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Hotelaria Hospitalar e os modelos de gestão

Marcelo Boeger *

Hoje, consideramos que apenas 30 % dos aproximados 7.500 hospitais no país tenham
algum modelo de gestão que contemple uma hotelaria – ainda que não formalmente
implantada. Nao se deve considerar neste número quando implantado apenas
“elementos” da hotelaria convencional “importada” para os hospitais - como uma
estrutura física esteticamente parecida com um hotel, quartos privativos bem
decorados ou uma equipe minimamente uniformizada - estou tratando dos
serviços básicos reunidos de uma forma a permitir uma alta performance nos serviços
de apoio contemplada por meio de uma gerência de hotelaria que discuta a hotelaria
em nível estratégico e seu posicionamento no mercado de saúde. Este número cresce
a medida que o próprio cliente passa a exigir uma maior qualidade nos serviços
prestados.

Coincidência ou não, quase praticamente a totalidade destes 30%, são hospitais


que obtiveram ou estão neste momento em busca de algum programa de
acreditação e de gestão da Qualidade.

Possivelmente, se explica por ter agregado valor, por meio de profissionalização


dos processos de trabalho, de uma nova metodologia de mensuração das
atividades e das melhores práticas na prestação de serviços das áreas de apoio.

Hoje começamos a verificar um aumento da busca por uma melhor hotelaria em um


número maior de hospitais. No Estado de São Paulo percebemos um crescimento
maior que no restante do país. Mas nos chama atenção crescimento pontual em
determinadas regiões do Estado do Rio de Janeiro e diversos Estados do Nordeste.

Da mesma forma, percebe-se uma busca maior nos últimos anos por profissionalizar
seus gestores e toda a equipe técnica. A má formação dos profissionais e a
consequente escassez de mão de obra qualificada sempre foi uma crítica recorrente do
mercado nesta área.

A equipe operacional da hotelaria é composta, por exemplo, de funções básicas, mas


com contato direto com o cliente e responsável por sua segurança (em diversos níveis,
como pela correta higienização, alimentação, controle de acesso) e pelo bem estar e
conforto do cliente de saude. Faz parte deste grupo, por exemplo, as copeiras, a
equipe de manutenção, da higiene, da recepção, os porteiros, os vigilantes etc.

O departamento de hotelaria representa nos hospitais a segunda maior Folha de


Pagamento e acredito que cursos técnicos e profissionalizantes poderiam criar um
grupo de profissionais mais capacitados para uma prática que exige profundo
conhecimento técnico e uma enorme responsabilidade em suas atividades.

Muitos destes serviços são terceirizados e sua aplicação deve ser gerenciada pelo
gestor de hotelaria do hospital.

Gráfico 1:

Serviços Terceirizados X Próprios


Fonte: Boeger, Marcelo

Manuais de Especialização – Ed. Manole, 2011

As Instituições de Saúde necessitam de profissionais mais bem preparados, seja o


modelo próprio ou terceirizado nestas funções, para conseguirem racionalizar
atividades, evitar retrabalho, eliminar desperdícios e ganhar eficiência. Estes
fatores amortizam qualquer investimento em capacitação e desenvolvimento dos
colaboradores, muitas vezes esquecidos pelos programas de desenvolvimento das
Instituições de Saúde.
A EVOLUÇÃO DA INFRAESTRUTURA EM HOSPITAIS E OS SERVIÇOS DE HOTELARIA

As áreas de apoio dos hospitais, por muito tempo, estiveram estagnadas e o cuidado
com o cliente era uma preocupação apenas da assistência direta ao paciente.

Esta estagnação também se estendia aos aspectos físicos e arquitetônicos. A


infraestrutura que deveria permitir maior eficiência nos serviços estava refém do
modelo tradicional de hospital, planejado e desenvolvido na metade do século XX, para
a lógica de serviços e segurança do paciente oferecido na época, hoje, em
determinados lugares, ainda em vigor, em prédios deteriorados e serviços ineficientes.
A infraestrutura, por meio da ambientação, deve obrigatoriamente estar a serviço
também do conforto, da segurança e do bem estar dos clientes e usuários.

Numa abordagem sistêmica, ela deve envolver uma visão macro: desde as condições
da região onde o edifício hospitalar está inserido até sua relação com a vegetação,
vizinhança, ambiente assim como com os espaços internos, permitindo acessos lógicos
e fluxos adequados para o uso racional dos serviços.

A hotelaria terá muito de seu gasto fixo baseado nas premissas operacionais
desenvolvidas no planejamento físico do prédio.

Os hospitais, a partir da metade da década de 90, começaram então a investir na


hospedagem deste paciente, em seus espaços comuns e focar nas áreas sociais. Os
investidores e gestores notaram que isso poderia criar um diferencial em seu produto,
fidelizar os clientes e formar a opinião sobre a qualidade dos hospitais entre pacientes
e, principalmente, os acompanhantes, que até então passavam despercebidos e que
tem sua “leitura” de qualidade, principalmente sobre aspectos hoteleiros (atendimento e
infraestrutura) e não de aspectos assistenciais..

Dentro de um hospital, a gestão hoteleira deve respeitar as regras e funções


hospitalares, adaptando-se a elas. Em contrapartida, as funções de contato não
assistencial devem ser vistas como a tradução da qualidade pela prestação de serviços
de atendimento e acolhimento, com base em princípios operacionais e de gestão que
devem ser aceitos, entendidos, absorvidos e efetivamente exercidos por todo o corpo
hospitalar.

Ou seja, devemos nos apropriar da evolução que houve na medicina, na tecnologia em


geral para que o hospital tenha soluções arrojadas e eficientes ao cliente e ao
colaborador. A sua infraestrutura deve se adaptar a nova realidade na área da saúde. A
medicina evolui muito rapidamente e altera a forma com que atendemos os pacientes.
Surgem novas doenças, suas respectivas curas, novos procedimentos clínicos e novos
hábitos. Os pacientes ficam menos tempo internado, sua recuperação é mais rápida, os
leitos giram com maior velocidade e devem ser gerenciados de forma a atender os
tempos de cada processo interdepartamental.

Torna-se obrigatório à adaptação de todos os serviços ao novo modelo de hospital,


acompanhando toda a evolução tecnológica.

Todas essas mudanças recriaram nossa eficiência em internar, alimentar e medicar os


pacientes. A evolução dos próprios equipamentos e produtos que participam de todo o
cluster mudou a lógica e a área física dos bastidores - como, por exemplo: a evolução
dos equipamentos de cozinha possibilitou novos métodos de cocção, as novas
soluções de revestimento e uso dos espaços modificaram os tempos de transporte
interno, a evolução das fibras têxteis mudou a relação com a lavanderia, minimizando
custos e desperdícios, a evolução dos equipamentos de higiene permitiu um tratamento
de piso mais eficiente entre tantas outras mudanças. O próprio material usado para
bancadas, pias, móveis, objetos, cubas, entre outros mudaram e continuam em
constante evolução, facilitando a higienização com porosidade nula e emendas
imperceptíveis.
Estas evoluções criaram novos processos, modificaram os indicadores de desempenho
operacional, de tempo, das atividades, e seus respectivos custos.

Tudo isso, empurra a área de hotelaria dos hospitais para nosso século, e nos obriga,
enquanto gestores, a atualizar a nossa forma administrar para conseguirmos continuar
atendendo aos nossos clientes.

Na área assistencial, também verificamos produtos que tentam recriar um ambiente de


saúde diferente, ainda que seja apenas para descaracterizar o ambiente hospitalar.
Encontramos disponíveis no mercado, produtos como monitores de sinais vitais com
detalhes estampados no próprio equipamento, esterilizador de ar que serve como
abajur e não lembra de forma alguma um equipamento de hospital, assim como na
linha pediátrica, ambiente com estilo e design concebidos para criar novos cenários.
Até mesmo nos pequenos objetos, como bandejas com temas infantis, uniformes da
equipe de multiprofissional pediátrica com cores e desenhos temáticos e até mesmo,
por exemplo, nebulizadores que vem com bichinhos de borracha atóxica acoplada no
bocal.

Serviços X Serviços

A área de serviços pode ser entendida por seus gestores com características muito
parecidas entre si. A área de serviços tem na área de atendimento seu mais profundo
contato, pois o cliente compara a percepção dos serviços recebidos com suas
expectativas de consumo.
Para tanto, temos que entender alguns pontos cruciais que caracterizam as áreas de
serviço:

- A não estocabilidade: Este conceito deve ser entendido pelo gestor como a inexistência da
possibilidade de acumular seus serviços, diferentemente da área industrial. Um período de
baixas em vendas na indústria, ainda é possível administrar a produção a fim de regular o
binômio oferta X demanda. Nos serviços, isso infelizmente não é possível. Apartamentos, leitos,
vagas de estacionamento, assentos em restaurantes não são estocáveis e obviamente, o tempo
em que estão vazios não geram receitas e nem possibilitam acumular para uma época em que
tenha maior demanda que a oferta.
- A subjetividade e intangibilidade: Serviços são ofertados e o valor percebido pelo cliente, na
maioria das vezes, depende muito de suas percepções. Os serviços são consumidos ao mesmo
tempo em que são fornecidos e a intensidade e extensão do contato pode ser considerada como
fatores relevantes para percepção dos mesmos. Ou seja, devido ao fato dos serviços precisarem
da presença do cliente para ser produzido.
- Produtos e Serviços têm papéis distintos. Ocorrem situações onde produtos são oferecidos
dentro dos serviços e nestes casos, estocabilidade, prazo de validade e qualidade da matéria
prima, que são diretamente atributos do produto, são avaliados pelo cliente como parte da
prestação dos serviços. Podemos dar como exemplo, os amenities (sabonetes, xampus e
condicionadores) que ficam em muitos hotéis e hospitais, dentro do banheiro do apartamento, as
amostras grátis de medicamentos fornecido pelos médicos, o bloco de anotações e as canetas
colocadas no criado mudo ao lado do leito, os produtos de frigobar, etc.
- O valor ofertado e o valor percebido que de alguma maneira já comentamos, e, na hotelaria
hospitalar é tão comum de percebermos. Ao analisar a pesquisa de satisfação do cliente nos
hospitais, muitas vezes encontramos reclamações de clientes sugerindo a existência de serviços
que já existem no hospital, mas que não perceberam ou ninguém ofereceu. Muitas vezes o
cliente precisa de alguma ajuda para saber que precisa de determinado serviço, ou, de fato não
espera que um hospital ofereça tais condições.
- É possível classificarmos os serviços que oferecemos no hospital como de maior objetividade e
de menor objetividade. Por exemplo, oferecer lava rápido agregado ao serviço de
estacionamento. Apesar de ser um serviço, é mais objetivável que um serviço prestado na
fisioterapia ou pela limpeza concorrente no apartamento. Ou seja, quando o produto não é
objetivável, o seu desempenho depende de percepções do cliente. Estas percepções poderão
-
estar ligadas as suas expectativas, que poderão ter sido criadas através de experiências
anteriores ou pelo preço praticado.
- A extensão do contato e a intensidade do contato são itens que também deverão ser levados em
consideração. Para alguns serviços, a extensão do contato não deve ser alta, pela própria
natureza do serviço prestado. Uma recepção de Pronto Socorro, um caixa de estacionamento
será mais bem avaliado pela sua rapidez no contato e eficácia na prestação do serviço. O
mesmo pode não ser verdade em uma consulta médica ou no serviço de alimentação, onde a
intensidade do contato do cliente com o médico e com a nutricionista é valorizado e percebido
positivamente pelo cliente. Da mesma forma, a intensidade poderá ser aumentada ou diminuída,
dependendo da percepção do recepcionista ou camareira, onde muitas vezes parte do cliente
um pedido não verbal de intensidade do contato. Claro que para isso, a equipe deverá estar bem
treinada para saber o tempo que poderá ser gasto e quais assuntos poderá abordar com o
cliente.

Um dos primeiros contatos do cliente com o hospital é o atendimento recebido através


de um balcão de atendimento- esteja na internação eletiva, na área de exames, de
diagnóstico, ambulatórios, laboratórios, no pronto socorro entre outros.

O saguão de recepção deve oferecer ao cliente um a atmosfera agradável em suas


dimensões, decoração adequada e profissional treinado nas burocracias de
autorizações para internação e assinaturas de termos e documentos, mas ao mesmo
tempo, preparado para o acolhimento e para a humanização. Além disso, o ambiente
deve estar protegido contra excesso de ruídos, possuir boa iluminação, climatização e
placas de sinalização de fácil visualização e entendimento. Cada balcão deve ser
proporcional em tamanho e adequado para que se destina, conforme o volume de
público que pretenda atender.

Por exemplo, o balcão da Recepção Central, que em um hotel, centraliza quase que
toda a operação no recebimento dos clientes, em um hospital serve principalmente
para a triagem do público. Pode estar localizado antes da área de internação e é nesta
recepção que o recepcionista irá triar o paciente eletivo, dos acompanhantes,
visitantes, médicos, fornecedores e prestadores de serviços. É neste balcão que
normalmente se dá o acesso ao prédio, entregando aos que chegam um crachá de
identificação, conforme o lugar e o objetivo da entrada de cada um, fotografando e
restringindo o acesso. O uso de catracas e a forma de restrição ao acesso ao prédio
têm sido potencializados com a tecnologia do circuito fechado de televisão (CFTV) e
controles de acesso a determinadas áreas como, por exemplo, centro cirúrgico,
berçário e UTIs.

Desta forma, agrega, por meio de profissionalização dos processos de trabalho, uma
nova metodologia de mensuração das atividades e desenvolve as melhores práticas na
prestação de serviços das áreas de apoio.

Resultados medidos nos últimos anos demonstram que esta área é capaz de otimizar o
serviço assistencial, liberando o setor de enfermagem das tarefas não assistenciais.
As pesquisas na área dão conta que em hospitais com um modelo que não contemple
a área de hotelaria hospitalar, as demandas assistenciais podem chegar a
aproximadamente 25% do tempo útil da equipe de enfermagem. Por outro lado, nos
hospitais com a gestão de hotelaria hospitalar implantada se consegue reformular e
beneficiar os indicadores assistenciais, evitar retrabalho e liberar a equipe de
enfermagem para aquilo que melhor desempenha – estar mais próximo das
necessidades dos pacientes e de seus cuidados assistenciais.

• Marcelo Boeger

Presidente da Sociedade Sul Americana de Hotelaria Hospitalar.


Administrador de Empresas e Mestre em Hospitalidade pela Universidade Anhembi Morumbi e Turismo e
Gestão Ambiental pela UNIBERO.
Sócio e Consultor da Empresa Hospitallidade Consultoria.
Professor do Senac, UnB, USC e coordenador do curso em Hotelaria Hospitalar do Instituto de Ensino e
Pesquisa do Hospital Albert Einstein.

Autor e organizador dos livros:


- Manual de Especialização em Hotelaria Hospitalar – Hospital Albert Einstein – Ed. Manole, 2011.
- Hotelaria Hospitalar: Gestão em Hospitalidade e Humanização- Ed. Senac, 2009.
Publicações:

Manual de Especialização em Hotelaria Hospitalar


Hospital Albert Einstein – Editora Manole
Prof. Marcelo Boeger

Descrição
Hotelaria Hospitalar é o primeiro volume da série Manuais de Especialização Einstein e pretende servir
de material de apoio na capacitação de gestores em hotelaria hospitalar.
A obra foi coordenada pelo Prof. Marcelo Boeger e desenvolvida pelos professores do curso de
especialização latu sensu do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein. Estruturado em oito
capítulos, abrange as disciplinas de maior relevância técnica e de maior carga horária do curso.
O campo da hotelaria hospitalar ultrapassa as questões relativas à qualidade dos serviços prestados em
um hospital. Este livro evidencia a importância da hospitalidade no cuidado médico e do acolhimento do
paciente e sua família. A série Manuais de Especialização Einstein, organizada pelo IIEPAE, aborda os
temas dos cursos de especialização da instituição e objetiva promover um atendimento intra-hospitalar
humanizado e de qualidade, acompanhando as transformações das ciências da saúde com a divulgação
de conhecimento científico atualizado.
Hotelaria Hospitalar: Gestão em Hospitalidade e Humanização

Ed. Senac - Prof. Marcelo Boeger

Sinopse
Existe uma maneira enfática de transformar a vida dentro de um hospital,
possibilitando, assim, a plena recuperação do doente? Nesse livro, o autor diz
que sim. Para ele, o conceito da hotelaria hospitalar está baseado na vida,
por meio da construção de um ambiente saudável e acolhedor. Para isso faz-
se necessária uma importante mudança nos hospitais, com o fim dos
corredores brancos e da burocracia e com a especialização dos funcionários.

Nesta obra discute-se processos de admissão, internação, hospedagem e alta


do cliente de saúde e sua consequente relação com as práticas de
hospitalidade comercial.

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