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O Sistema Penal em Questão - Penas Perdidas - Louk Hulsman e Jacqueline Bernat de Celis PDF
O Sistema Penal em Questão - Penas Perdidas - Louk Hulsman e Jacqueline Bernat de Celis PDF
PENAS PERDIDAS
0 Sistema Penal em Questão
Tradução
de
MARIA LÚCIA KARAM
LUAM I- Edição
i ã edição - 1993
© Copyright
Loiik Hulsman
Jacqueíine Bernat de Celis
91-0738 C D U - 34 3 (8 1 )
Im presso no Brasil
Printed in Brasil
SUMÁRIO
Situações e a c o n te c im e n to s .................................................. 17
Experiências in terio res............................................................. 31
Segunda P arte
A perspectiva abolicionista:
apresentação em dois tempos
Qual abolição?
1 - Opinião p ú b lica...................................................... 55
2 - Os bons e os m a u s ............................................... 56
3 - A m á q u in a ............................................................. 57
4 - B u r o c r a c ia ............................................................. 58
5 - Um filme e s p a n to s o ............................................ 60
6 - Olhando de d e n t r o ............................................... 61
7 - Relatividade ......................................................... 63
8 - Cifra n e g r a ............................................................. 64-
9 - 0 culpado n ece ssário ............................................ 66
10 - Filha da esco lásíica............................................... 68
1 1 - o e s tig m a .......................
12 - E x c lu s ã o .......................... ... ■ ■
13 - Im p asse........................................
14 - R ep ercu ssõ es..............................
1 5 - A c id e n te s ? .................................
16 - Poucos re m a n e sc e n te s.............
17 - P ré -se le ç ã o .................................
18 - Deixar pra l á ..............................
19 - Distâncias s i d e r a i s ....................
2 0 - 0 jogo de propostas discordantes
21 - A reinterpretação.......................
22 - Os f i l t r o s ....................................
23 - O foco ........................................
24 - À margem do assunto . . . . . .
25 - Estereótipos ..............................
26 - F ic ç õ e s .......................................
27 - A pena leg ítim a..........................
2 8 - 0 impacto .................................
29 - Noutro lugar e de outra forma .
30 - L ib e r ta ç ã o .................................
Qual liberdade?
31 - S o lid a ried ad e s..........................
32 - Círculo v ic io s o ..........................
33 - Vocabulário ..............................
34 - Uma outra ló g ic a .......................
35 - Cinco estudantes .......................
3 6 - 0 que é g rav id ad e?....................
37 - Chaves de ie itu r a .......................
38 - Boa sa ú d e ....................................
39 - Uma melhor e s c o lh a ................
Penas Perdidas 7
Ester Kosovski
Primeira Parte
,.dt de Celis
N .d a T .: o c u p a n te s ile g a is d e h a b ú u ç õ c s ab an d o n ad as.
L o uk KuSsíhsíí c J . 55. Ceíss
mento mais ou menos "normal", ou, pelo menos, nào pior do que
o comportamento da maioria das pessoas. Assim, quando se ad
mite que o outro possa dar àquilo que ele vive um sentido respei
tável - mesmo que, pessoalmente, não se simpatize com sua
maneira de ver - podem-se encontrar respostas hum anas para as
situações conflituosas. As explicações teóricas que se apóiatn em
distinções maniqueístas, ao contrário, desembocam num dessolida-
rizar-se, que, para mim, é inaceitável.
- Você mostrou como algumas experiências o levaram a
não dar crédito senão àquilo que você possa verificar pessoal
mente, não só pela observação e pelo raciocínio, mas por uma
espécie de comunhão interior com os seres - aquiio que você
chama de seu sentimento de solidariedade. Você mencionou sua
desconfiança para com as instituições - redutoras por natureza
- e sua f é no homem, em todos os homens, em direção aos quais
você é impulsionado por uma aptidão especial de abertura para
o outro. Mas, para realmente explicar sua posição abolicionista*
você disse que tinha que recorrer a uma outra de suas atitudes
profundas...
- Sim, para explicar totalmente quem sou, é preciso que eu
tente demarcar uma última experiência fundamental, aquela da
conversão.
- E/n que sentido você emprega esse termo ?
- Vou usar uma metáfora. Podemos definir a nós mesmos
como uma espécie de armário composto de múltiplas gavetinhas.
Aí organizamos todos os dados que nos chegam: o que vemos, as
mensagens que recebemos do exterior ou do interior; aí arquiva
mos também nosso saber. E temos a tendência de recusar as
mensagens que não coincidem com esta organização pessoal. Se
não temos mais gavetas, ou se aquilo que nos chega não vem no
formato que se ajusta às gavetas existentes, nós o eliminamos.
Mas, se, ao invés de rejeitar o dado novo, aceitamos rever todas
as classificações e reorganizar todas as gavetas, estaremos diante
43 1
L o i ík H ulsn ian c . . II. C c ü s
1. O PINIÃO PÚBLICA
2. OS BONS E OS MAUS
3. A MÁQUINA
4. BUROCRACIA
~&y-
^ ; equilíbrio, velar pelo bem-estar de seus membros - numa pala-
* vra, assegurar sua própria sobrevivência. O processo de burocra-
l tização e profissionalização, que transpassa o sistema penal, faz
sa* í dele um mecanismo sem alma.
-3#!
5. UM FILM E ESPANTOSO
s#j
dH'.. Ninguém dirige a máquina penal.
^ 0 Ministério da Justiça dos Países-Baixos fez um filme para
J mostrar como funciona a justiça repressiva, desde o momento em
que alguém é detido até o momento em que a porta da cela se fe-
a# cha sobre ele. Esta pessoa foi acompanhada por todo o dédaío: a
detenção, a prisão provisória, os interrogatórios, o processo, a
entrada na prisão, a saída da prisão...
sé
Que revelação! Pode-se ver até que ponto as diferentes in
tervenções dos agentes do sistema são fracionadas, compartimen-
3# talizadas. Na chegada ao posto policial, por exemplo, um agente
se informa sobre a identidade da pessoa detida, outro tira suas
impressões digitais, um terceiro retira os cordões de seus sapa
tos... Ainda na etapa policial, ninguém poderia se sentir pessoai-
3^ mente responsável pelo que aconteceria a esta pessoa.
-s§| Espantosam ente, este filme, que pretende apresentar
^ o sistema sob um aspecto favorável, não consegue mais
d° deixar uma im pressão de m ecanização e frieza. De
alguma forma, se desnuda uma prática infam ante. Ne-
^ nhum dos agentes do sistem a parece expérim entar, como
3f | pessoa, sentimentos de opróbio em relação ao acusado e
e ^es’ Pessoalmente, não fazem nada para hum ilhá-lo, mas
0 P 2 Pe* entregue a cada um e a sucessão de p a p é is criam
35# uma prática estranha a suas próprias consciências, neces-
^ sanam ente degradante para a pessoa em questão.
^ O filme também revela a inexorabilidade do processo de en-
c ausuramemo. Nenhum dos agentes do sistema parece querer o
*
J
%'
.............. — — --- J
Penas P erdidas 61
6 . OLHANDO DE DENTRO
7. RELATIVIDADE
8 . CIFRA NEGRA
< Foi perguntando a pessoas q u e p articip aram destas p e sq u isas - sen d o , n a tu ra lm e n te , m a n tid o
" ~ a'° ~ SC’ ^ unuile ljnl p erío d o determ inado, foram v ítim a s d c in fra ç õ e s; q u ais; da
j. p ane dc quem ; se ap resen taram "q u eix a", etc... O resu ltad o d e u m a d as p e sq u isa s m c im -
,res.ao n o u particularm ente. D o q u estio n ário constava: "V ocê foi v ítim a d e a lg u m a ag res-
*A°Ioníra<'!íe n° S!btcn' a F*113! se ch a m a d e "lesões co rp o rais") "O au to r era u m e s tra n h o ? ”
le a esta úli ^ c ce ssc^ ' "A lg u ém d a fam ília?". N in g u é m resp o n d eu afirm a liv a m e n -
âü B aijc* PeiJ unta’ er,tt>ora e ste tip o d e situ a ção se ja b a s ta n te freq ü en te (nos P aíses-
evidência vi im"18 lz er5 ue d as m u lh eres j á "apanharam " d o s m a rid o s). N a n e g a ç ã o da
,3 nà0 (-.5colocam d-e. S' rU*' ^.uant*° se (ra,a aco n tecim en to s p ró x im o s , a s p e sso a s
.. ................
L
Penas Perdidas 67
3 >
i>ouk HuLsman c J . 8 . de Cclis
11. O ESTIG M A
12. EXCLUSÃO
■A'
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72 L o u k H u lsm an e J . B . d c C e lis
Aliás, que meios teria para reparar ou atenuar o mal que causou,
se, preso, sem trabalho ou recebendo um ínfimo salário, à medi
da que o tempo passa, vai se tomando mais e mais insolvente?
Para o encarcerado, o sofrimento da prisão é o preço a ser
pago por um ato que uma justiça fria colocou numa balança de
sumana. E, quando sair da prisão, terá pago um preço tão alto
que, mais do que se sentir quites, muitas vezes acabará por abri
gar novos sentimentos de ódio e agressividade.
O sistema penal produz efeitos totalmente contrários ao que
pretende um determinado discurso oficial, que fala em "favorecer
a emenda do condenado". O sistema penal endurece o condena
do, jogando-o contra a "ordem social" na qual pretende reintro-
duzi-lo, fazendo dele uma outra vítima.
15. ACIDENTES?
17. PRÊ-SELEÇÃO
12 V e r s u p r a , n o ta 3.
13 UHíls, P a n s , S tock,
C h ris tia n H E N N IO N , C hroniqud íksfl(Lgrar<ts c I9 ?ó .
18. DEIXAR PRA LÁ
21. A REINTERPRET AÇ ÃO
3
=* 22. OS FILTROS
>»
J:-
clarou que é francês, casado, com dois filhos, que tem instrução,
que prestou o serviço militar, que não foi condecorado, que nâo
recebe pensão nem aposentadoria...", "X reconhece os fatos.,.",
"X foi objeto das verificações usuais e das medidas de segurança
previstas no Regulamento...". Na realidade, são formulários que
a polícia preenche. Tais formulários, num tom invariável, monótono,
impessoal, refletem os critérios, a ideologia, os valores sociológicos
deste corpo que constitui uma das subculturas do sistema penal.
O mesmo se poderia dizer dos exames psicossociais e das perí
cias psiquiátricas. Tais documentos - que, evidentemente, utilizam
toda uma outra linguagem - também têm sua rigidez, refletindo de-
codificações igualmente redutoras da realidade, profissionalizadas.
Tome-se ao acaso, nos autos, estas "palavras de peritos". Ali
se encontrarão, constantemente repetidas, conclusões assim for
muladas: "X não se encontrava em estado de demência no mo
mento dos fatos; X não é perigoso e sua internação num hospital
psiquiátrico não se mostra indispensável nem para seu próprio
benefício, nem no interese da coletividade; pode-se considerar
que X tem uma responsabilidade peíial em parte atenuada; X é
normalmente sensível a uma sanção penal...".
Nos autos que chegam às mãos dos que vão proferir a sen
tença há outros documentos semelhantes. São outros tantos fil
tros que estereotiparam o indivíduo, seu meio e o ato que lhe é
reprovado; e as visões assim manifestadas - as visões míopes e
rígidas do sistema - são outros tantos etiquetamentos estabeleci
dos à margem do homem, do que ele verdadeiramente é, do que
vive, dos problemas que apresenta.
23. O FOCO
do; ela não faz nenhuma idéia das conseqüências reais que a ex
periência negativa da prisão trará para a vida deste homem; ela
ignora as rejeições que ele terá que enfrentar ao sair da prisão,
Mas, foi "seu assunto" o que esteve na origem da engrena
gem do processo penal; e talvez eia não tivesse desejado todo
este mal. Talvez ainda, com o tempo, ela pudesse passar a consi
derar o problema inicialmente vivido de outra forma. Quem de
nós não sentiu isso, vendo acontecimentos perderem importância
e mudarem de sentido, à medida que os revivemos no contexto
sempre renovado de nossa história?
Quando o sistema penal se apropria de um "assunto", ele o
congela, de modo que jamais seja interpretado de forma diferente
da que foi no início. O sistema penal ignora totalmente o caráter
evolutivo das experiências interiores. Assim,, o que se apresenta
perante o tribunal, no fundo, nada tem a ver com o que vivem e
pensam os protagonistas no dia do julgamento. Neste sentido,
pode-se dizer que o sistema penal trata de problem as que não
existem.
26. FICÇÕES
'è - ■ ■
'% Uma reflexão sobre "o direito" ou "a necessidade" de punir,
| que pretenda se situar neste nível, é, portanto, aberrante. So-
# : mente nos contextos próximos, onde se podem atribuir signi-
^ » ficados concretos às noções de responsabilidade individual e
(3 e "punição", é que eventualmente será possível retomar tal
reflexão, seja ao nível mezzo das relações entre indivíduos e
3P grupos ou instituições que lhes são próximos, seja ao nível
a f! micro das relações interpessoais - lá, onde é possível reen-
contrar o vivido pelas pessoas. ,
zél
**} 28. O IMPACTO
a#;
a fi O sistema penal é especificamente concebido para fazer
mal. Como o sistema militar, tem por característica essencial o
a í
fato de ser extremamente perigoso, talvez mais ainda, pois este,
a f. pelo menos, permanece uma boa parte do tempo desativado. Na-
^ turalmente, quando o sistema militar entra em funcionamento, o
S30 estrago é muito maior. O sistema penal não tem este lado dramá
£*$ tico, mas igualmente produz violência. Talvez mais violência, na
medida em que, independente da vontade das pessoas que o acio
ssê nam, ele é estigmatizante, ou seja, gera uma perda de dignida-
es# de. E isso a estigmatização... E o sistema penal funciona o tempo
sa# todo!
Uma pesquisa realiza nos Países-Baixos, onde existe um
bom sistema de registro de dados, revelou o enorme impacto so
cial do sistema penal. E isto em países conhecidos por infligir
muito menos penas de prisão do que a maioria dos outros países,
gs# O Serviço Estatístico levantou o prontuário judicial de todas as
2^ ) pessoas que morreram, durante um ano, para averiguar quantas
^ tinham estado presas. Ressalto que não foram consideradas as
pnsces determinadas pelos alemães durante a ocupação, nem as
condenações por colaboracionismo que vieram com o fim da
...J
X ,
guerra. Deduzidas estas penas, o resultado foi quase inacreditá
vel: de cada dez pessoas uma havia sido condenada a uma pena
de prisão!
Se você se espanta, se você acha este número inverossímil,
talvez seja porque você pertence a uma camada social menos ex
posta. Observei de que forma estas condenações à prisão se distri
buíam entre as diferentes camadas sociais e, mais uma vez, pude
constatar a invariável relação existente entre camadas sociais e
taxa de encarceramento. Na categoria mais desfavorecida (repre
sentando 35% da população), de cada cinco pessoas uma tinha
estado na prisão, enquanto na categoria mais favorecida (repre
sentando 15% da população), a taxa passava a ser de um a pessoa
a cada 70. Quando se conversa com os grupos afetados, verifica-
se que existe uma consciência aproximada destas taxas, que, à pri
meira vista, parecrm surpreendentes.
Atualmente na França, após um indulto presidencial que pôs
em liberdade mais de 10 .0 0 0 pessoas, existem por volta de
30.000 presos, entre condenados e processados. Mas, se atentar
mos para a circulação que se processa no aparelho da justiça re
pressiva. ou seja, o movimento diário nas prisões (as entradas e
saídas), veremos que cerca de 12 0 .0 0 0 pessoas passam anual
mente pelas prisões .'4 E o sistema penal afeta ainda as famílias
destes presos. Quantas pessoas, por ano, são alcançadas por este
sistema? Quantas, ao fim de dez anos? E você está disposto a
deixar esse sistema continuar esmagando tanta gente?
30. LIBERTAÇÃO
31. SOLIDARIEBADES
-0
ma o, sob a forma de uma marginalização social mais ou menos de-
nmtiva daqueles que saem de lá.
Outras correntes de pensamento propuseram a rejeição da
^ pena, seja para substituí-la por um intervenção médica ou pedagó
Penas P erd id as 95
33. VOCABULÁRIO
1 C f. s u p ra , n^s 7 a 9 , 2 2 , 2 3 .2 4 , 25 e infra.
2 P o d er-sc-ia v e r aq u i u m a co n seq ü ên c ia lógica d o en fo q u e ad o tad o , d e s d e 1954, p o r M arc
A n ccl. N a fam o sa o b ra q u e ac ab o u d e s e r reeditada, M arc A ncel d e n u n c ia as fic çõ cs le g a is
q u e im p ed em a o b s e rv a ç ã o d a realid ad e s o d a l, in sistin d o na n e c e ss id a d e d e d e s ju r i d íc i z a r
c e rto s co n ceito s p a ra p o d e r ch e g a r ao h o m e m . (M . A N C E L , L a défens.e so c ía le n o u w ll e ,
3 c m e ed itio n . P aris, C u ja s, 198 1 - N .da T .: veja-se a tradução em p o rtu g u ê s d a 2- e d ição : A
n o v a d efesa so c ia l, R io, F o ren se, 1979). A perspectiva aqui p ro p o sta v ai m ais lo n g e, m as na
m e sm a d ireção: tra ta -s e d e d e s ju rid ic iz a r o co n c eito d e ato punívei p ara re e n c o n tra r o a c o n
te c im e n to e a s itu a ç ã o re a lm e n te vividos.
3 E v id en te m en te , a só m u d a n ça de v o ca b u lário nào hasta p ara g a ra n tir u m a tra n sfo rm a ç ã o de
fu n d o . Já assistim o s m o d ific a ç õ e s de lin g u ag em p erm itirem , ao c o n trário , q u e v elh as p ra ti
c a s co n tin u assem a e x is tir s o b fo rm a s m ais b en ig n as (q u an d o s e p reten d eu , p o r ex e m p lo ,
q u e a p risão se to m a s se um tra tam en to de ressocialização). D e u m a fo rm a ta lv e z u m p o u co
s im p lific a d a , o q u e s e a firm a aq u i é q u e a m u dança de lin g u ag em é u m a c o n d iç ã o n e c e s s á
r ia para a d esejad a tra n sfo rm a ç ã o : n ão su ficien te, é certo; maò, nec essária.
Louk fiutüiuan c J . B. dc Cclis
-- vf:-—:•
Pen.is .P e rd id a s 07
à vim os supra (n2 26) que só raram en te atribuím os um "ac o n tecim en to " a u m a p esso a d e-
icrm inada. E m geral, o interpretam os seja em relação a m arco s d e referê n cia n atu rais o u so -
reuaturais, seja n u m m a rro de referência social, atrib u in d o -o à es tru tu ra so cia l e n âo a um a
pessoa.
Penas Perdidas 101
Para mim, não existem nem crimes nem delitos, mas apenas
situações problem áticas. E sem a participação das pessoas dire
tamente envolvidas nestas situações, é impossível resolvê-las de
uma forma humana.
6 T o m a n d o -o u m a m e ra contravenção.
>'-3*:%2L!íaE.'!£!Kí«t3a:l
I0 6 Louk Hulsman c J. 1$. de Celis
Q uando os P aíses-B aixos puseram em prática a ex p e riên cia do "m é d ico d e c o n fian ça", o sis-
lem a penai era cada vez m enos pro cu rad o , ex a tam e n te p o r ca u sa de su a in c a p a c id a d e d e in
te rv ir adequadam ente num a situ ação global com plexa.
Penas Perdidas 107
41. E A VIOLÊNCIA?
sem que se deva acreditar, porém, que, algum dia, possam existir
mecanismos protetores cuja eficácia seja absoluta.
42. ESTATÍSTICAS
14 M esm o no p rim eiro c a so , co n sid e ra -sc q u e h á v io lcn cia, po rq u e há unia afetaçã o <Jo co rp o .
N os d o is caso s, e x iste o o b je tiv o dc lucro.
15 P ois tais a to s n ã o s ã o m o tiv ad o s pelo o b je tiv o de lucro.
'■J
L o u k H u ls s n m i e B. d o ü e f e
KP
transformá-las em um indicador confiável desta. Divulgá-las,
HE? atribuindo-lhes um valor que não têm, só serve para desenvolver
3má j? a angústia e estimular reações fundadas no medo.
mr?f jf Evidentemente, não se trata de negar a existência de situa
mat ções de risco: mas, ao invés de transtornar as pessoas com cifras
cujo significado é distorcido, seria bem inais conveniente fazê-
las refletir sobre os riscos reais que enfrentam.
«=» Seria preciso começar por fazer compreender que todos os
seí f problemas de insegurança nas ruas, no que se refere ao aconteci-
r ..± | mento em si, são sempre problemas locais. Quando digo proble-
.? mas locais, estou me referindo, se se trata de uma cidade, a
g problemas do bairro. Geralmente, as situações preocupantes so se
apresentam, de fato, em duas ou três ruas. Não existe nenhum
* 3# j território onde a insegurança nas ruas se dê a nível nacional. E
porque o Estado se encarrega dos acontecimentos locais (para
f
tratá-los no sistema penal) e porque a imprensa toma tais fatos
SES#
acontecimentos testemunhados, que eles se "nacionalizam": as
sim, pelo fato de urna senhora ter tido sua bolsa roubada em al-
m=3^fk gum lugar de Paris ou de Lyon, toda a França tem medo.
K3 # | Se circunscrevêssemos o risco, recolocando-o em seus limi-
^ jjl tes reais, as pessoas envolvidas poderiam discutir como evitá-lo.
J Um grupo de autoridades locais (funcionários de diferentes re-
aEa®| partições oficiais, pessoal de diferentes serviçfos sociais, políticos
*3 ^ 1 locais), ou um Comitê de bairro, por exemplo, poderiam refletir
sobre uma verdadeira insegurança vivida pelos habitantes de
^ determinadas ruas: quem está criando a insegurança - jovens,
fe estrangeiros, pessoas de outras zonas da cidade? quem está
«3^ ameaçado? quem realmente foi atacado? etc... Partindo de uma
0&. situação concreta, o grupo que vive esta situação pode, então,
discutir como enfrentá-la.
Evitando generalizar o que é apenas local, certamente con
seguiríamos expulsar um pouco deste sentimento deletério de in
segurança que intoxica as pessoas.
P enas Perdidas ) 13
17 Fala-se de 're n a s c im e n to '. M as, é b astante difícil a v a lia r se se tem d e fato ura aum en to
rea£, ou sim plesm ente um a m a io r v is ib ilid a d e deste fen ô m en o , em fu n ç ã o d o in teresse que
algum as instituições - e, atrás d elas, a mídia - m anifestam a esse resp eito .
Penas Perdidas 115
que ele exerce a vingança coletiva, esquece-se que tal sistema não re
presenta mais do que uma expressão histórica - claramente circunscri
ta no tempo e no espaço - daquela suposta necessidade. Na Idade
m
Média e até o século XIII, a maior parte dos conflitos entre as pessoas
se resolvia nos marcos compensatórios. Quando as pessoas queriam se
i
A íerrad o à idéia de que é preciso 'v in g a r as v ílím a s do d elito", o d is c u rs o o fic ial fre q ü e n te -
t n
s \ .... ....'
Persas P e r d id a s 131
24 C f. su p ra n% 8 c 16.
25 C f. s u p ra n% 35 c 37,
y
13-1 Louk H uísm an e J. E. de Cclls
i
\
P en as P erdidas 133
27 Cf. s u p ra , n ° 4 3 .
136 Louk H ulsm an e J. B. de Ceils
60. RENOVAÇÃO
*
jè
iê
*
*
A
*
a
*
3*
A
A
*
*
POSFÁCIO
Introdução
Neste posfácio eu me imponho uma dupla tarefa. Em primeiro
lugar, desejo abordar alguns avanços sobre a justiça criminal desde a
primeira publicação da versão original francesa deste livro, em
1982. Darei somente umâ pincelada em alguns tópicos: como se de
senvolveu a criminalização no mundo central, o que aconteceu com
os debates sobre criminologia e política criminal, como o abolicio
nismo aconteceu, especialmente na América Latina.
O movimento abolicionista organiza duas vezes por ano, desde
1983, uma conferência internacional (a ICOPA - Conferência Inter
nacional Sobre Abolição Penal). Este ano, a conferência foi realiza
da pela primeira vez na América Latina. A reunião foi em São José
na Costa Rica, sob os auspícios da Revista Danud. Foi uma das me
lhores e mais vividas conferências da ICOPA. A conferência come
çou com um seminário que introduzia o abolicionismo ao público
num painel apresentado por Ruíh Morris, socióloga canadense que or
ganizou a I ICOPA em Toronto, Mônica Plaket, professora universitá
ria polonesa que organizou a IV ICOPA, e eu.
Para aquele seminário, preparei um material abrangente sobre
abolicionismo, dando ênfase à minha posição sobre “alternativas",
A. R m herford. 'P ris o n and the p ro cess o f Ju stice - lhe red u ctio n ist c h a lla n g e " , H ein em n n ,
L o n d o n ,1984.
A
Fe n as P e rd id as 145
2 . Desenvolvimento do abolicionismo
25#
&
-----
Penas P erdidas 15 1
-â
ou não ser considerada como “ criminalização” . As atividades
=# policiais dirigidas para a intervenção nas crises, a pedido das víti-
mas, não se realizam sob a égide da organização social e cultural
t-j0 . da justiça penal.
- Na verdadeira estruturação social e cultural das atividades
^ í de uma organização pode estar, mais ou menos, a chave da justi-
^ ça penal. Ela permite acesso de tal modo que o “ comportamen-
to” da organização se desenvolve.
: Em suma, a justiça criminal consiste, de um lado, nas ações
1 de determinados órgãos, na medida em que eies são o fruto da
s*# organização social e cultural descrita anteriormente, e por outro
lado, na recepção e legitimação daquelas ações nos diferentes
| segmentos da sociedade. A abolição abrange ambas as áreas: as
* atividades da organização e a sua recepção na “ sociedade” .
s3# ! Política crim inal - É freqüentemente entendida como uma
.,-3^ ‘'política que diz respeito ao crime e aos criminosos’ A existên-
. cia de "crime e de criminosos” é geralmente considerada como
uma ‘'d á d iv a 'c o m o um fato social, nâo um processo de defini-
ção (seletiva); a responsabilidade é o objeto da política. Seria um
j-sgjf erro grosseiro definir em nosso debate “ política criminal” desta
J§ forma, limitada. Uma das condições necessárias para a eficiente
discussão sobre política criminal é problematizar as noções de
sa#. ' 'crime e de criminosos” . O nível em que os “ fatos e situações”
devem ser sujeitos à criminalização será um dos assuntos princi-
A pais de nosso debate.
E3^ | A “ política criminal” é, de um lado, parte da mais ampla
política social, mas, de outro lado, deve conservar certa autono-
S 3 # mla em relação a este campo mais amplo. Uma aproximação prá-
_Jk tIca neste sentido é considerar "política criminal” como um
política relativa aos sistemas de justiça penal” . Uma política
corno esta, em relação ao sistema de “justiça crim inal”, deve
g-yljj ser multi-focal: 1. Deve dirigir-se ao desenvolvimento das or-
ganizações que formam a base material do sistema (a polícia, os
tribunais, as prisões etc.) e os sistemas de referência que elas
.233% usam; 2. Deve dirigir-se a questões como: que tipos de eventos
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poderiam ser tratados pelo sistema, sob que condições e de que
maneira (sob esta categoria a função de ‘Vigia de porteira” da
política criminal requereria especial atenção). 3. Pode emitir re
comendações sobre a reorganização social em outras áreas da so
ciedade em relação a situações problemáticas que se tenham
tomado objeto de debate da política criminal.
Esta instância também rejeita as imagens da vida social forma
das na base dessas atividades nos diferentes segmentos da sociedade.
Desta forma a justiça penal não é uma resposta legítima para situa
ções problemáticas, mas apresenta para si própria a característica de
um problema público. Isto implica que estes abolicionistas têm de se
lançar a uma dupla tarefa: conter as atividades no modelo da justiça
penal, mas também se preocuparem lidar com situações problemáti
cas criminalizáveis fora da justiça penal.
Por outro lado, temos uma instância abolicionista na qual
não é abolida necessariamente a justiça penal, mas unia form a de
olhá-la. Esta forma de abolição focaliza as ações de uma das or
ganizações subjacentes da justiça penal: a Universidade e, mais
especificamente, os departamentos de Direito Penal e Criminolo
gia. Referimo-nos a valores acadêmicos que requerem inde
pendência acadêmica das práticas sociais existentes, a fim de
permitir uma avaliação mais objetiva destas práticas. À luz de
critérios explícitos, esta forma de abolicionismo reprova os dis
cursos dominantes relativos a crime e justiça criminal, por falta
da necessária independência. Esses “ discursos” dominantes
apóiam implicitamente a idéia de “ naturalidade” e “ necessida
de” da justiça penal.
Neste sentido, a abolição significa a abolição da linguagem
predominante sobre a justiça penal e sua substituição por uma
outra linguagem que permita submeté-la a hipóteses críticas : em
outras palavras, uma linguagem que possibilite testar a hipótese
de que a justiça criminal nâo é “ natural” e que sua “ constru
ção” pode não ser legítima. Caso esta hipótese seja validada, a
linguagem predominante sobre a justiça penal deverá ser abando
nada, e esta aparecerá como um problema público ao invés de
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2. Porque abolição1
a. Respeito à diferença
■I. P- Btodeur. La ansic posí modeme cl la Crúiúnologie''. Vol. XXVI Críniinolcgje, McnfreaL
Isto implica que as autoridades e as profissões têm que ser
vir aos interesses dos clientes em suas diferenças para serem le
gitimadas.
Pressuposto básico. As autoridades e as profissões só são
capazes de servir aos interesses dos clientes em suas diferenças
quando esses clientes têm o poder de orientar sua ações.
c. Validade da reconstrução
&
re n a s Perdidas 161
3. “Como” - abolição.