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UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO

PEDAGOGIA

SERGIO RICARDO DOS SANTOS

PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

São Paulo
2019
SERGIO RICARDO DOS SANTOS

PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

Trabalho de Iniciação Científica, do Projeto Docente da


orientadora Profa. Me. Silvana Cortada apresentado ao curso
de Pedagogia, área da educação, da Universidade Nove de
Julho (UNINOVE), como requisito parcial para a Obtenção de
horas complementares e obtenção de Trabalho de Conclusão
de Curso(TCC) em Pedagogia.

São Paulo
2019
SERGIO RICARDO DOS SANTOS

PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

Trabalho de iniciação Científica apresentado ao curso de


Pedagogia, área da educação, da Universidade Nove de Julho
(UNINOVE), como requisito parcial para a Obtenção de horas
complementares e obtenção de Trabalho de Conclusão de
Curso(TCC) em Pedagogia.

São Paulo,

BANCA EXAMINADORA

Profa. Me. Silvana de Oliveira Cortada


Universidade Nove de Julho
Dedico este trabalho aos meus pais, minha
família e amigos que sempre me incentivaram.
AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus colegas por me ajudarem a desenvolver este trabalho, a


Me. Silvana Cortada, da qual sem ela este trabalho não seria possível, não se
realizaria.
"Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão
Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e é de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és

Ah! Bruta flor do querer


Ah! Bruta flor, bruta flor"

Caetano Veloso
RESUMO

O objetivo desta pesquisa é compreender a Educação de Jovens e Adultos (EJA) no


contexto prisional, a partir da análise de depoimento, de um indivíduo que vivenciou
o contexto abordado. A metodologia de pesquisa parte de uma questão norteadora:
A importância da EJA no espaço prisional. A coleta do depoimento objetiva entender
a contribuição da EJA como objeto transformador e delineador de mudanças. Parte-
se do princípio de que o sistema prisional é um direito do cidadão e apoia-se na fala
do depoente para compreender se há ou não ausência de metodologias específicas,
políticas públicas voltadas para esse público. Desenvolveu-se o Estado da Arte a
respeito da EJA prisional com base nos pressupostos teóricos de Silvana Cortada: A
Experiência de Ser Professor da EJA; Educação nas Prisões: CEREJA discute –
Centro De Referência em educação de Jovens e Adultos (2010); Antônio Pereira: A
educação de jovens e adultos no sistema prisional brasileiro: o que dizem os planos
estaduais de educação em prisões? (2018).

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos (EJA), Educação Prisional,


Vulnerabilidade Social.
ABSTRACT

The objective of this research is to understand the Education of Young and Adults
(EJA) in the prison context, based on the testimony analysis, of an individual who
experienced the context addressed. The research methodology starts from a guiding
question: The importance of EJA in prison space. The collection of the statement
aims to understand the contribution of the EJA as a transformative and effluent object
of change. It is assumed that the prison system is a citizen's right and relies on the
deponent's speech to understand whether there is no public policy aimed at this
public, especially those trained in high school to work with the EJA. The State of the
Art was developed on the prison EJA based on the theoretical assumptions of
Silvana Cortada: The Experience of Being a Teacher of the EJA; Prison Education:
CEREJA discusses - Reference Center on Youth and Adult Education (2010);
Antônio Pereira: Education of young people and adults in the Brazilian prison system:
what do state prison education plans say? (2018)
Keywords: Youth and Adult Education (EJA), Prison Education, Social vulnerability.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CEREJA Centro em Referência a Educação de Jovens e Adultos


EJA Educação de Jovens e Adultos

IC Iniciação Cientifica
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 10
2 DESENVOLVIMENTO ............................................................................ 11
2.1 ESTADO DA ARTE ................................................................................. 13
2.1.1 DEPOIMENTO ........................................................................................ 14
2.1.1.1 ANÁLISE E RESULTADOS .................................................................... 22
3 CONCLUSÃO ......................................................................................... 29
REFERÊNCIAS ....................................................................................... 30
GLOSSÁRIO .............................................. Erro! Indicador não definido.
APÊNDICE A — Subtitítulo do apêndice .... Erro! Indicador não definido.
ANEXO A — Subtitítulo do anexo .............. Erro! Indicador não definido.
10

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como base a análise de depoimento sobre a experiência de


um sujeito no contexto da EJA Prisional, que por ética da pesquisa, terá sua
identidade preservada e de todos os envolvidos supra citados. Aqui será
mencionado como Carlos.
O esboço e as dificuldades para encontrar um sujeito que comporia o objeto
de estudo desta pesquisa, se deu por uma longa, extensa e dedicada busca por
depoentes em prisões de Roraima, Ceará, Amapá, Minas Gerais, e por fim, o
encontrarmos em São Paulo, Capital. Para nos aprofundarmos na questão
norteadora: a importância da EJA no espaço prisional, nos debruçamos em
conteúdo que envolveram a EJA como objeto de pesquisa. Sob as perspectivas de
futuro e suas variáveis, encontramos desafios que instigam os saberes da prática
docente atuais, em outras palavras, de como pensar a EJA prisional em
concordância com a realidade do qual fazemos parte.
Ao encontrarmos uma ampla discussão qualificada em artigos e periódicos
científicos, elegemos, dentre eles, os que abordaram proposições sobre o sistema
prisional, sujeitos em privações de liberdade, em contato com a vulnerabilidade
social desse indivíduo, políticas públicas considerando o sistema prisional, sob
remição de pena por cumprimento de módulos de educação e trabalho, normatizada
na Lei 12.433/2011, que alterou a Lei de Execução Penal 7.210/1984, assegurando
que “o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá
remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena” (BRASIL,
2011, p. 1). No interior desta pesquisa, não encontramos procedimentos que se
consolidaram em metodologias, saberes específicos, comprovadamente suficientes,
que remedeiam a prática docente na EJA prisional ou na ressocialização do sujeito
em privação de liberdade. No depoimento, encontra-se a condição evidenciada de
apenado do depoente, suas queixas pessoais e suas aspirações como sujeito em
privação de liberdade a lançar-se do encontro com a EJA prisional. Portanto, em
face dessa narrativa, com diferentes perspectivas de uma mesma história, uma peça
é colocada neste quebra-cabeça, dentro de sua amplidão complexa e distinta.
11

2 DESENVOLVIMENTO

A escola não é o único lugar de aquisição de saberes. Segundo Viviane


Kanitzs Gentil (2018, pg.2), a mobilização brasileira em favor da educação da
sociedade, ao longo de nossa história, figura, efetivamente, a ligar-se às tentativas
de sedimentação ou de recomposição do poder político e das estruturas
socioeconômicas. Esse tem sido, segundo a autora, um dos grandes desafios da
educação no Brasil: entender e apontar quais saberes são esses e como inseri-los
dentro do processo de educacional, até mesmo nas prisões.
O Brasil é um país miscigenado, com culturas diversificadas, pois foram
cunhados em seu processo histórico. Estas são as considerações pelos quais a
metodologia adotada no presente trabalho é irremediavelmente dialógica.
Por meio da organização de fóruns de diálogo − concebidos por Freire (1996)
como: Círculos de Cultura −, são desenvolvidos espaços em que se permite o
encontro entre os sujeitos do conhecimento e os desejosos por ele. A sustentação
da interpretação da realidade como algo mutável, sujeito à reformulação e
intervenções, se dará na própria construção do conhecimento — um ensinar e
aprender coexistente e coletivo. É nessa realização processual que ocorre a
avaliação, o acompanhamento e a intervenção político-pedagógica (Cereja, 2010,
pg.16). Por vezes, quando somos apresentados para uma pessoa desconhecida,
começamos o diálogo por perguntar o nome, de onde veio, o que faz, quantos anos
tem, qual profissão, filhos etc.
Por essa razão, o sujeito é constitutivo de numerosos saberes e experiências
que, dentro do processo de ensino-aprendizagem na (EJA) prisional, pressupõe a
dialética como condição indispensável para a prática pedagógica. Nesse caso,
preconceitos e visões estereotipadas, inerentes a uma sociedade utilitarista e rígida,
não fazem parte do papel do educador que atua dentro do sistema prisional,
segundo análise do depoimento.
Somos feitos de vida e vida são histórias. É vida aquelas coisas que nos
cultivam no transitório, no curso das ideias, nas atividades diárias porque nos
mantém em contato com nossa visão de mundo e em conexão com outras pessoas.
O depoente relata a condição da qual foi submetido e aponta para onde sua fala
12

necessita ser escutada e compreendida. O sistema prisional tem a função de, do


mesmo modo, fazer cumprir o direito a educação do apenado, sem exceções.
O encontro das narrativas tem o objetivo de compreender a criticidade e a
experiência adquirida desse sujeito a fim de dialogar de acordo com esses saberes.
É o que torna provável o ensino-aprendizagem dentro desse espaço maculado pelas
ações praticadas fora dele. Portanto, a Lei 12.433/2011, que entrou em vigor no dia
29 de junho de 2011, alterou compassivamente quando normatizou a remição da
pena por estudos, colaborando e assegurando que “o condenado que cumpre a
pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo,
parte do tempo de execução da pena” (BRASIL, 2011, p. 1), sendo o quantitativo de
tempo pedagógico, a contar para efeito da remição,

“de 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar ─


atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante ou
superior, ou ainda de requalificação profissional ─ divididas, no mínimo, em
3 (três) dias. (BRASIL, 2011a, p. 1).”

A (EJA), que é a modalidade responsável por essa incumbência: levar a


escola para os presídios, tem a prerrogativa de organizar as práticas educativas nos
espaços no interior das prisões, onde há a organização dos processos de ensino-
aprendizagem que constam nas matrizes curriculares, quais são os métodos e
conteúdo a serem aplicados, de pensar uma formação crítica e continuada do
docente (com base na historicidade do sistema prisional e suas práxis), e por fim,
diferenciar o papel do educador com os quais ele jamais será por ofício - por
circunstâncias se confundem - psicólogo, moderador de conflitos, fonoaudiólogo e
etc.
De acordo com Arroyo (2008) a EJA como um direito é um avanço
significativo, uma conquista da sociedade brasileira, mas ainda não se configurou
em políticas públicas sendo, portanto, um direito genérico que não leva em
consideração os sujeitos concretos com todas as suas diferenças sociais, culturais,
religiosas, produtivas, geracionais, etc. (ARROYO, M. G. 2003)
Essas diferenças e suas especificidades requerem políticas focadas em (EJA)
prisional como solução ou minimização das dificuldades históricas. Haverá quem
13

promova a ideia de que o apenado é digno de sofrer com a falta de cuidados


básicos, certo quanto instrumento de punição, como por exemplo: a falta de
educação e alimentação. Não obstante a isso – para se fazer justiça – os apenados
merecem maus-tratos e, nessa visão grosseira, com uma boa dose de relaxamento,
retirar o direito do apenado sobre aquilo que é básico para manutenção da espécie
humana, como por exemplo: alimentação adequada, cultura, lazer, educação e
saúde. O que corroboraria, em linhas gerais, com essa concepção grosseira de
justiça: de que educação seria desnecessária para esse sujeito. Mas, felizmente, a
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 205, assegura esse direito:
“A educação, direito de todos e dever do Estado (...), será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.”

“Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é


falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fôssemos os
portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a
escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles. Somente quem
escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas
condições, precise falar a ele.” ( FREIRE, 1996, p.43)

A educação, segundo Freire (1996), ainda assim é uma das ferramentas em


grau superior de eficiência para dialogar em conformidade com qualquer sujeito e
em qualquer condição social que se apresente, em outras palavras, há de se
entender que, sem educação, nos restringiremos a diálogos insuficientes,
improdutivos, nos submeteremos a intensos conflitos catastróficos por não termos a
educação como prioridade para mediar esse diálogo: sociedade e indivíduo.

2.1 ESTADO DA ARTE

O procedimento metodológico decorrerá, primordialmente pelo Estado da


Arte, procuramos trabalhos científicos sobre espaços não escolares onde
a EJA atua, bem como projetos sociais desenvolvidos e integrados nos espaços
14

sociais de interesse do tema pesquisado, a saber, (EJA) no sistema prisional. Sob a


perspectiva do Estado da Arte, encontramos um ponto de congruência pautada na
vulnerabilidade social do apenado, dentre vários pesquisados, selecionamos um
artigo científico para entendermos o conceito de vulnerabilidade social como suporte
e entendimento da história de vida oral do depoente. Abordamos esse aspecto,
segundo Bom Meihy (1998) "a história oral pretende ser um campo multidisciplinar",
para identificar e analisar em acordo com o objetivo desta pesquisa e validado como
pressuposto teórico de identificação de necessidades e conceitos no interior da
narrativa.
Selecionamos 6 trabalhos, entre eles, artigos, dissertações e teses, revistas,
periódicos nas seguintes instituições e seus respectivos autores(as): Universidade
de São Paulo (USP),Os Novos Rumos da História Oral: O Caso Brasileiro, José
Carlos Sebe Bom Meihy (2006); Universidade Nove de Julho (UNINOVE), Silvana
Cortada: A Experiência de Ser Professor da (EJA); Educação nas Prisões: CEREJA
– Centro De Referência em educação de Jovens e Adultos (2010); Revista Tempos
e Espaços em Educação, São Cristóvão, Sergipe, Antônio Pereira: A educação de
jovens e adultos no sistema prisional brasileiro: o que dizem os planos estaduais de
educação em prisões? (2018).

2.1.1 DEPOIMENTO

Carlos- Olá! Então vamos lá meu querido (né). Eu vou começar aqui, a
história é meio longa e porém tem muitos detalhes, (né) e eu acho que esses
detalhes de cada episódio, de cada etapa (né) dessa minha trajetória, eles fazem
muita diferença (né), pra o que vocês desejam demonstrar, apresentar e até uma
ideia (né), uma teoria (aí) a comprovar (né), por mais utópica que ela seja (né).
Estamos falando de um ex-prisional, estamos falando (né) de pessoas que
viveram no crime, então parece que são rivais (né), e a educação, ela perde muito
pra criminalidade hoje em dia devido a miséria de cultura, de educação, até de
condição que o sistema não oferece pra que os pais possam estar mais atentos (aí)
aos seus filhos que acabam ficando desligados sem uma supervisão pra haver
sentido (né), na educação, pra haver significado em você aprender e no que que
aquilo vai ser tão útil pra a sua vida (né), como jovem.
15

Eu sou o Carlos (né), eu aos dezenove anos eu fui expulso da casa dos meus
pais (né), minha família deu as costas pra mim, eu acabei ficando numa situação de
rua com dezenove anos e isso aconteceu devido ao seu ser um pouquinho rebelde
(né), todo adolescente é, e não gostava de seguir regras e achava que meu Pai não
tinha cacife pra colocar um jeito em mim, até porque ele era muito ausente (né) e
então isso aconteceu.
E minha tia também com quem eu morava com ela me colocou pra fora de
casa, e eu acabei ficando na rua.
E aí você sabe (né)? Se a família rejeita a rua abraça (né). E eu acabei
entrando numa parada devido a ter, a ser... aí, apreendido pela Polícia (né) com
drogas (né), usando drogas, eu usei muita droga na adolescência e nessa ocasião
eu fui preso (né), com dezenove anos.
E ai foram dias bens ruins, foram dias bem pesados e uma tristeza que não
acaba (né), uma tristeza que não acaba com o passar dos dias, você dormir, acordar
e perceber que tá naquele lugar gera muita agonia, logo de manhã cedo e eu tava lá
naquele contexto junto com várias outras pessoas que enfim, ficaram a margem da
sociedade de alguma forma.
Mas quando eu tive minha transferência pra Penitenciária (né), eu lá na
Penitenciária você já tem emprego lá dentro (né), então você pode trabalhar, tem a
escola que você pode estudar (né), ter a oportunidade de pelo menos usar aquele
tempo que você tá ali pra algo que te enriqueça mais.
Não são todos que tem essa visão lá dentro (né), mentalidade, por mais que
eles estejam ali, a mentalidade ainda de viver o crime (né) e de, enfim não dá pra
julgar a escolha deles, porque eles não perceberam também (né) que o melhor era
isso, o meio em que eles viviam faz crer que essa é a lei, essa é a direção e esse é
o caminho.
Nós sabemos que não, então eles dividiam as tarefas lá no pavilhão que a
gente ficava (né), tinha um pessoal que cuidava (né) da liderança (né) daquele lugar
por que senão vira uma zona (né), vira bagunça um monte de, enfim de detentos
(né), tem que ter uma norma, tem que ter uma lei, tem que ter uma ética, por mais
irônico que seja, e eles tem uma ética muito apurada, que eu considerei até muito
mais aplicada, bem aplicada do que a ética daqui de fora que é totalmente hipócrita
(né).
16

As pessoas gostam de falar muito, gostam de colocar muitas regras, defender


muitas ideias, mas não agem dessa forma (né), nós vemos pelos próprios resultados
que a gente colhe, aí, nossa sociedade totalmente doente (né). Se fossem pessoas
todas éticas, íntegras que seguem (né) um código de honra, de caráter com certeza
não estaríamos assim mais latindo (né).
E eu acabei sendo chamado para fazer parte desse pessoal, não que eu
fosse um criminoso de alta periculosidade ou de alto conceito tudo mais, mas eles
sentiam confiança em mim pra fazer algumas tarefas lá dentro também, cuidar de
entretenimento, jogos de futebol (né), ai eu ajudava o grupo do esporte (né).
Que o que tinha que ter, para passar o dia a dia pra eles, pra deixar mais
ameno o ambiente, ai eles jogavam baralho (né), jogavam futebol, é apostavam em
pules, eles faziam bingos (né), e ai a gente ia (né) passando um pouco esses dias
como uma distração (né).
E ai houve um dia que falaram de escola pra mim (né), de professor, eu
ainda não quis ir pra escola (né) porque eu já tinha o segundo grau completo ali
naquela época, eu não via como a escola poderia me ajudar sendo que eles só
tinham classes de alfabetização e supletivo de oitava série (né).
E ai de repente quando eu falei isso pra um amigo ele já: “O quê? Você já
pode ser professor agora, você tem que ser professor, você tem a qualificação do
professor, tá saindo agora, tá saindo, não vai mais trabalhar, vai precisar por alguém
no lugar dele.”
E ai foi essa a grande oportunidade que eu tive (né), o pessoal da liderança
lá, eles autorizaram eu ir, porque é eles que decidem também (né), quem é quem
vai, quem não vai, eles escolhem lá dentro quem pode ir quem não vai e ai eles
aceitaram que eu fosse lá .
E aí eu passei por algumas provas (né), entrevista com o diretor do presídio,
com o pessoal que cuida do setor de educação também lá, fiz as provas e passei
(né), passei e aí eu fui ser alfabetizador de duas classes (né), professor
alfabetizador, eles chamam de monitor educacional (né).
E aí foi à experiência muito marcante pra mim, na minha vida, aí quem entra é
o ponto marcante que vocês gostariam de ouvir mais (né).
O nosso material, ele era um material do EJA (né), e estávamos lá no sistema
prisional com vários alunos, com várias pessoas que tinham também um interesse
17

em aprender algo, eram pessoas que não sabiam escrever, não sabiam discernir o B
do F (né), e eles tinham muita sede disso, eu reparei isso quando eu fiz os testes de
observação. Observando o professor que eu iria substituir.
Ele foi me passando todas as táticas, todos (né), as didáticas que ele usava, a
forma de se portar diante do pessoal (né), pra inspirar sempre o respeito, um
ambiente de respeito, e eu tinha muito medo (né), eu tinha muito medo porque eu
pensei, eu com vinte anos (né), e na condição de professor como quem quer ensinar
algo para alguém que tem as vezes, tem até o dobro da minha idade, o dobro da
minha experiência, e eu fiquei com receio da pessoa ter um pensamento tipo quem é
esse cara para me ensinar alguma coisa (né).
E não ter aquela confiança (né), não ter aquele respeito e eu encontrar
problemas, dificuldades pra ensiná-los porque eu lembro que meus professores (né),
na escola sempre tiveram muita dificuldade com a indisciplina dos alunos, a
indiferença dos alunos, então eu tive muito receio de passar por isso nessa
experiência.
E ai, eu acabei ficando (né) como professor, e desenvolvi meu próprio meio
de didática, planos de aula, então eu tive essa experiência bem antes da faculdade
(né), planos de aula, como eu iria ensinar, o objetivo do que que a gente ia aprender
ou não (né), enfim tava me trazendo muito prazer aquilo (né), eu estava bem
empolgado, bem animado e foi um santo remédio ai pra ansiedade que eu sentia lá
dentro (né), melancolia, aquele ócio naquele lugar, não é nada sadio (né) pra mente
nem pro coração.
E ai, comecei a ensinar e tudo mais, e ai eles começaram a formar as
primeiras palavras por conta própria, e perguntavam (né), tinham dúvidas e queriam
esclarecer (né), via alunos muito dedicados mesmo, com o dobro da minha idade
(né), e ai consegui ensinar pra eles o primeiro passo no alfabeto, depois separando
consoantes de vogais (né), discernimento, depois a formação das consoantes com
as vogais formando sílabas (né), essa foi a ideia que eu pensei em fazer e depois é
colocar lá as bolinhas pra ver as palavras que eles poderiam formar (né).
Então eu vi que eu nem tinha lido Paulo Freire, nem tinha visto Paulo Freire,
ele tinha muito essa estratégia (né), mais foi algo que eu pensei em fazer lá e deu
super certo também (né), depois eu vi que Paulo Freire deteve (né) esse método tão
eficaz (né), que educou pessoas de uma hora pra outra.
18

E eles também, com eles também foi dessa forma lá, mas naquela época eu
não sabia, nem sonhava quem era Paulo Freire. Aí eu resolvi passar um ditado (né),
passar um ditado, ver como eles estavam escrevendo (né), ver o que que eu poderia
melhorar pra alvos (né), pra passar, repassar aulas, revisões e aí ir complementando
(né) essas partes baseadas nas dificuldades deles.
Ai eu tinha uma aluno que sentava bem perto da minha mesa, e ele era um
dos mais dedicados (né), e ai quando eu passei por ele e olhei na folha dele, as
cinquenta palavras que eu passei no ditado ele tinha acertado todas, aquilo ali me
comoveu profundamente, aquilo ali mexeu com meu coração, mexeu com a minha
cabeça, foi uma sensação de emoção muito boa, muito positiva (né). Ele lá com a
mãozinha trêmula lá, escrevendo as palavras e todas elas escritas corretamente,
aquilo ali foi muito gratificante, e foi uma descoberta (né).
Eu nunca tinha tido outras experiências que tivessem mexido comigo dessa
forma, que tivessem, que me deixassem tão inspirado (né), então eu pensei muito
em me tornar um professor lá dentro, através dessa experiência com o EJA (né),
com o EJA prisional com aqueles alunos, ensinando eles e era sensacional, era
sensacional.
Os alunos gostavam muito de mim, me chamavam de professor (né), aquilo
ali era muito gratificante pra mim, contribuir pro crescimento, contribuir pra, contribuir
pra que um novo mundo se desvendasse diante deles (né), uma coisa eu creio seja,
que deva ser a gente não saber ler, e ai de repente você sabe ler.
Um novo mundo se é revelado, desde uma placa que você lê, desde um
itinerário de ônibus que agora você consegue ver sozinho, até mesmo uma carta
que você deseja escrever pra alguém, hoje nós vivemos na era das mensagens (né),
através do “WhatsApp”, do “Twitter” e do “Facebook”, então imagina a grandeza
(né), a grande proporção que uma simples alfabetização, simples não, porque você
tem ai uma alfabetização bem consistente, você não ser, não só decodificar o que tá
escrito, mas perceber o significado e aquilo ali mexer um pouco com a sua
subjetividade, somar a sua subjetividade (né), e formar conceitos com base no que
você já tem de experiência de vida (né).
Mas você tem um contato direto com aquilo é muito importante, e desvenda
um mundo novo para eles e modifica totalmente a vida de cada um deles,
transforma (né) a vida deles e ai eles ficam apto de construir coisas muito maiores,
19

de se autor realizar-se com um recurso fortíssimo que é o da leitura, da


interpretação de texto.
Então pra mim foi assim, uma experiência tremenda (né), e foi a partir dali que
eu tive desejo de ser professor, a princípio eu ia escolher “Letras” (né), eu queria ser
um professor de português (né), interpretação de texto, eu gosto muito de escrever,
gosto muito de dissertar sobre assuntos, polêmicas e tudo mais, dar aquela minha
opinião crítica.
E aí no último minuto assim eu mudei de ideia e falei, li um pouco sobre a
pedagogia e falei eu acho que eu tenho que estudar pedagogia. Se eu for professor
eu tenho que ter recursos pra ensinar, eu tenho que ter metodologias pra ensinar,
pra saber ensinar. Não vai bastar só eu saber, eu ter o conhecimento, eu tenho que
alcançar meus alunos de alguma forma.
Então entrei na “Pedagogia”, quando eu cheguei na pedagogia pensa você
(né), entrei na sala, tinha três meninas, daqui a pouco eu pisco o olho tem cinquenta
meninas, só eu de homem na sala (né), aquilo ali meio que me deixou super
intrigado, super preocupado, falei ué o que é que tá acontecendo, eu não sabia que
a pedagogia ela já é oriunda (né) do curso normal (né), do curso normal que foi
criado só pra mulheres mesmo (né), e não sabia que a pedagogia era uma área
onde prevalecia mais as professoras, devido a questão da maternidade (né), do ser
materno nas creches e na educação infantil, mesmo assim eu permaneci, mesmo
assim eu permaneci.
Tive colegas que disseram que eu não ia conseguir nada, que aquilo ali não
era pra homem, que tudo mais, mas cara, pedagogia depois que eu concluí meu
curso, eu vi que é um curso que todo brasileiro deveria ter, acho que depois do
ensino médio o aluno tinha que estudar pedagogia depois sabe, conhecer um pouco
mais sobre a educação e perceber o quanto ela é importante pra sua vida e
instrumentalizar isso tudo em nome dos seus objetivos e ai foi isso (né).
Passados muitos anos eu consegui chegar à faculdade (né), e tava lá com
essas colegas e tudo mais, me saia sempre muito bem nas matérias e aquilo ali ia
me empolgando ainda mais (né), você arriscar algo assim e ver dar certo em algo
que não seria tão apropriado pra você (né), então é dar um sentimento de
superação, mas só ali, só eu chegar ali já começa uma superação (né).
20

Eu sai de um presídio (né), e a maioria das pessoas que saem voltam para lá
(né), grande parte delas, mas eu pude felizmente ter o privilégio de estudar esse
curso. E aí resumidamente é mais ou menos isso (né).
Depois eu tive alguns problemas pessoas (né), minha esposa ficou grávida e
aí eu tive que parar de fazer o curso (né). Eu tava fazendo um estágio no CEFAI
(né), eu amava aquele estágio, amava muito meu aluno também, ele era genial (né),
e ai tive que ficar dois anos, isso daí a professora Manuela pode atestar pra você,
afinal ela me ligava bastante (né) pra conversar, pra dar forças, pra não desanimar,
pra eu não ficar triste (né), e ela teve essa presença nesse momento, ai que foi
sensacional ela ter lembrado de mim, ela ter tido esse encargo (né) pra comigo, foi
muito bom. E olha que ela também passava um momento bem difícil.
E ai de repente, aí me indignei depois muitas vezes, dificuldade para arrumar
algum emprego (né), e sempre empregos em condições muito precárias,
trabalhando muito por pouco dinheiro.
E ai teve um dia que eu vi minhas coisas, minhas apostilas (né), minhas
provas (né) tudo com dez, nove, era difícil ter uma prova minha que eu tirasse
menos que oito e aquilo ali me fervia sabe, tanta dedicação, tanto esforço, um sonho
acabado assim (né), e ai queimei tudo, taquei fogo em tudo, o resto joguei fora
também, apostilas e tudo mais.
Mais aí eu pude voltar, de repente (né) encontrei uma pessoa que acreditou
em mim, que investiu em mim, e aí essa pessoa não se decepcionou.
Consegui me formar com excelentes notas, no primeiro semestre que eu
voltei foi o boletim inteiro com média dez, em todas as notas, todas as matérias, eu
fechei com dez, isso ali, aquilo ali pra mim foi, eu voltei com muita sede (né), muita
garra, com muito gana e ai eu pude colher ótimos resultados. E ai me formei super
feliz (né), meu Pai tava lá (né), meu Pai poxa que deu as costas pra mim, não
acreditou em mim, agora ele tava lá naquele momento vendo eu com o diploma na
mão, com a beca (né), e independente de qualquer coisa ele ficou muito orgulhoso
(né). Então até a minha família naquele presente momento se rendeu a mim (né).
Eu tinha tudo pra dar errado e realmente a experiência com o EJA
transformou a vida das pessoas que estudavam comigo (né), naquela questão que
eu falei pra você dá autonomia, do mundo que se desvenda quando elas aprendem
a ler e interpretar as coisas (né) e eles ficam cada vez mais sedentos, elas gostam
21

cada vez mais, quanto mais eles aprendem, mais eles querem aprender (né).
Quiséramos nós, quiséssemos nós, que nossos alunos, nossos pequenos,
principalmente os jovens do ensino médio eles tivessem essa consciência.
E ai é mais ou menos isso que eu tenho para falar, acho que além disso, só
que eu continuo na luta (né), é um pouco ansioso ((né)), eu passei no Concurso
Público em Osasco recentemente mas por questões burocráticas eu não pude
assumir minha vaga, é já tô com o diploma um ano na mão (né), enviando
currículos, buscando oportunidades e elas são bem escassas, ocorrem raramente,
então ficar com o diploma na mão mais de um ano assim me deixa um pouco
apreensivo, um pouco ansioso.
Mas tô aí, tô aceso na luta e com muito prazer de viver a vida, e essa
experiência aí que eu tenho pra falar pra vocês. A luta não acaba (né), a luta não
acaba porque a gente corre atrás, conquista alvos, mas a gente tem que saber
manter aquele alvo, a gente tem que saber cultivar aquele alvo para que agora ele
evolua, cresça te torne uma pessoa melhor, mais qualificada, mais capacitada, mais
corajosa (né), e os problemas, as dificuldades eles vêm pra isso mesmo (né), no
meio deles que a gente consegue uma superação que nos dá esse recurso de ser
mais forte, por desafio diferente que a gente vai enfrentar lá adiante.
E é isso, eu to no meio disso também e tenho expectativa de que logo, logo
eu já vá também estar com uma sala junto com meus pequenos (né), tenho o alvo
de ensinar de primeiro a quarto ano, de primeiro a quinto ano, essa é minha
vontade, ou então uma ONG (né), onde eu possa trabalhar com jovens e difundir as
ideias que eu tenho, que eu defendo (né) em nome deles, que eles possam ter uma
consciência, possam sair pessoas críticas (né), isso as que não fiquem tão
suscetíveis as influências negativas da sociedade (né).
E eu sei que quando eu tiver fazendo isso, aí sim eu vou estar totalmente
realizado.
Amém meu irmão sem problemas, não foi dificuldade nenhuma tá.
Espero que consigam desenvolver aí um ótimo trabalho e fico contente em
ajudar, e eu autorizo tá, eu (...x...x...) autorizo (né) a divulgação da minha história, da
minha trajetória, meu depoimento pra esse trabalho acadêmico e fico grato em
ajudar.
22

2.1.1.1 ANÁLISE E RESULTADOS

1. A EJA como agente transformadora


1. “[...]Eu nunca tinha tido outras experiências que tivessem mexido comigo
dessa forma, que tivessem... que me deixassem tão inspirado (né), então eu
pensei muito em me tornar um professor lá dentro, através dessa experiência
com o EJA (né), com o EJA prisional com aqueles alunos, ensinando eles e
era sensacional, era sensacional.[...]”

2. Identificamos nessa fala de Carlos a EJA como agente transformadora. O


depoente relata “o sonho que nos anima”, o de que é democrático e solidário
esse desejo de ser professor que, em linhas gerais, são saberes complexos
dentro do contexto da educação nas prisões, debatidos e argumentados,
incansavelmente, pelo CEREJA, órgão que tem como finalidade deliberar
sobre a EJA e a educação nas prisões. Contudo, na simplicidade de seu
vislumbre, com a oportunidade que lhe foi desvendada, nasce para o
depoente o desejo de ser educador. Como resultado, dá-se ao encontro do
desejo de apreender saberes que em outros tempos eram desconhecidos
pelo depoente e abrir-se-á o caminho para uma vida, acadêmica, libertadora,
afetiva e tudo que ela pode proporcionar.
Com base nisso, apoiamo-nos em Freire (1996), ao declarar: “Se, na verdade,
o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é falando aos outros,
de cima para baixo, sobretudo, como se fôssemos os portadores da verdade
a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas é escutando
que aprendemos a falar com eles. Somente quem escuta paciente e
criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas condições, precise
falar a ele.” ( FREIRE, 1996, p.43)

3. A VULNERABILIDADE SOCIAL DE CARLOS


1. “[...] aos dezenove anos eu fui expulso da casa dos meus pais, (né) minha
família deu as costas pra mim, eu acabei ficando numa situação de rua.[...] E
23

aí você sabe, (né) se a família rejeita a rua abraça, (né). E eu acabei entrando
numa parada devido a ter, a ser (ai) apreendido pela Polícia, (né), com
drogas, (né), usando drogas... eu usei muita droga na adolescência e nessa
ocasião eu fui preso, (né), com dezenove anos. [...] naquele contexto junto
com várias outras pessoas que, enfim, ficaram a margem da sociedade de
alguma forma. [...]”

2. A vulnerabilidade social relatada por Carlos, da qual foi submetido, passa a


ser entendida a partir de múltiplos condicionantes, consequentemente,
podemos compreender, dentre determinada exposição e delineamentos,
como a agudeza das variáveis que permitem esses aspectos sociais afetam o
depoente, tais como: exposição ao ambiente de aquisição de entorpecentes,
de delitos que envolve esse fator social, exposição a criminalidade etc. Que
podem ser descritos na fala do depoente como um sujeito em condição de
vulnerabilidade social.

3. Para fundamentar esses pressupostos, temos Onofre(2014) que ratifica os


princípios acima citados: “[...] A população carcerária apresenta
características semelhantes às da população brasileira, constituída em sua
maior parte de pobres e de pessoas pouco escolarizadas. Os presos fazem
parte da população dos empobrecidos, produzidos por modelos econômicos
excludentes, privados de seus direitos fundamentais de vida.
Ideologicamente, como os ―pobres, aqueles são jogados em um conflito
entre as necessidades básicas vitais e os centros de poder e decisão que as
negam. São com certeza, produtos da segregação e do desajuste social, da
miséria e das drogas, do egoísmo e da perda de valores humanitários. Por
sua condição de presos, seu lugar na pirâmide social é reduzido à categoria
de marginais, bandidos, duplamente excluídos, massacrados, odiados. O
estigma e a segregação que lhe são imputados atingem, por extensão, toda a
sua família: pais, esposas, companheiras e filhos. (ONOFRE, 2014, p. 25)
[...]”

3. A EJA COMO MEDIADORA


24

1. [...]desvenda um mundo novo para eles e modifica totalmente a vida de


cada um deles, transforma (né) a vida deles e ai eles ficam apto de construir
coisas muito maiores, de ser autor, realizar-se com um recurso fortíssimo que
é o da leitura, da interpretação de texto.[...]então pra mim foi assim, uma
experiência tremenda (né), e foi a partir dali que eu tive desejo de ser
professor, a princípio eu ia escolher “Letras” (né), eu queria ser um professor
de português (né), interpretação de texto, eu gosto muito de escrever, gosto
muito de dissertar sobre assuntos, polêmicas e tudo mais, dar aquela minha
opinião crítica. [...]”

2. O depoente afirma o motivo que o despertou para entrar no processo de


acesso no quadro de educadores da EJA prisional, enquadrando-o na
questão norteadora, posteriormente, identificamos a mudança desse sujeito,
em conformidade com seu contexto social e político, assim, podemos
entender que, a partir desse entendimento, houve a descoberta do interesse
de ensinar e a adequação de sujeitos que gostariam de aprender,
Independentemente das condições que o depoente se encontrava.

3. Para Ireland (2011, p.30) “parte integrante da educação de adultos, é


importante politicamente para reforçar políticas públicas e por ser parte de um
movimento que tem potencial de trazer benefícios mais amplos.” Para esse
autor, é uma EJA diferente e que não está reduzida à escolarização, mas
abarca outras educações, outros contextos e práticas, bem como a formação
integral do sujeito de maneira que a pessoa presa possa ter acesso a todo
tipo de conhecimento da vida e para a vida.

4. PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL POR MEIO DA EJA


1. “[...] E aí houve um dia que falaram de escola pra mim (né), de professor,
eu ainda não quis ir pra escola (né) porque eu já tinha o segundo grau
completo ali naquela época. Eu não via como a escola poderia me ajudar
sendo que eles só tinham classes de alfabetização e supletivo de oitava série
(né), e ai de repente quando eu falei isso pra um amigo ele já: ‘O quê? Você
já pode ser professor agora, você tem que ser professor, você tem a
25

qualificação do professor, tá saindo agora, tá saindo, não vai mais trabalhar,


vai precisar por alguém no lugar dele.’ E aí foi essa a grande oportunidade
que eu tive (né), o pessoal da liderança lá, eles autorizaram eu ir, porque é
eles que decidem, também (né), quem é quem vai, quem não vai, eles
escolhem lá dentro quem pode ir quem não vai e ai eles aceitaram que eu
fosse lá, e aí eu passei por algumas provas (né), entrevista com o diretor do
presídio, com o pessoal que cuida do setor de educação também lá, fiz as
provas e passei (né), passei e aí eu fui ser alfabetizador de duas classes (né),
professor alfabetizador, eles chamam de monitor educacional (né). [...]”

2. Identificamos nesta fala de Carlos, uma postura, a princípio, desmotivada,


mas posteriormente se mostrou disponível para um processo social
desencadeado por ações de transformação, mudança e avaliativo que se
enquadra numa concepção determinada de mundo, a qual estabelece os fins
a serem atingidos e requisitados na EJA. Em conformidade com as ideias
dominantes na educação prisional, colocou o princípio do diálogo acima das
disciplinas que, nesse contexto, podem ser preponderantes para o ensino-
aprendizagem.

3. Sobre educação prisional Graciano (2005) afirma: “Ainda que de forma


crítica, tais análises tomam a educação como elemento a serviço da
transformação dos indivíduos que se encontram em situação de privação de
liberdade, que parte da premissa de que a educação é um direito humano,
portanto, assegurada a todas as pessoas, inclusive àquelas socialmente
identificadas como criminosas. Se na primeira perspectiva a população
carcerária é objeto da ação da educação, na segunda, é sujeito deste direito,
ao menos formalmente.” (GRACIANO, 2005, p.13 apud CEREJA discute, pag.
92-93)

4. EDUCAÇÃO NAS PRISÕES

1. Para Foucault (1997,p.29) a educação nas prisões “quer dizer que pode
haver um ‘saber’ do corpo que não é exatamente a ciência de seu
26

funcionamento, e um controle de suas forças que é mais que a capacidade de


as vencer: esse saber e esse controle constituem o que se poderia chamar de
tecnologia política do corpo.” Concordando com ele, consideramos que
existem dois tipos de educação no interior dessa instituição: a que objetiva a
formação escolarizada e a que visa ao ensino de comportamentos adaptados
à ordem estabelecida e que se dá, também, pelos processos formais de
ensino.

2. Comprovando a fala do autor, apresentamos o seguinte trecho do


depoente: “[...]Eu tinha tudo pra dar errado e realmente a experiência com (o)
EJA transformou a vida das pessoas que estudavam comigo, (né), naquela
questão que eu falei pra você da autonomia, do mundo que se desvenda
quando elas aprendem a ler e interpretar as coisas[...] e eles ficam cada vez
mais sedentos, elas gostam cada vez mais, quanto mais eles aprendem, mas
eles querem aprender, (né)? Quiséramos nós, quiséssemos nós, que nossos
alunos, nossos pequenos, principalmente os jovens do ensino médio, eles
tivessem essa consciência.[...] "

3. Nesta fala de Carlos, encontramos os desafios e as especificidades que


são singulares do ambiente prisional, tais como os direitos e os deveres de
cidadãos em privação de liberdade (cidadania). A formação, e o ensino-
aprendizagem, considerando o apenado em questão, à medida que o saber
ler e escrever for objeto de mudança, concluímos que é a transição da visão
subjetiva para uma visão crítica da sua realidade. Portanto, é possível
compreender que o ambiente prisional e seu contexto político, apresenta-se
enquanto particularidade perseverante, como agente transformador do
depoente. A (EJA), quanto a isso, representa a mola impulsionadora que
fomentou a transformação do depoente e sua inclusão social, educacional,
gerando, dessa maneira, sua posterior formação acadêmica em Pedagogia.

1. REABILITAÇÃO OU INCLUSÃO SOCIAL DO APENADO


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1. “[...] eu continuo na luta (né), e um pouco ansioso (né), eu passei no


Concurso Público em Osasco recentemente mas por questões burocráticas
eu não pude assumir minha vaga, e já tô com o diploma um ano na mão (né),
enviando currículos, buscando oportunidades e elas são bem escassas,
ocorrem raramente, então ficar com o diploma na mão mais de um ano assim
me deixa um pouco apreensivo, um pouco ansioso.[...]”

2. “[...]Ora, um dos temas mais controversos quando se fala nas prisões é


justamente o debate sobre sua função. Mas pode-se, em relação a este
aspecto, refletir sobre um elemento fundamental quando se pensa no papel
de reabilitação ou de inclusão social dos presos, o qual a prisão deveria
cumprir. Esse elemento é, sem dúvida, a educação. Aliás, ela é componente
indissociável da cidadania. E é disso que falamos, em última instância,
quando se pensa no retorno à vida em liberdade das pessoas que vivem ou
viveram uma situação de aprisionamento.[...]”. ( CEREJA discute, pg.111,
2011)

3. Segundo José Carlos Sebe Bom Meihy, "a história de vida oral pretende
ser um campo multidisciplinar em que, independentemente das várias
tradições disciplinares, diferentes linhas de trabalhos possam dialogar sobre
maneiras de abordagem das entrevistas e trocar experiências." (BOM MEIHY
1998 p.35). Partindo dessa análise despertou-se a curiosidade em aprofundar
dados estátiscos sobre a questão que envolve a empregabilidade dos
apenados. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) divulgados neste dia 31 de maio de 2019, a taxa de desemprego no
Brasil ficou em 12,5% no trimestre de fevereiro a abril, e notadamente o
depoente contribuiu para esta estatística. Através da fala de Carlos, podemos
identificar que, a história de vida oral, proposta por Bom Meihy, pode
contribuir factualmente para traçarmos um panorama sob perspectivas de
inclusão social do apenado. Dentro deste contexto, o instrumento de
aplicação e análise desse depoimento objetiva, sobretudo, a compreensão de
mundo no que se refere a correlação da pesquisa científica e a situação real
do apenado em questão. A importância da história de vida oral de Carlos é a
28

confrontação da veracidade dos fatos com as bases que endossam o caráter


teórico deste estudo.
29

CONSIDERAÇÕES

Aprofundar-se no entendimento da subjetividade das falas do depoente no


espaço da prisão, permitiu perceber que pode ser um ambiente adequado para o
ensino-aprendizagem, sobretudo quando o apenado se envolve e busca sua
transformação para ser um indivíduo melhor, no sentido da cidadania. No caso
analisado, foi frequentemente observado a transformação, muito mais por uma ação
do depoente, do que propiciada pelo sistema prisional, que, demanda de uma
estrutura organizacional apropriada, explicitadas na interlocução do depoente, uma
vez que: políticas públicas voltadas para educação prisional, projetos eficazes de
reinserção social, são, sumariamente, necessidades básicas dentro do sistema
prisional e educacional. Para tanto, faz-se necessário afirmar que a EJA no espaço
prisional foi substancialmente importante para uma mudança de sentido, de direção,
para esse sujeito, levando a cabo à análise de que a educação é, por assim dizer, o
aspecto fundamental de transformação e contribuição para a substituição de uma
vida pregressa maculada pela criminalidade, para uma aspiração de cidadania
libertária, dentro deste cenário, em específico. Mediante isso, consideramos de
extrema importância para a formação do aluno pesquisador ampliar seus
conhecimentos a respeito de diversos contextos escolares, em especial a sala de
aula de uma prisão. Além de observarmos a transformação do depoente, ficamos
sensibilizados pela autotransformação daquele que analisou uma fase da vida de um
outro sujeito que, tem como objetivos educacionais coniventes com os do
pesquisador.
30

REFERÊNCIAS

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pesquisa que discute a importância da educação no momento da saída do egresso
do sistema prisional, bem como as vicissitudes deste..
monografias.brasilescola.uol.com.br. São Paulo. 19 p. Disponível em:
<http://brasilesco.la/m15083>. Acesso em: 26 mai. 2019.

ARROYO, M. G. Da escola carente à escola possível. São Paulo: Loyola, 2003.

ARROYO, Miguel. A Educação de Jovens e Adultos em tempos de exclusão. In:


Revista da RAAAB, n. 11, p 9-20. 2001.

BOM MEIHY, José Carlos Sebe. OS NOVOS RUMOS DA HISTÓRIA ORAL: O


CASO BRASILEIRO. Revista de História, São Paulo, v. 2, p. 13, 2006. Disponível
em: <https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/download/19041/21104/>. Acesso
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do Estado com a educação (...). Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível
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Acesso em: 5 jun. 2019.

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Educação em Prisões: CEREJA-discute. 1. ed. São Paulo, v. 1, f.
5,16,28,33,86,92,93,112,122, 128, 2010. AlfaSol (Alfabetização Solidária).

CORTADA, Silvana de Oliveira. A EXPERIÊNCIA DE SER PROFESSOR DA EJA::


SENTIDOS E SIGNIFICADOS. São Paulo, 2009. 122 p. Tese (Mestrado) -
UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO, 2009.

DMITRUK, Hilda Beatriz (Org.). Cadernos metodológicos: diretrizes da


metodologia científica. 5. ed. Chapecó: Argos, 2001. 123 p.

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Editora Vozes, 1997.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


educativa. Paulo Freire. – São Paulo: Paz e Terra, 1996. – (Coleção Leitura)
31

GADOTTI, Moacir. POR UMA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO POPULAR


DE JOVENS E ADULTOS. 1. ed. São Paulo: Moderna, v. 1, 2014. 44 p.

GADOTTI, Moacir. Educar para um outro mundo possível. São Paulo: Publisher
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MONTEIRO, Simone da Rocha Pires. O marco conceitual da vulnerabilidade social.


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ONOFRE, E. M. C. Educação escolar na prisão. Para além das grades: a essência


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24, p. 217-252, jan./mar. 2018. http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v11i24.6657 | ISSN:
1983-6597 (versão impressa); 2358-1425 (versão online). Disponível em:
https://seer.ufs.br/index.php/revtee/issue/view/795/showToc . Acesso em: 26 mai.
2019.

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