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A Igreja das Origens

1º) Anúncio do Evangelho aos judeus (Anos 30 – 40):


1) Vivências, tensões e conflitos; 2) Mudança de conjuntura;
3) Influência da conjuntura sobre as comunidades.
2º) Expansão missionária pelo mundo grego (Anos 40 – 70):
1) Passagem; 2) Missionários e missionárias; 3) Atuação das
mulheres; 4) Condição social dos primeiros cristãos; 5) O
Novo Testamento; 6) Mudança de conjuntura.
3º) Organização e consolidação das Comunidades (Anos 70 –
110): 1) Introdução; 2) Progressiva separação entre judeus e
cristãos; 3) As muitas religiões e o avanço da Pax Romana.
CEBI: Roteiros para Reflexão 8 (Lc/At, pp. 8-20) e Roteiros
para Reflexão 9 (Jo/Ap, pp. 10-13).
História do tratado
da Eclesialogia: primórdios
• A história é mestra da vida. Isso vale também para a
Eclesialogia. A história mostra como foi compreendida,
qual o itinerário, quais as expressões mais válidas da
Igreja.
• O ponto de partida, naturalmente, são os ricos enunciados
eclesialógicos do Novo Testamento que não apresentam
nenhuma eclesialogia sistematizada, mas oferecem
múltiplas abordagens eclesialógicas.
• Inácio de Antioquia (+/- 115) e Ireneu de Lyon (+/- 202) já
indicam os elementos essenciais do que viria a ser a
posterior eclesialogia católica, notadamente a sucessão
apostólica do ministério episcopal. Um tratado sistemático
de eclesialogia, no entanto, ainda não existe nos Padres da
Igreja.
• Para os Padres da Igreja, na linha do NT, a Igreja é vista
como o Mysterium, o Corpo e a Noiva de Cristo, o Templo
do Espírito, a Communio. Mais do que definições lógicas,
usam comparações simbólicas. Falam, entre outras
comparações, do mysterium lunae, da barca a singrar o
mar da vida e da videira, para discursar sobre a Igreja.
• Ambrósio de Milão (+ 397) apraz-se em apresentar a Igreja
conjugando numa só sentença as imagens de Noiva de
Cristo, Mãe dos crentes, Corpo de Cristo, Povo de Deus.
Determinante para a eclesialogia ocidental foi Agostinho.
• A maioria dos Padres da Igreja também eram bispos, razão
pela qual tiveram que se ocupar com a ordem concreta da
Igreja. Tiveram que lidar crítica e sensatamente com sérios
problemas, rupturas e heresias. Quando o cristianismo se
tornou “religio licita” com Constantino (313) e religião de
Estado com Teodósio (380) e Igreja das multidões, os
mesmos Padres combateram a alienação, a corrupção e a
mundanização.
• A eclesialogia patrística ante litteram acentua a
Communio (κοινωνία) entre todos os fiéis, o que
se realiza proeminentemente na celebração
eucarística.
• Outra ênfase patrística vai à Ecclesia Mater,
portadora de salvação e geradora do homem novo
mediante o batismo.
• Neste período a fé eclesial sobre a Igreja encontra-
se nos diversos símbolos da fé que mostram a total
referência e dependência de Cristo. Mais do que
definire Ecclesiam vige o sentire Ecclesiam.
• A eclesialogia canônica assume lugar próprio com
Graciano, no séc. XII (sacramentos em geral;
Matrimônio e Ordem, em particular). O contexto é
o da Reforma Gregoriana e das disputas entre
papado e imperadores/reis: Decretum Gratiani/
Decretais de Graciano.
Tratado de Eclesiologia
• Há consenso nos estudos
eclesialógicos de situar o verdadeiro
nascimento do tratado De Ecclesia
na obra de Tiago de Viterbo .
• Tiago de Viterbo nasceu em Viterbo
em 1255. Ingressa na Ordem dos
Eremitas de Santo Agostinho em
1270 ou 1272. Estuda em Paris, onde
obtém o grau de Mestre em Teologia
em 1290 e ocupa uma Cátedra entre
Trata-se de um pequeno 1293 e 1300. Em 1302 é eleito Bispo
opúsculo que se de Bénévent, pouco tempo depois
apresenta como ocupa a sede episcopal de Nápoles,
verdadeiro tratado sobre cidade onde permanecerá até sua
a Igreja (confluência da morte em 1308.
doutrina agostiniana e da
matriz tomista).
O pensar eclesialógico da Idade Média
• Embora teologicamente a Igreja continuasse a ser descrita
como Mysterium, sua apresentação exterior passou a
assumir traços burocráticos, mundanos e imperiais. Na
Idade Média este processo adquiriu características feudais.
• É verdade que a reforma gregoriana e a controvérsia das
investiduras do século XI constituíram efetivo espaço de
independência e liberdade para a Igreja. Ao mesmo tempo,
porém, ela travou suas lutas com meios mundanos e
acabou por tornar-se monarquia papal.
• Os teólogos medievais refletiam profundamente sobre a
Igreja sem, no entanto, elaborar eclesialogia sistemática.
Basta apreciar as reflexões sobre a Igreja nos comentários
bíblicos, nas homilias e orações. Nem mesmo a Escolástica
elaborou qualquer tratado eclesial.
• No contexto da controvérsia com Berengário de Tours (+
1088), sobre a presença real de Jesus na Eucaristia, o
conceito de Corpo Místico referido à Eucaristia veio a ser
mal entendido. Assim, passou a ser aplicado à Igreja.
Contudo, a essa altura a compreensão patrística
sacramental-eucarística da Igreja foi substituída pela
compreensão corporativa. A Alta Escolástica, bem
representada por Tomás de Aquino (+ 1274), continua a
professar a Eucaristia como Sacramento da unidade da
Igreja.
• “As primeiras exposições eclesiológicas com Jacó de
Viterbo (+1308), João Guidort de Paris (+1306), João de
Ragusa (+1443) e Tomás de Torquemada (+1498)
consistiram numa hierarcologia mais que numa
eclesiologia. A ela, Marsílio de Pádua (+1342/1343) e
Guilherme de Ockham (1347) contrapuseram uma
tendência crítica ao papa e teorias de soberania popular
aplicadas à Igreja” (W. Kasper, 100).
As intuições e reações
da Reforma Protestante
• À ênfase jurídica posterior reagiram os
reformadores (John Wyclif/1384 e Jan
Hus/+1415), com visão espiritualista da
Igreja.
• Philipp Melanchthon, 1497 - 1560 (artigo
VII da Confissão de Augsburgo, 1530)
ofereceu importante definição teológica de
Igreja: “É suficiente (satis est) para a
unidade da Igreja que o Evangelho seja
ensinado de maneira pura e os sacramentos
sejam administrados em conformidade com
o Evangelho”. Esta Confissão é reconhecida
como Magna Charta da compreensão
eclesial para a Reforma.
• Os reformadores, em princípio, não queriam fundar
nova Igreja, mas renovar a cristandade inteira. Ao
interno da Reforma não houve consenso em torno
desta fórmula. Também para o diálogo ecumênico
fica difícil tal critério porque não há nenhuma
referência ao ministério eclesiástico seja na
proclamação do Evangelho seja na administração
dos sacramentos.
• Assim permanecem dúvidas acerca da relação entre
sacerdócio comum e ministerial, sobre a
compreensão da ordenação e o ministério
episcopal.
A reação católica

• O destaque da reação católica foi acentuar o aspecto visível


da Igreja, como bem retratam as Disputationes de
controversiis christiane fidei adversus hujus temporis
haereticos de Roberto Belarmino (+ 1621): “A Igreja é tão
visível como a comunidade do povo romano, ou o reino da
França ou a república de Veneza”.
• À negação do papado pela Reforma acentua-se tanto a
figura e a missão do Romano Pontífice a ponto de a Igreja
praticamente tornar-se a Igreja do Papa.
• Contudo, por mais que os aspectos visíveis e externos
fossem evidenciados, a teologia católica não esqueceu a
dimensão cristológica e pneumatológica da Igreja.
Expoentes da Contrarreforma

Paulo III
(1468-1549)
1534-1549 Concílio de Trento (1545 a 1563)

Pio V
Inácio de (1504-
Loyola: 1572)
1566-1572
1491-1556
Novas mudanças...
• Com o fim da burguesia, ao termo da Guerra 1914-19, as
grandes Igrejas tomaram nova consciência eclesial.
• As Igrejas ortodoxas, após um período escolástico,
voltaram intensamente à eclesialogia patrística;
• A partir das contribuições de Karl Barth a teologia
evangélica renovou-se profundamente;
• Do lado católico vários nomes deram efetiva contribuição
para a renovação da Igreja e de sua presença missionária
no mundo: Romano Guardini, Hugo e Karl Rahner, Hans Urs
von Balthazar, Chenu, De Lubac, Danielou, Congar, Avery
Dulles...
• O acento à Igreja qual Corpo Místico de Cristo ecoou bem
nas encíclicas Mystici Corporis (1943) e Mediator Dei
(1947) de Pio XII. Enfim recebeu acolhida aprofundada e
atualizada na Lumen Gentium.
Sacramento
de Cristo
Introdução
O Concílio Vaticano II, afirma que «a Igreja, em
Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o
instrumento da íntima união com Deus e da
unidade de todo o gênero humano» (LG 1).
Reconhecendo a importância de aprofundar a sua
própria identidade, a Igreja retorna às bases ou
fundamentos da compreensão do que ela seria
exatamente, partindo de uma visão fundamentada
sobre a Sagrada Escritura e Padres da Igreja.

Apreciemos o tema:
1. O que é Sacramento?;
2. A Igreja enquanto Sacramento de Cristo;
3. A sacramentalidade da Igreja em seu Ser,
em seu Agir, mediante a Palavra e pelos
Sacramentos.
1. O que é ‘Sacramento’
• Antes de explicar como a Igreja é um sacramento e o que isso
significa, é importante saber de onde a palavra “sacramento”
vem e o que significa. A palavra grega mysterion foi traduzida
para o latim usando duas palavras diferentes: mysterium e
sacramentum. Logo depois, o segundo termo assumiu o
significado de um sinal visível da realidade escondida da
salvação, que foi indicada pelo termo mysterion.
• “A palavra latina sacramentum como uma descrição do
acontecimento salvífico que se realiza no povo de Deus
também tinha uma longa história antes que ela adquiriu seu
significado presente no Concílio de Trento. A palavra … está
conectada com sacrare ou consecrare, e o termo significa
uma remoção legalmente válida e permanente de uma
pessoa ou coisa da esfera da lei humana à da lei divina”
(Michael Schmaus, “Kirche als Sakramente”, Katholische
Dogmatik).
• O primeiro Padre da Igreja a dar ao termo latino
sacramentum um conteúdo e significado cristão foi
Tertuliano, já que o uso em latim clássico tinha o
significado de “juramento”. Foi ele quem usou o termo
com dois significados distintos, sendo um deles a noção
de um juramento e outro o entendimento de
sacramentum como “mistério”.
• A compreensão do sacramento sofreu um
desenvolvimento significativo, aproximadamente 200
anos depois, com Santo Agostinho. “Para Agostinho,
sacramento é um sinal sagrado, mas ele diferencia
entre o sinal e o conteúdo (res) do sinal. No que diz
respeito aos sinais o mais importante a considerar não
é o que eles são, mas o que eles significam. Porém,
para que um sinal possa comunicar algo diferente de
seu próprio ser, ele deve ter alguma semelhança com
aquilo ao que se refere” (Schmaus, “Kirche...”).
• Como Tertuliano e outros Pais da Igreja primitiva
entenderam, sacramentum refere-se, sobretudo, ao
plano divino da salvação em sua realização histórica, e
se este for o caso, então o sinal sagrado do qual Santo
Agostinho fala é sinal da realidade escondida da
salvação, percebida e presente em um sacramento.
• É precisamente através de sinais que a pessoa humana
é capaz de alcançar o conhecimento do divino, da
realidade do mistério, já que é incapaz de fazê-lo de
forma direta, sem o auxílio de algo visível ou sensível.
• Considerando estas explicações de “sacramento’, a
Igreja começou a entender o próprio Cristo como
um sacramentum, efetivamente o sacramento de Deus.
• Santo Agostinho explica que “o mistério (ou sacramento) de Deus
não é outro senão Cristo” (G. Phillips, A Igreja e seu mistério no
Vat. II). Henri de Lubac diz que aquilo que é sacramental “não é
um entremeio, mas sim um mediador; não é algo que isola uma
parte da outra, mas que quer ligar os dois termos. Não coloca uma
distância entre eles; pelo contrário, os une ao fazer presente o que
ele evoca” (Henri de Lubac, “La splendeur de l’Église”, Méditation
sur l'Église).
• Neste sentido nós podemos entender Cristo como o verdadeiro
sacramento de Deus, porque é unicamente através de Cristo que
somos capazes de entrar em uma plena comunhão e relação com
Deus. A Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, ao assumir a
carne humana e tornar-se homem, torna-se a ponte entre o
homem e Deus, algo que é apresentado de maneira clara no
Evangelho de São João: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida.
Ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14,6).
• Ele é o sinal visível da realidade invisível da salvação e que foi
entendido sob o termo sacramentum na teologia latina, como
também o próprio instrumento de salvação, a porta através da
qual nós entramos em vistas a obter a salvação.
2. A Igreja Sacramento de Cristo
• Da mesma maneira que Cristo é o sacramento de Deus, entende-
se que a Igreja é, verdadeiramente, um sacramento, pois é nela e
através dela que Cristo está presente no mundo, sendo, portanto,
a única forma pela qual um homem pode entrar na plenitude da
união com Cristo e conhecer a Deus. Para tornar mais claro, De
Lubac diz que “ninguém… atingirá um conhecimento do Pai, que
vá dispensá-lo, desse ponto em diante, de passar por aquele que
vai, sempre e por todos, ser o Caminho e a Imagem do Deus
invisível. E o mesmo vale para a Igreja. Todo o seu fim é para nos
mostrar Cristo, levar-nos a ele, e transmitir a sua graça para nós…
ela existe somente para nos colocar em relação com ele” (De
Lubac, “La splendeur d l’Église”). Isso nos possibilita entender
melhor como a Igreja é sacramento.
• Por causa desse retorno para a compreensão original e mais ampla
de sacramentum, que está presente desde os primeiros séculos do
Cristianismo, o Concílio foi capaz de se referir à Igreja como um
sacramento em três ocasiões na Lumen Gentium (LG 1.9.48).
LG 1: “... E, porque a Igreja é em Cristo como que um
sacramento, isto é, sinal e instrumento, da união
íntima com Deus e da unidade de todo o gênero
humano, retomando o ensino dos Concílios anteriores,
propõe-se explicar com maior clareza aos fiéis e ao
mundo inteiro, a sua natureza e a sua missão
universal... ”.
LG 48: “... Quando foi levantado da terra,
LG 9: “... Deus Cristo atraiu a si todos os homens (cf. Jo
convocou a assembleia 12,32); ressuscitando de entre os mortos (cf.
dos que em Jesus Rm 6,9) enviou sobre os apóstolos o seu
veem, com fé, o autor Espírito vificador e, por meio dele,
da salvação e o constituiu o seu corpo, que é a Igreja, como
princípio da unidade e sacramento universal de salvação; sentado
da paz, e com eles à direita do Pai, atua continuamente no
constituiu a Igreja, a mundo para conduzir os homens à Igreja e,
fim de que ela seja, por ela, os unir mais estreitamente a si, e
para todos e cada um, para, alimentando-os com o próprio corpo e
o sacramento visível sangue, os tornar participantes de sua vida
desta unidade gloriosa ...”.
salvadora...”.
• O número 9 da Constituição diz que: “Aos que se
voltam com fé para Cristo, autor de salvação e princípio
de unidade e de paz, Deus chamou-os e constituiu-os
em Igreja, a fim de que ela seja para todos e cada um
sacramento visível desta unidade salutar” (LG 9). Esta
compreensão da Igreja como o ‘sacramento visível
desta unidade salutar’ que LG 9 menciona, vem de uma
citação direta do São Cipriano de Cartago, que no
século III foi outro Padre da Igreja que falava
frequentemente da Igreja como um sacramento. Em
sua carta 64, ele diz claramente que “a Igreja é o
inquebrável sacramento da unidade” [sacramentum
unitatis] (São Cipriano). É também através desta
compreensão da Igreja como sacramentum unitatis que
o Concílio Vaticano II, na LG 1, diz que a Igreja é, de
fato, um sinal e instrumento, o sacramento da unidade
entre Deus e o homem. Por isso a unidade entre todos
os homens é o principal fim da Igreja.
• Uma das preocupações que o Concílio Vaticano II teve ao definir a
Igreja como sacramento foi a possibilidade de gerar confusão
entre a Igreja como sacramento e os sete sacramentos da Igreja.
Seria incorreto pensar que de alguma maneira o Concílio teria
criado um oitavo sacramento, tornando-o equivalente aos sete
sacramentos instituídos por Cristo. A maneira correta de
compreender esta realidade é que os sete sacramentos tem sua
fundação e fonte na Igreja e, que sem a Igreja, estes sacramentos
não poderiam existir.
• Michael Schmaus afirma que a Igreja é a “fonte da qual emergem
os sete sacramentos particulares, de acordo com a vontade de
Jesus Cristo” (Schmaus, “Kirche als Sakrament”). Assim como os
sete sacramentos da Igreja foram instituídos por Cristo como
“sinais eficazes da graça…através da qual a vida divina é
dispensada a nós” (Cat.I.Cat 1131), a própria Igreja foi instituída
por Cristo para ser uma instituição humana e divina através da
qual todos os homens são salvos.
• Cristo instituiu os sete sacramentos e desejou que a Igreja fosse a
única distribuidora da graça destes sacramentos. Também é
importante compreender que a sacramentalidade da Igreja é
manifestada em e através da celebração dos sacramentos.
• Segundo Schmaus, “enquanto o mundo durar ela (a Igreja)
é a presença de Deus trabalhando poderosamente e
convidando a humanidade a dialogar com Ele, no interior
de uma sociedade que é estruturada de maneira
hierárquica. Isto expressa a característica básica da
sacramentalidade da Igreja: todos os eventos sacramentais
na Igreja são uma expressão e concretização desta
característica básica” (Schmaus, “Kirche...”).
• Entender a Igreja como sacramento é de importância
crucial para os católicos de hoje. Quando a visão da Igreja
como mera instituição humana, um grupo hierárquico de
pessoas, ou um corpo político é tão proeminente, a
compreensão desta realidade misteriosa, porém
verdadeira, passa a ser de suma importância. Através desta
compreensão aprofundada, podemos crescer na fé,
juntamente com um autêntico amor pela Igreja, algo
altamente necessário em nosso mundo cada vez mais
secularizado e de cultura cada vez mais anticatólica.
A Igreja sempre foi considerada sacramento de Cristo, porém,
o tempo e a prática foram deixando na sombra esta realidade
sacramental da Igreja enquanto “Corpo de Cristo”. O Concílio
Vaticano II veio despertar a atenção dos cristãos,
identificando a Igreja como sacramento, a partir do mistério
pascal de Cristo: “Do lado aberto de Cristo na cruz nasce o
admirável sacramento de toda a Igreja” (SC 5).

Sem deixar o lado humano da Igreja, que muitas vezes causa


tantos ranços à sociedade, o Concílio apresenta seu rosto
luminoso e animador, identificando-a com a vida e missão de
Cristo Ressuscitado: “A Igreja caracteriza-se, ao mesmo
tempo, como humana e divina, visível, mas ornada de dons
invisíveis... Nela o humano se ordena ao divino, o visível ao
invisível... o presente à cidade futura que buscamos” (SC 5).
3. Sacramentalidade, mediação visível
Não tiramos a razão a Santo Agostinho, quando diz que “não há
outro sacramento de Deus a não ser Cristo”. Nenhuma
conquista poderá ser maior do que a de Cristo. É por este
motivo que se confirma que Cristo é o “sacramento original”.
Após a sua ascensão ao céu, nós permanecemos no mundo e
somos necessitados da mediação visível, histórica e real como
possibilidade de encontro com Deus em Cristo, no Espírito.
A mediação é uma necessidade humana que não pode ser
dispensada para podermos relacionar o mundo imanente ao
transcendente. Neste caso, a mediação se torna transparência
que nos possibilita o encontro. A resposta a esta necessidade
nos é dada por Cristo na Igreja. A Igreja é o primeiro sinal
sacramental de Cristo para a humanidade. Se Cristo é o
“sacramento original”, a Igreja passa a ser o “sacramento
principal”. Toda a sacramentalidade que nos vem de Cristo passa
para nós pela mediação da Igreja.
3.1. A Igreja é Sacramento por seu Ser
• A Igreja se identifica no mundo como uma realidade bem
concreta que se mistura com o cotidiano dos humanos,
porém justifica o seu ser em vista do invisível e espiritual.
A categoria de sacramento evidencia a realidade em seu
aspecto físico-material e em sua dimensão de mistério.
• Como Cristo, a Igreja é divina e humana
simultaneamente. Porém, diferentemente de Cristo, a
Igreja, como humana, é pecadora ao passo que Cristo não
foi pecador. Daí a necessidade que a Igreja tem de estar
em permanente conversão para “ir se tornando o que
deve ser”. A Igreja configura-se no mundo com formas
terrestres, ao mesmo tempo em que é dotada de bens
celestiais. Nela convive o “Já” do que está para vir e o
“Ainda não” de nossas demoras humanas.
3.2. A Igreja é Sacramento por seu Agir

• Aqui vale o testemunho de vida e a coerência


entre as obras reais e o seu mistério. As palavras,
os compromissos com a vida, as organizações
externas e as instituições são chamadas a
responder a sua identidade como “sacramento de
Cristo no mundo”. Neste caso não podemos
distanciar a sua preocupação pela educação da fé,
a celebração litúrgica e a caridade organizada. A
Palavra e os sacramentos devem ser a alma de
toda a ação da Igreja em favor da humanidade.
3.3. A Igreja é Sacramento pela Palavra
• Se o Pai fez ouvir a sua voz, tornando-a a “voz da
Palavra”, e o Filho tornou visível o “rosto da Palavra”, a
Igreja tem por missão ser a “casa da Palavra”. Como
“casa da Palavra”, a Igreja necessita cultivar o cuidado
com o tesouro revelado, com a interpretação da
Escritura, para que a sacramentalidade da Palavra não
fique jogada na indiferença, ou no desprezo. Na própria
identidade da Igreja está a Palavra que a impregna e a
torna responsável para que se torne viva na caminhada
humana.
• Na verdade, a Palavra ilumina a Igreja acerca do seu ser
e agir; o que deve ser e como deve agir.
3.4. A Igreja é Sacramento pelos Sacramentos
1. Introdução da temática comunional;
2. A Comunhão a partir da Trindade;
3. Comunhão a partir dos conceitos
de “Mistério” e “Povo de Deus”;
4. Igreja, sociedade perfeita?;
5. A Comunhão na Igreja fraterna
do Povo de Deus;
6. Igreja universal e Igrejas particulares;
7. A Communio Sanctorum
(Comunhão dos Santos);
8. A Igreja a serviço da Comunhão
no mundo.
1. Introdução:
Eclesialogia de comunhão/communio
• O conceito de comunhão está "no coração da
autoconsciência da Igreja", enquanto Mistério da
união pessoal de cada homem com a Trindade divina e
com os outros homens, iniciada na fé e orientada para
a plenitude escatológica na Igreja celeste, embora
sendo já desde o início uma realidade na Igreja sobre
a terra (PCDF, Carta sobre alguns aspectos da Igreja
Comunhão, 3). A comunhão implica sempre uma
dupla dimensão: vertical (comunhão com Deus)
e horizontal (comunhão entre os pessoas humanas).
(PCDF, Igreja Comunhão, 1992: Introdução; 1) A Igreja,
mistério de Comunhão; 2) Igreja universal e igrejas
particulares; 3) Comunhão das Igrejas, Eucaristia e
episcopado; 4) Unidade e diversidade na comunhão
eclesial; 5) Comunhão eclesial e ecumenismo; Conclusão).
• A origem central da compreensão da Igreja como
“Comunhão” encontra-se na relação comunitária da
Trindade, pois a comunhão vem do amor de Deus pela
humanidade, e esta se manifesta em todo o desejo salvífico
de Deus, o que demonstra a economia de salvação. Sendo
assim, deve-se entender a comunhão eclesial como um
dom de Deus, Uno e Trino (HACKMANN, G. A amada Igreja
de Jesus Cristo. Porto Alegre: EDPUCRS, 2003, p. 96.).

• Aqui é oportuno lembrar o Imperativo ecumênico e


comunional: “Que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em
mim e eu em ti, que eles estejam em nós, para que o
mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21)
• A temática da Igreja-Comunhão se dá a partir da
redescoberta da origem trinitária da Igreja (LG 1), que
fundamenta a ideia de comunhão, de unidade na
diversidade. Segundo Bruno Forte, para realizar o seu
desígnio de unidade na variedade dos homens e dos
povos, o Pai mandou seu Filho e o Espírito, Senhor e
vivificador, que congrega toda Igreja […] é ele o
princípio de unidade na doutrina dos apóstolos e na
comunhão, na fração do pão e nas orações (At 2,42-47
e LG 13).

As quatro “rodas” do carro ou as quatro “colunas”


da casa (da comunidade):
ⓐ Ensinamento dos apóstolos (διδαχὴ τῶν ἀποστόλων);
ⓑ Comunhão fraterna (κοινωνία);
ⓒ Fração do pão (κλάσις τοῡ ἄρτου - εὐχαριστία);
ⓓ Oração (προσευχή).
2. A Comunhão a partir da Trindade
• O primeiro capítulo da Constituição Dogmática Lumen
Gentium trata do resgate da profundidade trinitária da Igreja:
De unitate Patris et Filii et Spiritus Sancti plebs adunata (S.
Cipriano). O que significa afirmar que a Igreja tem sua origem
na Trindade, isto é, vem do alto (oriens ex alto); está na
Trindade e ruma para o acabamento trinitário. Seu fim último
é a Trindade. Portanto, a Igreja é plasmada pelo alto e rumo
ao alto: Regnum Dei praesens in mysterio (LG 3). Vê-se,
também, que a Lumen Gentium, ao concluir a apresentação
trinitária da Igreja, diz que “desta maneira aparece a Igreja
toda: o povo reunido na unidade do Pai e do Filho e do
Espírito Santo” (LG 4), isto é, essa mesma Igreja, que tem sua
origem no mistério trinitário, pelas missões do Filho e do
Espírito Santo, por livre e amorosa iniciativa do Pai, encontra
na mesma Trindade seu modelo.
• A Igreja “reflete a comunhão trinitária, una na diversidade, e
ruma para a Trindade, na recapitulação final de todas as
coisas em Cristo, para que ele as entregue ao Pai na
comunhão da Glória” (FORTE, B. A Igreja, ícone da Trindade.
São Paulo: Loyola, 1983, p. 09.). A Igreja-Comunhão
manifesta-se nos Sacramentos e na Palavra de Deus, tendo o
Batismo como porta e fundamento da comunhão na Igreja e a
Eucaristia é a fonte e ápice de toda a vida cristã (LG 11). Mas,
acima de tudo, o modelo de toda a comunhão na Igreja é a
Trindade, a melhor comunidade. Dessa forma, percebe-se
que a comunhão do Corpo de Cristo eucarístico leva a uma
íntima comunhão entre todos os membros, constituindo-os,
verdadeiramente, membros da Igreja.
• Sem dúvida, a redescoberta da fundação trinitária da Igreja,
pela qual a Trindade é origem, forma e meta da realidade
eclesial, na apresentação do povo de Deus peregrino (inter
tempora), entre o tempo da origem e o tempo da Pátria
ilumina a ideia de comunhão de unidade na variedade
católica (cf. Idem, p.09).
• “Este é o sagrado mistério da unidade da Igreja, em
Cristo e por Cristo, realizando o Espírito Santo a
variedade dos ministérios. Deste mistério o supremo
modelo e princípio é a unidade dum só Deus, o Pai e o
Filho no Espírito Santo, na Trindade de pessoas” (UR 2).
• Da mesma forma que o homem é criado à imagem de
Deus, assim a Igreja é, na sua totalidade, um ícone da
Trindade. A Igreja da terra reflete o mistério da unidade
na diversidade. A comunhão da Igreja tem sua fonte e
seu princípio vital na comunhão trinitária. Enquanto
comunhão dos santos ela é imagem da
κοινωνία/communio/comunhão mais elevada e a mais
perfeita que é a Trindade.
Mistério da Santíssima Trindade: Pai, Filho e
Espírito Santo. Cremos na Trindade, o TriUno ou o
UniTrino: há três Pessoas e um só Deus. É possível
isso? Não seria um absurdo: 3 = 1? É diferente do
absoluto monoteísmo judeu e muçulmano. Como
conciliar este monoteísmo com a Trindade de
Pessoas no Único Deus? Não vale o pseudo axioma
do “creio porque é absurdo” (credo quia
absurdum), atribuído a Tertuliano (160 a 220 d.C.)
em De Carne Christi e retomado por Agostinho.

Aqui o Três não é matemático mas simbólico para


sinalizar que Deus é comunhão e não solidão, com
distinções que não se excluem mas se incluem, não
se opõem mas se compõem. C. G. Jung escreveu
sobre o sentido arquetípico-simbólico da Trindade
cristã. O Três expressa a relação tão íntima e infinita
entre as diversas Pessoas que se uni-ficam, quer
dizer, ficam um, um só Deus. Se são três Únicos, não
seria triteísmo, três Deuses paralelos em vez de um
(monoteísmo)?
Isso seria a lógica matemática. Se temos 1 manga + 1
manga + 1 manga, resultam em três mangas.
Mas com a Trindade não é assim, pois nela
nada se soma ou se subtrai. Estamos diante
da lógica das relações interpessoais. Nesta
lógica, as relações não se somam. Elas se
entrelaçam e se incluem, constituindo uma
unidade. Assim, pai, mãe e filhos
constituem um único jogo de relações,
formando uma única família. A família
resulta das relações inclusivas entre seus
membros. Não há pai e mãe sem filho, não
há filho sem pai e mãe. Os três se uni-
ficam, ficam um, uma única família. Três
As relações distintos mas uma só família, a trindade ou
divinas são tríade humana.
o modelo da
vida e das À luz das relações divinas, a Trinidade se
relações nos revela como a mais perfeita realização
eclesiais e da ‘comunhão entre distintos’ e, como tal,
humanas. é luz que ilumina as relações humanas
interpessoais. Por isso, a família é imagem
privilegiada da comunhão trinitária.
Se houvesse um só e único Deus reinaria absoluta
solidão. Se houvesse dois Únicos, vigoraria a
distinção, a separação e a exclusão (um não é o
outro) e uma mútua contemplação.
Com o três, o um e o dois se voltam para o três,
superam a separação e se encontram no três.
Irrompe a comunhão circular e a inclusão de uns nos
outros, pelos outros e com os outros: a Trindade.
O que existe no princípio é a simultaneidade dos três
Únicos. Ninguém é antes ou depois, mais ou menos.
Emergem juntos, sempre voltados uns para com os
outros, se comunicando reciprocamente e sem fim.
Por isso, no princípio está a comunhão. Então: três
Pessoas e um só Deus-comunhão. Eis o monoteísmo
trinitário, singularidade do Cristianismo.
Algo semelhante diz a cosmologia. O universo não
resulta da soma de todos os seus seres. É constituído
pelo conjunto das relações que todos entretém com
todos. Tudo é relação e nada existe fora da relação (cf. N.
Bohr e W. Heisenberg, os dois fundadores da física
quântica). Assim, o universo é a grande metáfora da
Trindade, criado à sua imagem e semelhança: tudo é
relação de tudo com tudo: um uni-verso. E nós imersos
dentro dele.
Relação pericorética na Trindade

• Pericórese (περιχώρησις): expressão grega que


literalmente significa uma Pessoa conter as outras duas
(em sentido estático) ou então cada uma das Pessoas
interpenetrar as outras reciprocamente (sentido ativo).
O adjetivo pericorético quer designar o caráter de
comunhão que vigora entre as divinas Pessoas da
Trindade.
• Qual é a relação que existe na Santíssima Trindade? A
resposta só pode ser o amor. Esta ideia da pericorese
vem de uma brincadeira de roda, na qual João
Damasceno, Pai da Igreja, foi quem a percebeu numa
brincadeira de roda como o melhor exemplo para o
relacionamento existente na Santíssima Trindade. Isto
já nos diz muito a respeito de Deus. Na Trindade não
existe egoísmo, muito menos "o não reparti".
• Cada Pessoa da Santíssima Trindade está em
interação com a outra. A primeira é o Pai por
causa de sua função; a Segunda é Filho por
causa de sua função; e a Terceira, comumente
chamada de Espírito Santo, tem a função de
doador da vida. Estas funções é o que
chamamos em Teologia de Distinção Formal. É
através desta distinção que não confundimos
as Pessoas e nem seus papéis na Trindade.
3. Comunhão a partir de “Mistério”
e “Povo de Deus”
A reflexão conciliar sobre a Igreja, sublinha dois aspectos basilares: a
Igreja como mistério (μιστήριον) a partir da Trindade (Ecclesia de
Trinitate, LG 2-4); a Igreja como Povo de Deus (λαὸς τοῦ Θεοῦ),
como categoria central para expressar o caráter histórico, encarnado
da Igreja de Cristo. O tema da Igreja-comunhão é também recorrente
no Concílio, mas não tão sublinhado quanto o tema do Povo de Deus.
Fala-se mais de Igreja-comunidade. Como o tema comunhão entra
justamente na etapa pós-conciliar? Com que preocupações? Com
quais interesses?
Dizer que a Igreja é comunhão tem validade em qualquer eclesiologia
histórica, em qualquer figura histórica de Igreja. Comunhão é uma
dimensão que deve ser vivida pela comunidade eclesial sempre e em
todo lugar. Ela faz parte da autoconsciência da Igreja a partir da
Trindade. Se eclesiologia é uma teoria de uma prática eclesial
historicamente situada, então deve-se perguntar pelas condições
histórico-eclesiais para uma eclesiologia de comunhão.
4. Igreja, Sociedade Perfeita?
• A comunhão numa concepção societária de Igreja,
como “sociedade perfeita”. Aqui a Igreja é
considerada como completa em si mesma, na
posse de todos os meios para atingir os seus fins,
do mesmo modo que o estado tem todos os
meios para atingir seus fins. Trata-se de um
modelo de Igreja que se delimita frente à
dissidência protestante e frente ao mundo
moderno em expansão. Esse modelo de Igreja é
fechado sobre si mesmo. Acentua, contra a
dissidência protestante, a “unidade católica”;
contra o desenvolvimento da modernidade e das
formas democráticas de organização política, a
Igreja como “sociedade desigual”.
5. A comunhão Fraterna
na Igreja Povo de Deus
Na Igreja mistério/Povo de Deus a comunhão é vista:
a) O sentido radical da comunhão eclesial não se situa
na hierarquia, mas na Igreja como um todo, como dom
do Espírito dado a todo o corpo eclesial;

b) O Espírito gera e sustenta a comunhão eclesial, e a


“comunhão hierárquica”. Esta tem seu sentido e valor
não em si mesma, mas como serviço do povo de Deus.
Ou seja: a “comunhão hierárquica” tem uma dimensão
diaconal, é meio para o fim maior que é a comunhão
eclesial, que, por sua vez expressa (sacramentalmente)
a comunhão com o Pai, por Cristo, na unidade do
Espírito.
c) O suporte histórico da é o povo de Deus,
consagrado pelo batismo. Definindo o povo de Deus
como sujeito histórico da comunhão, colocamos um
ponto fundamental para superar o clericalismo na
Igreja. Esse sujeito histórico tem caráter sacramental.
Por isso deve-se afirmar um sujeito último da
comunhão na Igreja (tanto a eclesial quanto a
hierárquica), que é o Espírito Santo. Esse sujeito
“oculto” se faz presente no sujeito histórico. Ele é o
ator principal da vida eclesial.
• A Lumen Gentium afirma que o mistério de comunhão se
dá na totalidade do Povo de Deus: Assim, este povo
messiânico, embora não abranja atualmente todos os
homens e por vezes apareça como pequeno rebanho é,
contudo, para todo gênero humano germe firmíssimo de
unidade, esperança e salvação. Constituído por Cristo para
a comunhão de vida, caridade e verdade, é por Ele ainda
assumido como instrumento de redenção de todos, e é
enviado ao mundo inteiro como luz do mundo e sal da
terra (cf. Mt 5,13-16; LG 9). Sem dúvidas, nas primeiras
comunidades cristãs a Igreja se autocompreendia como o
“Povo de Deus da nova aliança”. Porém, até o século IV, o
termo ‘povo’ é empregado pelos Padres para a Igreja,
apesar de não constituir uma temática propriamente dita,
visto que o enfoque da eclesiologia, neste período era a
dimensão cristológica.
• Passa-se do conceito histórico de povo para uma
concepção teológico-salvífica. Assim os justos do AT são
vistos como pré-cristãos, que se salvaram, graças a sua fé
e não por meio de Israel, segundo Orígenes, Atanásio e
Agostinho. No entanto, A partir de Agostinho, o conceito
jurídico-romano de populus substitui o conceito histórico-
salvífico de Povo de Deus: a Igreja é a Igreja de todos os
povos compreendidos pelo Império Romano. Assim, já no
século IV, o conceito Povo de Deus representa cada vez
mais os leigos frente aos bispos. No século V não há mais
a preocupação de relacionar a comunidade cristã com o
povo eleito do AT. Seu lugar é ocupado, progressivamente,
pelo conceito agostiniano de Congregatio fidelium.
• Somente no séc. XIX, com a ideia do Corpo Místico de
Cristo, desenvolvida pelas Escolas teológicas de Tübingen
e de Roma, reaparece a ideia da Igreja como Povo de
Deus, articulando a isto a ideia do sacerdócio universal
dos batizados, o que permitiu superar a imagem de uma
Igreja clerical.
• Segundo V. Codina, Paulo mostra três grandes
imagens sobre a Igreja:

a) Povo de Deus, como prolongamento e herdeiro de


Israel;
b) Corpo de Cristo (na comunidade, é seu corpo total)
articulada com a imagem de Corpo de Cristo na
Eucaristia e na Igreja;
c) Templo do Espírito, pois o Espírito faz da Igreja uma
realidade pneumática (Rm 8; Gl 3). A Igreja é morada
e templo do Espírito.
• Do ponto de vista de J. B. Libânio, o modelo Igreja
“Povo de Deus” se caracteriza pela base laical e
colegial, como aparece na LG.
A Igreja é laical no sentido de ser povo de Deus (λαὸς
τοῦ Θεοῦ), donde vem o  termo leigo e o adjetivo
laical. No centro da vida da Igreja está o batismo que
nos faz todos membros iguais de um mesmo Povo de
Deus.
Sobre tal igualdade fundamental, e após ela, virão as
diferenças de ministérios e carismas. Não é a
hierarquia que nos constitui cristãos, mas o
nascimento pelo batismo (cf. Cenários da Igreja. São
Paulo: Loyola, 1999).
• PCDF, Igreja Comunhão 15: "A universalidade da
Igreja, por um lado, comporta a mais sólida unidade
e, por outro, uma pluralidade e
uma diversificação, que não obstaculizam a
unidade, mas lhe conferem o carácter de
'comunhão'.
Esta pluralidade refere-se quer à diversidade de
ministérios, de carismas, de formas de vida e de
apostolado no interior de cada Igreja particular, quer
à diversidade de tradições litúrgicas e culturais entre
as diversas Igrejas particulares.
6. Igreja universal,
Comunhão de Igrejas particulares
• Essa proposta (feita já às vésperas do Concílio, pelos teólogos
franceses Congar e Hamer) pressupõe uma nova articulação
entre as Igrejas particulares e o conjunto da Igreja, entre o
local e o universal (conforme LG 23: formadas à imagem da
Igreja universal, nelas e por elas “existe a Igreja católica una e
única”). Na verdade, na Igreja particular (local) se realiza
plenamente a Igreja de Cristo e faz parte dessa sua plena
realização a comunhão com as demais Igrejas.
• Na Igreja particular age o Espírito, ressoa o Evangelho,
celebra-se a memória do Senhor e os demais sacramentos,
nela se dá a proximidade e a diaconia em relação ao mundo
circundante. A Igreja local compreende, dentro de uma
eclesiologia de comunhão, não meramente como realidade
societária (o que ela é também), mas primeiramente
como comunhão de dons, carismas e ministérios a serviço
do mundo.
7. A Communio Sanctorum
A Communio Sanctorum realiza-se em três dimensões:

• A) Communio Sancti: Refere-se ao Espírito Santo


(com o Pai e o Filho). Ela provém da Trindade, origina-
se da iniciativa divina. Por esse mistério não pode
reduzir-se à categorias sociológicas, histórico-
políticas, ainda que delas não deva prescindir.
Encontra-se no mundo, é formada por santos e
pecadores, está em diaconia e missão no mundo.
Contudo, é iluminada e sustentada pela Trindade. O
Espírito Santo que a faz constantemente atualizada e
atuante na história.
• B) Communio sanctorum/sacramentorum: Refere-se às
realidades santas (Palavra, água, pão, vinho...). Esta
dimensão torna a Igreja Sacramento de Cristo como
Cristo o é do Pai. Palavra e Sacramento são as vias da
comunhão (anámnesis e epíklesis), notadamente no
Sacramentum unitatis que é a Eucaristia.
• A Eucaristia faz a Igreja / A igreja faz a Eucaristia. A
Palavra não será proclamada, se não houver quem a
anuncia; o memorial não será celebrado, se não houver
quem obedeça ao mandamento do Senhor. “Est autem
ecclesia congregatio sanctorum, in qua evangelium pure
docetur et recte administrantur sacramenta” (Confessio
Augustana, VII: Augsburgo 1530).
• PCDF, Igreja Comunhão 5: A comunhão eclesial, na qual cada
um se insere pela fé e pelo Batismo, tem a sua raiz e o seu
centro na Sagrada Eucaristia. Na realidade, o Batismo é
incorporação num corpo edificado e vivificado pelo Senhor
ressuscitado mediante a Eucaristia, de tal maneira que este
corpo pode ser verdadeiramente chamado Corpo de Cristo. A
Eucaristia é fonte e força criadora de comunhão entre os
membros da Igreja precisamente porque une cada um deles
com o próprio Cristo: "na fração do pão eucarístico,
participando nós realmente no Corpo do Senhor, somos
elevados à comunhão com Ele e entre nós: 'Visto que há um
só pão, nós, embora muitos, formamos um só corpo, nós
todos que participamos dum mesmo pão' (1 Cor. 10, 17)".
• Por isso, a expressão paulina a Igreja é o Corpo de
Cristo significa que a Eucaristia, na qual o Senhor nos dá o seu
Corpo e nos transforma num só Corpo, é o lugar onde
permanentemente a Igreja se exprime na sua forma mais
essencial: presente em toda a parte e, no entanto, sendo
só uma, como um é Cristo.
• C) Communio sanctorum fidelium: Refere-se aos
fiéis reunidos, unificados e transformados pelo
Paráclito. “Todos os que são conduzidos pelo
Espírito são filhos de Deus” (Rm 8,14). É a Igreja de
todos os batizados, ungidos: a unidade eclesial feita
na multiplicidade de dons e ministérios (cf. 1Cor
12,4-7). Aqui se fundamenta a Igreja, Comunhão
dos Santos, aberta ao Espírito e às suas surpresas.
Sempre se encontra empenhada em vencer a
trágica resistência do pecado pessoal e social,
“semper renovanda et purificanda”.
8. Igreja a serviço da comunhão no Mundo
• O Vaticano II sistematizou a eclesiologia de comunhão ad
intra (relações mais dialógicas entre todos os membros da
Igreja) e ad extra (diálogo com outras tradições religiosas,
cristãs ou não, e com a sociedade).
• Aliás, outro equívoco na compreensão da comunhão eclesial
é pensá-la para dentro de si como mera vivência intraeclesial,
na intimidade da comunidade. Aqui é importante a inspiração
da “Gaudium et Spes”. O mundo entra não apenas nas
preocupações pastorais, mas na própria auto-compreensão
da Igreja. A Igreja está no mundo e expressa o seu “ser” no
mundo. O que significa compreender a dimensão de
comunhão não apenas como interior a ela mesma, mas
orientada para a vida do mundo, para a missão. Assim como
na Trindade a comunhão é vivida como “comunhão
missionária”, também na Igreja a comunhão deve ser vivida
como “comunhão missionária”. Trata-se de uma Igreja em
saída para amplia a comunhão diaconal.
O Vaticano II compreende a Igreja presente no
mundo como servidora dele na proclamação da
boa-nova de Jesus Cristo.
Papa Francisco retoma esse ensinamento,
lembrando que o mundo todo precisa ser salvo,
e por isso a confissão de fé e a ação eclesial têm
uma dimensão social que lhes é inerente e
precisa ser realizada como contribuição dos
cristãos na construção da sociedade de paz.
“Evangelizar é tornar o Reino de Deus presente
no mundo” (EG 176).
• A fé não se reduz ao privado, pois comporta
implicações sociais. A convicção da fé cristã pode, ou
deve, levar o crente à manifestação mais contraditória
da mística do amor ao próximo: a da prática política,
própria do discípulo missionário de Jesus Cristo. Afinal,
a pregação da Igreja é bem mais que o anúncio de
algumas verdades religiosas, pois é o anúncio da
chegada do Reino de Deus. A Igreja não se anuncia a si
mesma nem tem um fim em si mesma, mas está a
serviço do Reino, exatamente como Jesus fez durante
sua vida. Trata-se de anunciá-lo e fazê-lo acontecer,
sem resumir a fé ao culto ou à oração, mas
envolvendo-os no compromisso com uma nova
sociedade, mais humana e solidária. Afinal, o Reino de
Deus realiza-se em novas relações: de filiação
estabelecida com Deus e de fraternidade estabelecida
entre as pessoas.

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