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Farmacologia da Glândula Tireóide


Ehrin J. Armstrong, Armen H. Tashjian, Jr., e William W. Chin

Introdução Inibidores da Captação de Iodeto


Caso Inibidores da Organificação e da Liberação dos Hormônios da
Fisiologia da Glândula Tireóide Tireóide
Síntese e Secreção dos Hormônios da Tireóide Inibidores do Metabolismo Periférico dos Hormônios da Tireóide
Metabolismo dos Hormônios da Tireóide Outros Fármacos que Afetam a Homeostasia dos Hormônios da
Efeitos dos Hormônios da Tireóide sobre os Tecidos-Alvo Tireóide
Eixo Hipotalâmico-Hipofisário–Tireóide Lítio
Fisiopatologia Amiodarona
Classes e Agentes Farmacológicos Corticosteróides
Tratamento do Hipotireoidismo Conclusão e Perspectivas Futuras
Tratamento do Hipertireoidismo Leituras Sugeridas

ambiente muito fria, a ponto de seu marido e seus filhos terem


INTRODUÇÃO que reclamar. Por causa desses sintomas, e devido à sensação
ocasional de que o seu coração está “batendo aos saltos”, a Sra.
A glândula tireóide exerce efeitos variados e importantes sobre Diana vai consultar o seu médico. Depois de algumas perguntas,
muitos aspectos da homeostasia metabólica. A maior parte do ele examina o seu pescoço e constata um aumento difuso da
tecido da tireóide é constituída por células foliculares da glândula tireóide. Observa também que os olhos de Diana estão
tireóide, que produzem e secretam os hormônios tireoidianos mais proeminentes do que o normal. Os exames para determinar
clássicos: a tiroxina (T4), a triiodotironina (T3) e a triiodotiro- os níveis de hormônio tireoidiano revelam níveis séricos eleva-
nina reversa (rT3). Os hormônios da tireóide regulam o cresci- dos de triiodotironina livre (T3) e baixos níveis de tireotropina
mento, o metabolismo e o gasto de energia, desde o consumo de (TSH). Além disso, o teste para anticorpo anti-receptor de TSH
oxigênio até a contratilidade cardíaca. As células C parafolicu- é positivo. O diagnóstico é de doença de Graves, uma forma
lares da glândula tireóide secretam a calcitonina, um pequeno de hipertireoidismo cujo tratamento consiste no uso de tiamazol
regulador da homeostasia do mineral ósseo. A calcitonina é (metimazol). Embora inicialmente reconfortada com o fato de que
discutida no Cap. 30. o seu médico pode explicar os sintomas, logo se sente desani-
As principais doenças da glândula tireóide envolvem o com-
mada por não observar nenhuma melhora depois de algumas
prometimento do eixo hipotálamo-hipófise–tireóide normal (ver
semanas. Entretanto, passado um mês, os sintomas começam a
Cap. 25). A reposição do hormônio tireoidiano deficiente cons-
titui uma terapia efetiva e estabelecida para o hipotireoidismo. desaparecer. Novos exames confirmam a normalização dos níveis
O tratamento do hipertireoidismo é mais complexo, com opções de hormônio tireoidiano. Entretanto, um ano após ter iniciado o
que incluem desde fármacos antitireoidianos até excisão cirúr- tratamento com tiamazol, começa a apresentar novamente palpi-
gica do tecido anormal. O conhecimento das vias e dos meca- tações e a sentir-se ansiosa. O médico confirma que os níveis de
nismos de regulação por retroalimentação da síntese e ações dos hormônio tireoidiano estão novamente elevados, a despeito da
hormônios da tireóide permite explicar o fundamento lógico do terapia com tiamazol. Após conversar com o seu médico, a Sra. L
tratamento farmacológico efetivo das doenças da tireóide. decide submeter-se a um tratamento com iodeto radioativo. Esse
tratamento é bem tolerado, e os testes realizados no decorrer
dos próximos 3 anos revelam que ela apresenta níveis normais
n Caso de hormônio tireoidiano. Entretanto, 4 anos após o tratamento
com iodeto radioativo, começa a apresentar sintomas opostos aos
Há alguns meses, Diana L, uma mulher de 45 anos de idade, problemas iniciais: fica cansada e sente frio o tempo todo; além
vem percebendo várias mudanças desconcertantes no seu estado disso, ganhou 13 kg no decorrer de 6 meses. O médico confir-
emocional e na sua aparência geral. Diana sente-se nervosa o ma que a Sra. L desenvolveu hipotireoidismo. Prescreve tiroxina
tempo todo, e pequenos acontecimentos insignificantes a dei- (T4), que está tomando uma vez por dia, e, com isso, voltou a
xam irritada. Em casa, ela também mantém a temperatura do sentir-se bem.
Farmacologia da Glândula Tireóide | 449

QUESTÕES orientação relativa dos iodos fixados aos resíduos de tirosina


determinam a forma específica do hormônio tireoidiano. A
n 1. Por que o nível sérico de tireotropina da Sra. L estava baixo, 3,5,3⬘,5⬘-tetraiodotironina (tiroxina, T4), que possui quatro
enquanto a concentração de triiodotironina estava alta? iodos fixados aos arcabouços de tirosina, constitui a principal
n 2. Qual o mecanismo de ação do tiamazol? Por que o tiamazol forma do hormônio tireoidiano secretado pela glândula tireóide.
acabou não surtindo mais efeito? A 3,5,3⬘-triiodotironina (T3) apresenta três iodos. A maior
n 3. Que aspectos da glândula tireóide tornam o iodeto radioativo parte da T3 é produzida por 5⬘ desiodação periférica de T4
uma terapia geralmente segura e específica para o hiperti- (ver adiante). Uma forma biologicamente inativa do hormônio
reoidismo? tireoidiano é a 3,3⬘,5⬘-triiodotironina, também conhecida como
n 4. Por que a Sra. L desenvolveu hipotireoidismo após o trata- triiodotironina reversa (rT3) pelo fato de o iodo isolado estar
mento com o iodeto radioativo? na tirosina oposta no arcabouço, em relação à T3. No indivíduo
normal, o hormônio tireoidiano circulante consiste em cerca de
90% de T4, 9% de T3 e 1% de rT3, estando a maior parte do
FISIOLOGIA DA GLÂNDULA TIREÓIDE hormônio ligada às proteínas plasmáticas (tanto a proteínas de
ligação específicas quanto à albumina).
O iodeto é um oligoelemento e componente crucial da estru-
SÍNTESE E SECREÇÃO DOS HORMÔNIOS tura do hormônio tireoidiano. As células foliculares da tireóide,
DA TIREÓIDE que sintetizam e secretam os hormônios tireoidianos, concen-
tram seletivamente o iodeto (I–) através de um simportador
A tireóide é uma glândula endócrina localizada no pescoço, de Na+/I– localizado na membrana basolateral da célula (Fig.
abaixo da laringe, na superfície ventral da traquéia. A principal 26.2). Esse mecanismo de transporte ativo tem a capacidade
função da glândula tireóide consiste na síntese dos hormônios de concentrar o iodeto em concentrações intracelulares de até
tireoidianos, T3 e T4. Estruturalmente, os hormônios da tireóide 500 vezes a concentração do plasma; a maioria dos indivíduos
são constituídos por um arcabouço de duas moléculas de tirosina apresenta uma relação entre iodeto da glândula tireóide e iodeto
que são iodadas e unidas por uma ligação éter (Fig. 26.1). Uma plasmático de cerca de 30.
importante característica estrutural dos hormônios tireoidianos Uma vez no interior das células foliculares da tireóide, o
consiste na posição dos iodos nesse arcabouço. A posição e a iodeto é transportado através da membrana apical da célula e
oxidado concomitantemente pela enzima tireóide peroxidase
O (Fig. 26.2). Essa reação de oxidação produz um iodeto reativo
H2N
intermediário, que se acopla a resíduos de tirosina específicos
OH I na tireoglobulina. A tireoglobulina é uma proteína sintetizada
3 I 3' OH pelas células foliculares da tireóide e secretada pela superfície
apical no espaço colóide. A tireóide peroxidase também está
concentrada na superfície apical, e acredita-se que a geração
O 5' I
5 de iodeto oxidado nessa superfície permite a reação do iode-
I to com resíduos de tirosina nas moléculas de tireoglobulina
Tiroxina (T4) recém-secretadas. O processo de iodação da tireoglobulina é
conhecido como organificação. A organificação resulta em
Desiodação do Desiodação do moléculas de tireoglobulina que contêm resíduos de monoio-
anel externo anel interno
dotirosina (MIT) e diiodotirosina (DIT); esses resíduos de
tirosina possuem um ou dois iodos ligados de forma covalente,
respectivamente.
O
O
Após a geração das MIT e das DIT no interior da tireoglo-
H2N
OH I bulina, a tireóide peroxidase também catalisa o acoplamento
H2N
3 I 3' OH OH I entre esses resíduos. A ligação de uma MIT com a DIT gera
3 I 3' OH T3, enquanto a ligação de duas DIT dá origem à T4. Observe
5 O que a maior parte da T3 plasmática é produzida pelo metabolis-
I O 5' I mo da T4 na circulação (ver “Metabolismo dos Hormônios da
Tireóide”, adiante) e que a T3 e a T4 nascentes fazem parte da
3,5,3'-Triiodotironina (T3) 3,3',5'-Triiodotironina (rT3)
(biologicamente ativa) (biologicamente inativa)
proteína tireoglobulina através de ligações covalentes. A seguir,
essas moléculas de tireoglobulina são armazenadas na luz do
Fig. 26.1 Estrutura e metabolismo periférico dos hormônios da tireóide. folículo, sob a forma de colóide.
Os hormônios tireoidianos são sintetizados a partir de duas moléculas de Quando o hormônio tireoestimulante (discutido adiante)
tirosina que estão ligadas por uma ligação éter. O anel externo é hidroxilado,
enquanto o anel interno está ligado de modo covalente à tireoglobulina durante estimula a secreção de hormônio tireoidiano pela glândula
a síntese dos hormônios tireoidianos. O iodo é ligado a três ou quatro posições tireóide, ocorre endocitose do colóide pelas células folicula-
do arcabouço de tirosina, criando vários padrões diferentes de substituição. res. A tireoglobulina ingerida penetra em lisossomos, onde a
A tiroxina (T4) possui quatro iodos fixados, dois em cada anel. A tiroxina é tireoglobulina é digerida por proteases. A digestão proteolítica
o hormônio tireoidiano predominante sintetizado pela glândula tireóide. A
triiodotironina (T3) possui dois iodos fixados no anel interno, porém apenas
libera T3, T4, MIT e DIT livres. A T3 e a T4 são transportadas
um iodo ligado ao anel externo. Em contrapartida, a triiodotironina reversa através da membrana basolateral da célula folicular e penetram
(rT3) possui dois iodos no anel externo, porém apenas um iodo no anel no sangue. A MIT e a DIT livres sofrem rápida desiodação no
interno. Durante o metabolismo periférico, a tiroxina sofre desiodação por 5⬘- interior da célula, permitindo a reciclagem do iodeto para a
desiodinases presentes nos tecidos-alvo e no fígado. O padrão de desiodação síntese de novo hormônio tireoidiano.
produz T3 ou rT3. Se o iodo for removido do anel externo, ocorre produção
de T3 biologicamente ativa. Se o iodo for removido do anel interno, forma-se A maioria dos órgãos endócrinos sintetiza e libera novos hor-
a rT3 biologicamente inativa. mônios quando ativados, em vez de armazenar grandes quan-
450 | Capítulo Vinte e Seis

Iⴚ Na+ te da T4 sérica é inativada por desaminação, descarboxilação ou


conjugação e excreção pelo fígado. Entretanto, a maior parte da
T4 sofre desiodação, produzindo a forma mais ativa de T3 em
vários locais do corpo. Essa reação de desiodação é catalisada
Espaço
extracelular pela enzima iodotironina 5⬘-desiodinase (Fig. 26.1)
TG Iⴚ Na+ Existem três subtipos de desiodinase. A 5⬘-desiodinase tipo
Tireóide peroxidase
I, que é expressa no fígado e nos rins, é importante para con-
(organificação) versão da T4 na maior parte da T3 sérica. A 5⬘-desiodinase
tipo II é expressa primariamente na hipófise, no cérebro e
TG-MIT,
na gordura marrom. Essa enzima de localização intracelular
Espaço TG-DIT converte a T4 em T3 localmente. A 5-desiodinase tipo III é
colóide Tireóide peroxidase responsável, em grande parte, pela conversão da T4 na rT3,
(acoplamento) biologicamente inativa.
T3 T4 A presença de T4 no sangue proporciona um tampão ou
reservatório para os efeitos dos hormônios tireoidianos. A maior
TG
parte da conversão de T4 em T3 ocorre no fígado, e muitos
agentes farmacológicos que aumentam a atividade das enzimas
hepáticas do citocromo P450 aumentam a conversão de T4 em
T3. Além disso, a T4 possui meia-vida no plasma de cerca de
6 dias, enquanto a meia-vida da T3 plasmática é de apenas
T3,T4 1 dia. Como a T4 apresenta meia-vida plasmática longa, as
alterações nas funções reguladas pelos hormônios tireoidia-
Célula folicular
nos, causadas por intervenção farmacológica, são geralmente
observadas apenas depois de um período de 1 a 2 semanas,
T3
como no caso da Sra. L descrito na introdução.
T4
Conversão periférica
EFEITOS DOS HORMÔNIOS DA TIREÓIDE SOBRE
T3
OS TECIDOS-ALVO
Fig. 26.2 Síntese, armazenamento e liberação dos hormônios da tireóide.
As células foliculares da glândula tireóide concentram iodeto (I–) a partir do Os hormônios da tireóide exercem efeitos em praticamente
plasma, através de um simportador de Na+/I– na membrana basolateral. Em todas as células do organismo. Embora a maioria dos efeitos
uma reação (denominada “organificação”) catalisada pela tireóide peroxidase,
o iodeto intracelular reage de modo covalente com resíduos de tirosina nas
dos hormônios tireoidianos provavelmente ocorra em nível
moléculas de tireoglobulina (TG) que se encontram na membrana apical. A da transcrição gênica, há evidências crescentes de que esses
adição de um I– à tirosina resulta na formação de tirosina monoiodada (MIT); hormônios também atuam na membrana plasmática. Ambas as
a adição de dois I– à tirosina determina a formação de tirosina diiodada (DIT). formas de ação são mediadas pela ligação do hormônio a recep-
A MIT e a DIT associam-se de forma covalente na tireoglobulina, através de um
mecanismo conhecido como “acoplamento”, que também é catalisado pela
tores de hormônio tireoidiano (TR). O hormônio livre penetra
tireóide peroxidase. A tireoglobulina derivada é armazenada sob a forma de na célula por difusão passiva e por transporte ativo, sendo este
colóide no interior dos folículos da glândula tireóide. Ao serem estimuladas último mediado por carreadores específicos e inespecíficos do
pelo TSH, as células foliculares da tireóide efetuam a endocitose do colóide em hormônio, como ânion orgânico e transportadores monocar-
compartimentos lisossômicos, onde tireoglobulina é degradada, produzindo T4 boxilados.
livre, T3 livre e MIT e DIT desacopladas. A T3 e a T4 são secretadas no plasma,
enquanto a MIT e a DIT sofrem desiodação intracelular, liberando iodeto livre Os TR são proteínas que contêm domínios de ligação do
para uso na nova síntese de hormônios tireoidianos (não ilustrada). A glândula hormônio tireoidiano, de ligação do DNA e de dimerização.
tireóide secreta mais T4 do que T3, embora T4 seja convertida em T3 nos Existem duas classes de receptores de hormônio tireoidiano,
tecidos periféricos. denominados TR␣ e TR␤. Além disso, tanto o TR␣ quanto o
TR␤ podem ser expressos como múltiplas isoformas. Monô-
meros de TR podem interagir em uma reação de dimerização,
produzindo homodímeros, ou com outro fator de transcrição,
tidades de hormônio precursor. A glândula tireóide é singular o receptor de retinóide X (RXR), formando heterodímeros.
quando comparada com outras glândulas endócrinas, visto que Esses dímeros de TR ligam-se a regiões promotoras gênicas e
armazena grandes quantidades de pró-hormônio tireoidiano são ativados através de ligação de hormônio tireoidiano. Em seu
na forma da tireoglobulina. Não se sabe por que a glândula conjunto, as múltiplas combinações diferentes de TR e a varia-
tireóide mantém essa complexa via de síntese e liberação hor- bilidade de sua distribuição tecidual criam uma especificidade
monais; entretanto, através desse processo, é possível manter tecidual para os efeitos dos hormônios tireoidianos.
os hormônios tireoidianos em um nível constante no plasma, a Na ausência de hormônio, os dímeros de receptores de hor-
despeito das flutuações na disponibilidade de iodeto na dieta. mônio tireoidiano associam-se com moléculas co-repressoras e
ligam-se de modo constitutivo a genes estimulados pelos hor-
METABOLISMO DOS HORMÔNIOS DA TIREÓIDE mônios tireoidianos (inativando-os). A ligação do hormônio
tireoidiano a dímeros de TR:RXR ou TR:TR promove a disso-
O hormônio tireoidiano circula, em sua maior parte, ligado a ciação dos co-repressores e o recrutamento de co-ativadores para
proteínas plasmáticas, notavelmente à globulina de ligação da o DNA. Por conseguinte, a ligação do hormônio tireoidiano a
tireóide (TBG) e à transtiretina. Embora a T4 seja o hormônio dímeros de TR atua como mecanismo de mudança molecular,
tireoidiano predominante encontrado no sangue, a T3 possui de inibição para ativação da transcrição gênica (Fig. 26.3). O
quatro vezes a atividade fisiológica da T4 nos tecidos-alvo. Par- hormônio tireoidiano também atua através de infra-regulação da
Farmacologia da Glândula Tireóide | 451

RXR
EIXO HIPOTALÂMICO-HIPOFISÁRIO–TIREÓIDE
Diminuição da
TR Co-repressor A secreção de hormônio tireoidiano segue um esquema regula-
transcrição
dor de retroalimentação negativa semelhante àquele observado
nos outros eixos hipotalâmico-hipofisários–órgãos-alvo (Fig.
5' 3' 26.4). O hormônio de liberação da tireotropina (TRH) é
Ausência de hormônio tireoidiano um tripeptídio secretado pelo hipotálamo que é transportado
até a adeno-hipófise pela circulação porta hipotalâmico-hipo-
fisária (ver Cap. 25). O TRH liga-se a um receptor acoplado
à proteína G, localizado sobre a membrana plasmática dos
T3 tireótrofos da adeno-hipófise ou células produtoras de TSH.
Essa ligação estimula uma cascata de transdução de sinais
Co-ativador Co-repressor que finalmente promove a síntese e a liberação do hormônio
T3
tireoestimulante (TSH). O TSH é o mais importante regulador
RXR direto da função da glândula tireóide. O TSH estimula todos os
TR Transcrição do DNA aspectos conhecidos da síntese de hormônio tireoidiano, inclu-
indo captação de iodeto, organificação, acoplamento, internali-
zação da tireoglobulina e secreção dos hormônios tireoidianos.
5' 3' Além disso, o TSH promove um aumento da vascularização e
crescimento da glândula tireóide. Em condições patológicas
Presença de hormônio tireoidiano
nas quais o TSH ou um simulador de TSH (ver adiante) é
Fig. 26.3 Ações do receptor de hormônio tireoidiano. Na ausência de
secretado em altos níveis, a glândula tireóide pode aumentar
hormônio tireoidiano, o heterodímero de receptor de hormônio tireoidiano e atingir várias vezes o seu tamanho normal, resultando em
(TR):receptor retinóide X (RXR) associa-se com um complexo co-repressor, hipertrofia difusa característica da glândula tireóide, conhecida
que se liga a regiões promotoras do DNA e inibe a expressão gênica. Na como bócio, que foi percebido pelo médico da Sra. L quando
presença de hormônio tireoidiano (T3), o complexo co-repressor dissocia-se do
heterodímero TR:RXR, há recrutamento de co-ativadores, e ocorre transcrição
palpou o seu pescoço.
gênica. Esse exemplo demonstra a ação da T3 sobre um heterodímero TR:RXR; Ocorre retroalimentação negativa do eixo hipotalâmico-
todavia, é provável a atuação de mecanismos semelhantes para homodímeros hipofisário–tireóide através das ações reguladoras do hormônio
de TR:TR. Uma estratégia útil no futuro poderá envolver o uso de agentes tireoidiano sobre o hipotálamo e a hipófise. O hormônio tireoi-
farmacológicos direcionados para co-repressores ou co-ativadores teciduais diano secretado difunde-se nos tireótrofos da adeno-hipófise,
específicos.
onde se liga a receptores de hormônio tireoidiano nucleares,
ativando-os. Esses receptores ligados inibem a transcrição do
gene do TSH e, portanto, a síntese de TSH. O hormônio tireoi-
expressão gênica por um mecanismo que depende do TR e cuja diano também possui importantes efeitos reguladores sobre o
natureza exata ainda não está totalmente elucidada. Por exemplo, hipotálamo; a ligação do hormônio tireoidiano a receptores nas
o hormônio tireoidiano é capaz de infra-regular a expressão gêni- células hipotalâmicas inibe a transcrição do gene que codifica
ca do TSH, produzindo retroalimentação negativa do hormônio a proteína precursora do TRH.
tireoidiano sobre o eixo hipotalâmico-hipofisário–tireóide (ver
Cap. 25). Evidências crescentes sugerem que o hormônio tireoi-
diano também possui efeitos não-genômicos sobre o metabolis- FISIOPATOLOGIA
mo mitocondrial e que ele interage com receptores de membrana
plasmática, estimulando a transdução de sinais intracelulares. A fisiopatologia das doenças da tireóide pode ser compreen-
O hormônio tireoidiano é importante na lactância para o dida como um distúrbio do eixo fisiológico hipotalâmico-hipo-
crescimento e o desenvolvimento do sistema nervoso. A defici- fisário–tireóide. Por exemplo, uma diminuição fisiológica dos
ência congênita de hormônio tireoidiano resulta em cretinismo, hormônios tireoidianos normalmente ativa a síntese e a libe-
uma forma de retardo mental grave, porém passível de preven- ração de TSH, resultando em liberação aumentada dos hor-
ção. No adulto, o hormônio tireoidiano regula o metabolismo mônios tireoidianos pela glândula tireóide e em normalização
corporal geral e o consumo de energia. As enzimas reguladas dos níveis de hormônios tireoidianos. A patologia da glândula
pelo hormônio tireoidiano incluem a Na+/K+ ATPase e muitas tireóide também pode causar insuficiência de hormônio tireoi-
das enzimas do metabolismo intermediário, tanto anabólico diano, que também diminui a retroalimentação negativa do hor-
quanto catabólico. Na presença de altos níveis de hormônio mônio tireoidiano sobre a liberação de TSH. Embora os níveis
tireoidiano, esse efeito pode resultar em ciclo fútil e em con- de TSH estejam conseqüentemente elevados, não há aumento
seqüente aumento da temperatura corporal — este é o motivo na liberação de hormônios tireoidianos, uma vez que a glândula
pelo qual a Sra. L começou a desligar o aquecedor em sua casa. tireóide é incapaz de responder.
Muitos dos efeitos do hormônio tireoidiano assemelham-se aos As doenças da tireóide são, em sua maioria, mais bem
da estimulação neural simpática, incluindo aumento da contra- classificadas em afecções que resultam em aumento (hiper-
tilidade e da freqüência cardíacas, excitabilidade, nervosismo tireoidismo) ou diminuição (hipotireoidismo) da secreção de
e diaforese (sudorese). Esses sintomas também são observa- hormônios tireoidianos. A doença de Graves e a tireoidite de
dos na Sra. L — sentia-se sempre irritada e reagia a pequenas Hashimoto (Fig. 26.4) são duas doenças comuns da tireóide.
provocações. Por outro lado, os baixos níveis de hormônio Acredita-se que ambas tenham uma origem auto-imune; entre-
tireoidiano resultam em mixedema, um estado hipometabólico tanto, a doença de Graves provoca hipertireoidismo, enquanto
caracterizado por letargia, ressecamento da pele, voz grosseira a tireoidite de Hashimoto resulta finalmente em hipotireoi-
e intolerância ao frio. dismo.
452 | Capítulo Vinte e Seis

A Eixo normal B Doença de Graves C Tireoidite de Hashimoto


TRH TRH TRH

TSH Hormônio TSH Hormônio TSH Hormônio


tireoidiano tireoidiano tireoidiano

Auto-anticorpo Auto-anticorpo
Hormônio estimulador Hormônio destrutivo Hormônio
Glândula tireóide tireoidiano tireoidiano tireoidiano

Tecidos-alvo Tecidos-alvo Tecidos-alvo

Fig. 26.4 O eixo hipotalâmico-hipofisário–tireóide na saúde e na doença. A. No eixo normal, o hormônio de liberação tireotropina (TRH) estimula os
tireótrofos da adeno-hipófise a liberar o hormônio tireoestimulante (TSH). O TSH estimula a síntese e a liberação de hormônio tireoidiano pela glândula tireóide.
O hormônio da tireóide, além dos seus efeitos sobre os tecidos-alvo, inibe a liberação adicional de TRH e de TSH pelo hipotálamo e pela adeno-hipófise,
respectivamente. B. Na doença de Graves, um auto-anticorpo estimulador ativa de modo autônomo o receptor de TSH na glândula tireóide, resultando em
estimulação persistente da glândula tireóide, aumento dos níveis plasmáticos de hormônio tireoidiano (linhas espessas) e supressão da liberação de TRH e de
TSH (linhas tracejadas). C. Na tireoidite de Hashimoto, um auto-anticorpo destrutivo ataca a glândula tireóide, causando insuficiência da tireóide e diminuição na
síntese e secreção de hormônio tireoidiano (linhas tracejadas). Em conseqüência, não ocorre inibição do hipotálamo e da adeno-hipófise por retroalimentação,
e verifica-se uma elevação dos níveis plasmáticos de TSH (linhas espessas).

A doença de Graves demonstra a importância dos níveis de hipotireoidismo. No início da evolução da doença, a des-
plasmáticos de hormônio tireoidiano na regulação da homeosta- truição das células foliculares da tireóide pode liberar quanti-
sia do eixo hipotalâmico-hipofisário–tireóide. Nessa síndrome, dades excessivas de colóide armazenado, resultando em níveis
ocorre produção de um auto-anticorpo IgG específico dirigido transitoriamente elevados de hormônio tireoidiano. Por fim, a
contra o receptor de TSH, conhecido como imunoglobulina glândula é quase totalmente destruída, e surgem os sintomas
estimulante da tireóide (TsIg). Esse anticorpo atua como clínicos de hipotireoidismo (por exemplo, letargia e diminui-
agonista e, portanto, ativa o receptor de TSH, estimulando a ção do metabolismo). O tratamento da tireoidite de Hashimoto
síntese e a liberação de hormônio tireoidiano pelas células foli- envolve uma reposição farmacológica com hormônio tireoidia-
culares da tireóide. Entretanto, ao contrário do TSH, a TsIg no sintético oral.
não está sujeita a retroalimentação negativa; continua esti- Outras causas de hipotireoidismo e de hipertireoidismo
mulando a função da tireóide, mesmo quando os níveis plas- incluem anomalias de desenvolvimento, tireoidite subaguda (de
máticos de hormônio tireoidiano aumentam, atingindo a faixa DeQuervain) e adenomas e carcinomas da tireóide. Os detalhes
patológica. Como os auto-anticorpos encontrados na doença de das fisiopatologias subjacentes diferem, porém a intervenção
Graves atuam independentemente do eixo hipotalâmico-hipo- farmacológica, em cada caso, baseia-se em determinar se o
fisário–tireóide, ocorre ruptura da homeostasia do hormônio paciente é hipotireóideo, eutireóideo ou hipertireóideo.
tireoidiano. Surgem os sintomas clínicos de hipertireoidismo,
e os exames laboratoriais revelam níveis plasmáticos elevados
de hormônio tireoidiano, níveis baixos ou indetectáveis de TSH
e níveis elevados de TsIg. No caso descrito na introdução, os CLASSES E AGENTES FARMACOLÓGICOS
níveis de TSH da Sra. L estavam baixos, visto que os níveis
plasmáticos excessivos de hormônio tireoidiano suprimiram a O tratamento farmacológico da fisiopatologia da glândula
liberação de TSH pela adeno-hipófise. tireóide envolve a reposição do hormônio tireoidiano defi-
Em contrapartida, a tireoidite de Hashimoto resulta em des- ciente ou um antagonismo do hormônio tireoidiano presente
truição seletiva da glândula tireóide. No plasma de pacientes em quantidades excessivas. A reposição é evidente por si
com tireoidite de Hashimoto, podem ser encontrados anticor- própria, enquanto os antagonistas atuam em múltiplas etapas
pos específicos dirigidos contra muitas proteínas da glândula na síntese e ação do hormônio tireoidiano (Fig. 26.5). Além
tireóide, incluindo a tireoglobulina e a tireóide peroxidase. A disso, diversos agentes farmacológicos utilizados para indica-
exemplo da doença de Graves, acredita-se que a etiologia sub- ções de doenças não-tireoidianas exercem efeitos importantes
jacente dessa doença seja auto-imune. A evolução clínica da sobre o metabolismo periférico dos hormônios da tireóide.
tireoidite de Hashimoto envolve destruição inflamatória gra- Os mecanismos de sua ação são discutidos no final dessa
dual da glândula tireóide, com conseqüente desenvolvimento sessão.
Farmacologia da Glândula Tireóide | 453

Perclorato tampão efetivo para normalizar o metabolismo em uma ampla


Tiocianato variedade de condições. Em segundo lugar, a meia-vida da T4
Pertecnetato
I– Na+ é de 6 dias, em comparação com a meia-vida de 1 dia da T3. A
meia-vida prolongada da T4 permite ao paciente tomar apenas
uma pílula de reposição de hormônio tireoidiano por dia. Por
Espaço essas razões, a levotiroxina, o L-isômero de T4, constitui o
extracelular tratamento de escolha para o hipotireoidismo. (Uma possível
TG I– Na+
exceção é representada pelo coma mixedematoso, em que o
início de ação mais rápido da T3 pode permitir uma maior recu-
Tireóide peroxidase peração do hipotireoidismo potencialmente fatal.) A eficácia
(organificação)
da reposição de hormônio tireoidiano é monitorada através de
TG-MIT, Tioaminas ensaios dos níveis plasmáticos de TSH e de hormônio tireoidia-
TG-DIT Iodetos (níveis no. O TSH é um marcador acurado da atividade do hormônio
Tireóide peroxidase elevados) tireoidiano, visto que a liberação de TSH pela adeno-hipófise
(acoplamento) é extremamente sensível ao controle de retroalimentação pelo
Espaço T3 T4 hormônio tireoidiano no sangue.
colóide Quando o paciente está tomando uma dose estável de levo-
TG
tiroxina, a monitoração dos níveis de TSH geralmente pode
ser efetuada a cada 6 meses a um ano. A ocorrência de súbitas
alterações nos níveis de TSH, apesar do uso constante de levoti-
Iodetos (altos roxina, pode ser devido a interações medicamentosas afetando a
131I–
níveis) absorção e o metabolismo. Por exemplo, certas resinas, como o
T3,T4 polistireno sulfonato de sódio (Kayexelate®) e a colestirami-
na, podem diminuir a absorção de T4. Os fármacos que aumen-
tam a atividade de certas enzimas P450 hepáticas, incluindo
Célula folicular
rifampicina e fenitoína, aumentam a excreção hepática de T4.
T3 T4
Nesses casos, pode ser necessário aumentar a dose suplementar
Conversão periférica
de T4 para manter um estado eutireóideo.

Propiltiouracila T3
TRATAMENTO DO HIPERTIREOIDISMO
Fig. 26.5 Intervenções farmacológicas que afetam a síntese dos hormônios
tireoidianos. Os ânions com raio molecular aproximadamente igual ao Existem agentes farmacológicos direcionados para cada etapa
do íon iodeto (I–), como o perclorato, o tiocianato e o pertecnetato, na síntese dos hormônios tireoidianos, desde a captação inicial
competem com o iodeto pela sua captação pelo simportador de Na+/ de iodeto, a organificação e o acoplamento, até a conversão
I–. O 131I– radioativo, quando concentrado no interior das células da periférica de T4 em T3. Clinicamente, dispõe-se de iodeto
glândula tireóide, provoca destruição seletiva da glândula. O iodeto em
altos níveis causa depressão transitória da função da tireóide através radioativo e de tioaminas para o tratamento do hipertireoi-
da inibição dos processos de organificação, acoplamento e proteólise dismo. Algumas vezes, são também utilizados antagonistas
da tireoglobulina. As tioaminas, como a propiltiouracila e o tiamazol, ␤-adrenérgicos para melhorar alguns dos sintomas do hiper-
inibem a organização e o acoplamento; a propiltiouracila também tireoisdismo.
inibe a conversão periférica de T4 em T3. TG-MIT, tireoglobulina-
monoiodotirosina; TG-DIT, tireoglobulina-diiodotirosina.
Inibidores da Captação de Iodeto
O iodeto é transportado até a célula folicular da tireóide através
TRATAMENTO DO HIPOTIREOIDISMO de um simportador de Na+/I–. Certos ânions com raio atômico
O hormônio tireoidiano constitui uma terapia bem estabelecida aproximado do iodeto, como o perclorato, o tiocianato e o
e segura para tratamento a longo prazo do hipotireoidismo. A pertecnetato, competem com o iodeto pela sua captação na
terapia tem por objetivo repor a falta de hormônio tireoidiano célula folicular da glândula tireóide (Fig. 26.5). Isso resulta
endógeno com administração regular de hormônio tireoidiano em diminuição da quantidade de iodeto disponível para a sín-
exógeno. O hormônio tireoidiano exógeno, que é produzido tese dos hormônios tireoidianos. Em geral, os efeitos dos ini-
por síntese química, é estruturalmente idêntico ao hormônio bidores da captação de ânions não são imediatamente aparentes,
tireoidiano endógeno (geralmente T4). devido à grande reserva de hormônio tireoidiano pré-formado
Os primeiros estudos clínicos com reposição hormonal ques- no colóide.
tionaram se seria mais eficaz efetuar uma reposição com T3 Os inibidores da captação de ânions podem ser utilizados no
ou com T4. A T3 é a forma metabolicamente mais ativa do tratamento do hipertireoidismo; esses agentes reduzem o supri-
hormônio tireoidiano, e seria possível prever que a reposição mento intratireoidiano de iodeto disponível para a síntese dos
do hormônio tireoidiano deficiente com T3 poderia normalizar hormônios da tireóide. Todavia, o seu uso é incomum, devido
de modo mais efetivo a homeostasia da tireóide. Entretanto, ao potencial de anemia aplásica, e as tioaminas (ver adiante)
diversos achados fornecem argumentos contra essa suposição. são, em geral, mais efetivas. Como muitos desses inibidores
Em primeiro lugar, a maior parte do hormônio tireoidiano no da captação são também empregados como meios de contras-
organismo encontra-se na forma de T4, embora a T4 tenha uma te radiopacos, é importante ter em mente esse antagonismo
atividade mais baixa e seja finalmente metabolizada a T3. A fisiológico sempre que um paciente tiver sintomas de hipo-
disponibilidade de um grande reservatório de “pró-fármaco” tireoidismo após exames radiográficos extensos que utilizam
tireoidiano (T4) no plasma pode ser importante, talvez como meio de contraste.
454 | Capítulo Vinte e Seis

Inibidores da Organificação e da Liberação dos peroxidase (Fig. 26.5). Essa etapa é essencial para a organifica-
ção e o acoplamento dos precursores do hormônio tireoidiano.
Hormônios da Tireóide Através de competição pelo iodeto oxidado, o tratamento com
Iodetos tioaminas produz uma diminuição seletiva na produção de
Na prática clínica, são utilizados dois tipos distintos de iodeto. hormônios tireoidianos. As tioaminas iodadas também podem
Ambos tiram proveito da captação seletiva e da concentração ligar-se à tireoglobulina, antagonizando ainda mais qualquer
de iodeto pela glândula tireóide em níveis muito maiores que reação de acoplamento. Convém lembrar que as células foli-
os do sangue. culares da tireóide armazenam uma grande quantidade de hor-
O primeiro agente, 131I–, é um isótopo radioativo do iodeto mônio tireoidiano nascente sob a forma de colóide. Esse colóide
que emite intensamente partículas ␤ tóxicas para as células. pode fornecer hormônio tireoidiano em quantidade suficiente
O canal de Na+/I– expresso nas membranas das células foli- durante mais de uma semana, na ausência de qualquer síntese.
culares da tireóide é incapaz de diferenciar o 131I– do iodeto Como as tioaminas afetam a síntese, mas não a secreção de
estável normal (127I–). Por conseguinte, o 131I– é seqüestrado no hormônio tireoidiano, os efeitos desses fármacos são obser-
interior da glândula tireóide. Isso torna o 131I– radioativo uma vados apenas dentro de várias semanas após a instituição do
forma de terapia específica e efetiva para o hipertireoidismo. tratamento.
O iodeto radioativo intracelular concentrado continua emitin- Com freqüência, o tratamento com tioaminas resulta em for-
do partículas ␤, resultando em destruição local e seletiva da mação de bócio. Por esse motivo, os fármacos são comumente
glândula tireóide. O iodeto radioativo é utilizado no tratamento designados como bociógenos. A inibição da síntese de hor-
da tireotoxicose, e esse agente constitui uma alternativa para mônios tireoidianos pelo fármaco resulta em supra-regulação
a cirurgia no tratamento do hipertireoidismo. Existe a preocu- da liberação de TSH pela adeno-hipófise, numa tentativa de
pação de que o paciente possa finalmente desenvolver hipo- restabelecer a homeostasia. Entretanto, os níveis plasmáticos
tireoidismo após tratamento com iodeto radioativo, visto que aumentados de TSH não conseguem elevar os níveis de hormô-
é difícil estabelecer, em determinado paciente, até que ponto nio tireoidiano, devido à ação da tioamina. Em resposta à esti-
o 131I– radioativo irá destruir todas ou a maioria das células mulação pelo TSH elevado, a glândula tireóide sofre hipertrofia
foliculares da tireóide. A meta é administrar 131I– o suficiente na tentativa de aumentar a síntese de hormônios tireoidianos.
para produzir um estado eutireóideo, sem precipitar hipoti- Esse processo leva finalmente à formação de bócio.
reoidismo. Esse resultado desejado nem sempre é obtido; por A propiltiouracila é considerada o protótipo das tioaminas;
exemplo, a Sra. L desenvolveu hipotireoidismo após tratamento o tiamazol é outro fármaco dessa classe que é freqüentemente
com 131I–. De qualquer modo, é mais fácil tratar clinicamente o utilizado. A propiltiouracila inibe a tireóide peroxidase, bem
desenvolvimento de hipotireoidismo do que o hipertireoidismo. como a conversão periférica de T4 em T3, enquanto foi cons-
Com base em estudos epidemiológicos, é pouco provável que tatado que o tiamazol só inibe a tireóide peroxidase. A propil-
o iodeto radioativo em doses terapêuticas tenha efeito sobre a tiouracila possui meia-vida curta, exigindo a sua administração
incidência de câncer da tireóide. três vezes ao dia, enquanto o tiamazol pode ser tomado uma
O segundo agente farmacológico clinicamente importante é, vez ao dia.
paradoxalmente, o iodeto inorgânico estável. O iodeto em altos Tanto a propiltiouracila quanto o tiamazol são geralmente
níveis inibe a síntese e a liberação de hormônio tireoidiano, um bem tolerados. O efeito adverso mais freqüente desses fármacos
fenômeno conhecido como efeito de Wolff–Chaikoff. O efeito consiste em exantema pruriginoso no início do tratamento, que
de retroalimentação negativa das concentrações intratireóideas pode sofrer remissão espontânea. As artralgias também consti-
elevadas de iodeto é reversível e transitório; a síntese e a libe- tuem um motivo comum para a interrupção desses fármacos. A
ração de hormônio tireoidiano normalizam-se dentro de poucos propiltiouracila pode causar depleção dos níveis de protrombi-
dias após aumento da concentração plasmática de iodeto. Por na, resultando em hipoprotrombinemia e aumento da tendência
conseguinte, o iodeto inorgânico não constitui uma terapia a ao sangramento.
longo prazo útil para o hipertireoidismo. Todavia, esse fenô- A agranulocitose, a hepatotoxicidade e a vasculite consti-
meno tem outras aplicações importantes. Por exemplo, o iodeto tuem três complicações raras, porém graves, da propiltiouraci-
em altas doses diminui o tamanho e a vascularidade da glândula la e do tiamazol. Ocorre agranulocitose em <0,1% dos casos,
tireóide. Devido a esse efeito, o iodeto é freqüentemente admi- habitualmente dentro dos primeiros 90 dias de tratamento com
nistrado antes de uma cirurgia da glândula tireóide, permitindo esses agentes. Devido a esse risco, todos os pacientes em uso
uma excisão tecnicamente mais fácil da glândula. de tioaminas devem efetuar uma contagem basal dos leucóci-
O iodeto também pode ter importantes efeitos preventivos. tos e ser aconselhados a suspender imediatamente o fármaco
Quando ocorreu o acidente nuclear em Chernobyl, houve preo- caso tenham febre ou faringite. A hepatotoxicidade também
cupação quanto ao fato de que o iodeto radioativo liberado no ar constitui um efeito adverso raro das tioaminas. Tipicamente, a
sobre a Polônia pudesse causar destruição da glândula tireóide hepatite é de padrão colestático e pode representar uma reação
em nível de população. Como medida preventiva, milhões de alérgica ao fármaco. Essa hepatite alérgica pode ocorrer mais
crianças polonesas receberam grandes doses de iodeto durante freqüentemente com a propiltiouracila do que com o tiamazol.
vários dias para suprimir temporariamente a função da glân- A vasculite induzida por esses agentes pode manifestar-se na
dula tireóide e, assim, evitar a captação do iodeto radioativo forma de lúpus induzido por fármaco ou vasculite associada a
ambiental. anticorpo anticitoplasma de neutrófilo (ANCA).
Como a incidência de efeitos adversos graves parece ser
menos freqüente com o tiamazol do que com a propiltiouracila,
Tioaminas o tiamazol é, em geral, o fármaco preferido na prática clínica.
As tioaminas propiltiouracila e tiamazol (metimazol) são Duas exceções a essa regra são a tempestade tireoidiana e a
inibidores importantes e úteis da produção de hormônio gravidez. No tratamento agudo do hipertireoidismo grave (tem-
tireoidiano. As tioaminas competem com a tireoglobulina pelo pestade tireoidiana), a propiltiouracila constitui um fármaco
iodeto oxidado, em um processo catalisado pela enzima tireóide mais interessante em virtude de sua capacidade adicional de
Farmacologia da Glândula Tireóide | 455

bloquear a conversão periférica de T4 em T3. Durante a gra- que o lítio em altos níveis inibe a liberação de hormônio tireoi-
videz, a propiltiouracila constitui o agente preferido, devido diano das células foliculares da tireóide. Há algumas evidên-
a um registro mais extenso de segurança e pelo fato de que cias de que o lítio também pode inibir a síntese de hormônio
o uso de tiamazol durante a gravidez tem sido associado à tireoidiano. O mecanismo responsável por essas ações não é
aplasia da pele. conhecido.
Em geral, as tioaminas mostram-se efetivas no controle do
hipertireoidismo. Uma grande porcentagem de pacientes em Amiodarona
uso desses fármacos sofre remissão no decorrer de 6 meses a
um ano e pode manter um estado eutireóideo após a suspensão A amiodarona é um agente antiarrítmico (ver Cap. 18) que
desses medicamentos. Entretanto, alguns pacientes desenvol- possui efeitos tanto positivos quanto negativos sobre a função
vem hipertireoidismo persistente apesar do tratamento, como do hormônio tireoidiano. Em nível estrutural, a amiodarona
no caso descrito na introdução. Esses pacientes necessitam de assemelha-se ao hormônio tireoidiano e, portanto, contém
tratamento mais definitivo do hipertireoidismo através de tera- uma grande concentração de iodo (cada comprimido de 200
pia com iodeto radioativo ou remoção cirúrgica da glândula mg de amiodarona contém 75 mg de iodo). O metabolismo
tireóide. da amiodarona libera esse iodo na forma de iodeto, resultan-
do em aumento das concentrações plasmáticas de iodeto. O
iodeto plasmático aumentado concentra-se na glândula tireóide,
Inibidores do Metabolismo Periférico dos Hormônios podendo resultar em desenvolvimento de hipotireoidismo pelo
da Tireóide efeito de Wolff–Chaikoff.
A amiodarona também pode causar hipertireoidismo através
Embora a maior parte do hormônio tireoidiano seja sintetizada
de dois mecanismos. Na tireotoxicose tipo I, a carga excessi-
na glândula tireóide como T4, o hormônio tireoidiano atua na
va de iodeto apresentada pela amiodarona resulta em aumento
periferia principalmente sob a forma de T3. A conversão de na síntese e liberação de hormônio tireoidiano. Na tireoidite
T4 em T3 depende de uma 5⬘-desiodinase periférica, e os ini- tipo II, ocorre tireoidite auto-imune que leva à liberação de
bidores dessa enzima constituem auxiliares efetivos no trata- quantidades excessivas de hormônio tireoidiano do colóide. Em
mento dos sintomas do hipertireoidismo. Conforme assinalado virtude de sua estreita semelhança estrutural com o hormônio
anteriormente, a propiltiouracila inibe tanto a organificação tireoidiano, a amiodarona também pode atuar como homóloga
quanto a conversão periférica de T4 em T3. Dois outros agen- do hormônio tireoidiano em nível do receptor.
tes, os bloqueadores ␤-adrenérgicos e o ipodato, são discutidos Além disso, a amiodarona inibe competitivamente a 5⬘-
adiante. desiodinase tipo I. Isso resulta em diminuição da conversão
T4/T3 e em aumento das concentrações plasmáticas de rT3.
Bloqueadores ␤-Adrenérgicos
Os antagonistas ␤-adrenérgicos mostram-se úteis para trata- Corticosteróides
mento dos sintomas do hipertireoidismo, visto que muitos dos Os corticosteróides, como o cortisol e análogos de glicocor-
efeitos dos níveis plasmáticos elevados de hormônio tireoi- ticóides, inibem a enzima 5⬘-desiodinase, que converte a T4 na
diano assemelham-se à estimulação ␤-adrenérgica inespecífica T3 metabolicamente mais ativa. Como a T4 exibe menos ativi-
(por exemplo, sudorese, tremor, taquicardia). Além disso, foi dade fisiológica do que a T3, o tratamento com corticosteróides
demonstrado que os ␤-bloqueadores podem reduzir a conversão reduz a atividade efetiva do hormônio tireoidiano. Além disso,
de T4 em T3, porém não se acredita que esse efeito seja clini- a diminuição dos níveis séricos de T3 resulta em liberação
camente relevante. Em virtude de seu rápido início de ação aumentada de TSH. O aumento do TSH estimula uma maior
e meia-vida de eliminação curta (9 minutos), o esmolol é o síntese de T4, até que a quantidade de T4 produzida gere um
antagonista ␤-adrenérgico preferido para o tratamento da tem- nível suficiente de T3 para inibir o hipotálamo. Por conseguinte,
pestade tireoidiana. na presença de conversão periférica diminuída de T4 em T3, a
tireóide libera a T4 numa maior taxa, e os níveis séricos de T4
Ipodato e T3 atingem um novo estado de equilíbrio dinâmico.
O ipodato é um agente de contraste radiológico antigamente uti-
lizado para visualização dos ductos biliares em procedimentos n Conclusão e Perspectivas Futuras
de colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE). A síntese de hormônio tireoidiano consiste em uma série com-
Além de sua utilidade como agente de contraste radiológico, plexa de etapas de síntese e degradação. Essa via cria numero-
o ipodato inibe significativamente a conversão de T4 em T3 sos pontos para intervenção farmacológica, desde a captação
através da inibição da enzima 5⬘-desiodinase. Embora o ipodato de iodeto até a conversão periférica de T4 em T3. A reposição
tenha sido algumas vezes utilizado no passado para tratamento de hormônio tireoidiano proporciona uma terapia a longo prazo
do hipertireoidismo, não é mais comercialmente disponível. segura e efetiva para a deficiência de hormônio tireoidiano.
Existem numerosas terapias efetivas para a abordagem da tireo-
OUTROS FÁRMACOS QUE AFETAM A toxicose. O iodeto radioativo e as tioaminas costumam ser uti-
lizados para esse propósito, resultando em destruição seletiva da
HOMEOSTASIA DOS HORMÔNIOS DA TIREÓIDE glândula tireóide e antagonismo da organificação/acoplamento,
respectivamente. As futuras terapias potenciais para doenças da
Lítio glândula tireóide poderão enfocar o tratamento da etiologia das
O lítio, um fármaco utilizado no tratamento do transtorno afe- doenças auto-imunes da tireóide, como a doença de Graves e a
tivo bipolar (ver Cap. 13), pode causar hipotireoidismo. O lítio tireoidite de Hashimoto, e definir melhor os alvos moleculares
é ativamente concentrado na glândula tireóide, e foi constatado de ação dos hormônios tireoidianos.
456 | Capítulo Vinte e Seis

n Leituras Sugeridas Davis PJ, David FB, Cody V. Membrane receptors mediating thyroid
hormone action. Trends Endocrinol Metabol 2005;16:429–435.
Anonymous. Drugs for hypothyroidism and hyperthyroidism. Medi-
(Revisão dos avanços recentes em sinalização do hormônio tireói-
cal Letter 2006;4:17–24. (Revisão das considerações terapêuticas,
incluindo importantes interações medicamentosas.) deo.)
Braverman L, Utiger R, eds. Werner and Ingbarʼs the thyroid. 9th Weetman A. Gravesʼ disease. N Engl J Med 2000;343:1236–1248.
ed. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2005. (Informações (Revisão muito didática do diagnóstico e tratamento da doença
clínicas sobre o tratamento das doenças da tireóide.) de Graves.)
Cooper DS. Antithyroid drugs. N Engl J Med 2005;352:905–917. (Um Yen PM. Physiological and molecular basis of thyroid hormone action.
resumo excelente e detalhado dos usos clínicos e dos efeitos adver- Physiol Rev 2000;81:1097–1142. (Excelente revisão atual da ação
sos do tiamazol e do propiltiouracila.) do hormônio tireóideo.)
Resumo Farmacológico Capítulo 26 Farmacologia da Glândula Tireóide
Efeitos Adversos
Fármaco Aplicações Clínicas Graves e Comuns Contra-Indicações Considerações Terapêuticas
REPOSIÇÃO DE HORMÔNIO TIREOIDIANO
Mecanismo — Repor o hormônio tireoidiano endógeno ausente com hormônio tireoidiano exógeno
Levotiroxina (T4) Hipotireoidismo Hipertireoidismo, osteopenia, Infarto agudo do miocárdio A colestiramina e o poliestireno sulfonato de sódio diminuem a
Liotironina (T3) Coma mixedematoso pseudotumor cerebral, Insuficiência córtico-supra-renal não absorção do hormônio tireoidiano sintético
convulsões, infarto do corrigida A rifampicina e a fenitoína aumentam o metabolismo do
miocárdio Tireotoxicose não tratada hormônio tireoidiano sintético
Em virtude de sua meia-vida de eliminação mais longa, a T4 é
habitualmente preferida para o tratamento do hipotireoidismo
A T3 pode ser preferida no coma mixedematoso, devido a seu
início de ação mais rápido
INIBIDORES DA CAPTAÇÃO DE IODETO
Mecanismo — Competem com o iodeto pela sua captação nas células foliculares da tireóide através do simportador de sódio-iodeto, diminuindo, assim, o suprimento intratireóideo de iodeto disponível para a síntese dos
hormônios tireoidianos
Perclorato Hipertireoidismo Anemia aplásica Nenhuma contra-indicação importante O uso clínico no hipertireoidismo é limitado, devido ao risco de
Tiocianato Agentes de contraste radiológicos Irritação gastrintestinal desenvolvimento de anemia aplásica
Pertecnetato Freqüentemente utilizados como agentes de contraste
radiológico
INIBIDORES DA ORGANIFICAÇÃO E DA LIBERAÇÃO DOS HORMÔNIOS TIREOIDIANOS
Mecanismo — O iodeto radioativo emite fortemente partículas beta, que são tóxicas para as células foliculares da tireóide. O iodeto em altas concentrações inibe a captação de iodeto e a organização através do efeito de
Wolff–Chaikoff. A propiltiouracila inibe a tireóide peroxidase e a conversão de T4 em T3. O tiamazol inibe a tireóide peroxidase
131 –
I (Iodeto radioativo) Hipertireoidismo Pode agravar a oftalmopatia Gravidez Alternativa para cirurgia no tratamento do hipertireoidismo
na doença de Graves, A radiação em excesso pode destruir a tireóide, causando
hipotireoidismo hipotireoidismo
Iodeto (em altas Hipertireoidismo Pode agravar os sintomas de Utilizado para supressão temporária da função da glândula
concentrações) bócio tóxico tireóide
Também utilizado antes da cirurgia da glândula tireóide para
permitir uma excisão tecnicamente mais fácil
Propiltiouracila (PTU) Hipertireoidismo Agranulocitose, Gravidez e lactação (tiamazol) O tiamazol é geralmente preferido no tratamento do
Tiamazol hepatoxicidade, vasculite e hipertireoidismo, devido a uma menor incidência de efeitos
hipoprotrombinemia (PTU) adversos graves
Exantema, artralgias A PTU constitui o agente preferido na tempestade tireoidiana,
devido à inibição periférica adicional da conversão de T4 em
T3
INIBIDORES DO METABOLISMO PERIFÉRICO DOS HORMÔNIOS DA TIREÓIDE
Mecanismo — Bloqueiam a 5ʼ-desiodinase, inibindo, assim, a conversão de T4 em T3
␤-Bloqueadores Ver Resumo Farmacológico: Cap 9 O efeito simpaticolítico dos beta-bloqueadores é mais
importante no tratamento dos sintomas do hipertireoidismo do
que o efeito menor desses fármacos sobre a 5ʼ-desiodinase
O esmolol é um antagonista β-adrenérgico preferido para o
tratamento da tempestade tireoidiana, devido a seu rápido início
Farmacologia da Glândula Tireóide

de ação e meia-vida de eliminação rápida


Ipodato Hipertireoidismo Urticária, doença do soro; Hipersensibilidade a agentes de contraste Antigamente utilizado como agente de contraste radiológico
|

em certas ocasiões, pode radiológicos Não é mais disponível comercialmente


exacerbar os sintomas de
hipertireoidismo
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