Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
em São Paulo
Nos últimos dois anos, muitos dos vizinhos da Grande São Paulo (20 milhões de habitantes)
começaram a se acostumar a captar água da chuva com baldes, a esfregar o chão com água da
máquina de lavar roupas e a se levantar de madrugada, antes que as torneiras fiquem secas
novamente, para encher as bacias e ter água para o dia seguinte. O estado mais rico do Brasil
ficou imerso por uma crise hídrica que não previu ou não soube prevenir e observou como
suas reservas foram secando paulatina e perigosamente diante de uma queda inesperada de
precipitações. Os estados próximos, como Rio de Janeiro e Minas Gerais, seguiram os passos
do vizinho e muitos de seus habitantes também sofreram com o desabastecimento de água
durante dias. No Nordeste do país, uma região maior, embora menos populosa, a seca não é
nenhuma novidade, e em épocas mais severas, multiplicam-se as imagens de famílias inteiras
percorrendo dezenas de quilômetros em busca de algum poço de qualidade questionável ou
esperando com a vista voltada às ruas, completamente dependentes da chegada de um
caminhão-pipa. O problema explica-se pela falta de infraestruturas, de previsão e de uma
cultura de consumo responsável. E, também, claro, pela falta de chuvas, um fenômeno que os
especialistas associam ao desmatamento do maior tesouro do Brasil (e do Planeta): a selva
amazônica.
O conceito de “rios voadores” já faz parte do imaginário coletivo de muitos brasileiros, uma
vitória dos cientistas que se empenharam em demonstrar que as cicatrizes da selva amazônica
deixam marcas em todo o continente — calcula-se que 19% das chuvas da Bacia da Prata têm
sua origem na umidade que a selva amazônica gera, e que voa para o sul. As secas foram
acompanhadas nos últimos anos de outros fenômenos climáticos extremos, como
inundações — especialmente no sul do país —, o que reforça a teoria dos especialistas sobre o
papel da selva no equilíbrio climático da região.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/29/politica/1448831631_311610.html
Geopolítica da água: água para a guerra
ou água para a paz?
Água como commodity
A água enquanto ecossistema (bem comum) não é e nem pode ser considerada uma
commodity, mas a água enquanto sinônimo de vida no planeta já está sendo negociada há
décadas nas bolsas. Não formalmente, enquanto produto bursátil (para bolsas), como é o
caso do petróleo, mas através do agronegócio e da mineração no mercado de balcão (o
informal, fora das bolsas) como ocorre com a água mineral e com a extração em poços
artesianos sem controle e fiscalização, impactando na qualidade da água do subsolo com
contaminações por tratarem a água apenas como um produto mercadológico
desconsiderando sua importância socioeconômica.
Neste contexto, a água como ecossistema não poderia ser comoditizada, já que esta palavra-
expressão commodity significa ‘mercadoria padronizada para compra e venda’, para ser
negociada com preço estabelecido pelo livre mercado, tendo a sua cotação fixada pelas
bolsas de valores como ocorre com o petróleo. Enfim, seria cotada da mesma forma que os
preços das commodities minerais (ouro, petróleo, gás) e das commodities agropecuárias
(soja, milho, boi café, açúcar).
Imaginem um rio ou uma cachoeira. Não podemos nos apropriar deste rio ou desta cachoeira
e negociá-los, vendendo-os ou alugando-os para uma empresa ou um grupo de empresários
interessados em explorá-los. Desta forma, não temos o direito de torná-los propriedade de
um único empresário ou de um oligopólio, já que é parte de um ecossistema, que é bem
difuso, de uso comum do povo. É o que chamamos de “privatização”. O que significa sair das
mãos do governo e entregá-los como investimento e lucro para beneficiar financeiramente o
setor empresarial.
A água por ser um bem que é parte de um ecossistema, por ser tutelada pela União, bem de
uso público, jamais poderia ser privatizada. O fato de haver um ecossistema implica a
interligação e interdependência entre todos os seres, os vivos e os inanimados. Pois, quando
um ser adoece, gera consequências em variados níveis a todos os outros. Se a água for
contaminada, degradada, maltratada, adoecerá os seres humanos e demais seres vivos. Á
água pode curar doenças, como também pode matar ao tornar-se veículo de contaminações
como são os córregos e rios poluídos, por exemplo. Portanto a sociedade tem direitos sobre
a água, mas também deve assumir os “deveres” ao compartilhá-la e dela cuidar.
A Organização dos Estados Americanos (OEA) estimou em 2000 que, em 30 anos, o barril de
água estaria mais caro que o de petróleo, sinalizando de que esse era o objetivo dos bancos
multilaterais, como o Banco Mundial, com a precificação da água. São esses bancos os
principais financiadores do saneamento básico e de infraestruturas no binômio “água e
energia” em países vulneráveis e em desenvolvimento.
Como conhecemos a engrenagem desse sistema “por dentro”, por termos negociado as
commodities minerais (ouro e petróleo), as commodities agropecuárias (soja, milho, boi,
café) e derivativos (derivado de ativos) , somos convictos de que cotar a água em bolsas de
valores seria uma tragédia mundial. Seguimos durante duas décadas, militando em redes
internacionais e nas mais diversas frentes, para que fossem feitas leis e acordos
internacionais que determinassem que a água fosse um direito humano e de todos os seres.
Temos conclamado em todos os fóruns e na mídia, chamando a sociedade à sua
responsabilidade socioambiental. Assim sendo, a sociedade deve assumir os comitês de
bacia hidrográfica; se não existir um em sua cidade, reúnam as lideranças, a sua
comunidade, e façam o seu!
A água como commodity ambiental é a água benta providencial que nos proporciona o
alimento; a que mata a nossa sede por justiça; a que foi negada ao nordestino, excluído
pela seca e pelo descaso político; a que foi brutalmente arrancada das nascentes palestinas e
africanas; a que foi cuidada quando retorna no ambiente em forma de prosperidade e de
riquezas com valor econômico.
A água como commodity ambiental é a água usada para irrigar as árvores frutíferas das
matas ciliares que protegem os rios, represas e nascentes do Cerrado, da Caatinga, da Mata
Atlântica, do Pantanal, do Pampa, da Amazônia, enquanto os frutos são alternativas
socioeconômicas de trabalho e renda para o sofrido povo ribeirinho, para os povos indígenas,
para as populações tradicionais, para os agricultores, para os campesinos, e – por
misericórdia em missão de paz, sem excluir – também para os pequenos e médios
produtores rurais, os que são “produtores de água”. Sobre este tema esclareço com o artigo
“As commodities ambientais e a métrica do carbono”, publicado anteriormente neste espaço.
Fonte: http://old.operamundi.com.br/dialogosdosul/agua-o-grande-desafio/06102017/