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A selva amazônica alimenta as torneiras

em São Paulo
Nos últimos dois anos, muitos dos vizinhos da Grande São Paulo (20 milhões de habitantes)
começaram a se acostumar a captar água da chuva com baldes, a esfregar o chão com água da
máquina de lavar roupas e a se levantar de madrugada, antes que as torneiras fiquem secas
novamente, para encher as bacias e ter água para o dia seguinte. O estado mais rico do Brasil
ficou imerso por uma crise hídrica que não previu ou não soube prevenir e observou como
suas reservas foram secando paulatina e perigosamente diante de uma queda inesperada de
precipitações. Os estados próximos, como Rio de Janeiro e Minas Gerais, seguiram os passos
do vizinho e muitos de seus habitantes também sofreram com o desabastecimento de água
durante dias. No Nordeste do país, uma região maior, embora menos populosa, a seca não é
nenhuma novidade, e em épocas mais severas, multiplicam-se as imagens de famílias inteiras
percorrendo dezenas de quilômetros em busca de algum poço de qualidade questionável ou
esperando com a vista voltada às ruas, completamente dependentes da chegada de um
caminhão-pipa. O problema explica-se pela falta de infraestruturas, de previsão e de uma
cultura de consumo responsável. E, também, claro, pela falta de chuvas, um fenômeno que os
especialistas associam ao desmatamento do maior tesouro do Brasil (e do Planeta): a selva
amazônica.

As mordidas constantes do homem sobre a selva amazônica, um ecossistema único que


mantém o ar úmido por até 3.000 quilômetros continente adentro, podem equiparar-se, em
termos ambientais, a acabar com a nascente de um gigantesco rio. Há mais de 20 anos,
diferentes estudos climáticos estabeleceram uma conexão entre o desmatamento e as secas.
Uma grande árvore pode absorver do solo e liberar mais de mil litros em um único dia,
segundo o relatório mais recente sobre o tema, com o título “O futuro climático da Amazônia”,
coordenado por Antonio Nobre, um dos principais estudiosos da área.

O conceito de “rios voadores” já faz parte do imaginário coletivo de muitos brasileiros, uma
vitória dos cientistas que se empenharam em demonstrar que as cicatrizes da selva amazônica
deixam marcas em todo o continente — calcula-se que 19% das chuvas da Bacia da Prata têm
sua origem na umidade que a selva amazônica gera, e que voa para o sul. As secas foram
acompanhadas nos últimos anos de outros fenômenos climáticos extremos, como
inundações — especialmente no sul do país —, o que reforça a teoria dos especialistas sobre o
papel da selva no equilíbrio climático da região.

O desmatamento é o principal responsável pelas emissões de gás do efeito estufa do país e


desafia o ambicioso objetivo que o Brasil colocará sobre a mesa diante de 194 países: reduzir
as emissões de carbono em 43% e acabar com a extração ilegal de madeira até 2030. “Esses
dados debilitam a posição brasileira nas negociações internacionais sobre o clima. Mas é ainda
pior porque estamos dando um tiro no nosso pé, já que a consequência do desmatamento é
uma degradação do clima até extremos inimagináveis”, lamenta um dos principais estudiosos
da relação da Amazônia com o clima, o cientista Antonio Nobre.

Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/29/politica/1448831631_311610.html
Geopolítica da água: água para a guerra
ou água para a paz?
Água como commodity

A água enquanto ecossistema (bem comum) não é e nem pode ser considerada uma
commodity, mas a água enquanto sinônimo de vida no planeta já está sendo negociada há
décadas nas bolsas. Não formalmente, enquanto produto bursátil (para bolsas), como é o
caso do petróleo, mas através do agronegócio e da mineração no mercado de balcão (o
informal, fora das bolsas) como ocorre com a água mineral e com a extração em poços
artesianos sem controle e fiscalização, impactando na qualidade da água do subsolo com
contaminações por tratarem a água apenas como um produto mercadológico
desconsiderando sua importância socioeconômica.

Quando compramos as garrafas de 500 ml de água mineral no supermercado, o lucro vai


para a empresa que a industrializou (engarrafou). Tudo que está na prateleira do
supermercado está, de certa maneira, comoditizado, ou seja, padronizado para compra e
venda adotando critérios determinados por corporações e governos, sem a participação
proativa da sociedade. Porém, como a população não conhece os direitos e as regras a
serem respeitados, há exploração desenfreada deste bem comum por alguns grupos
empresariais com a conivência de governantes em detrimento do interesse coletivo.

Neste contexto, a água como ecossistema não poderia ser comoditizada, já que esta palavra-
expressão commodity significa ‘mercadoria padronizada para compra e venda’, para ser
negociada com preço estabelecido pelo livre mercado, tendo a sua cotação fixada pelas
bolsas de valores como ocorre com o petróleo. Enfim, seria cotada da mesma forma que os
preços das commodities minerais (ouro, petróleo, gás) e das commodities agropecuárias
(soja, milho, boi café, açúcar).

Água como ecossistema

Imaginem um rio ou uma cachoeira. Não podemos nos apropriar deste rio ou desta cachoeira
e negociá-los, vendendo-os ou alugando-os para uma empresa ou um grupo de empresários
interessados em explorá-los. Desta forma, não temos o direito de torná-los propriedade de
um único empresário ou de um oligopólio, já que é parte de um ecossistema, que é bem
difuso, de uso comum do povo. É o que chamamos de “privatização”. O que significa sair das
mãos do governo e entregá-los como investimento e lucro para beneficiar financeiramente o
setor empresarial.

A água por ser um bem que é parte de um ecossistema, por ser tutelada pela União, bem de
uso público, jamais poderia ser privatizada. O fato de haver um ecossistema implica a
interligação e interdependência entre todos os seres, os vivos e os inanimados. Pois, quando
um ser adoece, gera consequências em variados níveis a todos os outros. Se a água for
contaminada, degradada, maltratada, adoecerá os seres humanos e demais seres vivos. Á
água pode curar doenças, como também pode matar ao tornar-se veículo de contaminações
como são os córregos e rios poluídos, por exemplo. Portanto a sociedade tem direitos sobre
a água, mas também deve assumir os “deveres” ao compartilhá-la e dela cuidar.

Água como direito fundamental

Os ativistas Ricardo Petrella e Daniele Miterrand empreenderam uma longa e árdua


campanha contra a privatização da água, contra o controle do ecossistema pela iniciativa
privada, contra a cotização da água, para que este recurso finito e fundamental para a
existência dos seres vivos, não venha sofrer a precificação como o petróleo que tem seu
valor definido nas bolsas e as ações das empresas que o privatizaram, valoradas no mercado
financeiro. O petróleo é substituível, independentemente de custar caro mudar a matriz
energética de fóssil para renovável. Mas a água não é substituível. A água é uma incógnita,
um mistério da vida. Pode ser renovável se cuidada e não renovável se degradada. Água:
decifre-a ou ela te devora!

A Organização dos Estados Americanos (OEA) estimou em 2000 que, em 30 anos, o barril de
água estaria mais caro que o de petróleo, sinalizando de que esse era o objetivo dos bancos
multilaterais, como o Banco Mundial, com a precificação da água. São esses bancos os
principais financiadores do saneamento básico e de infraestruturas no binômio “água e
energia” em países vulneráveis e em desenvolvimento.

Como conhecemos a engrenagem desse sistema “por dentro”, por termos negociado as
commodities minerais (ouro e petróleo), as commodities agropecuárias (soja, milho, boi,
café) e derivativos (derivado de ativos) , somos convictos de que cotar a água em bolsas de
valores seria uma tragédia mundial. Seguimos durante duas décadas, militando em redes
internacionais e nas mais diversas frentes, para que fossem feitas leis e acordos
internacionais que determinassem que a água fosse um direito humano e de todos os seres.
Temos conclamado em todos os fóruns e na mídia, chamando a sociedade à sua
responsabilidade socioambiental. Assim sendo, a sociedade deve assumir os comitês de
bacia hidrográfica; se não existir um em sua cidade, reúnam as lideranças, a sua
comunidade, e façam o seu!

Água, direito à vida

Sendo a água fundamental à vida no planeta e fundamental à própria existência da Terra,


desde sempre, defendemos que a água deveria ser um direito constitucional como é o acesso
à saúde ou à escola. Toda a população deve ter o direito de acesso, em quantidade e
qualidade garantindo a segurança hídrica tanto quanto a segurança alimentar. Portanto,
considerando que água é vida, reconhecemos que este direito já está assegurado pela
Constituição Brasileira com o princípio da “dignidade da pessoa humana” como observaremos
adiante com o fundamento jurídico –econômico do conceito “commodities ambientais”.

Água como commodity ambiental

A água como commodity ambiental é a água benta providencial que nos proporciona o
alimento; a que mata a nossa sede por justiça; a que foi negada ao nordestino, excluído
pela seca e pelo descaso político; a que foi brutalmente arrancada das nascentes palestinas e
africanas; a que foi cuidada quando retorna no ambiente em forma de prosperidade e de
riquezas com valor econômico.

A água como commodity ambiental é a água usada para irrigar as árvores frutíferas das
matas ciliares que protegem os rios, represas e nascentes do Cerrado, da Caatinga, da Mata
Atlântica, do Pantanal, do Pampa, da Amazônia, enquanto os frutos são alternativas
socioeconômicas de trabalho e renda para o sofrido povo ribeirinho, para os povos indígenas,
para as populações tradicionais, para os agricultores, para os campesinos, e – por
misericórdia em missão de paz, sem excluir – também para os pequenos e médios
produtores rurais, os que são “produtores de água”. Sobre este tema esclareço com o artigo
“As commodities ambientais e a métrica do carbono”, publicado anteriormente neste espaço.

A meta neste modelo econômico e socioambiental, é o desenvolvimento de uma sociedade


digna, igualitária, ética, politicamente participativa e integrada. Como por exemplo, o
trabalho cooperativo nas áreas indígenas e quilombolas, onde todo o “fruto do trabalho
coletivo” é revertido para a comunidade. E quando falamos de bacia hidrográfica, é a água
com a gestão hídrica compartilhada proposta pela “cobrança pelo uso da água”, dos que
podem e devem pagá-la porque dela se utilizam para produzir bens e serviços; são as
indústrias, o comércio e os prestadores de serviços, o agronegócio, entre outros, cujo
recurso financeiro deve retornar para a população. A sociedade tem o dever de fiscalizar,
além da gestão ambiental na bacia hidrográfica, a destinação do dinheiro e, sobretudo
decidir quando, como e de que forma usá-lo.

Fonte: http://old.operamundi.com.br/dialogosdosul/agua-o-grande-desafio/06102017/

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