Competências Habilidades Detalhamento das habilidades

O alfabetizando precisa conhecer gêneros textuais que privile-


giam a narrativa, tais como contos de fadas, contos modernos,
fábulas, lendas. São avaliadas habilidades relacionadas à iden-
tificação de elementos da narrativa: espaço, tempo (isolados ou
conjuntamente), personagens e suas ações e conflito gerador.
C6. Localização
H11. Identificar elementos É importante evidenciar que, embora o foco de uma avaliação
de informações
que constroem a narrativa que se referencia na alfabetização e letramento seja o texto,
explícitas em textos
em seus diferentes gêneros, reconhecendo a importância de
textos de estrutura predominantemente narrativa como contos
de fadas e fábulas, por exemplo, nessa faixa etária, considerou-se
necessária a proposição de uma habilidade específica, com o
intuito de enfatizar gêneros como os aqui exemplificados.
O aprendiz precisa revelar capacidade de, a partir da leitura
T3- Leitura: autônoma de um texto, inferir o sentido de uma palavra ou ex-
compreensão, pressão menos frequente, em textos de tema/gênero familiar
análise e avaliação ou menos familiar. O aluno deve realizar inferência, o que supõe
H12. Inferir informações
que seja capaz de ir além do que está dito em um texto. Ou seja,
em textos
ir além das informações explícitas, relacionando informações
presentes em um texto (verbal, não verbal ou verbal e não verbal)
C7. Interpretação com seus conhecimentos prévios, a fim de produzir sentido para
de informações o que foi lido.
implícitas em texto
O aluno deve demonstrar capacidade de compreensão global do
texto. Ele precisa ser capaz de, após ler um texto, dizer do que
H13. Identificar assunto de texto
ele trata. Ou seja, ser capaz de realizar um exercício de síntese,
identificando o assunto que representa a ideia central do texto.
O estudante precisa reconhecer/ antecipar o assunto de um
H14. Formular hipóteses texto a partir da observação de uma imagem e/ou da leitura
de seu título.
O aluno deve identificar, em textos em que predominam se-
H15. Estabelecer relações
quências narrativas ou expositivas/argumentativas, marcas
lógico-discursivas
linguísticas (como advérbios, conjunções etc.) que expressam
presentes no texto
relações de tempo, lugar, causa e consequência.
H16. Estabelecer relações de O estudante deve recuperar o antecedente ou o referente de um
continuidade temática a partir determinado elemento anafórico (pronome, elipse ou designação de
da recuperação de elementos um nome próprio) destacado no texto. Ou seja, deve demonstrar que
C8. Coerência da cadeia referencial do texto compreendeu a que se refere esse elemento.
e coesão no
processamento Ao ler o texto, o aluno deve ser capaz de identificar os efeitos de
H17. Identificar efeito de
de texto sentido decorrentes da utilização de recursos gráficos (caixa alta,
sentido decorrente de
grifo – itálico, negrito, sublinhado...), do léxico (vocabulário) ou
recursos gráficos, seleção
também de identificar o humor ou a ironia no texto, decorrentes
lexical e repetição
desses recursos.
T3- Leitura:
H18. Identificar marcas
compreensão, O aluno deve identificar, em um dado texto, a fala/discurso direto ou
linguísticas que evidenciam
análise e avaliação indireto. Nesse caso, o aluno terá que demonstrar que reconhece
o enunciador no discurso
quem “está com a palavra”.
direto ou indireto
O estudante deve ser capaz de distinguir um fato de uma opinião,
H19. Distinguir fato de
explícita ou implícita, sobre determinado fato ao ler, por exemplo,
opinião sobre o fato
histórias ou notícias.
O aluno precisa identificar a tese defendida em um texto e/ou os ar-
H20. Identificar tese
C9. Avaliação do gumentos que sustentam a tese apresentada. Ele precisa saber, por
e argumentos
leitor em relação exemplo, qual a ideia defendida no texto.
aos textos H21. Avaliar a adequação
da linguagem usada à O aluno deve ser capaz de identificar, por exemplo, marcas de
situação, sobretudo, a oralidade em um texto escrito ou justificar determinada linguagem
eficiência de um texto ao presente no texto em função dos objetivos a que ele se propõe.
seu objetivo ou finalidade
Artigo 2

50

Tópicos Competências Habilidades Detalhamento das habilidades

O aluno deve reconhecer a ordem alfabética, tendo em vista seus usos


sociais. É avaliado, por exemplo, se ele identifica o local de inserção de
C10. Implicações do
um nome em uma lista ou agenda. Verifica-se, também, a capacidade de
T4- Usos sociais da gênero e do suporte H22. Reconhecer os usos
identificação do local correto de inserção de uma palavra no dicionário,
leitura e da escrita na compreensão sociais da ordem alfabética
a partir da observação da primeira letra. Espera-se, também, que o
de textos
aprendiz saiba distinguir os variados suportes que são organizados
pela ordem alfabética (dicionário, enciclopédia, catálogo telefônico...).
O estudante precisa identificar diferentes gêneros textuais,
considerando sua função social, seu circuito comunicativo e
suas características linguístico-discursivas. Inicialmente, são
H23. Identificar gêneros apresentados gêneros mais familiares aos alunos, como: listas,
C10. Implicações do textuais diversos bilhetes, convites, receitas culinárias etc., e posteriormente outros
T4- Usos sociais da gênero e do suporte menos familiares como: notícias, anúncios, textos publicitários,
leitura e da escrita na compreensão etc. Tais textos podem ser identificados a partir de seu modo
de textos de apresentação e/ou de seu tema/assunto e de seu suporte.
Além de identificar gêneros textuais que circulam na sociedade,
H24. Reconhecer finalidade
o aluno deve reconhecer a finalidade desses textos: para que
de gêneros textuais diversos
servem e qual a sua função comunicativa.
O alfabetizando necessita mostrar capacidade de escrever pala-
C11. Escrita vras de diversas estruturas: monossílabas, dissílabas, trissílabas,
H25. Escrever palavras
de palavras polissílabas; oxítonas, paroxítonas, proparoxítonas; com diferentes
padrões silábicos (CV, CCV, CVC, V, VC, ditongo, etc.).
O aluno deve desenvolver a habilidade de produzir frases/ pe-
T5- quenos textos. A escrita de frases pode ser feita a partir da
Produção escrita* observação de uma imagem. Já a escrita de textos, como histórias,
pode ser feita com base na observação de uma sequência de
C12. Escrita de
H26. Escrever frases/ textos imagens. Outros gêneros mais familiares como lista, convite,
frases/ textos
aviso ou bilhete, por exemplo, também são solicitados para
serem escritos, tendo em vista a definição de suas condições
de produção: o que escrever (tema), para quem, para que, em
que suporte e local de circulação.
Artigo 3

52

ARTIGO 3

Avaliação em larga escala


e ensino de Matemática
Artigo 3
53

Resumo

Esse texto tem como objetivo apresentar ele- currículo de Matemática e faremos consi-
mentos que auxiliem professores e demais derações sobre a resolução de problemas
educadores ligados à Matemática no processo como uma metodologia para o ensino dessa
de reflexão e apropriação dos resultados al- disciplina; na seção 3 serão disponibilizados
cançados por meio das avaliações em larga os dados de algumas pesquisas, nos quais
escala. Serão apresentadas algumas mu- buscamos mostrar os avanços possíveis na
danças relativas ao currículo e metodologias aprendizagem de conteúdos matemáticos.
de ensino aplicadas no desenvolvimento de Nas duas últimas seções são apresentados
conteúdos matemáticos, ao resultado de pes- dados da avaliação do Simave em 2011 e sua
quisas sobre a prática pedagógica, ao banco relação com o desempenho dos alunos, bem
de dados referente aos resultados de avalia- como alguns itens que podem ajudar nesse
ções e aos itens aplicados aos estudantes das processo de interpretação e apropriação dos
séries finais do Ensino Fundamental. Deste resultados. Acreditamos que poderemos levar
modo, organizamos este texto da seguinte professores a refletirem sobre os resultados
forma: além da Introdução, Considerações de sua escola, buscando alternativas pos-
Finais e Referências Bibliográficas, apre- síveis para uma melhoria do desempenho
sentaremos cinco seções. Na primeira seção escolar dos estudantes.
iremos trazer um panorama dos resultados
do Saeb entre os anos de 1995 e 2005 para Palavras-chave: Avaliação em larga escala;
o 9º ano do Ensino Fundamental; em seguida Saeb; Resultados das Avaliações; Padrões
apresentaremos mudanças significativas no de Desempenho; Item.

Introdução

Em diversos países, nas últimas décadas dentre eles: o Sistema Nacional de Avalia-
do século XX, observamos uma evidente ção da Educação Básica (Saeb) e o Exame
preocupação com a melhoria da qualidade Nacional do Ensino Médio (Enem), além da
da educação (FONTANIVE, ELIOT e KLEIN, participação no Programa Internacional de
2007). No Brasil, após esforços para garantir Avaliação de Estudantes (Pisa). Em comum,
o acesso dos estudantes à escola – décadas esses sistemas apresentam resultados
de 1980 e 1990 – buscaram-se estratégias sobre o desempenho escolar e informações
para elevar a qualidade do ensino ofertado. sobre o perfil socioeconômico e cultural dos
Assim, como pode ser observado, a partir estudantes, além de fornecer características
de 1990 o país ficou marcado pela criação dos professores e das escolas.
dos sistemas de avaliações educacionais,
Artigo 3

54

Mais recentemente, em 2005, o Instituto Na- Podemos considerar, deste modo, dois pontos
cional de Estudos e Pesquisas Educacionais referentes ao processo de avaliação: o primei-
Anísio Teixeira (Inep) criou a Prova Brasil, que ro, relacionado às instituições responsáveis
avalia, de forma censitária, o ensino público pela execução das avaliações e aos gestores
brasileiro. Além disso, alguns estados e muni- de rede, pelo qual nota-se a necessidade de
cípios passaram a desenvolver e colocar em se desenvolver estratégias de divulgação, de
prática seus próprios sistemas de avaliação, forma a facilitar a compreensão e a apro-
muitos em parceria com o Inep. Tais empre- priação dos resultados das avaliações pelas
endimentos foram fundamentais para a ge- equipes das secretarias de educação e das
ração de informações acerca do desempenho escolas; o segundo ponto, relacionado àque-
escolar dos estudantes, bem como para que les que estão na ponta da linha – diretores
se consolidasse, nas diferentes instâncias de escolas, coordenadores pedagógicos e
educativas, uma cultura avaliativa. Assim, professores – considera a importância da
podemos considerar que vivemos em “tem- apropriação dos resultados e sua utilização
pos de avaliação” (BONAMINO, 2002). na orientação das ações pedagógicas.

Pesquisas na área têm ressaltado a im- Neste texto, entretanto, não abordamos os
portância do papel desempenhado pela dois pontos explicitados, mas atentamos ao
avaliação educacional. Neste contexto, segundo ponto. Pretendemos, assim, traba-
podem ser notados avanços em relação a lhar os resultados da avaliação em larga
aspectos metodológicos e institucionais, no escala, por meio de resultados de sistemas
acompanhamento de políticas educacionais de avaliação aplicados no país, permitindo
e na associação entre avaliação e políticas que professores de Matemática possam
de promoção de equidade (FRANCO et al, compreender e trabalhar com os resultados
2007; SOARES, 2005). que chegam à escola. Partimos da crença
de que o conhecimento dos processos cons-
Dados e informações coletados nos progra- titutivos de uma avaliação desta natureza
mas de avaliação permitem que gestores pode contribuir para o “empoderamento”
e demais agentes pertencentes ao pro- do professor, de forma consciente e crítica,
cesso educativo identifiquem prioridades ampliando seus olhares sobre a escola. Mais
e alternativas a fim de alcançar a eficácia precisamente, conhecendo melhor a sala de
das ações voltadas ao aprimoramento da aula, os estudantes e o próprio ensino de
qualidade da educação e a otimização dos Matemática ministrado, o professor pode
investimentos no setor. Os programas de analisar dados, tecer considerações e propor
avaliação indicam, ainda, o que se espera ações pedagógicas.
que os estudantes aprendam em sua traje-
tória escolar à luz dos currículos propostos Sendo assim, nas seções seguintes, pro-
e identificam quais são os fatores escolares curamos abordar aspectos relacionados à
ou extraescolares que favorecem ou limi- avaliação em larga escala, propondo tópi-
tam a aquisição das habilidades e compe- cos que enfatizem pontos significantes no
tências esperadas para uma dada disciplina processo de compreensão dos resultados
e uma etapa de escolaridade definida. das avaliações.
Artigo 3
55

1. Um panorama inicial

Relacionado ao acesso dos estudantes à escola, na faixa etária entre sete e 14 anos (cor-
respondente ao Ensino Fundamental), podemos considerar que, atualmente, em todo o país,
97% dessas crianças, independente do sexo, cor ou origem socioeconômica e cultural, estão
matriculadas nas escolas. Esse dado, referente ao ano de 2002, pode ser encontrado no
trabalho de Oliveira (2007, p.668), o qual mostra que “nessas últimas três décadas, prati-
camente universalizou-se o atendimento de toda a população no Ensino Fundamental”. De
maneira geral, podemos perceber que as políticas de expansão, relacionadas ao acesso de
todas as crianças na escola, aumentaram a frequência escolar através, principalmente, da
inclusão de estudantes das camadas menos favorecidas da população. Estudos recentes
indicam que, deste modo, os efeitos das características socioeconômicas sobre o acesso
escolar foram reduzidos (OLIVEIRA, 2007; LEON e MENEZES-FILHO, 2002).

Contudo, o substancial crescimento das matrículas no Ensino Fundamental – dado pela


facilidade de acesso e também pela extensão desse nível de ensino de oito para nove anos1
– embora tenha repercutido favoravelmente no aumento das chances das crianças obterem
sucesso na trajetória acadêmica, não indica uma melhoria na qualidade de ensino promovida
pelas instituições escolares.

De modo geral, retomando os resultados das avaliações, os dados têm indicado o baixo de-
sempenho dos estudantes no desenvolvimento de habilidades na disciplina de Matemática.
Para educadores da área, esse panorama educacional é resultado de um ensino baseado na
transmissão mecanizada de conteúdos, que são apresentados de modo descontextualizado
e pouco desafiador ao pensamento e à inteligência dos estudantes.

Os estudos fundamentados nos dados coletados por meio das avaliações realizadas no
Brasil colocam a questão das desigualdades do desempenho escolar no centro dos debates
da área. Isso significa que se leva em consideração, por exemplo, se uma escola apresenta
estudantes com proficiências muito altas e muito baixas e qual o percentual de estudantes
alocados em cada intervalo estipulado com base nesses valores. Nos resultados gerais do
Saeb de 1995 a 2005 (Quadro 1), trazemos este panorama da distribuição dos estudantes
em relação à proficiência alcançada no teste e mostramos, também, o percentual de estu-
dantes com proficiência abaixo do desempenho esperado para cada etapa de escolaridade
e disciplina avaliada.

1LEI Nº 11.274, DE 6 DE FEVEREIRO DE 2006. Art. 3º dispõe que o Ensino Fundamental obrigatório, com duração
de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade
Artigo 3

56

Quadro 1 • Distribuição percentual dos estudantes nas avaliações


do Saeb 1995 a 2005, de acordo com a rede de ensino e Padrão de
Desempenho na escala de Matemática - 8ª série (9º ano) do EF
Rede de Ensino Padrão de Desempenho 1995 1997 1999 2001 2003 2005

Baixo 31% 37% 39% 43% 40% 40%


Rede Estadual Intermediário 58% 53% 53% 49% 51% 52%
Recomendado 11% 10% 8% 8% 9% 8%
Baixo 35% 40% 38% 44% 46% 49%
Rede
Municipal
Intermediário 55% 50% 52% 48% 47% 45%
Recomendado 10% 10% 9% 8% 7% 6%
Baixo 10% 9% 9% 8% 8% 10%
Escolas Particulares Intermediário 40% 37% 42% 38% 36% 41%
Recomendado 50% 54% 49% 54% 56% 49%

Fonte: Inep / Resultados Prova Brasil e Saeb.

Com base nesses dados (Quadro 1), também pode ser abordada outra questão: a relação
entre percentual de estudantes distribuídos por Padrões de Desempenho e as redes de
ensino às quais pertencem esses estudantes. Podemos observar que mais de 90% dos estu-
dantes brasileiros que estudam em escolas públicas (estaduais ou municipais) apresentam
desempenho abaixo do Padrão de Desempenho Recomendado (os Padrões de Desempenho2,
denominados Baixo, Intermediário e Recomendado, referem-se a conjuntos de níveis da Escala
de Proficiência e reflete três estágios de desenvolvimento cognitivo dos estudantes). Assim,
ao final do último ano do Ensino Fundamental – 9º ano – podemos encontrar no Padrão de
Desempenho Baixo quase metade dos estudantes brasileiros que estudam em escolas da
Rede Pública (estadual: 40% em 2005, e municipal: 49% em 2005).

Se considerarmos apenas os estudantes de escolas da Rede Particular de ensino, o quadro


geral também demanda cuidados e preocupação, uma vez que cerca de 50% destes estu-
dantes encontram-se também nos níveis mais baixos da Escala de Matemática. Entretanto,
podemos observar que o resultado dessa rede de ensino é diferente dos outros. Ao alocar os
estudantes nesses Padrões, temos aproximadamente 50% dos estudantes da Rede Particular,
que realizaram a avaliação em 2005, alocados no Padrão Recomendado (na Rede Estadual
o percentual nesse Padrão é de 8% e na Rede Municipal é de 6%).

Em uma análise pedagógica, referente às competências e habilidades desenvolvidas pelos


estudantes em cada Padrão de Desempenho, podemos notar que esse quadro evidencia
que uma parte expressiva dos estudantes, ao final da escolarização fundamental (9º ano),

2 A Escala de Matemática do Saeb varia de 0 a 500 pontos e apresenta-se subdividida em 13 níveis. Para facilitar
a interpretação, alguns níveis foram agrupados em três padrões: Baixo (até 225), Intermediário (entre 225 e 300)
e Recomendado (acima de 300).
Artigo 3
57

ainda não desenvolveu as habilidades esperadas para esta etapa de escolaridade. Assim,
considera-se a importância de aplicar investimentos e esforços para que todas as crianças
tenham acesso à educação de qualidade, sendo apoiadas no desenvolvimento de suas ha-
bilidades com um grau de complexidade maior.

Diante de constatações como esta, cabe a seguinte pergunta: o que fazer para modificar
esse resultado? Esta, certamente, não é uma pergunta simples ou fácil de ser respondida. No
entanto, as equipes pedagógicas das escolas (professores de Matemática, coordenações e
direção) podem encontrar caminhos possíveis para lidar com a questão. Experiências nesse
sentido já podem ser encontradas na literatura educacional e podem servir como ponto de
partida para a discussão das equipes nas escolas (BRASIL, 2010a; BRASIL, 2010b; UNICEF,
2010; BRASIL, 2005; APPLE e BEANE, 1997).

Na sequência, apresentamos algumas modificações gerais no currículo de Matemática e na


concepção de estudante e professor no processo de ensino e aprendizagem.

2. Concepções atuais sobre currículo


e ensino de Matemática

O currículo de Matemática do Ensino Fundamental tem sofrido constantes modificações


desde a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN/MEC) e dos documentos
sobre avaliações dos livros didáticos (PNLD/MEC). Segundo Ortigão e Sztajn (2001), algumas
modificações significativas podem ser notadas na matriz curricular, dentre elas a omissão
do conteúdo sobre “conjuntos” e a ampliação referente às áreas de ensino.

Além disso, percebemos que essas modificações no currículo, de abrangência internacional,


também partem das recomendações contidas na Agenda para a Ação3. Este documento tem
se mostrado base para as novas propostas curriculares e vem orientando algumas mudanças
no currículo de Matemática em diversos países, refletindo também na educação brasileira.
Este documento aborda, ainda, aspectos sociais, antropológicos e linguísticos. Deste modo,
não se valoriza apenas o ensino propedêutico, mas o desenvolvimento de habilidades e
competências escolares básicas relativas ao conteúdo de Matemática.

Segundo Carvalho e Sztajn (1997), a educação apresenta uma nova concepção: alguns con-
teúdos e conceitos básicos para disciplina foram ressignificados e os estudantes, nesta

3 Conselho Nacional de Professores de Matemática dos Estados Unidos (National Council of Teachers of Mathe-
matics, 1980).
Artigo 3

58

nova proposta, são levados a fazer observações de cunho qualitativo e quantitativo, além de
desenvolver potencialidades para selecionar, organizar e produzir informações significativas.

Deve ser notado, então, que este novo foco dado ao currículo de Matemática permite aos
estudantes desenvolver conhecimento para compreender e transformar a realidade. Sendo
assim, considera-se que, nesse processo de ensino e aprendizagem em Matemática, a in-
serção da metodologia e estratégias de resolução de problemas nas práticas escolares
desempenha um papel central. Trabalhar com a resolução de problemas significa modificar
a maneira como o professor atua na sala de aula e como o aluno desenvolve conceitos e
conhecimentos na área.

Para justificar todas essas mudanças e reformas referentes ao currículo, estudos em Edu-
cação Matemática apontam algumas justificativas de aspecto motivacional. Em diversos
países, bem como no Brasil, tem-se que essas mudanças vêm ocorrendo, desde a década
de 1980, pelos seguintes motivos:

1. acredita-se que, no ensino de Matemática, o desempenho alcançado pelos estudantes


é baixo;

2. reconhece-se que deve haver o desenvolvimento de habilidades matemáticas relativas


ao uso de suas ferramentas;

3. valoriza-se a aprendizagem coletiva e consideram-se os conhecimentos prévios e o


processo de construção do conhecimento dos estudantes.

O que tem sido proposto a partir dessas justificativas refere-se a um rompimento com a
visão tradicional, visão esta que está baseada na ideia de que a Matemática é uma ciência
neutra e acabada, a partir da qual seu ensino é conduzido à assimilação de um conjunto de
normas prescritivas e com um conteúdo autônomo. Portanto, o ensino de Matemática, na
perspectiva renovadora, caracteriza-se pela ressignificação dos conteúdos a serem ensinados
e pelos novos papéis desempenhados por estudantes e professores.

Em relação aos conteúdos, podemos notar que foram ampliados os ramos da Matemáti-
ca4 para: Tratamento da Informação, Medidas e Grandezas, além de Números e Álgebra, e
“Geometria. Consideramos que o foco e separação nesses quatro temas permite ressaltar
conceitos e conteúdos importantes para o desenvolvimento dos estudantes. Neste sentido,
Lopes (2004, p. 187) afirma que:

4 Variações podem ser percebidas nas organizações curriculares em outros países. No Brasil, por exemplo, o PCN
de Matemática considera quatro áreas: Números e Operações, Espaço e Forma, Medidas e Grandezas, e Tratamento
da Informação; nos EUA, a partir de 1996, as seguintes áreas são consideradas: Senso Numérico, Propriedades e
Operações, Medida, Geometria e Senso Espacial, Análise de Dados, Estatística e Probabilidade, e Álgebra e Funções.
Artigo 3
59

Hoje, vivemos em uma sociedade que nos exige uma enorme diversidade de informações. A todo
instante, nos deparamos com dados e fatos sendo comunicados. Muitos destes dados aparecem
na forma de tabelas ou de gráficos. Por isso, é tão importante, hoje em dia, saber ler e interpretar
as informações comunicadas por meio dos gráficos e das tabelas. Esta consciência tem levado
educadores matemáticos ao amplo consenso em torno da ideia necessária da literacia estatística
a qual pode ser entendida como a capacidade para interpretar argumentos estatísticos em textos
jornalísticos, notícias e informações de diferentes naturezas (LOPES, 2004, p.187).

Já em relação aos papéis desempenhados por professores e alunos, considera-se fundamental


para os estudantes a construção do conhecimento, a participação no trabalho em equipe e a
comunicação em sala de aula. Eles devem ser incentivados a adaptar-se a novas situações, a
reconhecer suas habilidades lógico-matemáticas e a empregá-las em situações-problema.
Por isso é fundamental que a Matemática seja apresentada como ciência aberta e dinâmica.

Os professores, neste contexto, assumem o papel de organizador da aprendizagem. Esses


profissionais são caracterizados como aqueles que têm o potencial de encorajar o estudante
a buscar soluções dos problemas propostos, que valorizam os processos de pensamento e
incentiva o estudante a comunicar-se matematicamente, envolvendo-o em tarefas ricas e
significativas do ponto de vista intelectual e social.

A escola, deste modo, como o espaço que recebe esses membros em diversos níveis cog-
nitivos, perde o sentido se continuar concentrada apenas em analisar se tem ocorrido a
transmissão de fatos e informações. Ela precisa, ao contrário disso, observar se são promo-
vidos momentos apropriados para o desenvolvimento das competências básicas tanto para
o exercício da cidadania quanto para o desempenho de atividades profissionais. A garantia
de que todos desenvolvam e ampliem suas capacidades é indispensável para se combater
a fragmentação da sociedade, que tem gerado desigualdades cada vez maiores.

Assim, considera-se, com base na reforma curricular, que uma das funções do ensino de
Matemática é formar indivíduos capazes de pensar, abstrair, criticar, avaliar, decidir, inovar,
planejar, fazer cálculos aproximados, usar o raciocínio matemático para compreensão do
mundo, dentre outros aspectos.

Na seção seguinte, valendo dessas contribuições, buscamos perceber de que forma as


modificações no currículo têm, de fato, influenciado o ensino da Matemática.
Artigo 3

60

3. Pesquisas acadêmicas sobre


ensino de Matemática

Os dados resultantes das avaliações realizadas no Brasil têm favorecido uma série de
investigações que buscam compreender os fatores associados à qualidade da educação
brasileira (FRANCO, SZTAJN e ORTIGÃO, 2007; FRANCO et al, 2007; ORTIGÃO, FRANCO e
CARVALHO, 2007; SOARES, 2005). Nesses estudos, parte-se do princípio de que as variáveis
relacionadas a características socioeconômicas dos estudantes devem ser tomadas como
controle (buscaremos comparar estudantes em iguais condições socioeconômicas) e a in-
vestigação, deste modo, toma como foco a compreensão das características escolares que
estão associadas à eficácia escolar.

Com base nas informações apresentadas pelo Saeb 2001, Franco, Sztajn e Ortigão (2007)
puderam mostrar que a ênfase na resolução de problemas permitiu que os estudantes
apresentassem melhores desempenhos nas avaliações de conteúdos matemáticos. Tais
evidências vão ao encontro das ideias defendidas por membros da comunidade de educa-
dores matemáticos, os quais ressaltam constantemente a importância e a centralidade dos
problemas nos processos de ensino e aprendizagem da Matemática.

No âmbito internacional, trabalhos com base na resolução de problemas também são res-
saltados por apresentarem resultados significativos no desenvolvimento cognitivo dos estu-
dantes. Um importante estudo conduzido por Ross et. al. (2002) consistiu em revisar alguns
estudos empíricos que relacionavam ensino e desempenho dos estudantes na disciplina
de Matemática. Os autores revisaram diversos periódicos da língua inglesa e selecionaram
as principais características que ressaltavam as propostas do ensino renovador. Nestes
documentos oficiais americanos, foram destacadas:

(a) ampliação do campo de conteúdos matemáticos a serem ensinados (necessidade de se dar


mais atenção aos aspectos comumente menos ensinados como, por exemplo, probabilidade, em
vez de focar exclusivamente números e operações);

(b) todos os estudantes precisam estar engajados em tarefas complexas de resolução de problemas
e ser encorajados a investigar e a transmitir ideias matemáticas em suas classes;

(c) os conhecimentos prévios dos estudantes devem ser valorizados, respeitados e ampliados;

(d) os estudantes precisam ser expostos a problemas envolvendo mais de uma solução e cuja
solução não seja imediata;
Artigo 3
61

(e) as classes devem ser organizadas de forma a encorajar a interação entre os estudantes;

(f) o professor tem um papel relevante no sentido de ajudar o estudante a desenvolver


sua autoconfiança.

(ROSS ET. AL., 2002, p.125).

Para Ross et al (2002) esta lista de características indicadas por pesquisadores em Educação
Matemática apontam direções para o desenvolvimento e a prática do ensino renovador.
Assim, com base em dois estudos qualitativos realizados anteriormente, Ross et al (op.
cit.) buscam apresentar uma comparação entre a didática tradicional e o ensino renovador,
como vemos a seguir.

O primeiro estudo trata do acompanhamento de uma professora por um período de quatro


anos. Orientado por Fenema e Franke (1992), este estudo longitudinal teve como objetivo
verificar como uma professora auxiliava seus alunos no desenvolvimento de conceitos ma-
temáticos, aplicando estratégias de resolução de problemas com base em situações do dia
a dia. Após este longo estudo, as pesquisadoras puderam notar que um professor conseguia
alcançar resultados mais relevantes no desenvolvimento dos seus alunos quando mostrava
ter domínio do conteúdo e compreendia o pensamento matemático dos estudantes.

Deste modo, quando um professor traz essa percepção dos estudantes e do conteúdo para as
suas aulas, esses estudantes conseguem resolver problemas mais complexos que aqueles
que estão no mesmo nível escolar (série/ano de escolaridade). Eles também apresentam
potencial para usar estratégias de alto nível nas atividades, adaptar seus procedimentos
para resolver os problemas propostos e descrever, com facilidade, os procedimentos que
usaram para resolver os problemas. Quando colocados frente a obstáculos cognitivos, eles
demonstram, ainda, ter segurança e coragem para resolver os problemas propostos, além
de apresentarem motivação e prazer (entre outros sentimentos de afetividade) no desen-
volvimento do conteúdo.

O segundo estudo citado por Ross, Mcdougall e Hogoboam-Gray (2002) também se refere a
um estudo longitudinal, desta vez conduzido por um período de três anos em duas escolas
do Reino Unido: Phoenix e Amber Hill (Boaler, 1993, 1994, 1997 e 1998). Os estudantes se-
lecionados para esta pesquisa, nas duas escolas, apresentavam idades entre 12 e 16 anos
e um mesmo perfil socioeconômico. Entretanto, o que diferenciava os dois grupos de alunos
nessa pesquisa eram os estilos de aula praticados nessas escolas. Cada escola utilizava
metodologias e práticas pedagógicas bastante diferentes.

Uma das escolas pesquisadas – Phoenix – apresentava características que se aproximavam


das ideias da reforma escolar, isto é, em pequenos grupos, os estudantes trabalhavam pro-
jetos com duração de três semanas relacionados à metodologia de resolução de problemas.
Artigo 3

62

Estes alunos tinham o hábito de sanar as dúvidas fazendo perguntas à professora e em


conversa com os colegas de classe. Boaler pôde notar o quanto estas conversas facilitavam
a construção de conceitos pelos estudantes, permitindo um avanço significativo no desen-
volvimento de habilidades e competências.

Na outra escola, Amber Hill, entretanto, essa prática pedagógica explicitada em Phoenix não
era aplicada. Lá, o currículo enfatizava a aplicação de regras e procedimentos e a resolução
de problemas típicos, para os quais o aluno devia encontrar uma resposta padrão.

Aplicado um conjunto de atividades previamente desenvolvidas para os estudantes dessas


duas escolas e coletados os resultados, pode-se notar que, ao serem expostos a proble-
mas de resposta aberta, os estudantes de Phoenix tiveram melhores resultados do que os
estudantes da outra escola. Boaler (1993, 1994, 1997 e 1998) observou, também, que os
estudantes de Phoenix tiveram mais facilidade em lidar com problemas, pois foram capazes
de selecionar uma abordagem adequada nas resoluções e adaptar-se a novas situações para
resolver outros. Os estudantes de Amber Hill, ao contrário, não foram capazes de aplicar
seus conhecimentos aos problemas propostos.

A pesquisadora concluiu, então, que, em Phoenix, os estudantes aprendiam a usar seus


conhecimentos (não eram influenciados pelos contextos diversos presentes nos problemas)
e tendiam a usar métodos intuitivos em cada resolução. Boaler observou, ainda, que as atitu-
des dos estudantes de Phoenix em relação à Matemática eram mais consistentes do que as
atitudes observadas nos estudantes de Amber Hill. Já em Amber Hill, a pesquisadora pôde
concluir que os estudantes ficaram presos a métodos tradicionais (escolares) e não foram
capazes de associar conhecimentos na resolução satisfatória do problema apresentado,
sendo, frequentemente, influenciados por distratores contextuais.

Além desses estudos qualitativos, percebe-se que estudos quantitativos em Educação Ma-
temática também apresentam resultados semelhantes ao de Boaler (1993, 1994, 1997 e
1998) e Fennema e Franke (1992). Nos trabalhos de Silver e Stein (1996) e Schoen, Fey
& Coxford (1999), por exemplo, foram observados resultados significativos nas salas de
aula em que os estudantes foram envolvidos em atividades matemáticas que enfatizavam
resolução de problemas. Esses pesquisadores puderam notar que a valorização de temas
relativos à interpretação de gráficos e tabelas também tem impacto positivo nos resultados
dos estudantes.

Ainda que sejam apresentados os resultados alcançados e as intervenções de pesquisadores


nacionais ou internacionais, compreendemos, entretanto, que modificar o processo de ensino
e aprendizagem não se mostra uma tarefa simples. Em geral, professores modificam algumas
atividades, mas mantêm práticas tradicionais de exposição e abordagem dos conteúdos.
Algumas vezes, adotam práticas que conduzem os estudantes à resolução de problemas,
mas não possibilitam que eles discutam e confrontem suas soluções. Em outros casos, os
Artigo 3
63

professores se sentem menos eficazes em trabalhar com a agenda da reforma, pois acre-
ditam que seus alunos aprendem mais com o ensino tradicional. Há, por fim, professores
que acreditam que os alunos que pertencem a famílias menos abastadas, não necessitam
de conhecimentos considerados “sofisticados”. (CARVALHO e SZTAJN, 1997).

Na sequência do texto, buscamos problematizar este debate a partir dos resultados de uma
escola em nosso país. Para isto, tomamos como referência os resultados de uma escola que
participou do Sistema de Avaliação do Estado de Minas Gerais (Simave), no ano de 2011.

4. Olhando a avaliação e
pensando na sala de aula

Como abordamos no início deste texto, o Brasil busca, atualmente, estratégias que permitam
elevar a qualidade do ensino ofertado pelo seu sistema escolar. Podemos perceber diversos
sistemas de avaliação do desempenho educacional que foram implementados no país, seja
em nível nacional, como o Saeb, ou nível estadual e municipal, tais como: Simave; Sistema de
Avaliação Educacional de Pernambuco (Saepe); Sistema de Avaliação Educacional do Estado
de Goiás (Saego); Sistema de Avaliação do Desempenho Educacional do Amazonas (Sadeam);
e Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul (Saers), dentre outros.

Acreditamos que os estudantes não são contemplados apenas com os resultados dos testes
e dos questionários respondidos por eles, mas, principalmente, por meio do conhecimento,
compreensão e utilização dos resultados dessas avaliações pelos professores, coordena-
dores, gestores e comunidade escolar. Por isso, neste tópico, com base nos sistemas de
avaliação, focamos nossas observações no modo como os resultados dos estudantes têm
chegado até os professores.

Percebemos que é comum os sistemas de avaliação disponibilizarem uma Revista Peda-


gógica (ou Boletim Pedagógico) para as escolas. No Simave, por exemplo, por meio dessa
revista, o professor tem conhecimento de várias informações, como: o número de estudan-
tes estimados para a avaliação e os que efetivamente participaram dela; as proficiências
médias dos estudantes; a evolução do desempenho segundo o percentual de estudantes
por Padrão de Desempenho; e a distribuição percentual por Padrão de Desempenho e pelos
níveis da Escala utilizada. Durante a leitura desses dados, várias dúvidas e questionamentos
podem surgir e, deste modo, o primeiro desafio que se coloca é o de ler e compreender as
informações ali contidas para que sejam tomadas, por exemplo, medidas e ações na sala de
Artigo 3

64

aula e na escola. Buscando suprir essas dificuldades de contato inicial com os resultados
das avaliações, procuramos, na sequência, abordar algumas dessas informações.

O primeiro aspecto a ser considerado refere-se aos resultados dos estudantes. É importante
que o professor saiba que a compreensão destes, passa, necessariamente, pela compreensão
da Escala de Desempenho de Matemática, construída com base na Teoria da Resposta ao
Item (TRI).

Desde 1995 o Saeb utiliza a Teoria da Resposta ao Item (TRI) para obter as Escalas de Profici-
ências (também chamadas de Escala de Desempenho) dos estudantes avaliados. As Escalas de
Proficiências ordenam o desempenho dos estudantes do menor para o maior em um continuum e
elas são cumulativas. Ou seja, o que os estudantes sabem, compreendem e são capazes de fazer
quando seu desempenho situa-se em um nível da Escala, são capazes também de demonstrar
as habilidades descritas no(s) nível(eis) anterior(es) dessa Escala. (FONTANIVE, ELIOT e KLEIN,
2007, grifos nossos).

É importante ter clareza de que toda escala é o resultado de uma construção humana. E
mais, de forma análoga ao que ocorre com a escala de temperatura corporal medida pelo
termômetro, as escalas usadas nas avaliações educacionais também atribuem valores nu-
méricos ao desempenho dos estudantes, posicionando-os de acordo com suas habilidades
nos testes. Na análise de uma escala, temos que considerar dois aspectos importantes:
cumulatividade e ordenamento.

A cumulatividade e o sentido da ordenação de Escala de Proficiência são conceitos que também


podem ser ilustrados com os níveis da temperatura, pois se uma pessoa tem uma temperatura
corporal medida em 38 graus, significa que sua temperatura saiu dos níveis de aproximadamente
36.5 graus e chegou ao valor medido. A Escala de Proficiências do Saeb (ou de outras avaliações
de desempenho de estudantes que utilizam a TRI) também apresenta valores numéricos para
ordenar o desempenho dos estudantes e quanto maior o ponto da Escala, melhor o desempenho.
(FONTANIVE, ELIOT e KLEIN, 2007)

Deste modo, tomando como exemplo a avaliação desenvolvida pelo Simave 2011, apresen-
tamos uma representação dos resultados de Matemática no 9º ano do Ensino Fundamental
de uma escola participante do programa, que não será identificada.

Figura 1 • Resultados de uma escola na avaliação


do Simave 2011 (Simave/Proeb, 2011).
Artigo 3
65

A Figura 1 evidencia que a escola em questão (resultado alocado na casa representada)


apresenta proficiência média em Matemática de 280,66 pontos, acima, portanto, da média
das escolas estaduais situadas no município, que foi de 264,73 pontos (resultado alocado no
segundo retângulo representado). Esta unidade escolar situa-se, portanto, acima da média
geral do conjunto de escolas dessa rede. Mas o que este número significa? O que sabem
esses estudantes? Ou melhor, que habilidades eles já desenvolveram?

Primeiramente, é importante saber que a Escala utilizada para aferir esse tipo de média não
varia no intervalo que estamos acostumados a lidar, ou seja, de zero a 10 ou de zero a 100.
No Brasil, as Escalas de Proficiência das avaliações – elementos dos sistemas próprios de
avaliação aplicados por estados e municípios – em geral, são compatíveis com a Escala do
Saeb e variam no intervalo de zero a 500. O segundo ponto a ser destacado é que o aspecto
mais importante da compreensão da Escala de Desempenho refere-se ao entendimento
acerca dos significados dos números da Escala, ou seja, a sua interpretação pedagógica. O
Quadro 2 apresenta uma síntese da interpretação da Escala de Matemática para os estudan-
tes do 9º ano do Ensino Fundamental. Os Padrões de Desempenho (Baixo, Intermediário e
Recomendado) representam um agrupamento dos níveis da Escala de Matemática em três
estágios de desenvolvimento cognitivo.

Quadro 2 • Interpretação pedagógica da escala de Matemática (9o ano


do EF) do Saeb, de acordo com os níveis de proficiência estabelecidos
Padrão de Desempenho
(Nível de proficiência)
Interpretação pedagógica da Escala de Matemática

Os estudantes que apresentam esse Padrão de Desempenho revelam ter desenvolvido competências e habilidades muito aquém
do que seria esperado para o período de escolarização em que se encontram, portanto necessitam de uma intervenção localizada
de modo a progredir com sucesso em seu processo de escolarização. Esses estudantes, ao final do 9º ano do Ensino Fundamental,
Baixo
(até 225)
conseguem, apenas, resolver problema de subtração de números racionais escritos na forma decimal com o mesmo número de
casas decimais; efetuar multiplicação com reserva, tendo por multiplicador um número com um algarismo; resolver problemas
relacionando diferentes unidades de uma mesma medida para cálculos de intervalos (dias e semanas, horas e minutos) e de com-
primento (m e cm) e localizar dados em uma lista de alternativas, utilizando-os na resolução de problemas.
Os estudantes que apresentam esse Padrão de Desempenho demonstram já ter começado um processo de sistematização e domínio
das habilidades consideradas básicas e essenciais ao período de escolarização em que se encontram, contudo, também para esse
grupo de estudantes, é importante o investimento de esforços para que possam desenvolver habilidades que envolvam a resolução
Intermediário de problemas com um grau de complexidade um pouco maior. No fim do 9º ano do Ensino Fundamental, além das habilidades
(Entre 225 e 300) apresentadas no Padrão de Desempenho anterior, esses estudantes conseguem localizar dados em tabela de múltiplas entradas; re-
solver problema de contagem em uma disposição retangular envolvendo mais de uma operação; reconhecer e aplicar, em situações
simples, o conceito de porcentagem; localizar pontos no plano cartesiano; identificar equações e sistemas de equações de primeiro
grau que permitem resolver problemas.
Os estudantes que apresentam esse Padrão de Desempenho demonstram ter ampliado o leque de habilidades tanto no que diz
respeito à quantidade quanto no que se refere à complexidade dessas habilidades, as quais exigem um maior refinamento dos
processos cognitivos nelas envolvidos. Além das habilidades apresentadas no Padrão de Desempenho anterior, ao final do 9º ano do
Recomendado Ensino Fundamental, esses estudantes, por exemplo, calculam o volume de sólidos a partir da medida de suas arestas; solucionam
(Acima de 300) problemas envolvendo o cálculo de grandezas diretamente proporcionais e a soma de números inteiros; reconhecem as diferentes
representações decimais de um número fracionário; identificam propriedades comuns e diferenças entre figuras bidimensionais e
tridimensionais, relacionando as últimas às suas planificações; resolvem problemas utilizando propriedades de triângulos e quadri-
láteros e efetuam uma adição de fração com denominadores diferentes.

Fonte: CAEd/Proeb 2010 Boletim Pedagógico da Escola, v.3.


Artigo 3

66

A análise conjunta da Figura 1 e do Quadro 2 permite inferir que, em média, os estudantes da


escola, exemplo dado anteriormente, por apresentarem uma proficiência média de 280,66,
estão alocados no Padrão de Desempenho Intermediário. Estes estudantes, em média, de-
senvolveram habilidades matemáticas referentes à capacidade de localizar dados em tabela
de múltiplas entradas, resolver problemas de contagem em uma disposição retangular
envolvendo mais de uma operação, reconhecer e aplicar, em situações simples, o conceito
de porcentagem, localizar pontos no plano cartesiano, bem como identificar equações e
sistemas de equações de primeiro grau que permitam resolver problemas.

Outro aspecto importante que podemos ressaltar, a ser considerado durante a leitura dos
dados disponibilizados na Revista Pedagógica, é o percentual de participação de estudantes
previstos e efetivos. Entretanto, neste texto não analisaremos esses dados de participação,
tomando como foco apenas o resultado que apresenta habilidades e competências desen-
volvidas pelos estudantes que realizaram a avaliação.

Portanto, passamos a análise da distribuição dos estudantes ao longo dos níveis da Escala,
como mostra a figura a seguir (Figura 2):

Figura 2 • Distribuição percentual de estudantes de uma


escola, segundo nível de Proficiência na Escala - Matemática,
9º ano do Ensino Fundamental (Simave/Proeb, 2011)

A figura 2 evidencia que nesta escola, 11,71% dos estudantes alcançaram uma proficiência
referente ao Padrão de Desempenho Baixo. Esses estudantes, por exemplo, desenvolveram
habilidades matemáticas que são consideradas elementares para esta série e o desafio
que se apresenta é o de viabilizar condições para que esses estudantes possam vencer as
próximas etapas escolares. No Padrão Intermediário foram alocados 55,12% dos estudantes,
demonstrando que eles ampliaram o leque de habilidades relativas ao campo numérico e
começaram a desenvolver habilidades relativas ao campo algébrico além de dominarem as
habilidades do Padrão anterior. Deste resultado, apenas 33,17% dos estudantes encontram-
-se no Padrão de Desempenho Recomendado em Matemática, esses estudantes utilizam o
Artigo 3
67

raciocínio matemático de forma mais complexa, ou seja, resolvem problemas envolvendo


teoremas e relações entre objetos matemáticos.

Como podemos notar, a construção do conhecimento dos estudantes dessa escola não
acontece de modo homogêneo, ou seja, os estudantes desenvolvem habilidades em graus de
complexidade diferentes. Cabe questionar-se: o que se pode fazer para mudar esse quadro?
Certamente, que esta não é uma pergunta simples, nem de resposta única. Ao contrário, há
várias formas de respondê-la. Acreditamos que, coletivamente, professores podem encontrar
possíveis caminhos. Para isso, é necessária a criação, na escola, de espaços que envolvam
professores em discussões e reflexões acerca da avaliação e do trabalho escolar, em especial,
o ensino e a aprendizagem da Matemática.

Sendo assim, propomos para a última seção do texto, a apresentação e a discussão pedagógica
de algumas habilidades presentes nas Matrizes de avaliação. Para tratar dessas habilida-
des, optamos por explicitar determinados itens de domínio público5, que foram usados em
avaliações conduzidas pelo Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd) e
trazem de modo prático os instrumentos utilizados na avaliação.

5. Suporte para a reflexão:


três exemplos de itens

O objetivo deste tópico é contribuir com possíveis reflexões sobre o ensino da Matemática
ao final do Ensino Fundamental, em especial no que diz respeito ao trabalho com problemas
envolvendo equações e sistema de equações de 1º grau. Apresentaremos três itens, que são
exemplos de como habilidades do tema Número e Operações podem ser avaliadas, e que
trazem informações complementares sobre seu possível desenvolvimento pelos estudan-
tes, além de ressaltarem habilidades específicas que deveriam ser desenvolvidas por eles.
Apresentamos também o gabarito e os resultados alcançados na aplicação desses itens nos
testes de determinados sistemas de avaliação.

Considerando o primeiro exemplo (Figura 3):

5 Itens que compuseram um teste e foram disponibilizados para conhecimento e consulta por qualquer indivíduo.
Artigo 3

68

Figura 3 • Exemplo de item de Matemática – Avalia BH, 2010

Esse item tem por objetivo avaliar se o estudante consegue identificar uma equação do 1º
grau que modela a situação descrita em um problema. O estudante deve perceber que, se
x é o total de figurinhas compradas, após a retirada de 20 figurinhas, tem-se: x – 20. Em
seguida, deve perceber que estas (x-20) figurinhas serão distribuídas entre sete pessoas (duas
filhas e cinco sobrinhas), cabendo a cada uma oito figurinhas. Então a equação adequada
aos dados do problema é (x – 20) / 7 = 8, e a resposta é a alternativa C.

Trata-se de um problema algébrico, e que teve um percentual de acerto de pouco mais de


50% nas avaliações do Sistema de Avaliação da Educação Fundamental das Escolas da
Prefeitura de Belo Horizonte (Avalia BH) em 2010. Tal resultado nos permite supor que, ao
final do Ensino Fundamental, pouco mais da metade dos estudantes dominam a habilidade
avaliada, no grau de complexidade aferido pelo item.

Em seguida, observe um segundo item (Figura 4), apresentado abaixo:

Figura 4 • Exemplo de item de Matemática – Seape, 2010


Artigo 3
69

Esse item tem por objetivo avaliar a habilidade de o estudante identificar um sistema de
equações do 1º grau que modela uma situação problema. Embora este item também se situe
no campo algébrico, sua solução apresentou um nível de dificuldade bem mais acentuado
que o do exemplo anterior. O índice de acerto deste item foi de, aproximadamente, 34% nas
avaliações do Sistema Estadual de Avaliação da Aprendizagem Escolar (Seape) no ano de
2010, ou seja, um terço dos estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental que participaram
da avaliação conduzida pelo Seape 2010 demonstrou domínio em lidar com sistemas de
equações de 1º grau. Em especial, este item solicita ao estudante que o problema a partir
das informações dadas no enunciado e da pré-fixação dos valores “x” e “y” (x, o número de
questões verdadeiras, é maior que y, o número de questões falsas).

O terceiro item (Figura 5) que apresentamos também está situado no campo algébrico, pois
avalia a capacidade de o estudante resolver uma situação-problema envolvendo sistema de
duas equações de 1º grau. Diferentemente dos exemplos anteriores, esse item não solicita
a identificação do sistema adequado, mas exige que o estudante resolva o problema para
encontrar o valor de uma das fichas (a ficha vermelha), como pode ser verificado na imagem
a seguir.

Figura 5 • Exemplo de item de Matemática – Saerj, 2010

Esse item apresentou um nível de dificuldade bastante acentuado, com um percentual de


acerto de 27,4% na avaliação do Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de
Janeiro (Saerj) no ano de 2010, o que significa que menos de 30% desses estudantes ava-
liados acertaram o item, que permite inferir se os estudantes são capazes de organizar os
dados, equacionando-os no seguinte sistema:

Considerando que: ficha amarela = a e ficha vermelha = v, temos:

10a + 10v = 50 reais e 6a + 8v = 36 reais

Logo,

10a + 10v = 50
Artigo 3

70

6a + 8v = 36

Resolvendo o sistema, temos que: v = 3 e a = 2.

Então: cada ficha vermelha custou R$3,00 (Alternativa C).

De modo geral, podemos constatar que os estudantes, ao final do Ensino Fundamental, não
estão preparados para lidar com problemas desta natureza e têm dificuldades em equacioná-
-los. Esta dificuldade tem sido apontada na literatura da área, como aponta Ribeiro (2001),
que observou um baixo desempenho dos estudantes quando trabalham com questões que
envolvem a ideia de equação.

6. Considerações finais

Os resultados das avaliações de desempenho escolar apresentam um panorama sobre o de-


senvolvimento cognitivo dos estudantes no decorrer do processo educacional, isto é, por meio
da proficiência alcançada no teste, podemos explicitar algumas habilidades e competências
desenvolvidas pelos estudantes em uma dada etapa de escolaridade e disciplina avaliada.

Os dados apresentados nesse processo permitem conhecer os resultados alcançados e


compará-los às metas propostas para a educação dos estudantes. Deste modo, possibilita-se
o direcionamento de políticas públicas aplicadas à educação permitindo que ações peda-
gógicas sejam desenvolvidas e aplicadas com o intuito de melhorar a qualidade de ensino.

Neste texto, direcionado para os conteúdos desenvolvidos pelos estudantes em sua trajetória
escolar, foram apresentadas informações tais como: currículo e suas mudanças na atualida-
de; propostas didáticas e resultados encontrados; proficiência dos estudantes e Padrões de
Desempenho com base em um determinado exemplo; itens e suas possíveis interpretações
pedagógicas. Esperamos que, com esse contato, o leitor tenha a possibilidade de iniciar ou
desenvolver seu olhar sobre os resultados das avaliações e possa melhorar a sua atuação
profissional no meio educacional.

Consideramos necessário que as informações apresentadas – desde o currículo até à pro-


ficiência dos estudantes – sejam relacionadas a outros fatores, tais como fatores sociais,
culturais e econômicos, uma vez que essa rede de fatores influencia, direta ou indiretamente,
os resultados alcançados pelos alunos no sistema escolar.
Artigo 3
71

No entanto, sabemos que as modificações no ensino são difíceis e não ocorrem num curto
espaço de tempo, Tendo, porém, um olhar positivo para os docentes e o ensino – seja de
Matemática, Língua Portuguesa ou outras áreas – acreditamos na possibilidade de uma
educação pública de qualidade em que todos estejam aprendendo e sejam aprovados na
etapa de escolaridade que estão sendo submetidos.
Artigo 3

72

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76

aRTIGO 4

AVALIAÇÃO EM LÍNGUA
PORTUGUESA E A FORMAÇÃO
DO LEITOR PROFICIENTE
Artigo 4
77

introdução

Ângela Kleiman, em 1989, enfatizou que pre- escrita, mas com uma diversidade de mídias,
cisávamos repensar o ensino de leitura. Com levando em conta sua cultura, sua identidade,
a formação precária do professor e com o seus desejos, situado num mundo cheio de
desconhecimento dos resultados de pesqui- contradições. Nesse sentido, a escola precisa
sa na área, tínhamos, como consequência, alargar o “letramento da letra”, que envolve
alunos egressos da escola sem saber ler. a palavra escrita; indo além, deve considerar
as ações de linguagem com outros sistemas
Em vários pontos, de lá pra cá, já avança- semióticos, enfocando, desse modo, diferentes
mos. Um deles diz respeito ao investimento níveis e tipos de habilidades. Dessa forma, evo-
em avaliação da Educação e ao acesso aos camos os “letramentos múltiplos” os quais
resultados dos testes de Língua Portuguesa, abarcam variadas mídias que comportam
que se centram na proficiência em leitura. manifestações significativas multissemióticas
e híbridas para sua inserção na vida cidadã,
O sentido desejado para a avaliação – não com respeito à diversidade, ao ser humano. O
somente em leitura – não está situado na aluno precisa se tornar um leitor proficiente
valoração, mas, sim, no objetivo de identifi- não para se adaptar à sociedade, mas para,
car e analisar competências desenvolvidas sim, entendê-la, lidar com situações adversas
e habilidades alcançadas e, assim, traçar e agir de forma consciente. O aluno deve convi-
metas para ações escolares. A tarefa da ver na escola como espaço de sistematização
transformação educativa incide nas práticas, de conhecimento, de circulação de cultura e
nos agentes e nas estruturas educacionais. ciência, confrontando-se com práticas de
linguagem que o levem a entender o mundo.
No tocante ao ensino de Língua Portuguesa,
concebendo a língua na sua dimensão social e O aprendizado da Língua Portuguesa, então,
interacional, consideramos a criança e o adoles- está centrado numa concepção discursiva:
cente, que interagem pela língua, como sujeitos o letramento só é possível por meio da in-
históricos e socialmente situados. Sendo assim, teração entre as pessoas, que leva a práti-
a língua é um instrumento de socialização e cas orais e escritas com gêneros textuais
cidadania, pois é por meio dela que o sujeito diversos, escolares e extraescolares. Como
se forma cidadão, vive, pensa, estuda, trabalha, consequência dessa postura, é de extrema
convive, se emociona... A partir dessas ideias, importância levar em conta o aspecto inte-
conseguimos definir os objetivos para os quais racional da atividade de leitura. Devemos
estamos tornando o aluno um leitor proficiente. tomar como pressuposto que nós, quando
lemos e compreendemos, somos ativos
Numa sociedade contemporânea, imersa em nesse processo. Mas o que é ler e como
tecnologia, esperamos que a escola seja capaz compreendemos um texto?
de levar o aluno a práticas de linguagem para
que ele saiba lidar não apenas com a palavra
Artigo 4

78

1. O que é ler e compreender um texto?

Ler e compreender, ao contrário do que se imagina no senso comum, não é apenas passar os
olhos pelas páginas. Ler, no sentido amplo, significa construir sentido. Quando construímos
sentido para o que lemos, então compreendemos.

Por isso, ler é uma atividade complexa, já que o sentido não está nas palavras e frases, ou
seja, o sentido não está dado no texto. Para além disso, ler e compreender só é possível
quando nós, leitores, relacionamos as informações dadas aos nossos conhecimentos já
armazenados, fruto de nossa vivência social, cultural, afetiva, dentre outras, ou seja, fruto
da nossa interação com o mundo. Sendo assim, ler é uma atividade cognitiva, pois, quando
lemos, executamos operações mentais que vão além da decodificação.

Vejamos o exemplo a seguir:

Figura 6 •

Fonte: CAEd/UFJF – Banco de Itens.

Para compreendermos esse texto, precisamos associar várias informações, ou seja, ter uma
postura de leitores ativos, que mobilizam conhecimentos para construir o sentido.
Artigo 4
79

Quando passamos os olhos pelo texto, percebemos as pistas que nos conduzem ao seu
sentido. A leitura desse texto passa pela conjugação de todas as informações apresentadas
no suporte, bem como pelos conhecimentos prévios que cada leitor carrega consigo. Com
as informações apresentadas pelo texto verbal, é possível entender que esse texto publici-
tário – caracterizado pelo uso de imagem expressiva, que induz à leitura, e pelo emprego de
frases de efeito, reforçadas pela forma verbal “mostre” no modo imperativo, elementos que
tentam levar o leitor a agir de determinada maneira – dirige-se aos filhos que pretendem
homenagear, agradar, presentear as mães em seu dia, já que os interlocutores envolvidos
nessa dimensão comunicativa, mãe e filho, estão delimitados nesse texto e no contexto de
produção dessa propaganda, explícito em destaque na margem esquerda do quadro “Dia
das mães”.

A inversão de papéis proposta pela propaganda “Sua mãe vira criança” é corroborada pela
palavra no diminutivo “presentinhos”, bem como pela imagem, central e em primeiro plano,
de um bebê, usando acessórios normalmente utilizados pelas mulheres/mães: colares,
óculos escuros, sapato de salto, bolsa. Essa é a “tradução imagética” da proposição da
frase, a qual, por outro lado, elimina algumas hipóteses formuladas pelo leitor, como, por
exemplo, de que a criança poderia estar brincando com os apetrechos da mãe: uma cena
doméstica, até mesmo comum.

Contudo, os elementos do texto verbal, como as frases apelativas “Quer ver sua mãe rir,
pular, vibrar? Mostre que você é o melhor filho do mundo”, típicas de um texto publicitário,
caracterizam o próprio gênero textual que tem por objetivo comunicativo levar o interlocu-
tor a agir de determinada maneira, segundo a intenção do anunciante, que, nesse caso, é
estimular as vendas no dia das mães.

A seguir, são apresentadas as alternativas de resposta desse item que apontam os possíveis
percursos cognitivos elaborados pelos estudantes que o responderam.

A alternativa A pode revelar que os estudantes não exploraram os recursos verbais e não
verbais desse texto e foram guiados por seus conhecimentos prévios extratextuais, reflexo
de uma imaturidade da capacidade leitora, por acionar os mecanismos mais superficiais
para a produção de sentido. Os estudantes que assinalaram a opção B conseguiram conjugar
o texto verbal e a imagem da criança, produzindo o sentido desejado pelo anunciante. Eles
demonstraram que conseguem encontrar, na associação das informações textuais, sentidos
mais profundos para o texto, possíveis apenas com a mobilização dos três saberes: prévio,
textual e linguístico.

Aqueles que fizeram sua opção pela alternativa C, possivelmente, apresentaram problemas
com a interpretação do texto verbal, não percebendo a informação explícita “Sua mãe vira
criança”, mas se detiveram na última informação “Mostre que você é o melhor filho do mundo”.
Artigo 4

80

Esses estudantes ainda demonstram dificuldades na conjugação de informações presentes


na superfície textual e, por isso, não conseguem produzir sentido para além do texto.

A opção pela letra D pode demonstrar que os estudantes focaram na imagem da criança
com os acessórios e na última frase do texto publicitário, em que o papel do filho é colocado
em evidência. No entanto, desconsideraram o contexto de produção textual, o dia das mães.

Efetuando o percurso cognitivo adequado, compreendemos o texto como um todo. De fato,


houve compreensão, ou seja, lemos e compreendemos o texto não apenas na sua dimensão
linguística (palavras e frases), mas na sua dimensão discursiva (os interlocutores, o meio
de circulação e o objetivo do texto). Em qualquer texto, é esse o movimento que realizamos:
associar o que o texto traz na sua superfície ao que já temos de conhecimento acumulado.
Essa associação é que produz o sentido. Por isso, Koch e Elias (2006, p. 10) afirmaram que
a leitura é uma interação entre autor-texto-leitor.

Agimos dessa forma na leitura de qualquer texto, sejam eles verbais ou não verbais. Sempre
que lemos com compreensão, estamos associando informações dadas na superfície do texto
a informações que já trazemos armazenadas oriundas das interações sociais: conhecemos
ditados populares, palavras e frases, músicas e poemas, enfim, diversos tipos de textos;
estamos ligados a informações do cotidiano e conhecemos ações típicas realizadas no dia
a dia, como pegar um ônibus, abrir a porta, encontrar com pessoas no elevador, pedir uma
bebida num bar, chegar atrasado a uma palestra. Enfim, uma infinidade de conhecimentos
e vivências sociais, culturais, interpessoais que vai sendo acumulada na nossa memória,
a qual será ativada quando lemos os textos. Por isso, alguns autores, apropriadamente,
estabelecem uma metáfora para o texto: a metáfora do iceberg. Como sabemos, um iceberg
tem na superfície da água apenas uma pequena porcentagem de seu corpo, ficando imersa
uma grande quantidade de massa de gelo, conforme podemos ver no esquema a seguir.

Podemos dizer que a parte de cima


representa o texto, ou seja, as infor-
mações “dadas”.

A parte “submersa” representa todo o


conhecimento prévio que temos acu-
mulado em nossa memória.
Artigo 4
81

A compreensão é fruto das relações que estabelecemos entre as duas partes: a que emerge
da superfície e a submersa:

Informação dada
no texto

+ COMPREENSÃO

Informação não
dada no texto

Daí dizer que é importante a escola ampliar o conhecimento do aluno, para que ele possa
ter cada vez mais possibilidades de compreensão de textos diversos e, como consequência,
do mundo que o cerca.

O entendimento sobre os aspectos cognitivos e interacionais da leitura permite que o profes-


sor atue em sala de aula no sentido de desenvolver, em seus alunos, habilidades de caráter
inferencial, e não meramente de identificação de informações. Assim, a escola, ao focalizar
os aspectos discursivos do texto, propicia ao aluno uma relação direta com a sociedade.

É necessário, para isso, que o trabalho escolar com a língua materna relacione o conheci-
mento discursivo, textual e linguístico, associando-os às atividades de compreensão. Nesse
sentido, deve-se dar ênfase ao letramento do professor, que também deve ampliar seu
conhecimento geral e específico da área de conhecimento na qual atua. Ademais, é funda-
mental que saibamos, com clareza, as estratégias necessárias para ensinar a ler, das quais
trataremos na seção 3.

2. Comentando alguns dados

A organização e implementação de sistemas padronizados de avaliação, embora seja um


fenômeno relativamente novo no país, é uma realidade no panorama educacional brasileiro.
Esse processo teve início na década de 1990 e, em pouco menos de uma década e meia,
conforme nos apontam Franco, Brooke e Alves (2008), “criou um conjunto sofisticado de
Artigo 4

82

instrumentos para a avaliação do desempenho de alunos em todos os níveis de ensino.”


Tanto em âmbito nacional, com o Sistema de Avaliação da Educação Básica – Saeb, composto
pela Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e pela Prova Brasil (Anresc − Avaliação
Nacional do Rendimento Escolar)1, quanto nos programas estaduais de avaliação educacional,
passou-se a utilizar, a partir de 1995, a Teoria da Resposta ao Item (TRI), um modelo estatístico
que permite a comparabilidade entre ciclos de avaliação e entre os períodos de escolaridade
avaliados, bem como a construção de uma Escala de Proficiência de desempenho.

Com a expansão dos sistemas de avaliação, os resultados dos testes realizados para inves-
tigar todo o sistema podem ser direcionados, também, para a resolução dos problemas, a
superação de dificuldades e o fortalecimento de ações positivas em cada unidade escolar,
visando à construção de uma escola em que os “alunos possam progredir independentemente
de suas características ao serem admitidos” (Mortimore, In: Brooke e Soares: 2008, p.343).

Contudo, desde a implementação do Saeb, os resultados mostram, em todas as etapas


de escolarização avaliadas, um baixo desempenho em leitura. Destacamos a evolução do
desempenho no Saeb/Prova Brasil dos alunos da 8ª série / 9º ano do Ensino Fundamental
(EF), apresentado no gráfico a seguir.

1 O Sistema de Avaliação da Educação Básica é composto por duas avaliações complementares.

A primeira, denominada Aneb – Avaliação Nacional da Educação Básica, abrange de maneira amostral os estudantes
das redes públicas e privadas do país, localizados na área rural e urbana e matriculados no 5º e 9º anos do Ensino
Fundamental e também no 3º ano do Ensino Médio. Nesses estratos, os resultados são apresentados para cada
Unidade da Federação, Região e para o Brasil como um todo.

A segunda, denominada Anresc - Avaliação Nacional do Rendimento Escolar, é aplicada censitariamente alunos de
5º e 9º anos do Ensino Fundamental público, nas redes estaduais, municipais e federais, de área rural e urbana,
em escolas que tenham no mínimo 20 alunos matriculados na série avaliada. Nesse estrato, a prova recebe o
nome de Prova Brasil e oferece resultados por escola, município, Unidade da Federação e país que também são
utilizados no cálculo do Ideb.

As avaliações que compõem o Saeb são realizadas a cada dois anos, quando são aplicadas provas de Língua Por-
tuguesa e Matemática, além de questionários socioeconômicos aos alunos participantes e à comunidade escolar.
(Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/prova-brasil-e-saeb/prova-brasil-e-saeb)
Artigo 4
83

Gráfico 8 • Evolução das médias de Proficiência em Língua


Portuguesa Saeb/Prova Brasil – 8ª série / 9º ano EF.
500,0
475,0
450,0
425,0
400,0
375,0
350,0
325,0
300,0
275,0
250,0
225,0 252,4
243,9 239,7
200,0 226,5 228,6 226,7 226,6 230,0

175,0
150,0
125,0
1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009

Fonte: CAEd/UFJF – tabulação dos autores.

Analisando a evolução das médias de proficiência alcançadas pelos alunos da rede pública
que terminam a segunda etapa do Ensino Fundamental, nas avaliações realizadas pelo
Ministério da Educação, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacio-
nais Anísio Teixeira (MEC/Inep), chama a atenção a queda ocorrida entre os ciclos de 1995
e 1999, passando de 252,4 pontos para 226,5 pontos, e a estabilidade desse desempenho
até o ano de 2005.

Essa diferença corresponde à mudança de um intervalo da Escala de Proficiência, que varia


de 0 a 500 pontos, dividida em intervalos de 25 em 25 pontos. Isso significa que, em termos
de habilidades, os alunos que se encontram com proficiência entre 225 e 250 começam a
interagir com textos de temática menos familiar e de estrutura um pouco mais complexa,
conseguindo estabelecer relações entre partes do texto, por meio, por exemplo, do uso de
pronomes pessoais, além de serem capazes de inferir o assunto de textos com temática
relacionada ao seu cotidiano.

Esse desempenho revela que os alunos avaliados desenvolveram habilidades de leitura ainda
muito básicas, que não são condizentes com oito ou nove anos de escolarização.

No período de 2005 a 2009, observa-se uma ligeira recuperação, mas que ainda se coloca
como insuficiente, visto que o desempenho permanece, praticamente, dentro do mesmo
intervalo da Escala de Proficiência (225 a 250 pontos).

Essa tendência de melhoria do desempenho, contudo, sugere um avanço na busca de uma


educação de qualidade. Entretanto, pensamos que deve haver mais investimento pedagógico
no trabalho de desenvolvimento da proficiência em leitura, já que desejamos que os alunos
Artigo 4

84

alcancem habilidades mais sofisticadas nessa área. Para tanto, abordamos, na seção seguinte,
algumas possibilidades para ampliar o trabalho com a leitura na sala de aula.

3. Caminhos possíveis para ensinar a ler

A partir de então, como podemos contribuir para que as habilidades de leitura


sejam desenvolvidas?

Em vista do que foi exposto, sugerimos alguns procedimentos que podem ser adotados nas
escolas de forma ampla, e nas aulas de leitura de forma mais específica, já que as pesquisas
têm nos mostrado muitos caminhos possíveis. A escola precisa desenvolver um trabalho
pedagógico sério e sistemático de investigação, análise e ação.

Como já afirmamos, é fundamental expandir a visão de mundo dos alunos, suas vivências
culturais, sociais e científicas, ampliar o contato com as mais diversas formas de interação
pela linguagem, estimulando sua interação com diversos textos e mídias, já que o conheci-
mento prévio é uma das condições para que exista compreensão. Certamente, alargando esse
conhecimento, aumentam as possibilidades de compreensão. Nessa direção, as vivências
extraescolares contribuirão sobremaneira para isso. Ademais, a valorização da cultura da
comunidade dos alunos é uma forma de aproximar a escola da realidade deles e vice-versa.

Acreditamos que o acesso a materiais diversos e de qualidade seja fundamental para que
o aluno aprimore seu senso crítico, sua capacidade de compreensão e abstração, ou seja,
desenvolva habilidades mais sofisticadas, por ter ao seu alcance materiais diversificados,
com facilidade de acesso. É importante ressaltar que pouco vale o acesso a materiais de
qualidade sem uma orientação adequada. Assim, o professor, ao promover a circulação do
saber, pode conduzir o trabalho de forma a aguçar o interesse e a curiosidade dos alunos,
fazendo-os sanar suas próprias dúvidas. O professor, que faz a mediação entre o aluno e o
texto de forma experiente, ao mesmo tempo em que “conduz” a leitura, também deixa que
o aluno faça suas próprias descobertas, abrindo espaço para que o estudante dialogue com
o texto de forma cada vez mais autônoma. Essa tarefa não é fácil, mas, como leitor maduro,
o professor deve saber interferir apenas quando for necessário.

Como sabemos, o desenvolvimento das habilidades de leitura ocorre progressivamente. As


crianças que encontram obstáculos para consolidar essas habilidades podem ser agrupadas
em horários extras, para que haja intervenção específica a partir da verificação cuidadosa de
suas dificuldades. Ao identificar os níveis em que os alunos se encontram e as habilidades
Artigo 4
85

ainda não desenvolvidas, as escolas podem fazer intervenções extras para que eles avancem
e se aprimorem. O objetivo é, então, caminhar na direção do leitor proficiente.

Em termos mais amplos, alguns autores2 sugerem que, no processo pedagógico, é impor-
tante as escolas se organizarem por projetos de trabalho, propondo atividades socialmente
relevantes e engajadas. A reorganização do currículo escolar, aliada à formação dos pro-
fessores, proporciona uma visão ampla dos processos sociais e do aprendizado do aluno.
Nessa direção, contribui com essa perspectiva a interdisciplinaridade, que proporciona uma
integração temática e metodológica entre as áreas do conhecimento, por meio de atividades
conjuntas do corpo docente. Na busca de uma escola de qualidade, a leitura representa um
caminho apropriado para a compreensão do mundo e dos fenômenos sociais.

Para a sala de aula, há algumas indicações interessantes que nos colocam nas trilhas da
leitura plena. Retomamos aqui diversas considerações propostas por Kleiman (1992; 2007),
Koch (2006) e Geraldi (1984).

Ciente de que o aluno interage com o texto, nas aulas de leitura é importante ativar todo o
conhecimento prévio que ele tem sobre determinado tema antes mesmo da leitura do texto, ou
seja, devemos proceder a uma contextualização. Há algumas sugestões (KLEIMAN e MORAES,
1999) para que sejam apresentados, aos poucos, o título, a seção do jornal ou revista, o subtítulo.
Neste momento, é interessante destacar que o professor pode, inclusive, antecipar o gênero
textual que será lido, para que sejam lembradas também suas características. Esse procedimento
permite que o aluno mobilize uma série de conhecimentos; agindo dessa forma, estaremos no
caminho da compreensão, já que nessa antecipação são relembrados variados acontecimentos
e ocorrências, palavras, vivências, que serão fundamentais no momento da leitura.

Além do mais, como sabemos que os gêneros textuais possuem, geralmente, certo formato3,
o aluno, ao ter contato com uma diversidade cada vez maior de gêneros, passa a reconhecer
as regularidades textuais, ampliando sua compreensão de textos.

Outro aspecto importante, que não podemos deixar de ressaltar, é que a leitura torna-se
mais proveitosa quando o professor traça objetivos para ela. Quando lemos um texto com
um objetivo previamente determinado, focamos a atenção em alguns aspectos específicos.
Geraldi (1984) e Koch (2006) mostraram que nós mesmos estabelecemos muitos objeti-
vos: lemos um texto por prazer, para nos manter informados, estudar, buscar informações
específicas, produzir outro texto, realizar consultas; lemos ainda por obrigação (como as
bulas, por exemplo), dentre tantos outros. Já que, quando lemos com objetivos, focamos

2 Dentre eles, destacamos HERNANDEZ (1998).


3 Como sabemos, a compreensão não está atrelada somente à forma dos textos. Contudo, sabendo previamente
que se trata de um gênero específico, ativamos vários conceitos e conhecimentos a respeito dele. Como exemplo,
se dissermos “ingredientes” e “modo de fazer”, essas pistas sugerem tratar-se de uma receita que, em geral, tem
um objetivo específico.
Artigo 4

86

alguns aspectos do texto, é preciso que o professor estabeleça esses objetivos, sendo mais
proveitoso vinculá-la a um projeto pedagógico maior, talvez já em desenvolvimento na escola.

Para continuar no caminho da compreensão, o professor pode, ainda antes de ler o texto,
pedir que os alunos formulem hipóteses. Deve-se, nesse momento, ficar atento às pistas que
emergem do texto. Pode nos servir de exemplo uma experiência realizada em sala de aula4,
na qual foi solicitado aos estudantes que formulassem algumas hipóteses a partir do título
“Barbárie e cidadania5”. Sendo assim, eles disseram que poderiam aparecer palavras como
“sociedade, violência, convivência, polícia, escola, aprendizagem”, dentre outras. Como num
jogo de adivinhação, quando foi dito a eles que o texto estava alocado na seção ESPORTE do
jornal em questão, as sugestões foram se especificando para “futebol, violência entre torcidas,
punições” etc. Em seguida, sendo dito que se tratava de texto do domínio do argumentar,
foram construídas hipóteses como “o autor vai defender a extinção das torcidas organizadas”
ou “o autor vai sugerir formas de punir os torcedores que geram violência”, dentre outras
bastante plausíveis para o texto. Essa capacidade de formular hipóteses facilita a leitura,
pois também ajuda a prever que tipo de informação pode aparecer no texto; dessa forma
o leitor processa a informação mais rapidamente, não se atendo ao visual, mas ao sentido.

Diante do texto, à medida que vai lendo, o aluno, aos poucos, testa suas hipóteses. Não é
necessário “acertá-las”. Sabemos, contudo, que o leitor maduro tem mais possibilidades de
ser bem-sucedido, tamanho é o conhecimento que tem sobre o tema, ou seja, sua capacidade
de previsibilidade é maior quando já conhece o gênero, o jornal, a posição política de um
autor, o objetivo do texto etc. Ao longo da leitura, é interessante que o leitor monitore sua
compreensão, confirmando suas hipóteses ou reformulando-as, a cada momento em que
encontrar informações inusitadas, não previamente reconhecidas.

Com todos esses procedimentos, acreditamos que será possível atingir uma leitura fluente,
pois a utilização de diferentes estratégias poderá conduzir a uma compreensão integral.

Após a leitura, os autores sugerem duas outras estratégias: a construção de esquemas e a


“reação” aos textos.

A construção de esquemas envolve a percepção e a organização do modo como o texto foi


apresentado. Assim, podemos elaborar uma lista dos tópicos e subtópicos. No exemplo citado
acima, os alunos perceberam que o autor expôs um fato do cotidiano (um confronto entre
torcedores); em seguida, apresentou algumas soluções propostas pelo senso comum para
resolver o problema enfocado; mais à frente, colocou a sua própria solução para o proble-

4 Experiência realizada no primeiro semestre de 2011 em uma turma de 1º período do curso de Pedagogia da
Universidade Federal de Juiz de Fora.
5 Trata-se de um interessante texto de José Geraldo Couto, publicado na Folha de São Paulo em 27 de fevereiro de 2010.
Artigo 4
87

ma (sua tese). Em seguida, sustentou a sua proposta com alguns comentários plausíveis
para a sugestão proposta. Diante desse esquema, o aluno internaliza-o e procede a uma
compreensão global do texto.

Outra estratégia interessante na formação do leitor proficiente é o momento em que propor-


cionamos espaço para reagir ao texto. As reações que o texto pode nos provocar são inúmeras.
Isso faz com que exercitemos nosso senso de humor, nossa capacidade de argumentar, contra-
-argumentar, de propor soluções, de comparar fatos, entre outras atividades que fazem com
que o aluno cresça intelectualmente. Um gênero textual que focaliza essas reações e objetiva
registrá-las é o “diário de leitura”, um texto pouco conhecido nas escolas e universidades,
mas que auxilia o leitor a ter uma atitude ativa e analítica diante da leitura. O exercícios de
escrita do diário (anotações que se faz durante e depois da leitura) proporciona um movimento
contínuo de reflexão, o que colabora para a formação do cidadão crítico e participativo que
tanto enfatizamos na educação. Em outras palavras, não basta escrever sobre o que foi lido:
o aluno precisa, para além de descrever, analisar e avaliar o texto. De fato, é um instrumento
que propicia uma conscientização sobre seus processos de compreensão e de aprendizagem.
Ademais, permite que os professores detectem o estado real de cada estudante em relação a
esses processos, podendo, então, interferir mais eficazmente no seu desenvolvimento.

Evidenciamos, desse modo, que há uma constante necessidade de se retomar alguns prin-
cípios centrais e basilares sobre a leitura, referendando alguns conceitos talvez difusos em
virtude do uso corrente no cotidiano escolar.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Realizando uma observação do cotidiano escolar, percebemos que a aprendizagem está


bastante centrada na leitura. Por isso, ela deve constituir foco de contínuas reflexões do
corpo docente, não só dos professores da área de Linguagem, mas também de todas as
outras áreas do conhecimento.

Acreditamos na premissa de que o ensino de Língua Portuguesa caminha na direção do


desenvolvimento de habilidades de leitura, respaldando-se na diversidade de enunciados que
circula na sociedade. Como consequência, o ato de ler deve transcender as circunstâncias
didaticamente criadas para a escola, de forma a ocorrer na legitimidade que se realizam
nas interações humanas.

Defendemos que qualidade da educação só pode ser obtida com uma atitude ativa do pro-
fessor, partindo de uma reflexão sobre seu fazer cotidiano. A perspectiva de trabalho com
Artigo 4

88

a linguagem, assentada nos gêneros do discurso como objeto de ensino, deve implicar uma
postura educacional diferenciada, em que o professor situa a atividade humana, considerando
a interação social como forma de constituição de sujeitos, perpassada pela linguagem.

Embora muito já se tenha produzido no campo do Ensino de Língua, parece haver ainda
um longo caminho a percorrer para que essas reflexões teórico-práticas façam mudar o
cotidiano das escolas. É nesse sentido que entendemos que os resultados das avaliações
podem contribuir para a construção de uma escola de qualidade.
Artigo 4
89

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Artigo 5

92

ARTIGO 5

O DOMÍNIO DA PALAVRA E AS
AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA
Artigo 5
93

INTRODUÇÃO

O ser humano, embora dotado de capa- competência da leitura, já que, sem dúvida,
cidade para conhecer, compreender e se o domínio da palavra é definidor do sucesso
exprimir, apenas pode desenvolver essa em todo o processo pedagógico.
capacidade a partir de estímulos do meio
social. A escola desempenha um papel dos A primeira parte desse texto se dedica à
mais importantes nesse desenvolvimento, importância da vivência da língua através
pois é nela que o aluno deve ser exposto da experiência da leitura, explorando os
às mais variadas experiências discursivas, sentidos e as funções dos diversos gêneros
materializadas numa pluralidade de gêneros textuais. Na segunda parte, destacamos a
textuais, vivenciando-as. A escola precisa contribuição das avaliações em larga escala
estar organizada para conduzir seus alu- para o processo de ensino da Língua Portu-
nos no trabalho de acumular e ampliar a guesa nas escolas.
Artigo 5

94

1. A língua e a leitura

1.1. Conhecimento da língua como conhecimento sociocultural

A linguagem articulada em sons vocais é a mais completa expressão da natureza humana.


Sua utilidade como instrumento de comunicação é evidente, mas sua importância para a
vida social não se resume a essa função instrumental. A comunicação entre seres da mesma
espécie também ocorre no mundo das aves, no mundo dos macacos, no mundo das abelhas. A
peculiaridade da língua está em sua relação com a cultura, com a história e com a variedade
das formas de organização social dos seres humanos. O universo de nossas experiências
é amplo e variado; nele cabem interesses, deveres, valores, crenças, fantasias, opiniões,
objetivos – tudo, enfim, que caracteriza a vida social e integra cada pessoa ao amplo circuito
das interações humanas. O que faz que tudo isso circule, passando de indivíduo a indivíduo
e de geração a geração, é a língua que as pessoas falam e por meio da qual se entendem. A
analogia habitualmente feita com ferramentas e utensílios não está à altura da complexidade
de uma língua. Línguas são muito mais que ferramentas ou utensílios, porque constituem o
próprio fundamento da vida nos seus aspectos sociais e culturais.

À MEDIDA QUE APRENDE SUA LÍNGUA MATERNA, TODO INDIVÍDUO APRENDE COM ELA UMA FORMA DE CONHECER O MUNDO E DE SE
RELACIONAR SOCIALMENTE.

Toda comunidade formada por seres humanos, por menor que seja e por mais simples que
sejam seus hábitos de vida, se define, entre outras coisas, pelo compartilhamento de um
universo de referências, de onde seus membros tiram o conteúdo de todas as suas práticas
comunicativas rotineiras ou eventuais.

A língua que falam não só está a serviço dessa função fundamental, como a desempenha
com absoluta eficiência, na medida em que tudo o que pertence ao universo sociocultural da
comunidade pode ser dito e compreendido por meio dessa língua. À luz desse ponto de vista
por assim dizer antropológico, o que significa “conhecer uma língua”? Significa tão-somente
estar apto a servir-se dela para tomar parte na rotina social da comunidade.

Também é verdade, porém, que nenhuma comunidade, por menor que seja, é cem por cento
homogênea: seus membros se distinguem pelos papéis que desempenham, pelas tarefas
que lhes são destinadas ou que eles assumem por livre escolha. A esses papéis e a essas
tarefas podem corresponder habilidades comunicativas e competências verbais específicas.
Como nem todos os membros de uma comunidade desempenham as mesmas tarefas e
funções, está claro que as habilidades comunicativas inerentes a cada tarefa ou função não
fazem parte do conhecimento de todos.
Artigo 5
95

Nas sociedades democráticas e socialmente justas, qualquer indivíduo pode aspirar a de-
sempenhar qualquer função e executar qualquer tarefa; a única condição é que se prepare
para isso, adquirindo as competências verbais apropriadas e as técnicas inerentes ao ofício.
O conhecimento da língua sempre abrange, portanto, uma representação da vida dos homens
em sociedade. Em termos ideais, conhecer uma língua significa ser capaz de servir-se dela
para executar, com desembaraço e êxito, as múltiplas tarefas comunicativas inerentes ao
convívio social.

O ser humano é dotado, por natureza, da capacidade para falar sua língua materna. Trata-se
de um dom universal a espécie. Já nossos universos de referência – os assuntos de nossos
discursos – nos particularizam como membros de grupos, classes, comunidades, sociedades,
graças ao domínio de uma língua. No seio desses universos, interiorizamos o mundo por
meio de conceptualizações simbólicas, somos protagonistas de eventos de variada espécie,
tornamo-nos seres sociais, humanizamo-nos enfim.

Para exercitar aquele dom, os indivíduos precisam, portanto, da vida social. É no seio da vida
social que se desenvolve o produto desse dom: a língua.

COMO FATO SOCIOCULTURAL, ELA PERMEIA AS INTERAÇÕES, HABILITANDO SEUS USUÁRIOS A PARTICIPAR DA VIDA CULTURAL EM TODA
A SUA EXTENSÃO, NA MEDIDA EM QUE TRADUZ OS MODOS DE VER, OS MODOS DE SER, OS MODOS DE SENTIR, OS MODOS DE INTERAGIR
NA COMUNIDADE.

A variedade, a complexidade e o lugar que as experiências socioculturais têm na vida de


cada um de nós apresentam uma relação direta com a variedade e a complexidade de
nossas formas de expressão. O conhecimento que as pessoas têm de sua língua materna
integra, em uma ampla competência, as formas e as construções dessa língua, bem como
o discernimento para utilizá-las ou reconhecê-las em função das características do evento
comunicativo em curso e dos efeitos de sentido pretendidos ou pertinentes.

Podemos complementar as considerações feitas até agora enfatizando que

A LÍNGUA É UMA FORMA DE CONHECIMENTO E UM MEIO DE CONSTRUIR, ESTABELECER, MANTER E MODIFICAR RELAÇÕES COM OS
OUTROS. POR ISSO MESMO, UMA MESMA PESSOA É CAPAZ DE UTILIZAR DIFERENTES “ESTILOS” OU REGISTROS DE LÍNGUA, CONFORME O
CONTEXTO OU AS FINALIDADES DA COMUNICAÇÃO: QUANDO SE DIRIGE A UM ADULTO OU QUANDO FALA A UMA CRIANÇA, QUANDO FALA
A PESSOAS REUNIDAS EM UM AUDITÓRIO OU QUANDO CONVERSA DE MODO DESCONTRAÍDO NUMA RODA DE AMIGOS, QUANDO ESCREVE
UMA CARTA DE CANDIDATO A UM EMPREGO OU QUANDO COMPARECE A UMA ENTREVISTA COM ESSE MESMO OBJETIVO, QUANDO RELATA
UM ACONTECIMENTO OU QUANDO DÁ UM CONSELHO A ALGUÉM.

Com a língua aprendemos a construir referências – dando nomes a seres e coisas (p. ex. eu,
vizinho, jardim, cajueiro) – e articulamos esses referentes para exprimir um acontecimento,
Artigo 5

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tal como o julga o enunciador (meu vizinho plantou um cajueiro no jardim; nasceu um cajueiro
no jardim do meu vizinho).

Por outro lado, a aparente naturalidade do uso cotidiano da palavra para a comunicação
imediata não deixa perceber a complexidade e o potencial da língua: tem-se a impressão
de que as situações cotidianas se repetem sem novidade, e que podemos lidar com elas
valendo-nos de fórmulas já conhecidas, praticamente prontas, num entrosamento perfeito
entre a rotina da realidade e a rotina de nossos discursos. Neste caso, a língua atua forte-
mente como uma forma de conhecimento que estabiliza nossas percepções naquilo que
podemos chamar de senso comum.

A tarefa do professor de língua é impedir que essa imagem prevaleça; compete a ele conduzir
o estudante no desbravamento de outras dimensões do uso da palavra, onde o mundo não
está pronto, mas precisa ser criado, onde as frases e os sentidos não estão disponíveis como
produtos nas gôndolas e prateleiras do supermercado, mas, pelo contrário, precisam ser
elaborados. Esta é a dimensão em que se movimentam todos aqueles que têm desafios pela
frente, que precisam ir além da realidade já construída e aparente, buscando, sob a superfície
confortavelmente constante da fala de todos os dias, as pistas, as brechas, os atalhos que
nos dão acesso a territórios e objetos que aguçam nossa percepção, renovam nossas emo-
ções e estendem nossos horizontes de compreensão e de comunicação. É nessa dimensão
que a palavra assume o caráter de uma sofisticada tecnologia a ser adquirida e dominada.

As experiências de vida de toda ordem (no cotidiano, nos grupos de interesse comum, no
contato com outras culturas e com outros estilos de vida) e a convivência com textos de
variada espécie (crônicas, lendas, receitas, reportagens, poemas) e encontrados em fontes
variadas (livros, enciclopédias, jornais, revistas, sites) contribuem significativamente para a
construção de nossa competência enciclopédica (o conjunto de tudo o que sabemos), mas só
a observação desses discursos/textos como objetos elaborados com palavras e a reflexão
sobre as condições, os mecanismos e procedimentos dessa elaboração permitem que se
trave com a palavra uma relação mais tensa e quase sempre desafiadora, a qual resulta
na recriação e ampliação dos recursos da linguagem – vocabulário, construções sintáticas,
alternativas estilísticas – e numa compreensão enriquecedora do fenômeno verbal.

Reiteramos o título desta seção para reafirmar que o domínio instrumental da língua – ge-
ralmente enfatizado como o objetivo de seu ensino – não se desenvolve pela simples prática
da comunicação: o estudante precisa ter a oportunidade de vivenciá-la como expressão da
vida em sociedade, com sua diversidade, sua complexidade, suas convenções, seus ritos,
suas crenças, seus valores.

EM RESUMO, PODEMOS DIZER QUE O HOMEM VIVE DENTRO DO MUNDO COMO CORPO, MAS O MUNDO VIVE DENTRO DO HOMEM COMO PALAVRA.
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1.2. Ler é construir sentido

A leitura é necessariamente um ato de compreensão de um objeto na sua potencialidade


simbólica. Esse objeto pode ser qualquer coisa; a única condição a ser satisfeita é que ele
possa significar algo para seu observador, para quem busca ou reconhece nele um sentido. E
o que é o sentido? Na maioria dos usos que fazemos desse termo, “sentido” quer dizer guia,
orientação, meta. Chamamos sentidos ao conjunto das faculdades naturais que nos situam
no mundo das sensações: paladar, olfato, visão, audição e tato. Uma seta na via pública
indica o sentido que devemos seguir. Daquilo que nos parece caótico ou absurdo dizemos
que não tem ou não faz sentido. Também “sem sentido” é como qualificamos a vida a que
faltam sonhos, esperanças... perspectiva, enfim. O sentido é, portanto, o que nos orienta em
nossa relação com o mundo e com os seres e objetos que o povoam.

Mas os sentidos não são produzidos só pelas palavras. Eles são produzidos por um conjunto
de fatores que incluem as palavras. Qual é o recado da frase “Sorria. Você está sendo filmado.”
afixada em alguns estabelecimentos comerciais? Um apelo gentil para que você assuma
em público uma imagem simpática, ou um alerta que quer dizer “Cuidado. Estamos de olho
em você.”? Para apreender o sentido “real” dos enunciados, precisamos saber em que cir-
cunstâncias são ditos, quem os profere e a quem são dirigidos. Em muitos casos, a própria
forma do enunciado precisa ser fixa, como o “Alô!” ao telefone, o “Posso ajudar?” na loja de
roupas, ou o “E foram felizes para sempre.” no desfecho das estórias de príncipes encantados.

Frequentemente, uma frase remete a outra já armazenada em nossa memória, tirando


seu sentido dessa evocação. É o que acontece com os seguintes versos de uma canção de
Gilberto Gil: “Subo neste palco / Minha alma cheira a talco / como bumbum de bebê”. ‘Alma
que cheira a talco’ é ‘alma lavada’, expressão presente no clichê “estar de alma lavada” isto
é, estar tranquilo, recompensado, de bem com a vida.

Os sentidos, por sua vez, estão materializados em textos. Uma ordem, um pedido, uma
exclamação, um anúncio, um aviso, um comentário, uma descrição, um relato são textos.
Muitos desses textos são circunstanciais, são peças de comunicação restritas a situações
que colocam seus interlocutores numa relação face a face, como avisos, recados, saudações
etc. Outros, por serem mais elaborados, devem pouco do seu sentido à situação imediata.
São os textos que, escritos embora em passado recente ou remoto, ou em qualquer ponto
do planeta, são lidos como relatos de experiências humanas que despertam interesse de
outros leitores, em épocas e em lugares distintos das circunstâncias históricas e geográficas
em que foram produzidos.
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1.3. A função dos textos

A vida social é povoada de textos: placas, cartazes, avisos, bulas de remédio, rótulos de
produtos alimentícios, comerciais, manchetes de jornais e revistas, slogans além – é claro
– dos enunciados que proferimos e ouvimos a cada momento do fluxo da vida cotidiana.
Numa formulação muito ampla, podemos distinguir duas grandes classes de textos: os que
servem a uma finalidade bem definida, situada fora e além deles: informar, avisar, instruir,
educar etc.; e os que trazem neles mesmos, pelo uso especial da palavra ou pela experiência
que suscitam no leitor, o que os torna objeto de interesse. Aos primeiros podemos chamar
textos-meios, aos segundos, textos-fins. Não há um limite rígido entre esses dois tipos, até
porque alguns dos primeiros podem ser apreciados em sua materialidade e organização como
objeto de real valor estilístico, e os outros – os textos-fins – podem servir a fins utilitários,
segundo a conveniência do leitor.

Os textos-meios desempenham funções socioculturais previamente concebidas para eles.


A finalidade deles é dinamizar a engrenagem social. São meios para a realização de tarefas
ou para o alcance de objetivos. Eles atendem a necessidades ou carências sociais de rotina:
informação, conhecimento, orientação, lazer, divertimento, conforto espiritual. Pensemos
em dois gêneros de textos-meios típicos: receitas médicas e horóscopos. Cada um no seu
lugar, é claro, estes dois gêneros têm algo em comum: ambos são produzidos para “dar
uma orientação”, para indicar algo a ser feito por alguém. Mas há uma grande diferença
entre os dois além dos respectivos conteúdos: a receita médica é uma prescrição que tem
de ser cumprida; o horóscopo não tem toda essa autoridade. O caráter prescritivo do gênero
‘receita médica’ é garantido pela credibilidade social e institucional de seu enunciador, o
médico; a prescritividade do gênero ‘horóscopo’ não tem sustentação institucional, credita-se
a motivações e idiossincrasias pessoais do leitor, pelo menos em sociedades como a nossa.

Abramos agora um parágrafo para um breve comentário sobre a natureza dos textos-fins.

O QUE CHAMAMOS DE TEXTOS-FINS RECOBRE TODA A PRODUÇÃO TEXTUAL QUE NÃO SE PROPÕE A ATENDER A UMA DEMANDA SOCIAL
RAZOAVELMENTE ESTABELECIDA, MAS, PELO CONTRÁRIO, A EXISTIR COMO UM UNIVERSO ALTERNATIVO DE VIVÊNCIAS CRIADO PELO
PODER SIMBÓLICO DA PALAVRA. TRATA-SE DAQUELES TEXTOS QUE, MESMO DIZENDO-NOS O QUE JÁ SABÍAMOS, LEMOS E RELEMOS
ENVOLVIDOS PELO MAGNETISMO DA LINGUAGEM, PELA SURPRESA DE UMA CONSTRUÇÃO INSÓLITA, DE UMA COMPARAÇÃO QUE NOS
REVELA UMA FACE INSUSPEITA DE ALGUM OBJETO FAMILIAR.

Na ampla classe dos textos-fins podemos situar aqueles que convencionalmente chama-
mos de literários. Na sequência, vamos fazer um rápido comentário a dois exemplares da
autoria de dois nomes consensualmente reconhecidos como grandes autores da literatura
brasileira: Cecília Meireles e Otto Lara Resende. Comecemos pelo poema de Cecília Meireles,
intitulado Cantiga:
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Cantiga

Bem-te-vi que estás cantando


nos ramos da madrugada,
por muito que tenhas visto,
juro que não viste nada.
Não viste as ondas que vinham
tão desmanchadas na areia,
quase vida, quase morte,
quase corpo de sereia...
E as nuvens que vão andando
com marcha e atitude de homem,
com a mesma atitude e marcha
tanto chegam como somem.
Não viste as letras que apostam
formar idéias com o vento...
E as mãos da noite quebrando
os talos do pensamento.
Passarinho tolo, tolo,
de olhinhos arregalados...
Bem-te-vi, que nunca viste
como os meus olhos fechados.1

Este poema se chama Cantiga e faz parte do livro Viagem. O tema da viagem aparece muito
na obra de Cecília Meireles; ela era fascinada pelo mistério de outras culturas e considerava
que isso era uma fonte muito rica de inspiração para os poetas. Mas a “viagem” de que ela
fala não é só o passeio por lugares diferentes e por terras estranhas e exóticas; a viagem
também significa fugir da mesmice da vida cotidiana graças à invenção de outros modos
de dizer as coisas. Para os poetas, a linguagem de todo dia vicia o raciocínio e empobrece o
pensamento; é preciso experimentar outros modos de dizer, a fim de provocar a descoberta
de significados novos.

A cantiga (= poesia) é que nos transporta na viagem. Não exatamente como um meio de fuga
da realidade, mas, antes, como uma forma de agitar a sensibilidade, porque leva o leitor a
conhecer ideias, sentimentos, sensações que só as palavras podem revelar.

A linguagem da poesia tem, assim, uma natureza mista e contraditória: seu objetivo não é
a comunicação direta e imediata, pois, mais do que o assunto do poema, o que importa é a
surpresa provocada pela linguagem.

No poema de Cecília, um artifício de interpretação literal permite atribuir ao nome do pássaro


– bem-te-vi – o significado de ‘ver bem’, ironizado e interpretado artificiosa e literalmente
por meio de um jogo de palavras de efeito contraditório (por muito que tenhas visto, / juro que
não viste nada). Essa ideia vem desenvolvida nas três estrofes seguintes, em que se ilustram
as coisas não vistas pelo bem-te-vi – ondas, nuvens, letras – mas singularmente percebidas
e valorizadas na potencialidade poética de sua natureza delicada, efêmera e dispersiva.

1 MEIRELES, 1993, p. 166-167.


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Contrasta-se, assim, a solidez de uma certeza aprisionada no clichê da fala automatizada


do pássaro e a fugacidade de uma percepção pessoal e única (como os meus olhos fechados)
– por isso mesmo valorativa da condição de testemunha da vida – que só se atinge através
do meio de expressão próprio da poesia.

Passemos agora às observações ao texto de Otto Lara Resende, um conto intitulado Gato
gato gato.

Este conto relata uma situação de conflito envolvendo dois personagens, um menino e
um gato. Os dois se defrontam em um quintal. Mais do que as árvores, os objetos e outros
seres vivos que compõem o cenário, o que marca a atmosfera do ambiente compartilhado
pelo gato e o menino é o silêncio – um silêncio profundo, que deixa ouvir o latejar da vida
no peito e nos pulsos. Imóvel sobre o muro, e desenhando com a cauda erguida um ponto
de interrogação, o gato observa seu oponente. O menino prende a respiração e suspende
até mesmo o movimento dos olhos, como se a prova de sua presença e o indício de sua
agressividade se resumissem a esses dois atos. O quintal se transforma em um palco
para o desafio de Édipo e sua esfinge, em um laboratório para o embate do pesquisador e
seu objeto, em uma página para o enfrentamento do leitor e um texto hermético. Naquela
rara conciliação de lerdeza e destreza, de maciez e agilidade, de sono e vigília, o gato é um
enigma a ser decifrado. Que alternativas temos diante de um enigma? Se pensarmos em
formas extremas, uma delas é a aceitação pacífica, a submissão ao seu mistério; a outra é
uma declaração de guerra, traduzida na obsessão por decifrá-lo. O menino faz a segunda
escolha e persegue o gato, símbolo de um mistério insuportável. Busca explicação para a
sonsa convivência, no corpo do gato, entre a estudada lentidão dos movimentos e a brusca
agilidade do salto para a fuga. O gato ilude, como o demônio, mas o demônio não está no
gato; está na vocação para a intolerância diante da liberdade que se revela precocemente
no menino: ele mata o gato, mas é devorado pelo enigma.

SE ALGUM LEGADO ESSES TEXTOS, QUE AQUI CHAMO TEXTOS-FINS, TRANSMITEM À SOCIEDADE, SÃO POSSIBILIDADES NOVAS DE
COMPREENSÃO DA VIDA, DE PERCEPÇÃO DO MUNDO, DE INDAGAÇÃO SOBRE O SENTIDO DA EXISTÊNCIA HUMANA, NA MEDIDA EM QUE
“VIOLENTANDO A SENSIBILIDADE E OS HÁBITOS MENTAIS DO LEITOR, PERTURBA(M)-LHE POR ALGUM TEMPO O EQUILÍBRIO INTERNO E
O RESTABELECE(M) DEPOIS EM PLANO E CLIMA DIFERENTES.”
(Aníbal Machado)1

Concluiremos estas reflexões reafirmando que o ser humano é dotado de uma capacidade
inata para conhecer, compreender e se exprimir, mas essa capacidade só se desenvolve
mediante os estímulos do meio social, corporificados em espécies variadas de signos/
símbolos (palavra, gesto, desenho, cor etc.). Exposto a esses estímulos, cada indivíduo ad-
quire sua língua materna de forma natural durante os cinco primeiros anos de vida e, ao
longo dos estágios posteriores, transforma, adapta e expande esse conhecimento, sempre
em função das demandas comunicativas que se acrescentam à sua existência. É sabido
Artigo 5
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que a escola tem um papel decisivo na seleção e oferta desses acréscimos. No espaço da
escola, espera-se que o estudante vivencie um amplo e diversificado elenco de experiências
discursivas, materializadas numa pluralidade de gêneros textuais. Este é o caminho para o
reconhecimento e exploração do ilimitado potencial da linguagem verbal em suas múltiplas
faces: como um acervo de termos e expressões que lhe permitem nomear os dados de sua
experiência para significar o mundo, como forma de comportamento e de atuação social, e
como campo de experimentação, de descoberta e de criação. Compete à escola, pelo trabalho
cooperativo dos educadores – e não apenas do professor de língua – a tarefa de conduzir os
estudantes no longo e trabalhoso processo cumulativo de ampliação e refinamento dessa
competência, uma vez que o domínio da palavra é um requisito decisivo para o sucesso de
todo o processo pedagógico. As aulas de Língua Portuguesa devem privilegiar uma aborda-
gem da língua que não se limite ao seu papel instrumental, mas transcenda esse perfil pelo
exercício da observação do funcionamento da linguagem e da reflexão sobre um dom que,
sendo exclusivo da espécie humana, habilita-a a produzir meios de dar sentido ao mundo
onde vive, aos quais chama senso comum, humor, ciência, religião, filosofia, literatura.

Finalizando esta seção, citamos Rubem Alves:

O corpo é o lugar fantástico onde mora, adormecido, um universo inteiro. Como na terra
moram adormecidos os campos e suas mil formas de beleza, e também as monótonas e
previsíveis monoculturas; como na lagarta mora adormecida uma borboleta, e na borboleta,
uma lagarta; como nos sapos moram príncipes, e nos príncipes, sapos; como em obedientes
funcionários que fazem o que deles se pede moram poetas e inventores que voam pelos
espaços sem fim dos sonhos. Tudo adormecido. O que vai acordar é aquilo que a palavra
vai chamar.

As palavras são entidades mágicas, potências feiticeiras, poderes bruxos que despertam os mundos
que jazem dentro do nosso corpo, num estado de hibernação, como sonhos. Nosso corpo é feito de
palavras. Assim, podemos ser príncipes ou sapos, borboletas ou lagartas, campos selvagens ou
monoculturas, poetas e inventores ou monótonos funcionários. Diferentes dos corpos dos animais,
que nascem prontos ao fim de um processo biológico, o nosso corpo, ao nascer, é um caos grávido
de possibilidades, à espera da palavra que fará emergir, do seu silêncio, aquilo que ela invocou.
Um infinito e silencioso teclado que poderá tocar dissonâncias sem sentido, sambas de uma nota
só, ou sonatas e suas incontáveis variações.A este processo mágico pelo qual a palavra desperta
os mundos adormecidos se dá o nome de educação2.

2 ALVES, 2003, p. 93-7.


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2. As avaliações em larga escala


e o domínio da palavra

Ao ingressar na escola, o estudante traz uma bagagem oriunda do ambiente familiar e socio-
cultural em que está inserido. Em diversos casos, essa bagagem se revela ainda insuficiente
para que esse estudante se torne um leitor apto a compreender os diversos aspectos da
linguagem verbal.

Retomando Rubem Alves, a educação é o “processo mágico pelo qual a palavra desperta os
mundos adormecidos”; a palavra constitui um “infinito e silencioso teclado que poderá tocar
dissonâncias sem sentido, sambas de uma nota só, ou sonatas e suas incontáveis variações”.
Através da educação, os estudantes devem ser levados a compreender a palavra em suas
“incontáveis variações”, para se tornarem leitores proficientes e capazes de “despertar os
mundos adormecidos”.

O trabalho dos educadores é fundamental para desenvolver as competências de leitura,


possibilitando o acesso a tipos e gêneros textuais que os estudantes, muitas vezes, não
conhecem, ou conhecem pouco. O texto literário, um dos textos-fins já referidos, tem um
papel de destaque nesse processo, pelas múltiplas possibilidades de leitura que proporciona.

As avaliações em larga escala vêm contribuindo para verificar como os estudantes, em


especial os do Ensino Médio, estão desenvolvendo as competências de leitura relacionadas
ao texto literário. Nas avaliações de Língua Portuguesa realizadas no ano de 2011, dois
estados brasileiros abordaram, de modo específico, conteúdos ligados à literatura. Para
nosso estudo, denominaremos essas avaliações Projeto 1 e Projeto 2, conforme se refiram
ao primeiro ou ao segundo estados cujos resultados serão objeto desta análise3.

A Matriz de Referência que constituiu a base para a elaboração dos itens da avaliação de
Língua Portuguesa do Projeto 1 apresenta os tópicos/temas relacionados na tabela seguinte,
referentes a textos literários. Cada tópico possui descritores associados, que descrevem
as habilidades que se espera que os estudantes tenham desenvolvido ao final da etapa de
escolaridade avaliada – no caso, a 1ª série do Ensino Médio (EM).

3 Optou-se por não identificar os estados/projetos escolhidos, uma vez que o objetivo é abordar o modo como
os estudantes estão desenvolvendo as habilidades de leitura de textos literários, e não apresentar resultados
específicos de determinado estado/projeto.
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VII. ESTÉTICAS LITERÁRIAS E SEUS CONTEXTOS HISTÓRICOS

D23 Reconhecer elementos que caracterizam a literariedade de um dado texto, como objeto estético e semiológico.

D24 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico social e político.

D25 Reconhecer a importância de obras literárias nacionais para a formação da consciência e identidade do povo brasileiro.

VIII. REPRESENTAÇÕES LITERÁRIAS: DIVERSIDADE E UNIVERSALIDADE

D26 Estabelecer relações intertextuais entre textos literários da contemporaneidade e diferentes manifestações literárias e culturais.

D27 Interpretar efeito de sentido decorrente do uso de figuras de linguagem no texto.

O gráfico a seguir registra os percentuais de acerto, por descritor, na avaliação de 2011:

1ª SÉRIE EM
Percentual de acerto
0,01 0,02 0,03 0,04 0,05 0,06 0,07 0,08 0,09 0,0 100,0

D23 22,1

D24 27,0
Descritor

D25 38,5

D26 29,1

D27 33,9

Fonte: CAEd/UFJF – Tabulação dos autores.

Os índices de acerto para cada descritor apontam para o fato de que, em média, entre 22,1% e
38,5% dos estudantes avaliados acertaram os itens propostos na avaliação. Esses percentuais
revelam um dado preocupante: menos de 40% dos estudantes da 1ª série EM, do estado em
questão, conseguiram ler e compreender textos literários, conforme as habilidades avaliadas.

Para ilustrar uma dessas habilidades, apresentamos um item de avaliação do 3º ano do


Ensino Médio referente ao descritor D27 – Interpretar efeito de sentido decorrente do uso
de figuras de linguagem no texto.
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Figura 7 •

Fonte: CAEd/UFJF – Banco de Itens.

Com relação a esse item específico, na avaliação de 2011, menos de 25% dos estudantes
avaliados marcaram o gabarito – letra B (23,9%) –, o que sinaliza para a dificuldade em iden-
tificar o efeito de sentido proporcionado por figuras de linguagem. A prosopopeia percebida
no verso “Com flores festejando” enfatiza o desejo de felicidade que o eu lírico busca em
um lugar utópico, ameno, relacionado à natureza; no entanto, o resultado aferido pelo item
revela que poucos estudantes da 1ª série EM, no estado avaliado, desenvolveram a habili-
dade em foco, compreendendo o significado dessa figura de linguagem. Pode-se considerar,
portanto, que a maior parte dos estudantes da 1ª série EM, desse projeto específico, ainda
não ultrapassou a barreira do senso comum no que concerne à percepção de algumas
especificidades do literário, como a linguagem conotativa/figurada.

O Projeto 2 possui uma Matriz de Referência similar à do Projeto 1, com pequena variação;
a etapa de escolaridade avaliada, em 2011, corresponde à 3ª série do EM. Transcrevemos o
excerto da Matriz que apresenta os tópicos/temas e os descritores relacionados às habili-
dades de leitura de textos literários:

VII – Estéticas literárias e seus contextos históricos

D29 Reconhecer elementos que caracterizam a literariedade de um dado texto.

D30 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando os aspectos do contexto histórico-social e político.

D31 Reconhecer os elementos de continuidade e ruptura entre os diversos momentos da literatura.

VIII – Representações literárias: diversidade e universalidade

D32 Reconhecer modos de representação do índio, da mulher, do negro e do imigrante em diferentes contextos históricos e literários.

D33 Estabelecer relações entre textos literários da contemporaneidade e entre diferentes manifestações literárias e culturais de diferentes épocas.

D34 Interpretar figuras de linguagem no contexto, analisando a função dessas figuras.


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Os percentuais de acerto para cada um desses descritores estão relacionados no gráfico:

3ª SÉRIE EM
Percentual de acerto
0,01 0,02 0,03 0,04 0,05 0,06 0,07 0,08 0,09 0,0 100,0

D29 12,8

D30 29,6
Descritor

D31 26,7

D32 31,0

D33 31,3

D34 19,7

Fonte: CAEd/UFJF – Tabulação dos autores.

Vale notar que os percentuais de acerto variaram de 12,8% a 31,3%, de acordo com a habili-
dade focalizada na avaliação de 2011. O descritor D31, por exemplo, que remete à habilidade
de reconhecer os elementos de continuidade e ruptura entre os diversos momentos da
literatura, foi avaliado através de itens como o seguinte:

Figura 8 •

Fonte: CAEd/UFJF – Banco de Itens.


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106

O suporte desse item consiste em um poema concreto, que explora, de início, elementos
visuais: o leitor visualiza, com bastante clareza, a imagem de uma xícara fumegante, formada
pela disposição gráfica das palavras e de um sinal de pontuação – a interrogação –, que
representa a asa da xícara.

O poema remete, desse modo, ao prazer de tomar uma xícara de café, lançando mão de
recursos inovadores, como o trabalho gráfico realizado com o texto. Ao mesmo tempo,
elementos canônicos como rima (julho/barulho; quente/reluzente; prosa/gostosa) estão
presentes, revelando a habilidade avaliada: reconhecer os elementos de continuidade e
ruptura em textos literários.

Quase 50% dos estudantes que participaram da avaliação acertaram esse item (48%), o que
sugere que essa é uma habilidade que vem sendo abordada nas turmas da 3ª série EM do
estado relacionado ao Projeto 2, inclusive em etapas anteriores. Nesse sentido, pode-se
considerar que os estudantes estão sendo conduzidos por outras dimensões do uso da pa-
lavra, notadamente aquelas relacionadas aos elementos tradicionais da composição poética,
embora esse percentual esteja aquém do esperado para essa etapa de escolarização. Cabe
notar que o descritor em análise, que é avaliado por mais de um item, apresentou, no total,
um índice de acerto de 26,7%, bem abaixo do desejável, o que sinaliza para a dificuldade em
trabalhar a linguagem poética em itens mais complexos que o apresentado.

Entretanto, percebe-se um desempenho insatisfatório com relação à habilidade de reconhe-


cer elementos que caracterizam a literariedade de um dado texto, que apresentou o menor
percentual de acerto no Projeto 2: 12,8%. Na avaliação do Projeto 1, essa mesma habilidade
também demonstrou ser a menos desenvolvida pelos estudantes, com um percentual de
acerto de 22,1%.

O item a seguir é representativo dessa habilidade, que se revelou a mais difícil, na avaliação
de 2011:
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Figura 9 •

Fonte: CAEd/UFJF – Banco de Itens.

O poema “Triste Bahia”, de Gregório de Matos, apresenta um eu lírico que expõe sua opinião
sobre o passado e o presente da cidade da Bahia do século XVII. Lançando mão da retórica
barroca, o poeta faz uso das ideias opostas presentes na referência à riqueza do passado e
à pobreza do presente, o que contribui para a elaboração lírica do texto. Menos de 30% dos
estudantes da 1ª série EM do Projeto 1 conseguiram acertar esse item (28%), o que mostra
que poucos foram capazes de perceber que o caráter literário desse soneto está presente
no fato de o sujeito lírico discutir uma realidade social por meio de simbologias e lirismo.

Os dados apresentados revelam que os estudantes da 1ª e da 3ª série do Ensino Médio dos


projetos focalizados neste estudo ainda não desenvolveram plenamente as habilidades espe-
radas para essas etapas de escolarização. Se concordamos com a assertiva, já mencionada,
de que a leitura é um ato de compreensão de um objeto na sua potencialidade simbólica,
faz-se necessário levar os estudantes a atingir essa capacidade de compreensão. O texto
literário, pelas características inerentes ao gênero, serve a esse propósito, enquanto texto-
-fim que nos apresenta um “universo alternativo” criado pelo poder simbólico, imagético,
ilimitado da palavra.

Os professores de Língua Portuguesa e de literatura de Língua Portuguesa devem ter em


mente esse objetivo, em sua prática profissional. O desenvolvimento da competência leitora
está intrinsecamente ligado ao trabalho com textos de variados tipos e gêneros, e o trabalho
com o texto literário é capaz de levar os estudantes a ampliarem suas habilidades de leitura.
Desse modo, será possível acordar, através das palavras, aquele “universo adormecido” já
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108

referido por Rubem Alves, levando nossas crianças e nossos adolescentes a dominarem
essa ferramenta poderosa e mágica: a palavra.

A PALAVRA

Já não quero dicionários


consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.
Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


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Referências bibliográficas

ALVES, Rubem. Conversas sobre educação. 6 ed. Campinas: Verus, 2003.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002.

BRAIT, Beth. Literatura e outras linguagens. São Paulo: Contexto, 2010.

CAEd/Faculdade de Educação – Universidade Federal de Juiz de Fora, Bases de dados. Juiz


de Fora, 2011.

CAEd/Faculdade de Educação – Universidade Federal de Juiz de Fora, Bases de itens. Juiz


de Fora, 2011.

FORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. 14 ed. São Paulo: Contexto, 2006

MACHADO, Ana Maria. Contracorrente: conversas sobre leitura e política. São Paulo: Atica, 1999.

MACHADO, Aníbal M. Cadernos de João. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957.

MEIRELES, Cecília. Poesia completa. 4 ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1993.

MICHELETTI, Guaraciaba (coord.). Leitura e construção do real: o lugar da poesia e da ficção.


São Paulo: Cortez, 2000.

SECCHIN, Antonio Carlos. Memórias de um leitor de poesia. In: _____. Memórias de um leitor


de poesia. Rio de Janeiro: Topbooks, 2010. p. 13-26.

ZILBERMAN, Regina (org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. 9 ed. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1988.

ZILBERMAN, Rgina. Leitura literária e outras leituras. In: BATISTA, Antônio A. Gomes & GALVÃO,
Ana Maria de O. (orgs.). Leitura: práticas, impressos, letramentos. Belo Horizonte: Autêntica,
1999. p. 71-88.
Reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora
Henrique Duque de Miranda Chaves Filho

Coordenação Geral do CAEd


Lina Kátia Mesquita Oliveira

Coordenação Técnica do Projeto


Manuel Fernando Palácios da Cunha Melo

Coordenação da Unidade de Pesquisa


Tufi Machado Soares

Coordenação de Análises e Publicações


Wagner Silveira Rezende

Coordenação de Instrumentos de Avaliação


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Coordenação de Medidas Educacionais


Wellington Silva

Coordenação de Operações de Avaliação


Rafael de Oliveira

Coordenação de Processamento de Documentos


Benito Delage

Coordenação de Produção Visual


Hamilton Ferreira

Responsável pelo Projeto Gráfico


Edna Rezende S. de Alcântara
Ficha Catalográfica
Caderno de Pesquisa - 2011 / Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Educação, CAEd.
v. 6 (jan/dez. 2011), Juiz de Fora, 2011 – Anual

MELO, Manuel Fernando Palácios da Cunha e; OLIVEIRA, Lina Kátia Mesquita; REZENDE, Wagner Silveira.

ISSN 2316-7599
CDU 373.3+373.5:371.26(05)

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