Você está na página 1de 4

A HARMÔNICA NO BLUES TRADICIONAL

Fazendo parte da família dos instrumentos de palheta livre inspirados em


antigos instrumentos chineses como o shang, a harmônica foi inventada por um
relojoeiro alemão, Christian Bushman, em 1821 e desenvolvida por um
fabricante de instrumentos da Bohemia chamado Richter. Chegou à era da
produção em massa através do também relojoeiro e renomado homem de
negócios Mathias Hohner.

Devido ao seu baixo custo, ele rapidamente se popularizou, chegando nos


Estados Unidos na época da Guerra Civil, onde foi incorporada pelos afro-
americanos, que com o passar do tempo foram descobrindo suas reais
potencialidades. Criada na Alemanha, a gaita diatônica encontrou solo fértil nos
Estados Unidos, onde o instrumento foi um dos alicerces da formação de um
estilo musical que viria transformar toda música do século XX, o blues.

A harmônica está para o blues assim como o sax está para o jazz.
Completamente portátil, auto suficiente e bastante barata para o blueseiro mais
duro, nas mãos certas é o instrumento que mais se aproxima das sutilezas da
voz humana. Lamentando, gemendo, chorando, rindo, sussurrando... perdendo
somente para o canto, a gaita é capaz de algumas das mais diretas expressões
do sentimento blues.

A harmônica é um dos mais misteriosos instrumentos no que se refere ao seu


aprendizado e às infinitas nuances possíveis de interpretação. Em primeiro
lugar, o papel da visão é totalmente diverso do aprendizado de piano, sax,
guitarra e da grande maioria dos instrumentos. A grande maioria das ações
acontece dentro do nosso corpo, onde a visão em nada pode nos ajudar. No
caso da harmônica cromática já existem algumas metodologias de ensino mais
convencionais, em geral seguindo estruturas semelhantes às do aprendizado de
outros instrumentos. Já na harmônica diatônica, principalmente quando aplicada
ao blues, os métodos costumam ser mais limitados.

TEORIA

O estudo de teoria musical e o aprendizado da leitura são recomendáveis para


qualquer músico. Entretanto, o conhecimento teórico não é a matéria prima
básica do blues.

Mesmo uma partitura extremamente detalhada, irá soar de forma diferente se


tocada por diferentes gaitistas. Os grandes mestres dessa linguagem não
conheciam partituras e até os dias de hoje, ninguém conseguiu reproduzir
fielmente numa tablatura seus temas e solos.
Ritmo, ouvido e musicalidade quando aliados à prática diária do instrumento são
os principais fatores na formação de um instrumentista dentro desse estilo
musical. Estude os solos de quem você admira para entrar em contato com
diferentes possibilidades rítmicas e melódicas.

PEQUENO HISTÓRICO DO BLUES

A história da escravidão na América do norte guarda uma imensa diferença em


relação ao Brasil. Inicialmente os instrumentos e a música em geral eram
fortemente reprimidos. Instrumentos de percussão eram totalmente proibidos,
com o temor que se tornassem uma forma de comunicação que daria origem a
rebeliões e outros conflitos. Em algum momento, alguns proprietários de terras
percebem que a liberação do canto durante o trabalho estava aumentando a
produtividade de suas fazendas e a nova idéia é rapidamente assimilada e
espalhada pelo sul dos Estados Unidos. Surgem as Work Songs.

Com o processo de cristianização dos escravos, percebe-se cada vez mais o


poder e a beleza de suas vozes e melodias. As antigas melodias africanas que
foram mantidas se misturam aos hinos religiosos de origem européia, dando
origem ao gospel. Com a influência das work songs e do gospel, surgiria o blues,
semelhante na forma, porém com uma diferença na temática das letras, que
passam a falar das condições reais de vida.

No início do século XX, o blues proliferava nos EUA. O caldeirão cultural de New
Orleans absorvia diferentes culturas musicais que deram origem ao jazz, entre
elas o blues. Músicos aprendiam a tocar os diversos estilos vigentes sem
distinção e havia um enorme intercambio de idéias. Em 1903, W. C. Handy
compõe St. Louis Blues. É a primeira vez que o blues entra numa partitura,
encontrando uma eficiente forma de propagação.

Com a entrada dos EUA na Segunda Grande Guerra, ocorre um enorme êxodo
para as áreas industriais do país, em especial Chicago, que atrai uma grande
leva de imigrantes do Sul em busca de melhores oportunidades de empregos e
qualidade de vida. Começa a surgir o blues urbano de Chicago. Dentre seus
primeiros ícones, John Lee Williamson, também conhecido com Sonnyboy
Williamson I. Sua inovação na linguagem da harmônica de blues coloca o
instrumento numa posição de destaque e sua influência, tanto nas canções
quanto na forma de tocar, afetou profundamente as gerações seguintes.

No início da década de 50, o blues é eletrificado por nomes como Muddy


Waters, Little Walter e Jimmy Rogers. É a Era de Ouro do Blues, com a
gravadora Chess Records lançando um sucesso atrás do outro. Howling Wolf,
Sonnyboy Williamson II, Chuck Berry, Bo Didley e tantos outros ícones também
lançam seus álbuns de sucesso pela gravadora. Esse riquíssimo período
musical viria a ser determinante no nascimento do rock‘n’roll.

O blues é uma manifestação cultural afro americana, que permaneceu


segregada no seu país de origem até o início dos anos 60. Sua popularização
em todo mundo foi conseqüência direta da valorização dessa forma de arte
pelos europeus, em especial os ingleses. As primeiras gerações do rock inglês
beberam diretamente na fonte do blues e toda a música pop criada a partir de
então passa a ter sua influência. Não existiria rock se não tivéssemos o blues e
até o jazz e a bossa nova soariam de forma completamente diferente sem ele.
Hoje em dia, é difícil imaginar um estilo musical que não tenha sido influenciado
direta ou indiretamente pelo blues.

IMPORTANTES MÚSICOS PARA ESCUTAR E PESQUISAR

Essa é uma pequena lista de sugestões, sem cronologia ou ordem de


importância ou preferência.

BIG WALTER HORTON, LITTLE WALTER, SONNY BOY WILLIAMSON (I e II)


JAMES COTTON, JUNIOR WELLS, JIMMY REED, SLIM HARPO, CHARLIE MUSSELWHITE,
PAUL BUTTERFIELD, PAUL DE LAY, RICK ESTRIN, GARY SMITH, MITCH KASHMAR,
WILLIAM CLARKE, ROD PIAZZA, KIM WILSON, SUGAR BLUE.

DESENVOLVENDO O OUVIDO E A CAPACIDADE DE ASSIMILAR A


LINGUAGEM MUSICAL DO BLUES NA HARMÔNICA

Desenvolva sua capacidade de ouvir e perceber detalhes. A arte de ouvir será


sua grande aliada no aprendizado dessa linguagem. Faça da hora de escutar
suas gravações preferidas um ritual, nem que para isso precise de um
headphone. Tente ouvir música como quem lê um bom livro. Se você é capaz de
perceber as diferentes técnicas, um dia será capaz de executá-las.

É essencial observar bem cada textura, todas as pequenas nuances, sutis


variações de respiração, diferentes acordes que duram décimos de segundo e
como uma mesma nota pode ser moldada e soar de formas diferentes.

No início, você realmente não tem como perceber tudo isso e só com o passar
do tempo é que irá ocorrer um refinamento na sua maneira de ouvir. Faça do
seu ouvido um microscópio. Muitas coisas podem contribuir para melhorar o seu
som, músculos no pescoço, diafragma, face, mandíbula, língua. O grande
segredo é experimentar. Descubra qual o som que você gostaria de ter e tente
coisas diferentes que alterem o formato da sua cavidade oral. A harmônica se
assemelha muito à voz, onde você pode alterar o som de uma mesma vogal ou
consoante.
No caso de você ser iniciante, muitas das técnicas demonstradas talvez
pareçam inalcançáveis ou impossíveis. Comece pelo mais fácil e treine
primeiramente os
fundamentos e as coisas mais simples. Iremos ver uma grande quantidade de
informações, portanto é importante não haver qualquer tipo de ansiedade quanto
à sua assimilação. Cada indivíduo tem seu ritmo próprio de aprendizado e isso
tem de ser respeitado. Acredite, meu ritmo sempre foi muito lento e algumas das
técnicas que demonstrarei foram assimiladas e aperfeiçoadas ao longo de anos
de treinamento. Deixe a evolução ocorrer de forma natural e não estabeleça
prazos. Se você realmente gosta de ouvir e tocar, faça do aprendizado da gaita
um prazer para toda vida.

Lembre-se de começar sua seleção musical o quanto antes, já que essa


pesquisa será um estímulo essencial. Leve sempre uma gaita no bolso e
aproveite cada oportunidade que tiver para praticar.

Texto desenvolvido por Flávio Guimarães. Direitos reservados.

www.flavioguimaraes.com.br

Você também pode gostar