Você está na página 1de 7

A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

Por Samuel Pinheiro Guimarães

"A geografia é a política das Nações".


(Napoleão, 1769-1821)

"O Brasil está fadado a ser, por tempo indefinido, um satélite dos Estados Unidos."
(Chanceler Raul Fernandes, 26/08/1954 a 12/11/1955)

"Eu sempre sonhei em libertar o Brasil da ideologia nefasta de esquerda (...). O Brasil não é um
terreno onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita
coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer."
(Jair Bolsonaro, em Washington, 17/03/2019)

1 - O Governo do Presidente Jair Bolsonaro, de seu mentor espiritual e político, o Professor Olavo de
Carvalho, de seu Ministro do Exterior, Ernesto Araújo, do Super Ministro Paulo Guedes, economista
ultra neoliberal, de sua Eminência Parda, o Deputado Eduardo Bolsonaro, está disposto, entre outras
reformas, a reorientar radicalmente toda a política externa brasileira.

2 - Essa reorientação se daria pelo alinhamento de toda a política externa brasileira à política do
Governo de Donald Trump, a começar pelo apoio a Israel.

3 - Segundo esses protagonistas, a política dos governos brasileiros anteriores teria:

a) sido ideológica e privilegiado as relações com governos de "esquerda", não democráticos;

b) negligenciado e hostilizado os países desenvolvidos, em especial os Estados Unidos;

c) envolvido o Brasil em temas nos quais não teria interesse direto nem poder para influir;

d) dado pouca atenção aos interesses comerciais e econômicos do Brasil;

e) contrariado e afrontado interesses americanos na América do Sul;

f) criado um ambiente hostil aos capitais multinacionais.

4 - A política exterior de Jair Bolsonaro, com excessos verbais, atitudes subservientes e


"interpretações" inéditas da História, retoma a política de certos governos anteriores que entre si se
diferenciam devido às circunstâncias de cada período, mas com a mesma orientação geral de
alinhamento com a política exterior norte-americana.

5 - Com o Presidente Bolsonaro, o Brasil passou a ter não apenas uma política exterior, mas uma
política geral de governo que procura atender antecipadamente e, sem qualquer reciprocidade, às
reivindicações históricas dos Estados Unidos:

* redução da União ao mínimo, em termos de funcionários e organismos;

* transferência de competências da União para Estados e Municípios;

* privatização geral;

* desregulamentação geral e auto fiscalização pelas empresas;

* abertura radical da economia e do setor financeiro;

* redução da Petrobrás, maior empresa brasileira, a uma pequena empresa, não integrada, de
petróleo;

* enfraquecimento da chancelaria brasileira, pela quebras de hierarquia e pela inexperiência;

* privatização de todos os bancos estatais;


* autonomia do Banco Central;

* concessão da base militar de Alcântara.

***

6 - Devido às características do Brasil e às suas vulnerabilidades, as ações concretas de política


externa deveriam sempre procurar:

a) manter as melhores e imparciais relações com todos os Estados da América do Sul;

b) criar e fortalecer um sistema de segurança político/militar na América do Sul e no Atlântico Sul;

c) criar e fortalecer um sistema dissuasório de defesa nacional;

d) estabelecer programas de cooperação com grandes Estados, como os Estados Unidos, a China, a
Rússia, a Índia, a França e a Alemanha;

e) contribuir, ativa, discreta e imparcialmente, para a solução de crises;

f) participar ativamente de conferências sobre temas universais, como meio ambiente, pobreza, raça,
gênero, etc.

g) cooperar com países subdesenvolvidos em projetos de desenvolvimento, sem impor


"condicionalidades";

h) diversificar, quanto a produtos, destinos e origens, seu comércio internacional;

i) abrir novos territórios para a ação das empresas brasileiras;

j) promover a revisão dos sistemas de decisão dos organismos internacionais para obter condições de
melhor participação do Brasil;

k) conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

***

7 - O Governo de Jair Bolsonaro tem contrariado frontalmente e feito justamente o contrário de tais
ações concretas.

8 - O Brasil participa da Aliança do Pacífico e do Grupo de Lima contra a Venezuela, infringindo os


princípios de autodeterminação e de não intervenção, com ameaças militares, gerando ressentimentos,
no esforço de agradar aos Estados Unidos em sua campanha para derrubar o governo da Venezuela.

9 - O Brasil está promovendo o Pro-Sul, que articula governos de direita, e o fim da UNASUL e passou
a privilegiar a OEA, organização onde a influência americana é tradicional.

10 - Bolsonaro tem reduzido os recursos para os programas estratégicos militares (cibernética,


espacial, nuclear) além de promover a exploração de urânio por empresas estrangeiras, a venda da
Embraer à Boeing, assistir ao esvaziamento do Centro de Estudos de Defesa, da UNASUL, em Quito.

11 - O Brasil tem participado de forma discreta de reuniões e conferências mundiais, com perfil baixo e
sem apresentar propostas importantes, e considera as Nações Unidas um instrumento nefasto do que
chama "globalismo" e de interferência externa nos assuntos nacionais, através da ação do que
chamam de "marxismo cultural".

12 - O Mercosul tem sido desprestigiado e advogada sua transformação (dissolução) em uma Zona de
Livre Comércio para poder o Brasil negociar acordos bilaterais com os EUA e outros países
desenvolvidos. O Brasil não se interessa em fortalecer a cooperação com a Argentina, nem mesmo
quando seu Governo é simpático ao Brasil, nem com a África.
13 - O Brasil tem se afastado deliberadamente de qualquer política de cooperação com os Estados
subdesenvolvidos, do que chamam Cooperação Sul-Sul que, a seu juízo, nenhum beneficio trouxe ao
Brasil.

14 - Na gestão Guedes/Bolsonaro/Araújo não há nenhuma preocupação com a perda de participação


percentual das manufaturas no total das exportações, com o acentuado processo de
desindustrialização, resultado de uma política cambial de valorização do real e controle da inflação,
nem com a diversificação do comércio exterior.

15 - O apoio à internacionalização das empresas de capital brasileiro, em competição com


megaempresas multinacionais, não somente na África e América Latina, mas inclusive nos Estados
Unidos e na Europa, tem sido considerado como "criminoso". O Governo tem permitido a
desorganização e destruição de grandes empresas brasileiras, o que não ocorreu em outros países,
onde os empresários culpados por corrupção foram punidos e as empresas preservadas.

16 - A luta pela redistribuição de quotas e de poder de voto no FMI e no Banco Mundial foi abandonada
devido à oposição americana e ao desejo de Bolsonaro de alinhamento incondicional com os interesses
americanos.

17 - O Presidente Bolsonaro nem o chanceler Araújo não atribuem qualquer importância ao objetivo
histórico da política exterior brasileira, e são até contrários, ao Brasil vir a ocupar um assento
permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, e à coordenação com o Japão, a Alemanha
e a Índia, para atingir este objetivo.

***

18 - Ao contrário da "política" externa de Bolsonaro/Araújo, que parece se fundar em visões religiosas


de luta entre o Bem e o Mal, entre o Ocidente e o Oriente, entre valores cristãos e de outras
(religiões?) e onde Trump é o Salvador do Ocidente, uma política externa realista para o Brasil deve
levar em conta:

* sua localização geográfica;

* suas características como sociedade, economia e Estado;

* suas vulnerabilidades e

* seu potencial.

***

19 - O Brasil se encontra na América do Sul e em frente ao Atlântico Sul e a 23 Estados da África


Ocidental. Essa é a sua localização e não qualquer outra utópica.

20 - Por esta razão, o centro principal de sua política externa deve ser a América do Sul, o Atlântico e
a África Ocidental, mas a essas áreas não devem se limitar, de forma alguma, suas ações de política
externa.

21 - A América Central e o norte da América do Sul constituem área de influência dos Estados Unidos,
sua zona mais estratégica, reconhecida, desde quando a declarou, pelas Potências de então, e onde se
encontra o Canal do Panamá, ligação vital militar e comercial do país.

22 - É objetivo estratégico permanente americano evitar, de forma ativa e enfática, a emergência, em


qualquer região do mundo, de um Estado, ou associação de Estados, que desafie sua hegemonia e sua
influência política, militar e econômica.

23 - Esta prioridade americana é ainda mais aguda e sensível em relação ao Caribe, à América Central
e ao Norte da América do Sul, como revelam as declarações americanas sobre a presença russa na
área.

24 - A política brasileira na América do Sul (e ainda mais na América Central e Caribe) deve ser em
consequência prudente, mas firme e ativa sem se deixar envolver e sem se alinhar com os interesses
hegemônicos dos Estados Unidos, centro do Império Americano.
***

25 - O Brasil apresenta enorme disparidade de território, de população, de recursos e de potencial em


relação a seus dez vizinhos de fronteira, cujo desenvolvimento, prosperidade, estabilidade e
cooperação são, todavia, de extremo interesse para os objetivos nacionais brasileiros.

26 - As dificuldades de natureza econômica nos vizinhos podem se transformar em instabilidade social,


esta em instabilidade política com eventual transbordamento para o Brasil, sob a forma de migração ou
de atividade de grupos irregulares, inclusive militar.

***

27 - Os objetivos nacionais brasileiros, isto é, da enorme maioria do povo brasileiro, não


necessariamente das classes hegemônicas e das elites dirigentes que governam em seu nome, são:

* aperfeiçoar a democracia;

* promover o desenvolvimento econômico;

* reduzir as injustiças sociais e

* defender a soberania.

***

28 - A democracia brasileira é frágil e a participação popular, declarada soberana pela Constituição de


1988, é articulada (manipulada) em seus procedimentos pelos interesses das classes hegemônicas
econômicas e políticas, através de seus instrumentos de ação e da elite dirigente (ministros, altos
funcionários, políticos etc.) que trabalha em seu nome.

29 - A influência dos interesses políticos e econômicos dos Impérios e de Potências sobre estes
processos políticos, exercida através dos tempos, foi e é notável, realizada muitas vezes através de
agentes internos e de seus vínculos com as classes hegemônicas do Império Americano.

30 - O número de vizinhos, e a disparidade de dimensões são de tal ordem, assim como os


ressentimentos históricos do processo de formação do território brasileiro, e entre os Estados vizinhos,
que afloram no presente, fazem com que o Brasil nunca deva interferir nos processos políticos dos
Estados vizinhos.

31 - Cada Estado vizinho teve uma evolução política, econômica e social própria, decorrente das inter-
relações de forças internas e externas e não cabe ao Brasil julgar os seus méritos nem tomar partido,
sob pena de criar ressentimentos desnecessários e de difícil superação.

32 - O Brasil (suas elites dirigentes e suas classes hegemônicas) se ressentiria profundamente de


qualquer interferência dos Estados vizinhos em sua política interna. Aliás, o "espantalho" de
interferência (cubana, venezuelana, chinesa) é agitado periodicamente por certos grupos para advogar
ações de política externa. É verdade que as classes hegemônicas brasileiras (e sua elite dirigente) não
se ressentem de interferência do Império na política e economia brasileira até por serem muitas vezes
aliados.

33 - Cabe à política externa estar atenta a qualquer iniciativa de interferência externa (que são
permanentes) em seus processos políticos internos e de iniciativas "multilaterais" neste sentido para
contra-arrestá-las.

***

34 - O Brasil é uma economia subdesenvolvida, caracterizada por extraordinárias disparidades de


renda e de riqueza; pelo atraso relativo de seu parque industrial; pela grande penetração das
megaempresas multinacionais; pela reduzida diversificação de seu comércio exterior; por um setor
financeiro superdimensionado; pelo mercado de capitais subdesenvolvido; pelo pequeno conhecimento
dos recursos naturais; pelo fraco dinamismo tecnológico.
35 - Muitas dessas características da economia brasileira são compartilhadas pelos Estados vizinhos da
América do Sul, em maior ou menor grau. A América do Sul é um continente subdesenvolvido, com
enorme concentração de renda, exportador de produtos primários e importador de produtos
industriais, com enormes disparidades sociais.

36 - As características atuais da economia brasileira decorrem da longa permanência e da evolução


histórica do regime da escravidão; da grande propriedade agrícola senhorial; dos vínculos das classes
hegemônicas internas (e de suas elites dirigentes) com os sucessivos Impérios; com a aceitação das
elites dirigentes da ideologia do sistema colonial sobre o que deve ser a "correta" divisão internacional
do trabalho; da ideologia e da prática conservadora da Igreja Católica e de suas políticas de
superioridade racial e de gênero e de obscurantismo científico.

37 - Estes fatores históricos foram se transformando ao longo do tempo e assumindo novas formas,
mas permanecem até hoje, em novo contexto internacional, em que se verifica e age a política
externa.

38 - Essa situação de subdesenvolvimento é agravada pelas tentativas permanentes de Estados


desenvolvidos e do Império Americano de imporem políticas econômicas de natureza conservadora,
como tem sido as advogadas pelo defensores dos princípios do Consenso de Washington (1989) e as
"propostas" de política econômica dele derivadas.

39 - Essas "propostas" defendem que o Brasil deve ter uma política econômica de total integração no
comércio e no sistema financeiro mundial, com a abolição de qualquer barreira ao comércio (acordos
de livre comércio etc.), de liberdade total para os fluxos de capital; de total liberdade para
investimentos estrangeiros; de equilíbrio fiscal absoluto; de redução do Estado ao mínimo como se
estas tivessem sido as políticas que tivessem levado os Estados, hoje desenvolvidos, a seu estágio de
desenvolvimento atual ou que eles as praticassem no momento.

40 - O denominado "tripé macroeconômico" é a âncora do subdesenvolvimento brasileiro, ao impor


limitações ao desenvolvimento e mesmo ao crescimento econômico.

***

41 - O principal objetivo da política externa no âmbito de promoção do desenvolvimento econômico


deve ser a negativa (hábil) de participar de qualquer acordo que limite as possibilidades de ação
econômica do Estado em prol do desenvolvimento e a ação para limitar os efeitos dos acordos
restritivos de que o Brasil já participa.

42 - Exemplos de situações restritivas do chamado policy space são os acordos de livre comércio
(sempre desiguais) com países altamente desenvolvidos; os acordos de promoção e proteção de
investimentos estrangeiros; a OCDE e seus códigos etc.

43 - O segundo objetivo econômico da política externa deve ser a diversificação da pauta exportadora
do Brasil em termos de produtos e de mercados de destino. Assim como a diversificação de sua pauta
de fornecedores, em termos de empréstimos, de investimento de capital e de transferência (e
absorção) de tecnologia.

44 - Este objetivo é essencial para evitar os efeitos da flutuação especulativa dos preços de produtos
primários, enfrentar o surgimento de concorrentes, de substitutos etc. e as pressões políticas externas
a que estão sujeitos países que tem suas relações externas concentradas em poucos produtos e
parceiros.

***

45 - O objetivo nacional de reduzir as injustiças sociais deve receber o apoio da política externa pela
defesa de políticas sociais inclusivas, patrocinadas por organismos das Nações Unidas, pela
condenação, na Assembleia Geral da ONU, de práticas discriminatórias contra minorias, de defesa do
não uso político dos direitos humanos, pelos direitos dos imigrantes e dos refugiados.

46 - O objetivo de reduzir as injustiças sociais não deve em nenhum momento levar a julgamentos
unilaterais pelo Brasil dessas injustiças em outros países que, muitas vezes como o Brasil, lutam
contra elas com pequeno êxito. O princípio da autodeterminação e de não intervenção devem guiar
sempre a política externa brasileira no que diz respeito a situações de injustiças sociais e de direitos
humanos em terceiros Estados, tema muitas vezes manipulado pelos interesses das Grandes Potências
e do Império Americano.

47 - Assim, o Brasil deve rejeitar e condenar a aplicação de sanções unilaterais de Grandes Potências
contra Estados subdesenvolvidos a pretexto de corrigir situações humanitárias, mas que, às vezes, as
agravam e levam a justificar "intervenções humanitárias", justamente das Potências e do Império que
provocam aquelas crises humanitárias.

***

48 - O objetivo nacional de defender a soberania deve ser procurado em duas esferas de ação da
política externa.

49 - A primeira esfera é a de ação nos organismos internacionais, a começar pelas Nações Unidas e
seu Conselho de Segurança, que detêm o monopólio da força na esfera internacional e que, sozinho,
pode autorizar o uso de qualquer medida de força (embargos, sanções, força etc.) contra qualquer
Estado que não seja membro permanente do Conselho.

50 - As dimensões de território, de população, de economia e de seu potencial, de seus problemas


internos, fazem com que seja de extremo interesse a participação do Brasil como membro permanente
do Conselho de Segurança para defender seus interesses e para impedir ações contra sua soberania.

51 - A reforma da Carta da ONU, para permitir a ampliação do Conselho, depende do voto de 129
membros (2/3 dos 194 membros) e da aprovação dos cinco membros permanentes atuais. Este
resultado depende de uma ação permanente e presença política do Brasil em todos os Estados para
obter seu apoio.

52 - Esta presença brasileira será de extrema importância para obter apoio para as teses e as
propostas apresentadas pelo Brasil nas discussões em conferências e reuniões internacionais,
regionais, multilaterais ou temáticas (clima, floresta, etc.).

53 - A segunda esfera de defesa da soberania é a construção de uma capacidade de defesa dissuasória


de qualquer agressão, do desenvolvimento de uma indústria bélica autônoma; do desenvolvimento de
uma doutrina estratégica de caráter brasileiro; do aperfeiçoamento e diversificação dos centros de
treinamento de oficiais, do adestramento da tropa para combate de resistência a qualquer invasão.

54 - Essas políticas são de longo prazo, dependem de permanência para ter êxito e não podem estar
sujeitas a flutuações anuais de constrangimento orçamentário que se revelaram no passado a forma
política mais eficaz de "matá-las".

***

55 - Os quatro objetivos da política externa tem de ser alcançados em um ambiente internacional


dominado pelo Império Americano, pelas Grandes Potências auxiliares, e pela luta entre o Império e
seus dois Adversários, a República Popular da China e a República Federativa Russa.

56 - Ademais, essa disputa se verifica em um momento em que o Império Americano empreende uma
verdadeira política de "reorganização" em grande escala do sistema internacional que criou após a
Segunda Guerra Mundial e em que se verificam fenômenos transnacionais, como prolongada
estagnação econômica, degradação do meio ambiente, transformação tecnológica na economia civil e
na guerra, a financerização da economia mundial e nacionais, as ações de organizações criminosas
internacionais, as migrações em grande escala.

57 - Neste quadro se torna de grande importância a aproximação e a cooperação do Brasil com os


Estados que participam das negociações de acordos internacionais para enfrentar estes desafios e que
tem interesses semelhantes, a começar pelos Estados da América do Sul e os Estados
subdesenvolvidos em geral, inclusive para evitar que os custos de políticas "imaginadas" para
enfrentar questões "transnacionais" venham a recair sobre os países periféricos, subdesenvolvidos,
mais frágeis e com menos recursos, grupo em que se encontra o Brasil.

58 - O alinhamento da política externa brasileira com os objetivos seja do Império Americano, seja
com os objetivos dos Estados Adversários do Império será extremamente prejudicial ao Brasil.
59 - As relações do Brasil com a China e a Rússia, Estados que o Governo dos Estados Unidos classifica
como "malignos" e "inimigos" devem ser cautelosas, mas diversificadas e firmes assim como com
Estados como o Irã, classificados de "rebeldes" e "párias".

***

60 - A política externa executada pelo Governo de Jair Bolsonaro contraria todos os princípios que
devem orientar a política externa brasileira para que esta pudesse contribuir para alcançar os objetivos
nacionais, isto é, da maioria do povo brasileiro, de democracia, desenvolvimento, justiça social e
soberania.

61 - Assim, o alinhamento declarado, ostensivo, unilateral, sem reciprocidade da política externa


brasileira com os Estados Unidos e com Israel, não só não obtém o reconhecimento americano, que
despreza os subservientes, como desmoraliza o Brasil como interlocutor face aos demais Estados.

62 - Por outro lado, as declarações de ultra-direita do Governo Bolsonaro sobre certos temas provocam
o repúdio de Governos de Direita, como os do Chile e da Argentina, como de lideres de extrema
direita, como Marine Le Pen, na França.

***

63 - As declarações do Presidente Jair Messias Bolsonaro, do Deputado Eduardo Bolsonaro, do


Embaixador Ernesto Araújo, Ministro das Relações Exteriores, e de Ministros como Paulo Guedes,
revelam desconhecimento e uma visão peculiar e simplista da política internacional e dos objetivos que
devem orientar a política exterior brasileira para reduzir as vulnerabilidades do país e defender seus
interesses de curto, médio e longo prazo.

64 - As contradições internas que geram e o ridículo das declarações torna cada vez mais ineficaz a
ação externa e cada vez maior o desprestígio do Governo do Brasil no mundo.

65 - Parece que a realidade não consegue se impor às visões de fundo religioso e de Cruzada que
imbuem a alma e inebriam o cérebro desses personagens.

* Samuel Pinheiro Guimarães


Secretário Geral do Itamaraty (2003-2009)
Ministro de Assuntos Estratégicos (2009-2010)

Você também pode gostar