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CAPÍTULO 3

AS DESPROPORÇÕES

Descartada a hipótese do subconsumo, como causa da crise, e procurando manter o


enfoque nas dificuldades de realização do valor produzido - crises de realização, na
nomenclatura de Sweezy - este capítulo passa a analisar as crises como sendo provocadas por
desproporções na distribuição do capital social.

Embora alguns dos principais trabalhos que caracterizam esta vertente tenham sido
publicados antes dos de Rosa Luxemburgo, a hipótese das desproporções foi formulada
justamente para criticar as teorias que afirmam a impossibilidade da realização do valor
produzido, na economia capitalista. A vertente das desproporções retoma os esquemas de
reprodução, salientando que eles demonstram a possibilidade da realização, desde que certas
condições de equilíbrio sejam respeitadas, e não a impossibilidade, como afirmavam as teses
subconsumistas. A partir disto, uma outra explicação deveria ser encontrada para o aparecimento
recorrente de crises de superprodução. É daí que nasce a hipótese das desproporções, ou seja, a
não ocorrência das condições de equilíbrio nos esquemas de reprodução , como causa das crises
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de realização.

Este capítulo se baseia nas idéias de dois dos principais autores desta vertente: Tugán-
Baranovsky e Hilferding. O primeiro não pode ser classificado como um marxista, por motivos
que serão destacados adiante, mas exerceu forte influência sobre o chamado austromarxismo e,
por isso, merece destaque como adepto deste tipo de interpretação. Hilferding, por sua vez, é
um dos mais destacados autores do pensamento marxista. Ele aceitou a hipótese das
desproporções como causa da crise. No entanto, distingue-se por procurar identificar alguns
fatores que expliquem a perturbação da desproporcionalidade. Para isso, Hilferding destacou o
papel exercido pelo mecanismo de ajuste de preços. Apesar das particularidades, estes dois
autores defendem a desproporcionalidade como causadora da crise.

1 Ureña ( 81, pág. 158-159 ) discute dois conceitos alternativos de desproporcionalidade. Um se refere a desvios
da condição de equilíbrio, enquanto que o outro está ligado à necessidade do desequilíbrio, dado o maior
crescimento relativo do Departamento que produz meios de produção. Ao longo deste capítulo será utilizado o
primeiro conceito.
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Antes de analisar o pensamento de cada um deles, é preciso entender o que é uma


desproporção. Para tanto, é retomado o estudo dos esquemas de reprodução, utilizado no
princípio do capítulo anterior. Naquele, procurava-se apenas apresentar o entendimento que
Rosa Luxemburgo faz dos mesmos; neste capítulo, por outro lado, pretende-se estudá-los com a
finalidade de entender a relação entre realização e condições de equilíbrio (proporcionalidade).

3.1 - OS ESQUEMAS DE REPRODUÇÃO E AS DESPROPORÇÕES

Nesta seção, retoma-se o estudo da reprodução do capital, procurando fornecer uma


forma algébrica geral para os exemplos dados por Marx. Tanto para a reprodução simples,
quanto para a ampliada, serão derivadas as condições de equilíbrio, de forma a entender suas
relações com o processo de realização.

3.1.1 - A reprodução simples

O esquema de reprodução simples se caracteriza pelo fato de que toda a mais-valia


apropriada pelos capitalistas é gasta em consumo improdutivo; não há acumulação.
Representando a produção de meios de produção por w1 e a produção de bens de consumo por
w2, pode-se apresentar o esquema de reprodução da seguinte forma:

(I) w1 = c1 + v1 + m1

(II) w2 = c2 + v2 + m2

Desta maneira, o valor da produção de meios de produção w1 é composto pela parcela


transferida do capital constante c1 mais o trabalho novo gerado v1 + m1. A produção de bens de
consumo w2 se decompõe em c2 ( valor transferido ) mais v2 + m2 (trabalho novo). Portanto,
esta economia deve realizar w1, decomposto em c1 + v1 + m1, e w2, que equivale a c2 + v2 +
m2, para poder completar o processo de realização. Em outras palavras, devem ser demandados
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w1 de meios de produção e w2 de bens de consumo para que a demanda consiga realizar


exatamente a oferta gerada. Nos termos da linguagem tradicional, a condição de equilíbrio desta
economia deve garantir que oferta e procura se igualam nos dois departamentos. Assim
ocorrendo, os capitalistas realizarão todo o valor que necessitam para repor as condições
materiais de um novo período de produção.

Inicialmente, atente-se para o Departamento (I). O valor produzido é de w1, decomposto


em c1 + v1 + m1. Como ele produz meios de produção, sua demanda se define pelos capitalistas
que desejam recompor as condições materiais de produção. Assim, os capitalistas do próprio
Departamento (I) demandarão c1 e os capitalistas de (II) consumirão c2, de forma que a
demanda total por meios de produção é c1 + c2. De acordo com a condição de equilíbrio, oferta
e demanda de meios de produção têm que se igualar, para realizar todo o valor produzido.
Assim, tem-se que:

oferta (I) = demanda (I)

w1 = c1 + c2

c1 + v1 + m1 = c1 + c2

(1) v1 + m1 = c2

A expressão (1) é a condição de equilíbrio da reprodução simples. Para que oferta e


demanda de meios de produção se igualem, o valor do capital constante do Departamento (II)
tem que ser igual ao trabalho novo gerado por (I). Esta expressão já foi deduzida no capítulo
anterior. A diferença está em que, neste momento, obteve-se a expressão por mera manipulação
matemática, a partir da imposição de uma hipótese de oferta igual à demanda. Anteriormente,
analisou-se o processo de realização por etapas, até obter a igualdade correspondente a (1),
demonstrando que a condição de equilíbrio é um resultado de uma demanda suficiente para
garantir a total realização do valor, e não um ponto de partida, como o manejo puramente
matemático induz a interpretar.

Qual o significado dessa expressão? Uma vez realizadas as trocas internas aos
departamentos, isto é, quando os capitalistas de (I) realizam internamente o correspondente a c1,
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e os trabalhadores e capitalistas de (II) compram bens de consumo do próprio Departamento


(II), a economia só conseguirá realizar todo o valor produzido se as trocas entre os
departamentos forem equivalentes. Para que a oferta e a demanda dos dois departamentos sejam
iguais, é necessário que o valor produzido em (I), que não é demanda de (I), m1 + v1, seja igual
ao valor produzido em (II), que não será gasto no próprio Departamento (II), c2. É exatamente
isto que a expressão (1) representa: para que a economia funcione equilibrada
(proporcionalmente), as demandas entre os departamentos devem ser iguais. Caso contrário, se
c2 ¹ v1 + m1, define-se uma situação de desproporcionalidade.

A partir desta situação, podem ser definidas duas hipóteses:

(2) c2 > v1 + m1

(3) c2 < v1 + m1

Em (2), produziu-se mais valor no Departamento (II) do que foi demandado; ocorreu
uma superprodução de bens de consumo. Por outro ângulo, pode-se dizer também que foi
produzido menos valor no Departamento (I) do que foi demandado, definindo uma produção
insuficiente de meios de produção. Em (3), ocorre o contrário: superprodução de meios de
produção e produção insuficiente de bens de consumo. Por isso, as hipóteses (2) e (3) definem
uma situação de desproporção na distribuição do capital social. Na situação (2), existe capital
em excesso no Departamento (II), e ele é escasso em (I). Em (3), ocorre o inverso.

A proporcionalidade no processo de realização é definida pelo estabelecimento da


condição de equilíbrio do esquema de reprodução. Se esta última não ocorrer, define-se a
desproporcionalidade.

A mesma condição de equilíbrio pode ser obtida a partir do Departamento (II). O valor
produzido por este é w2, que se desdobra em c2 + v2 + m2. Sua demanda é composta por todas
as demandas de bens de consumo. Os trabalhadores de (I) e (II) gastarão seus salários em bens
de consumo, e os capitalistas de (I) e (II) também utilizarão os montantes de mais-valia para
consumo improdutivo, já que se trata da reprodução simples. Assim, como foi feito para (I),
tem-se que o valor produzido por (II) será totalmente realizado se oferta e procura por bens de
consumo se igualarem:
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oferta (II) = demanda (II)

w2 = v1 + m1 + v2 + m2

c2 + v2 + m2 = v1 + m1 + v2 + m2

(4) c2 = v1 + m1

Note-se que as expressões (1) e (4) são a mesma e, portanto, possuem o mesmo
significado. Isto não poderia ser diferente, já que nesta economia hipotética, existem apenas dois
departamentos e, se um deles está em equilíbrio, conseqüentemente o outro também estará.

Todas essas relações podem ser resumidas na seguinte matriz : 2

vendas\ I II VBP
compras
I c1 c2 c1+c2
II v1+m1 v2+m2 v1+m1+
v2+m2
VBP c1+v1+ c2+v2+ w1+w2
m1 m2

Nessa matriz, as linhas representam as vendas que os departamentos efetuam e as colunas


as respectivas compras (demandas). Assim, o primeiro quadrante representa o valor vendido por
(I) e demandado por ele próprio: c1. O terceiro quadrante representa o valor produzido por (II),
e que é demandado por (I), o que corresponde a v1+m1. O restante da matriz é preenchido da
mesma forma. O interessante desta formulação é que ela permite observar claramente alguns
pontos importantes. Em primeiro lugar, se os quadrantes forem somados horizontalmente,

2 O estudo que Marx fez sobre a reprodução do capital social já havia sido empreendido, com outros objetivos, por
Quesnay em seu Tableau Économique. Da mesma forma, a matriz insumo-produto de Leontief, de elaboração
mais atual, também procura captar as relações entre setores. É mister, no entanto, ressaltar as diferenças entre as
abordagens. Enquanto a matriz insumo-produto é elaborada de acordo com coeficientes técnicos de produção, os
esquemas de Marx estudam o movimento do capital com unidade entre valor e valor de uso. Além disso, a matriz
insumo-produto é geralmente utilizada para cálculos de renda ( valor agregado ), enquanto Marx ressalta o valor
bruto da produção, o que inclui o valor transferido pelo capital constante.
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obtém-se o valor das demandas dos dois departamentos: c1+c2 para (I) e v1+m1+v2+m2 para
(II). A coluna ( linha ) que representa o valor bruto da produção define a demanda ( oferta ) total
da economia. Para que todo o valor produzido seja realizado, a demanda total tem que ser igual
à oferta total da economia, que equivale a w1+w2.

Note-se também que a condição de equilíbrio se define pela igualdade entre o segundo e
o terceiro quadrante ( c2 = v1 + m1 ). Este esquema define a proporcionalidade na distribuição
do capital social por esta igualdade.

3.1.2 - A reprodução ampliada

A acumulação é a principal característica da reprodução ampliada. Os capitalistas


repartem a mais-valia em duas frações. Com uma eles demandam bens de consumo e, com a
outra, eles reinvestem em capital constante e capital variável, ou seja, acumulam. Mantendo a
representação simbólica utilizada para a reprodução simples, e dividindo a mais-valia em uma
fração (ms) a ser consumida improdutivamente, em outra (mc) a ser acumulada em capital
constante, e uma última (mv) a ser reinvestida em capital variável, o esquema de reprodução
ampliada pode ser assim apresentado:

(I) w1 = c1 + v1 + mc1 + mv1+ ms1

(II) w2 = c2 + v2 + mc2 + mv2 + ms2

Antes, na reprodução simples, o valor da produção dos dois departamentos era


constituído por três parcelas. Agora, na reprodução ampliada, a mais-valia se desdobra em uma
fração a ser utilizada para consumo improdutivo, e outra a ser acumulada ( mv + mc ).

Isso constitui o valor que foi produzido. O processo de realização do valor se dá pelo
estabelecimento das demandas de cada departamento. Desta maneira, a demanda de
Departamento (I) é constituída pela demanda por meios de produção. Esta última é composta
por c1 + c2, assim como na reprodução simples, que garante a reposição material de meios de
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produção, e também pelas parcelas correspondentes à acumulação em capital constante de (I) e


(II). Para que ocorra a total realização do valor produzido em meios de produção, oferta e
demanda têm que ser iguais:

oferta (I) = demanda (I)

w1 = c1 + c2 + mc1 + mc2

c1 + v1 + mc1 + mv1 + ms1 = c1 + c2 + mc1 + mc2

(5) v1 + mv1 + ms1 = c2 + mc2

Esta expressão (5) é a condição de equilíbrio ( proporcionalidade ) da reprodução


ampliada.

Qual a diferença entre as condições de equilíbrio da reprodução simples e da reprodução


ampliada? Qual a diferença entre as expressões (5) e (1)? Uma comparação entre as duas se faz
necessária.

Observando as duas expressões

(1) c2 = m1 + v1

(5) c2 + mc2 = v1 + mv1 + ms1

é fácil notar uma diferença em termos quantitativos. Manipulando um pouco as expressões,


obtém-se:

(1') c2 = mc1 + mv1 + ms1 + v1

(5') c2 = v1 + mv1 + ms1 - mc2


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Percebe-se claramente que c2 de (5') é menor que c2 de (1'). Para obter (5'), basta
diminuir ( mc1 + mc2 ) de (1'). Portanto, (1') é maior que (5'). O que significa isto? Dizer que a
parcela que repõe o capital constante do Departamento (II) tem que ser menor na reprodução
ampliada, é o mesmo que afirmar que uma parcela da produção de meios de produção, que era
demandada anteriormente por (II), deve ser deslocada para atender as necessidades de
acumulação de (I). O departamento (II) não pode mais comprar o que restou de meios de
produção, depois que o Departamento (I) recompuser seu capital constante. Existe agora, na
reprodução ampliada, uma parcela desse resto que será acumulada por (I). É por isso que se
estabelece uma diferença quantitativa entre as condições de equilíbrio (proporcionalidade ) . 3

Qualquer um que acredite no esgotamento da análise pela comparação quantitativa


concluiria que as duas condições de proporcionalidade são completamente distintas. Contudo, se
for feita uma comparação qualitativa, ficará evidente que as duas condições possuem o mesmo
significado. Como visto, a condição de equilíbrio da reprodução simples afirma que, para que
todo o valor produzido seja realizado, o valor que é produzido por (I) e demandado por (II), no
montante de c2, deve ser igual ao valor produzido por (II) e consumido por (I), equivalente a v1
+ m1. As trocas entre os departamentos devem ser iguais. Da mesma forma, a condição de
proporcionalidade da reprodução ampliada afirma que todo o valor produzido por (I), que não é
consumido internamente ( v1 + mv1 + ms1 ), deve ser igual ao valor produzido por (II) e
demandado por (I): c2 + mc2. As demandas entre os departamentos devem ser iguais para que
todo o valor produzido seja realizado. Apesar de serem quantitativamente diferentes, as
condições de equilíbrio da reprodução simples e da reprodução ampliada possuem o mesmo
significado. Aliás, é exatamente por isso que elas se definem como condições de equilíbrio
( proporcionalidade ).

A mesma condição de equilíbrio da reprodução ampliada pode ser obtida a partir do


Departamento (II). A oferta de bens de consumo é constituída por c2 + v2 + mc2 + mv2 + ms2,
e a demanda pela procura dos trabalhadores e pelo consumo improdutivo dos capitalistas,
totalizando v2 + mv2 + ms2 + v1 + mv1 + ms1. Igualando as duas, obtém-se o seguinte:

oferta (II) = demanda (II)

3 Recorde-se do capítulo anterior que, para que a acumulação se processasse, o valor novo gerado por (I) tinha
que ser maior que o valor transferido por (II), isto é, c2 < v1 + m1.
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w2 = v2 + mv2 + ms2 + v1 + mv1 + ms1

c2 + v2 + mc2 + mv2 + ms2 = v2 + mv2 + ms2 + v1 + mv1 + ms1

(6) c2 + mc2 = v1 + mv1 + ms1

Como se observa, as expressões (6) e (5) são a mesma. A condição de proporcionalidade


pode ser obtida tanto a partir de (I) como de (II).

Da mesma forma que na reprodução simples, e mantendo as restrições feitas quanto à


comparação, o argumento pode ser todo resumido na seguinte matriz:

V\C I II VBP
I c1+mc1 c2+mc2 c1+mc1+c2
+ mc2
II v1+mv1 v2+mv2 v1+mv1
+ms1 +ms2 +ms1+v2
+mv2 +ms2
VBP c1+v1+mc1 c2+v2+mc2 w1+w2
+mv1 +ms1 +mv2+ms2
onde: V representa as vendas e C as compras

As linhas da matriz continuam representando as vendas dos departamentos e as colunas


suas demandas. Os quadrantes representam o "cruzamento" de vendas e compras. Assim, o
primeiro quadrante, por exemplo, mostra que o Departamento (I) compra de si mesmo o
equivalente à reposição de meios de produção, mais o referente à acumulação em capital
constante, isto é, c1 + mc1. Da mesma forma que na matriz da reprodução simples, a soma
horizontal dos quadrantes fornece a demanda dos departamentos: c1 + mc1 + c2 + mc2 para (I)
e v1 + mv1 + ms1 + v2 + mv2 + ms2 para (II). A soma vertical resulta na oferta dos dois
departamentos. Percebe-se, também pela matriz, que a demanda total (última coluna) deve ser
igual à oferta total ( última linha ) para que todo o valor produzido ( w1 + w2 ) seja realizado.
Essa situação é resumida pela condição de proporcionalidade da distribuição do capital social,
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expressa em (5) e (6), e representada pela igualdade entre o segundo quadrante ( c2 + mc2 ) e o
terceiro (v1 + mv1 + ms1 ).

Com este estudo preliminar, pode-se entender o significado das (des)proporções na


distribuição do capital, que será o elemento principal das abordagens analisadas adiante.

3.2 - A ÊNFASE DE TUGÁN-BARANOVSKY NA ANARQUIA DA PRODUÇÃO

Mikhail Tugán-Baranovsky desenvolveu suas idéias sobre a realização da produção em


dois trabalhos: Estudos sobre a Teoria e a História das Crises Comerciais na Inglaterra e
Fundamentos Teóricos do Marxismo.

A partir deles é que esta seção procura entender a causa da crise, dentro do pensamento
deste autor. Ele interpretou os esquemas de reprodução de Marx procurando demonstrar que o
sistema capitalista pode realizar a mais-valia e, portanto, se desenvolver em reprodução ampliada
sem problemas de realização. Assim, dado que é possível a realização, os desequilíbrios e crises
só podem ser provocados por desproporções. Desta forma, se o sistema capitalista continua
desenvolvendo-se, de uma forma ou de outra, as teorias do colapso, que se baseiam ou no
subconsumo ou na lei da queda tendencial da taxa de lucro, seriam falsas.

Para Tugán-Baranovsky, Marx e Engels tinham que demonstrar a impossibilidade


econômica do capitalismo para defender a inevitabilidade da passagem para o socialismo. Nesse
4

sentido, o núcleo teórico do pensamento de Marx, segundo Tugán-Baranovsky, está na


insuficiência de "saídas" para a produção capitalista e na lei da queda tendencial da taxa de
lucro. Esse caráter subconsumista, não só de Marx, mas de todo o pensamento marxista, os
aproximaria de outras matrizes teóricas que defendem a idéia de que a produção social é uma
atividade econômica, que serve para satisfazer a necessidade social de bens de consumo.

Ao contrário de tudo isso, Tugán-Baranovsky baseia seu pensamento, a respeito da


relação consumo-acumulação, nas duas premissas básicas seguintes. Em primeiro lugar, a
produção social se compõe de meios de produção e bens de consumo - e não apenas destes

4 "Desde el punto de vista de la concepción materialista de la historia todo el proceso social es determinado por el
econômico." ( Tugán-Baranovsky, in Colletti (78), pág. 242 - o itálico não é original ). As críticas a esta
interpretação economicista do pensamento de Marx são mais do que conhecidas. Para alguns textos clássicos
sobre o assunto, ver Kosik (95) e Lefebvre (91).
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últimos como entendiam a economia clássica e o caráter subconsumista do pensamento de


Marx . Logo, a mais-valia é gasta tanto em consumo como em meios de produção.
5

Em segundo lugar, o autor em questão frisa que a satisfação das necessidades sociais não
é o objetivo da produção capitalista. Isto fica claro quando ele afirma que:

"Desde el punto de vista del empresario capitalista, el obrero es un medio de producción,


exactamente igual que el instrumento que se halla en manos del obrero o que la máquina,
cuyo apêndice vivo constituye el obrero ... pero así como la obtención de material para
alimentar las máquinas no es el objetivo de la producción capitalista, tampoco la producción
de medios de vida para la clase obrera es la finalidad de la producción capitalista. " (Tugán-
Baranovsky, in Colletti (78), pág.259-260 ).

Em sua análise, Tugán-Baranovsky distingue dois grupos de sistemas econômicos. O


primeiro engloba aqueles sistemas em que o trabalhador econômico e o sujeito econômico
coincidem em uma única pessoa. Portanto, nesses sistemas, a produção obedece à satisfação das
necessidades sociais. Trata-se dos sistemas harmônicos, que se dividem em: sistema de produção
para o autoconsumo do produtor; economia de trocas e de pequenos produtores independentes,
baseada na divisão social do trabalho; e, produção socialista do futuro, onde a direção da
produção corresponde à totalidade dos produtores. A principal característica destes sistemas
harmônicos é que eles não comportam necessariamente um conflito de interesses entre as
pessoas que tomam parte do processo econômico. Por outro lado, existem os sistemas em que
sujeito econômico e trabalhador econômico não coincidem. Evidentemente, nestes sistemas,
chamados de antagônicos, já que se caracterizam pelo contraste de interesses entre os
participantes do processo econômico, a produção visa a satisfazer os interesses do sujeito
econômico. Nestes sistemas antagônicos, o sujeito econômico determina a orientação do
processo econômico, encontrando-se em situação análoga a do sujeito econômico dos sistemas
harmônicos. Diferentemente, o trabalhador do sistema antagônico funciona como mero meio de

5 Desde já, é preciso deixar claro que esta concepção de Tugán-Baranovsky, sobre a teoria de Marx, está
completamente equivocada. O fato de alguns pensadores marxistas defenderem a hipótese de subconsumo não
quer dizer que o próprio Marx o fizesse. Muito pelo contrário, é através da teoria de Marx que se pode fazer uma
crítica coerente das interpretações subconsumistas, como o capítulo anterior procurou fazer. Esta crítica fica mais
estranha ainda, quando se sabe que foi justamente Marx o primeiro a ressaltar que a produção social é composta
por bens de consumo e meios de produção.
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produção, um objeto dessa economia. Deste segundo grupo de sistemas, fazem parte o
escravismo, o feudalismo e o capitalismo.

Os sistemas escravista e feudal têm por finalidade da produção atender às necessidades


de consumo dos sujeitos econômicos. O capitalismo, de outra forma, é peculiar porque sua
finalidade se define pela valorização do capital. Nele, o capitalista não passa de um funcionário
do capital e, como tal, seu consumo está subordinado à acumulação de capital.

No pensamento de Tugán-Baranovsky, a diferença entre a economia mercantil simples e a


capitalista está na esfera produtiva, e não na troca. Para a economia capitalista, interessa a
produção de valor, não importando em que valores de uso se materializa. Isso, segundo ele,
implica em que a produção de bens de consumo tornar-se-ia dispensável, se todos os
trabalhadores fossem substituídos por máquinas. Define-se um processo de produção de
máquinas para produzir novas máquinas. Esta hipótese não provocaria nenhum problema de
realização, como defendem as teses subconsumistas, já que, se os trabalhadores são substituídos
por novos meios de produção, o consumo dos primeiros pode ser substituído pelos gastos
necessários ao funcionamento dos últimos.

A partir de tudo isto, o autor se propõe a investigar a problemática central do modo de


produção capitalista: é possível a realização do produto social, se a produção nacional cresce
mais rapidamente que o consumo? Será que os limites da produção são determinados pelo
consumo? Para ele, as respostas se encontram na análise do processo de reprodução do capital
social.

Levando em consideração que a reprodução do capital social consiste tanto na


reprodução técnica do capital em sua forma material, como na troca de seus diversos elementos,
Tugán-Baranovsky inicia sua argumentação com o esquema de reprodução simples:

(I) 720p + 360a + 360r = 1440

(II) 360p + 180a + 180r = 720

(III) 360p + 180a + 180r = 720


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O autor divide a economia em três departamentos : 6

(I) produção de meios de produção

(II) produção de bens de consumo para os trabalhadores

(III) produção de bens de consumo para os capitalistas

Ao invés de diferenciar os departamentos pelos valores de uso produzidos, como fez


Marx, Tugán-Baranovsky divide os mesmos pela natureza dos gastos. Assim, os departamentos
(I) e (III) se definem, respectivamente, pelo gasto em capital constante e pelo consumo
improdutivo dos capitalistas, enquanto que o Departamento (II) se define pelo gasto dos
operários . 7

Além disso, os símbolos utilizados por Tugán-Baranovsky são diferentes dos de Marx.
Ele representa os meios de produção por p, o correspondente dos salários por a e o referente ao
excedente por r. Tratar-se-ia de uma mera questão de preferência, se não fosse a justificativa
dada por Tugán-Baranovsky:

"En mi opinión, en la creación del plusproducto - es decir, de la renta - no hay diferencia alguna
entre la fuerza de trabajo humana y los medios de trabajo inanimados. Existe el mismo derecho
para calificar de capital variable tanto a la máquina como a la fuerza de trabajo humana, ya que
ambos producen plusproducto." (Tugán-Baranovsky, in Colletti (78), pág.263, nota 1 ).

Esta é a principal razão pela qual é problemático classificar esta autor como marxista . 8

Para ele, não existe nenhuma diferença, no processo de produção, entre o meio de produção e a
força de trabalho. Assim, da mesma forma que o pensamento neoricardiano, ele possui
dificuldades para explicar a formação do excedente, ao não perceber diferença entre os
elementos do capital produtivo, no que se refere a seus papéis na formação do valor.
6Marx também chega a dividir a economia em três Departamentos. Para isso, ele supõe uma subdivisão do Departamento (II)
em: produção de meios de subsistência necessários e produção de artigos de luxo.
7 Kalecki (90), pág. 1, faz o mesmo.
8 Aliás, ele mesmo admite na mesma nota que não se situa no campo da teoria da mais-valia de Marx.
125

Voltando ao esquema de Tugán-Baranovsky, percebe-se que ele garante a realização de


todo o valor produzido. Os meios de produção, no valor de 1440, são demandados pelos
capitalistas dos três departamentos ( 720 de (I), 360 de (II) e 360 de (III) ). Os bens de consumo
do Departamento (II) são demandados pelos trabalhadores ( 360 de (I), 180 de (II) e 180 de
(III) ). Por sua vez, a produção do Departamento (III), os bens de consumo para os capitalistas,
são totalmente realizados por 360 de (I), 180 de (II) e 180 de (III).

Assim, para que toda a produção seja realizada deve existir uma distribuição
proporcional da produção social, uma condição de equilíbrio. Em termos genéricos, tem-se:

(I) p1 + a1 + r1 = w1

(II) p2 + a2 + r2 = w2

(III) p3 + a3 + r3 = w3

Para que toda a produção seja realizada, oferta e demanda de meios de produção devem
ser iguais:

oferta (I) = demanda (I)

w1 = p1 + p2 + p3

p1 + a1 + r1 = p1 + p2 + p3

(7) a1 + r1 = p2 + p3

A expressão (7) define a condição de equilíbrio ( proporcionalidade ) do esquema de


reprodução simples, na interpretação de Tugán-Baranovsky.

Da mesma forma, oferta e demanda de bens de consumo devem ser iguais:

oferta (II) + oferta (III) = demanda (II) + demanda (III)

w2 + w3 = a1 + r1 + a2 + r2 + a3 + r3
126

p2 + a2 + r2 + p3 + a3 + r3 = a1 + r1 + a2 + r2 + a3 + r3

(8) p2 + p3 = a1 + r1

Como era de se esperar, as expressões (7) e (8) são a mesma. Essa condição de
proporcionalidade é a mesma desenvolvida no ítem 4.1.1 para a reprodução simples. A única
diferença é que, como Tugán-Baranovsky subdivide o Departamento que produz bens de
consumo, a parcela relativa à reposição dos meios de produção desse departamento também está
dividida.

O mesmo exercício, feito anteriormente, de adaptar os esquemas a uma matriz poderia


ser feito aqui. Para isso, bastaria subdividir a coluna e a linha correspondente ao Departamento
(II) em dois. Mas, neste momento, interessa apenas ressaltar a idéia do autor sobre a
proporcionalidade na distribuição do capital social, o que está descrito pelas expressões (7) e
(8).

O esquema de reprodução ampliada também é representado por Tugán-Baranovsky. Ele


supõe uma taxa de acumulação de 50%, e continua dividindo a economia em três
departamentos. O esquema é o seguinte:

Primeiro ano

(I) 840p + 420a + 420r = 1680

(II) 420p + 210a + 210r = 840

(III) 180p + 90a + 90r = 360

Segundo ano

(I) 980p + 490a + 490r = 1960

(II) 490p + 245a + 245r = 980

(III) 210p + 105a + 105r = 420


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Terceiro ano

(I) 1143,3p + 571,6a + 571,6r = 2286,6

(II) 571,6p + 285,8a + 285,8r = 1143,3

(III) 245p + 122,5a + 122,5r = 490

Se comparados os dois exemplos de Tugán-Baranovsky, referentes à reprodução simples


e à reprodução ampliada, verificar-se-á que não existe diferença no valor bruto produzido na
economia, durante o primeiro período. Nos dois casos, ele é de 2880. A única diferença entre os
dois é a distribuição desigual da produção social. No segundo exemplo, que representa a
reprodução ampliada, a acumulação de capital é um requisito. Por isso, a produção total de
meios de produção ( 1680 ) tem que ser maior que a sua demanda ( p1 + p2 + p3 = 1440 ) para
reposição das condições de produção. Isto permitirá uma demanda adicional de meios de
produção, garantindo a acumulação, de 240. A produção de bens de consumo para capitalistas é
menor no exemplo da reprodução ampliada ( 360 ) exatamente porque os capitalistas reduzem o
consumo individual para acumular. Por seu turno, a produção de bens de consumo para
trabalhadores é maior no exemplo da reprodução ampliada ( 840 ), de forma a garantir os bens
necessários para o acréscimo de trabalhadores na produção.

Os períodos de produção subseqüentes são construídos de modo a garantir a acumulação


de 50% do excedente, conforme a hipótese do autor. O importante a ser notado é que a
produção de meios de produção e bens de consumo para trabalhadores sofre uma acréscimo
( 360 ), equivalente à redução da produção de bens de consumo para capitalistas ( 360 ),
demonstrando que a diferença entre a reprodução simples e a ampliada está na distribuição do
capital social. Esta conclusão possibilita a Tugán-Baranovsky afirmar que a demanda de
mercadorias é independente do consumo social, entendendo este como consumo apenas de bens
finais. Isto ocorre porque, mesmo que o consumo social diminua, a demanda total por
mercadorias pode ficar inalterada, ou até mesmo aumentar, dependendo da proporção em que
cresce a demanda por meios de produção. Como diz o autor, " los esquemas citados debían
probar ... el principio de que la producción capitalista se crea un mercado para sí misma. "
( Tugán-Baranovsky, in Colletti (78), pág.269 ). No limite, com a total substituição do homem
128

pela máquina, no processo produtivo, o processo de realização dar-se-ia apenas para realizar os
elementos necessários para operar esses meios de produção.

Toda essa argumentação é feita no sentido de demonstrar a falsidade dos argumentos


subconsumistas. Para torná-la ainda mais forte, Tugán-Baranovsky construiu um outro exemplo,
assumindo hipóteses que, como ele mesmo afirmou, constituiam o caso mais "desfavorável" para
ele, isto é, constituiam uma situação onde todas as premissas subconsumistas eram observadas.
As hipóteses são:

a) a acumulação do capital se dá com uma queda constante e significativa dos salários, sem
aumento compensador do consumo capitalista.

b) a massa salarial diminui 25% por ano

c) a mais-valia se divide em 25% para acumulação e 75% para consumo improdutivo ( taxa de
acumulação de 25% ).

Os esquemas são os seguintes:

Primeiro ano

(I) 1632p + 544a + 544r = 2720

(II) 408p + 136a + 136r = 680

(III) 360p + 120a + 120r = 600

Segundo ano

(I) 1987,4p + 496,8a + 828,1r = 3312,3

(II) 372,6p + 93,2a + 155,2r = 621

(III) 360p + 90a + 150r = 600

Terceiro ano

(I) 2585,4p + 484,6a + 1239r = 4309


129

(II) 366,9p + 68,9a + 175,5r = 611,3

(III) 360p + 67,5a + 172,5r = 600

Como se pode notar por esse exemplo, apesar da queda da demanda por bens de
consumo e da rápida expansão da produção social, não resulta nenhum valor excedente incapaz
de ser realizado. Toda a produção é realizada. O valor de 2720 produzido por (I) é realizado
pela demanda de meios de produção do segundo ano ( 1987,54 + 372,6 + 360 ), e a produção de
bens de consumo, tanto para trabalhadores como para capitalistas, também é totalmente
realizada. Dessa maneira, " este esquema está destinado a mostrar de qué manera debe
distribuirse la producción para que, a pesar del descenso del consumo social y de la rápida
expansión de la producción social, no resulte un producto excedente impossible de vender."
( Tugán-Baranovsky, in Colletti (78), pág.254 ). A constante diminuição do consumo social não
é capaz de provocar a menor perturbação do processo de valorização do capital porque o
consumo produtivo toma o lugar do improdutivo.

No entanto, Tugán-Baranovsky afirma que o esquema de reprodução ampliada também


necessita de uma dada distribuição ( proporção ) do capital social, para que se realize todo o
valor produzido. Embora o autor não o tenha feito de forma esquemática, a apresentação de
uma forma algébrica geral ajudará a comparar os resultados obtidos anteriormente, quando
assumia-se uma economia dividida em dois Departamentos.

Representando a reprodução ampliada com o seguinte esquema genérico, tem-se:

(I) p1 + a1 + rp1 + ra1 + rs1 = w1

(II) p2 + a2 + rp2 + ra2 + rs2 = w2

(III) p3 + a3 + rp3 + ra3 + rs3 = w3

onde, rp é a parcela do excedente acumulada em meios de produção, ra se refere aos salários dos
trabalhadores adicionais, e rs ao consumo improdutivo dos capitalistas.

Para que toda a produção de meios de produção seja realizada, oferta e demanda têm
que ser iguais:
130

oferta (I) = demanda (I)

w1 = p1 + p2 + p3 + rp1 + rp2 + rp3

p1 + a1 + rp1 + ra1 + rs1 = p1 + p2 + p3 + rp1 + rp2 + rp3

(9) a1 + ra1 + rs1 = rp2 + rp3 + p2 + p3

A expressão (9) é a condição de proporcionalidade ( equilíbrio ) na distribuição do


capital social, para a reprodução ampliada. Ela representa o fato de que, para realizar todo o
valor produzido, a demanda por meios de produção dos departamentos que produzem bens de
consumo tem que ser equivalente à demanda por bens de consumo do Departamento (I),
produtor de meios de produção; as trocas entre os departamentos devem ser iguais.

Essa mesma expressão (9) poder obtida igualando a oferta e a demanda por bens de
consumo. O importante a destacar é que se trata da mesma expressão (5) e (6), com a única
diferença que Tugán-Baranovsky subdivide o Departamento (II) e, portanto, a necessidade
externa de meios de produção se divide em duas partes ( p2 + rp2 e p3 + rp3 ).

Mas, se mesmo com a redução de demanda por bens de consumo é possível realizar toda
a produção, o que provoca as crises? Essa noção no pensamento de Tugán-Baranovsky fica mais
intrigante, quando ele próprio afirma, a respeito da Lei dos mercados de Say: "Sin embargo,
considero que la médula de esta teoria, su idea principal - la de que, en una distribución
proporcional de la producción social, la oferta de mercancías debe coincidir con la demanda - no
sólo es correcta, sino incluso indiscutible." ( Tugán-Baranovsky, in Colletti (78), pág.271-272,
nota 2 ). Qual a causa da crise para Tugán-Baranovsky?

O autor faz questão de ressaltar que se o investimento total for distribuído entre os
departamentos de acordo com o crescimento da demanda pelos produtos de cada um deles, o
que requer uma movimentação de capitais ( concorrência ) que acompanhe a da demanda, não
haverá problema de realização. Portanto, se houver algo na economia capitalista que não garanta
essa proporcionalidade, ocorre o problema de realização, a crise. Tugán-Baranovsky afirma
ainda que a sociedade capitalista possui a contradição fundamental entre a produção como uma
forma de satisfazer as necessidades humanas e a produção como um fim em si mesma. Isto por si
131

só já descola os condicionantes da oferta dos da demanda. Não bastasse isso, a organização


individual da produção e a anarquia da produção social formam uma segunda contradição, que
impede a movimentação dos capitais frente a alterações de demanda, o que provoca as
desproporções e, portanto, as crises.

A pura falta de um planejamento da produção social já fornece, segundo seu argumento,


a possibilidade da crise. As duas contradições ressaltadas por Tugán-Baranosky tornam as
desproporções, que causam as crises, como uma necessidade do desenvolvimento da economia
capitalista. Em termos resumidos, pode-se dizer que as crises, para ele, resultam da falta de
proporcionalidade na repartição do produto social - implicando em uma não ocorrência da
condição de equilíbrio da reprodução ampliada, expressada em (9), (6) e (5) - o que provém da
anarquia da produção capitalista.

No entanto, como visto anteriormente, esta argumentação do autor explica o


aparecimento de superprodução parcial, o que o obriga a explicar o desdobramento desta em
superprodução generalizada. Quando não se observa a condição de equilíbrio no esquema,
define-se uma situação de superprodução parcial, já que se um Departamento produziu mais
valor do que consegue realizar é porque o outro produziu de menos. Assim, a superprodução de
um Departamento implica na subprodução de outro . Tugán-Baranovsky afirma que, uma vez
9

estabelecida uma distribuição do capital, que não a proporcional, gera-se superprodução parcial.
Mas, como todos os departamentos são interdependentes, ocorre um efeito de alastramento de
retração na demanda, o que leva à superprodução generalizada, característica da crise.

O movimento cíclico dessa crise só é concebido por Tugán-Baranovsky através da


definição do papel do crédito. Para o autor, este último libera a demanda de uma relação direta
com a oferta corrente. Na depressão, as reservas monetárias acumuladas se tornam muito
volumosas, dada a retração das oportunidades de investimento. Isto provoca uma queda nas
taxas de juros, que incentivam novos investimentos. Estes começam a se concretizar quando a
saturação de capitais vai chegando ao fim, definindo uma nova fase de crescimento que levará à
prosperidade. Nesta, o capital de empréstimo torna-se escasso, uma vez que o investimento foi
dirigido majoritariamente para o processo produtivo. Elevam-se as taxas de juros, reduzindo os
investimentos. As desproporções se formam porque os capitais não crescem no mesmo ritmo,

9 Trata-se da mesma argumentação equilibrista empreendida pelos defensores da Lei de Say.


132

provocando superprodução generalizada (graças ao efeito propagação da superprodução


parcial), levando à crise.

Para Tugán-Baranovsky, o sistema de crédito acentua o movimento cíclico. A


importância dada pelo autor ao crédito é tanta que ele afirma que a crise industrial é geralmente
precedida de uma crise financeira.

O mais interessante de sua argumentação é a relação que ele faz com o subconsumo;
inusitadamente, ele diz que: " En cierto sentido puede decirse que la causa fundamental de las
crisis la constituye la pobreza popular, el subconsumo de las clases trabajadoras." (Tugán-
Baranovsky, in Colletti (78), pág.276 ). A idéia aqui é que a baixa participação dos trabalhadores
no produto equivale à maior formação de excedentes. Isto aumenta a capitalização e, portanto,
também cresce a probabilidade de aparecimento de desproporções. Justamente por ter que
encontrar campos de inversão para novos capitais, o aumento do excedente e da acumulação
tornam mais improvável a distribuição proporcional do capital. É só neste sentido que deve ser
entendida a afirmação acima.

O importante a destacar é a ênfase que Tugán-Baranovsky dá à anarquia da produção.


Como a organização da produção é individual e a produção capitalista não tem por fim a
satisfação das necessidades humanas, esta anarquia da produção provoca desproporções e crises
cíclicas.

3.3 - HILFERDING E AS DESPROPORÇÕES

Rudolf Hilferding também é conhecido pela sua defesa das desproporções como causa
das crises. Para ele, que a produção capitalista se desenvolva em ciclos de prosperidade e
depressão, com a crise como uma fase de transição, trata-se de uma lei empírica. O fato deste
ciclo ser periódico o leva a analisar suas causas. Ele faz isto na quarta parte, capítulos XVI a
XX, de sua obra O Capital Financeiro.

Inicialmente, ele procura diferenciar as condições gerais para a crise. Segundo o autor, a
dupla existência da mercadoria, enquanto mercadoria propriamente dita e dinheiro, define a
primeira condição. Quando o dinheiro passa a assumir a forma equivalente geral do valor e,
portanto, são separadas compra e venda na circulação de mercadorias, define-se uma condição
133

geral da crise. Uma outra se dá pela contradição existente entre a autonomia das economias
privadas e a irregularidade da produção, frente à dependência dos produtores com relação ao
mercado, ou seja, a anarquia da produção. Por último, a separação entre produção e consumo de
bens finais, ilustrada pelo fato de que, no capitalismo, o consumo é determinado pela dimensão
da produção, e não pela satisfação das necessidades, completa o quadro das condições gerais
para a crise.

Mas isto não explica as causas da crise. Afinal, " a possibilidade de crise, na verdade, já
nasce da possibilidade da produção desordenada; portanto, da produção de mercadorias em
geral; mas sua realidade origina-se somente da produção desordenada, que simultaneamente
suprime a relação direta entre produção e consumo que caracteriza outras formações sociais, e
que insere, entre a produção e o consumo, a condição de exploração do capital pela
correspondente taxa determinada de lucro." ( Hilferding (85), pág.233 ).

Para conseguir seu intento de determinar a causa da crise, o autor procura caracterizar o
ciclo. Ele observa que a crise aparece no momento em que a taxa de lucro cai: " a crise supõe
escassez de venda. A falta de venda na sociedade capitalista pressupõe baixa taxa de lucro; essa
baixa da taxa de lucro é dada pela mudança da composição orgânica do capital ocorrida no
reinvestimento desse capital, a crise significa nada mais do que o momento em que sobrevém a
baixa da taxa de lucro." ( Hilferding (85), pág.245 ). O que este autor percebeu é que, na
prosperidade, a demanda cresce a um ritmo tal que toda a produção é vendida, propiciando
preços e lucros elevados, o que incentiva o reinvestimento de capital. No entanto, além disso, a
prosperidade se caracteriza por fatores que tendem a levar ao decréscimo da taxa de lucro. São
eles: o aumento na composição orgânica do capital pelos novos investimentos; o crescimento do
tempo de rotação do capital, dada a maior participação do capital fixo nos investimentos, em
relação ao capital circulante; queda da taxa de mais-valia, devido à crescente procura por força
de trabalho, que pressiona os salários para cima; e, o aumento das taxas de juros, dados o
crescente aumento da demanda por capital de empréstimo, e a restrição da oferta pela
transformação do capital monetário ocioso em capital produtivo, que reduz a participação dos
lucros no excedente.

Depois de tudo isto, Hilferding só pode chegar a uma conclusão: " a crise sobrevém,
pois, no momento em que as tendências acima descritas da taxa de lucro em queda se impõem às
tendências que, devido à procura aumentada, motivaram uma alta dos preços e do lucro."
134

(Hilferding (85), pág.248 ). Para o espanto de todos os autores que vêem, em Hilferding, um
teórico que relaciona a causa das crises com as desproporções, seu argumento é muito parecido
com o dos autores que identificam a lei da queda tendencial da taxa de lucro com a causa da
crise. São poucos os estudiosos do pensamento marxista sobre a crise que percebem esta
peculiaridade no pensamento de Hilferding. Zoninsein (85) chega a defender a tese de que
existiriam duas concepções contraditórias sobre a causa da crise em Hilferding: as
desproporções e uma outra baseada na lei da queda tendencial da taxa de lucro.

Quando Hilferding se propõe a analisar as causas da crise, ele afirma que o


reconhecimento destas só é possível com o estudo da reprodução do capital social, fato que o
leva a ressaltar o mérito de Tugán-Baranovsky, como um dos primeiros a fazê-lo. Depois de uma
breve exposição dos esquemas de reprodução, e de suas respectivas condições de equilíbrio,
Hilferding conclui que, decididamente o subconsumo ( a estreita base do consumo) não passa de
uma condição geral para a crise, tendo em vista que extensão do consumo (por aumento dos
salários ) e realização de lucro entram em choque; as causas da crise residem, portanto, na
própria lógica do capital e, desse modo, nas condições de realização de lucro.

Logo, a única explicação para as crises está nas desproporções existentes na distribuição
do capital social , como afirmou Tugán-Baranovsky. Então, o que levou Hilferding a se
10

preocupar com o comportamento do lucro, durante o ciclo?

Para o autor, e é isto que o torna singular, a única coisa que mantém as relações de
proporção em um sistema de produção anárquica é o mecanismo ( lei) dos preços. É a variação
destes que regula a expansão ( contração ) da produção. Em outras palavras, a concorrência
entre os capitais, que origina a entrada (saída) destes em determinados setores, é fruto da
movimentação dos preços.

As perturbações nas relações de proporção são explicadas por perturbações da


regulamentação ( do parâmetro ) da produção, isto é, por perturbações na formação dos preços.
Quando isso ocorre, os preços deixam de ser indicadores eficientes das necessidades de
produção. As condições de produção e realização se descolam uma da outra, provocando as
crises.

10 Hilferding leva às últimas conseqüências a aceitação dessa hipótese: "uma expansão demasiado rápida do
consumo leva necessariamente, de per si, à crise, da mesma forma como a produção invariável ou reduzida dos
meios produtivos." ( Hilferding (85), pág.243.
135

Entretanto, não é o preço absoluto que interessa para a análise, pois não é este que
regula a movimentação dos capitais. A concorrência tem como parâmetro o diferencial entre o
preço de mercado e o custo de produção, ou seja, o lucro, e não o nível absoluto do primeiro.

Hilferding identificou na quebra das relações de proporcionalidade, provocadas por uma


perturbação no sistema indicador da produção, que são os preços, a causa da crise. Como não é
o preço, em termos absolutos, o determinante de um investimento, o autor necessita analisar o
comportamento do lucro. É por isso que ele é obrigado a discutir o comportamento da taxa de
lucro. Não é porque ele tenha duas concepções das causas da crise, como afirma Zoninsein, mas
porque, ao analisar o que regula as desproporções, ele se deparou com a categoria lucro, que é
responsável pela migração ( concorrência ) dos (entre ) capitais.

Note-se que o fundamental para Hilferding não seria o comportamento da taxa média de
lucro, como o é para os autores que relacionam a causa da crise com a lei da queda tendencial da
taxa de lucro. Para ele, o essencial é a diversidade de taxas particulares de lucro, que fazem com
que um capital saia de um setor e ingresse em outro, alterando a distribuição do capital social.
Essa movimentação de capitais gera desproporções, levando à superprodução de alguns setores.
É por isso que a hipótese de desproporções é obrigada a relacionar teoricamente crises parciais
com crises de superprodução generalizada.

Pelas mesmas razões, o que regula a movimentação de capitais e, portanto, as relações


de (des)proporção, não é o nível geral de preços, mas sua estrutura relativa; os preços relativos
são os que fornecem as indicações para um capital ingressar em um ou em outro setor. Isto fica
claro se for imaginado que a alta de preços, que caracteriza a prosperidade, pode ser geral e
uniforme. Isto significa que os lucros apropriados pelos diferentes setores não seriam alterados,
em termos relativos. A mudança seria apenas em termos absolutos; todas as massas de lucro
cresceriam na mesma proporção. As condições de proporcionalidade estariam mantidas.

A fase de prosperidade prepara a deflagração da crise, segundo Hilferding, porque o


crescimento dos preços se dá de forma desproporcional. Alguns setores elevam suas produções
mais do que os outros. Definem-se as desproporções e, por conseguinte, as crises.

Hilferding não se contentou em mostrar que as desproporções eram provocadas por


perturbações no mecanismo de preços. Ele tratou também de discutir quais eram essas
perturbações. É importante ressaltar que o autor trata esse assunto no capítulo XVII de sua
obra, curiosamente entitulado As Causas da Crise. Note-se que, na maior parte desta seção, a
136

palavra causa está no plural, assim como no título do capítulo XVII de O Capital Financeiro.
Uma observação mais superficial concluiria que, na concepção de Hilferding, a crise possui mais
de uma causa, o que respaldaria o argumento de Zoninsein; segundo este último, Hilferding teria
duas concepções contraditórias sobre a causa da crise .
11

Na verdade, o que Hilferding pretende é identificar todos os fatores que levam a


desproporções, a verdadeira causa da crise. Evidentemente, a utilização da nomenclatura
“causas”, para esses fatores, não é apropriada, provocando esse tipo de confusão na
interpretação da teoria de Hilferding.

Nesse sentido, são vários os fatores que, segundo Hilferding, perturbam o crescimento
proporcional dos setores, isto é, que alteram a estrutura de preços relativos. Em primeiro lugar,
a diversidade na composição orgânica do capital entre os vários setores provoca uma
concorrência entre os capitais, que buscam o lucro extraordinário. Essa diversidade produz um
alongamento diferenciado dos prazos de maturação dos novos investimentos e, portanto, do
tempo de resposta da produção frente a um estímulo de demanda. Isso define, em alguns setores,
uma dificuldade de adaptação da oferta em relação ao crescimento da demanda, o que tende a
elevar os preços. Com o tempo, capitais tendem a ingressar nesses setores. Como a produção
não é planejada ( é anárquica ), chega um momento em que a oferta tende a superar a demanda;
é a superprodução no setor, que se reflete em uma posterior queda dos preços de mercado. Essa
enorme flutuação dos preços gera desproporções na distribuição do capital social.

O segundo fator diz respeito à composição do capital entre capital fixo e capital
circulante. Quanto maior o volume de capital fixo, mais longo o tempo de reposição do capital e,
portanto, mais difícil é a adaptação às necessidades de consumo. Da mesma forma, quanto mais
essas necessidades superarem a oferta, maior os preços e maior o incentivo a acumular nesses
setores. Por outro lado, setores com menor volume de capital fixo se adaptam mais rapidamente
ao consumo. a alta de preços se mantém dentro de limites mais estreitos, fazendo com que o
ingresso de capitais nesses setores não seja tão intenso. Não bastasse isso, quanto maior o
volume da massa de capital, requerido por uma determinada técnica, em um setor, mais difícil é a
adaptação exata do aumento de produção frente a um aumento de consumo. Esta última

11 Zoninsein (85), pág.71.


137

característica técnica é muito discutida na teoria econômica convencional como restrições na


escala de produção . 12

O esgotamento das reservas de capital monetário e de “equipamento de capital”


(elementos do capital produtivo) nos momentos de auge, prévios à crise, também perturbam uma
distribuição proporcional do capital. Esses esgotamentos provocam excessos de demanda que
desestabilizam a estrutura de preços relativos. No que se refere ao capital monetário de reserva,
Hilferding afirma: " os períodos de prosperidade são aqueles em que, por um lado, a produção é
ampliada forte e rapidamente e, por outro, o antigo capital monetário de reserva se transforma
em produtivo; o capital monetário de reserva se reduz, e sua redução significa a supressão do
fator compensador das perturbações; por isso é uma causa da crise." ( Hilferding (85), pág.237-
238 ). Como Tugán-Baranovsky já tinha ressaltado, a transformação do capital monetário em
produtivo, tendo em vista a lucratividade dos investimentos produtivos na prosperidade, gera
desproporções. Note-se, no entanto, a estrutura do argumento de Hilferding. Esse fator se torna
causa da crise porque o capital monetário, que poderia compensar as perturbações, já foi
transformado em capital produtivo; o capital monetário, que poderia compensar os efeitos da
crise, está impossibilitado de fazê-lo, o que o torna causa da crise. Se refletirmos um pouco,
encontraremos uma infinidade de fatores que poderiam amenizar (evitar) a crise, mas não o
fazem, pelos mais variados motivos. Segundo o argumento de Hilferding, esses fatores também
seriam causas da crise. No limite, chega-se ao absurdo de dizer que a impossibilidade de
existência da crise também evitaria a crise. Portanto, a existência da crise é causa da crise!

Um outro fator que, para Hilferding, impede a variação uniforme dos preços é a
descontinuidade técnica na oferta de matérias-primas. Restrições técnicas impedem que a oferta
de matérias-primas acompanhe sua demanda, o que gera grandes alterações nos preços desses
produtos.

Por último, a alteração na relação entre consumo e produção também provoca


perturbação nas condições de proporcionalidade.

12 A própria renovação do capital fixo pode gerar desproporções: " por conseguinte, na mera conservação do
capital fixo, pode dar-se uma desproporção na produção de capital fixo e circulante, quando varia - o que sempre
se dá na realidade - a proporção do capital fixo, que anualmente se extingue, para o capital que continua
funcionando." ( Hilferding (85), pág.237 ).
138

" Uma parte relativamente maior do lucro destina-se à acumulação, uma parte
relativamente menor, ao consumo. Isso quer dizer, porém, que o consumo não acompanha o
aumento da produção." (Hilferding (85), pág.252).

Desta forma, Hilferding coloca o subconsumo como um dos fatores que podem provocar
as desproporções que, por sua vez, geram as crises . É curioso notar como o autor leva às
13

últimas conseqüências o seu argumento. Para ele, qualquer coisa que perturbe a formação de
preços e, portanto, a distribuição do capital social, é observada como fator de desproporção.
Assim, tanto o subconsumo como o excesso de demanda por bens de consumo
("superconsumo") provocam desproporções.

O objetivo desta seção é observar qual a causa da crise para Hilferding. Todos os fatores
mencionados por ele provocam diferenças entre os preços de mercado e os preços de produção
nos vários setores da economia. Isto leva a uma intensa movimentação de capitais e à
perturbação na regulação da produção, ou seja, leva a desproporções. Estas, por sua vez,
causam as crises. Isto é o fundamental em sua obra, apesar da falta de rigor em algumas
ocasiões, ao denominar os fatores que provocam as desproporções de causas, quando na
verdade, em sua concepção, o que provoca as crises é a perturbação nas condições de
proporcionalidade.

Depois de analisar a causa, Hilferding passa a investigar o papel do crédito e da formação


de cartéis nas crises.

Quanto ao crédito, o autor afirma que ele reforça as desproporcionalidades, na medida


em que garante a circulação de um capital que se tornou excedente, frente às necessidades do
mercado. O crédito descola produção de realização, ao garantir para o produtor a realização do
valor que produziu antes que o valor de uso seja aceito socialmente, vendido ao consumidor
final. Isso evita os efeitos imediatos da superprodução sobre preços e lucros, encobrindo a
desproporcionalidade incipiente. Por isso, o crédito reforça essa desproporcionalidade, pois
permite que o capital continue produzindo, além dos limites do mercado, sem que apareça
nenhuma indicação, de preços e/ou lucros, da superprodução, amplificando os efeitos
posteriores da última.

13Lênin também percebeu isso em seus estudos sobre os esquemas de reprodução. Para isso, veja-se Lênin (79) e
Lênin (82), capítulo 1.
139

A tendência à formação de cartéis também provoca mudanças no caráter das crises,


segundo Hilferding. É bastante difundido o argumento de que, para Hilferding, a concentração /
centralização do capital tenderia a inibir o aparecimento de crises. Argumenta-se que, se estas
últimas são provocadas por distúrbios nos preços relativos, que levam às desproporções, os
cartéis, com sua capacidade de controlar os preços, poderiam tornar mais estável essa estrutura
de preços relativos, diminuindo a possibilidade de ocorrência das crises. No limite, um cartel
geral eliminaria as crises, já que ele planejaria toda sua produção, sem os distúrbios da
movimentação de capitais, de acordo com as necessidades do mercado.

No entanto, este não é o pensamento de Hilferding. De fato, segundo ele, quanto maior o
volume da empresa, maior é também a resistência aos efeitos da crise. A grande empresa possui
um volume de produção tão grande que ela pode continuar a produzir uma parte dele também
durante a crise. Além disso, dada a massa de capital envolvida, a grande empresa pode sustentar
alguns períodos de maus resultados; a pequena empresa, pelo contrário, não tem meios para
sobreviver a um longo período com problemas de realização. A concentração bancária, por sua
vez, permite uma distribuição maior do risco de bancarrota do setor bancário, tendo em vista
que essa concentração pressupõe grande extensão de negócios e atuação sobre diversos setores
da economia.

Enfim, parece que Hilferding acredita que a formação de cartéis inibe a ocorrência das
crises. Mas não é isto o que ele pensa. Para Hilferding, quem acredita que os cartéis inibem as
crises por regular a produção está tratando a crise como mera superprodução de mercadorias. A
crise, entretanto, é superprodução não só de mercadorias, mas também de capital. Apesar dos
cartéis diminuirem os efeitos da concorrência em um setor, eles não mudam a própria natureza
da concorrência. Assim, eles "...nada podem mudar na concorrência dos capitais em busca de
áreas de investimento, nos efeitos da acumulação sobre a configuração dos preços e, por isso,
não podem impedir o surgimento das relações de desproporcionalidade." (Hilferding (85),
pág.278).

Ainda assim, seria possível conceber um cartel geral que planejasse toda a produção e
eliminasse as crises. Hilferding contra-argumenta:
140

"Semelhante situação é no entanto social e politicamente uma impossibilidade, já que


necessariamente pereceria por causa do antagonismo de interesses que seria levado a
extremos." (Hilferding (85), pág. 279).

Os cartéis, assim como o crédito, ao invés de inibir as crises, amplificam seus efeitos, ao
encobrir uma desproporcionalidade já formada, ao retardar a atuação do mecanismo de preços
como elemento que cuida de manter as relações de proporção em uma produção anárquica como
a capitalista.

Essas desproporções, provocadas por perturbações no mecanismo de ajuste via preços,


são as responsáveis, segundo Hilferding, pelo aparecimento das crises. Para o intuito deste
trabalho, vale ressaltar que o argumento de Hilferding é análogo ao de Tugán-Baranovsky.
Enquanto este último direcionou a sua análise para a definição e as conseqüências das
desproporções, Hilferding procurou observar quais são os fatores que podem levar a
desproporções. No entanto, os dois autores defendem que a desproporcionalidade na
distribuição do capital social é a causa das crises.

3.4- DESPROPORÇÕES COMO CAUSA DA CRISE

Até agora já foi demonstrado que a lei da queda tendencial da taxa de lucro e o
subconsumo não podem ser a causa da crise. Depara-se agora com a quebra das condições de
proporcionalidade para explicar o aparecimento de crises.

Tugán-Baranovsky ressaltou a anarquia da produção como fonte das desproporções.


Hilferding, por sua vez, salientou a existência de distúrbios no mecanismo de ajuste de preços
para explicar a desproporcionalidade. Os dois autores necessitaram demonstrar como que uma
superprodução parcial, que é a única que pode ser provocada por desproporções, leva à
superprodução generalizada, que caracteriza a crise. Apesar destas semelhanças em seus
argumentos, Hilferding faz questão de ressaltar alguns pontos de discórdia com o pensamento de
Tugán-Baranovsky.

Inicialmente, segundo Tugán-Baranovsky, existe um paradoxo fundamental no


capitalismo e, em menor escala, em qualquer economia antagônica, defnido pelo fato de que só
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uma parte das classes dessas sociedades constitui o sujeito da economia. Logo, é possível
imprimir na economia uma direção na qual se converte meios para satisfazer necessidades sociais
em meios para mera expansão da produção, desbaratando assim a finalidade, considerada por ele
como justa, de qualquer economia. O capitalismo pode chegar até a produzir apenas meios para
uma nova produção, já que sua lógica é a de produção de valor - acrescido de uma mais-valia -
não importando o valor de uso em que se materializa. Isto não quer dizer que Tugán-Baranovsky
não possuísse convicções socialistas; apenas que o socialismo não advém mecanicamente de
contradições no funcionamento econômico do capitalismo. Segundo Tugán, este último tem uma
contradição inerente insolúvel entre seu princípio econômico fundamental e uma norma ética
fundamental, que deve levar à superação do capitalismo. Desta forma, para este autor, a
superação do capitalismo passa a ser muito mais um problema ético do que de um
desenvolvimento de contradições no funcionamento do próprio sistema. Esse princípio ético de
Tugán é originado do pensamento idealista de Kant. Tugán faz questão de concluir seus
Fundamentos Teóricos do Marxismo com uma citação de Kant: " El hombre, y en general
cualquier ser racional, existe como fin en sí mismo, no sólo como medio para su uso discrecional
para tal o cual voluntad, sino que al mismo tiempo debe ser considerado como un fin, siempre y
en todas sus acciones orientadas tanto hacia sí mismo como hacia otros seres racionales." ( Kant,
citado em Colletti (78), pág.257 ). Esta primazia de um princípio ético, válido a priori, sobre a
análise concreta das contradições do capitalismo, demonstra que o pensamento de Tugán-
Baranovsky está longe de poder ser considerado como marxista . 14

Hilferding discorda da possível existência da produção pela produção, como defende


Tugán. Para ele, este tipo de argumento é conseqüência de uma desconsideração do caráter
qualitativo da reprodução do capital social e, portanto, da produção e consumo de valores de
uso. Quanto a isso, ele afirma:

" essa confusão da teoria da crise de Tugán-Baranovsky é exagerada. Ela considera apenas
as determinações econômicas específicas do modo de produção capitalista e não leva em
conta as condições naturais a toda produção, seja qual for sua forma histórica, e chega à
singular noção de uma produção que só existe para a produção, enquanto o consumo aparece
só como um acidente importuno. Ainda que isso seja uma "loucura", tem um método, a

14 Anteriormente, ficou claro que a incompreensão da diferença entre os fatores subjetivos e os objetivos na
formação do valor, não permitiam enquadrar o pensamento de Tugán-Baranovsky na tradição marxista.
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saber, o marxista, já que precisamente essa análise de determinação formal histórica da


produção capitalista é especificamente marxista. É um marxismo endoidecido, mas
sobretudo marxismo, o que torna a teoria de Tugán, ao mesmo tempo, tão singular e tão
sugestiva." (Hilferding (85), pág.267, nota 26 ).

Apesar desta forte insistência de Hilferding, o pensamento de Tugán-Baranovsky não


parece válido como interpretação da teoria de Marx. Sua concepção idealista, baseada em Kant,
do desenvolvimento histórico, a não percepção da diferença entre os papéis que o capital
constante e o capital variável têm na formação do valor, e a identificação da teoria de Marx
como subconsumista, demonstram incompreensões básicas, que viciam a interpretação de
Tugán-Baranovsky, a respeito da teoria marxiana.

Ainda no que se refere à comparação entre os dois autores, suas abordagens também
diferem quanto ao fator decisivo para a retomada do crescimento no ciclo. Tugán-Baranovsky
aponta a ociosidade do capital monetário, que não encontrou espaços de investimento, durante a
crise, como o mais forte propulsor da ampliação da reprodução. Hilferding atribui essa
concepção à tentação oriunda das aparências dos fenômenos. O que define o fator decisivo para
a retomada, segundo ele, é algo mais amplo: se é objetivamente possível ou não a ampliação da
produção.

Fora estas pequenas diferenças, o argumento destes dois autores, no tocante à natureza
das crises, é análogo. As crises são provocadas por desproporções na distribuição do capital
social. Hilferding foi um pouco além ao discutir os fatores que podem perturbar a
proporcionalidade, mas a causa da crise continua sendo a desproporcionalidade. De fato, a
análise feita na primeira seção deste capítulo, sobre os esquemas de reprodução, é bastante
sugestiva. O valor produzido pela economia será todo realizado se as ofertas das mercadorias
forem iguais às suas respectivas demandas. O desenvolvimento desta idéia levou às condições de
equilíbrio dos esquemas, segundo as quais a realização do valor seria completa se as trocas entre
os departamentos fossem iguais. Qualquer quebra destas condições de equilíbrio
(proporcionalidade ) provocaria a crise. O argumento é, aparentemente, bastante poderoso, o
que indicaria ser, realmente, a desproporcionalidade a causa da crise.

No entanto, se fizermos uma investigação mais profunda, o argumento perde sua força.
O primeiro ponto a ser ressaltado se encontra na estruturação do argumento das desproporções.
143

Procura-se explicar um fenômeno complexo, a crise, em que interagem todas as formas


aparentes da economia capitalista, assim como todas suas contradições, a partir de um elemento
teórico que se abstrai de várias características dessa economia. Os esquemas de reprodução
foram desenvolvidos por Marx no livro II de O Capital, onde é analisado o processo de
circulação do capital, abstraindo-se de muitos elementos do processo produtivo, desenvolvidos
no livro I, assim como não tratam da interação dos dois processos, feita no livro III. Os
esquemas de reprodução representam a reprodução total no interior da análise da circulação e,
portanto, são limitados pelo próprio escopo do livro II. A falha das teorias da crise que se
limitam a estes esquemas está no fato de que elas não os vêem como uma etapa de análise, e
que, por isso, sua aplicação para o entendimento da realidade concreta necessita de várias
mediações.

Recorde-se que o mesmo problema foi identificado no subconsumo clássico de Rosa


Luxemburgo. A diferença está em que a teoria subconsumista exigia que os esquemas de
reprodução explicassem toda o processo de realização, o que a levou a criticar as hipóteses de
Marx por achá-las irrealistas. A hipótese das desproporções foi um pouco além ao realmente
acreditar que os esquemas de reprodução esgotassem a teoria da realização. Como esses
esquemas são limitados pelo próprio nível de abstração do livro II de O Capital, o que não
poderia ser diferente, as duas concepções se equivocam.

Um outro problema enfrentado pela hipótese das desproporções está na relação


superprodução parcial ® superprodução generalizada. A mera quebra das relações de
proporcionalidade define, como visto anteriormente, uma situação de superprodução em um
Departamento e, como decorrência, uma de produção insuficiente no outro. A passagem teórica
desta situação para uma de superprodução generalizada não é imediata. Tugán-Baranovsky
procurou contornar o problema através do efeito alastramento. Uma vez estabelecida a
superprodução parcial em um setor, as encomendas feitas por ele diminuiriam, o que propagaria
a superprodução pela economia. No entanto, se for observado o outro Departamento, o que
produziu insuficientemente, dada a mesma situação de desproporcionalidade, o efeito
propagação mostrará exatamente o contrário. Setores com produção insuficiente procurarão
aumentar suas encomendas, com o intuito de aproveitar o excesso de demanda. Esse aumento de
encomendas generalizar-se-á na medida em que ele for propagado. Assim, o mesmo "contorno"
144

teórico utilizado por Tugán-Baranovsky, para explicar a superprodução generalizada, se aplicado


ao outro Departamento, explica justamente o contrário: o crescimento da economia!

Na verdade, é justamente a este paradoxo que chegam todas as abordagens equilibristas.


Uma vez fora de alguma condição de equilíbrio, a economia tende a ajustar-se para retornar ao
ponto de equilíbrio. Se foi produzido demais em um setor, é porque foi produzido de menos em
outro; o ajuste dar-se-ia pela saída de capitais do primeiro setor, em direção ao segundo. Não se
concebe, na abordagem equilibrista, um excesso de oferta generalizado. A hipótese das
desproporções utiliza este tipo de raciocínio, o que a impede de conceber, de forma coerente, a
superprodução generalizada, isto é, a crise.

Hilferding não encarou este problema diretamente. Mas, quando afirmou que a intensa
movimentação de capitais, provocada por perturbações no mecanismo de preços, levava a uma
distribuição desproporcional do capital, ele estava com uma dificuldade decorrente deste
problema. A idéia de Hilferding era a de que a movimentação de capitais tinha como parâmetro a
estrutura de preços relativos. Qualquer perturbação desta, isto é, qualquer empecilho à obtenção
do equilíbrio, provocaria desproporções e, conseqüentemente, a crise. Ora, a movimentação de
( concorrência entre ) capitais, via variação de preços e lucros, constitui a própria dinâmica da
economia capitalista. Logo, ela se apresenta em todos os momentos do ciclo, tanto na crise,
quanto na recuperação e na prosperidade. As desproporções não podem ser a causa da crise
porque são o estado normal do modo de produção capitalista, e não algo que ocorra
periodicamente. O estabelecimento de condições de equilíbrio é uma mera casualidade. A
concorrência entre os capitais faz com que a economia tenda a uma distribuição proporcional,
que não necessariamente é alcançada. As forças da economia levam a um ajuste que não é
instantâneo, mas sucessivo e cíclico. A concorrência entre os capitais faz com que os capitais
excedentes, em suas três formas (capital produtivo, capital mercadoria ou capital sob a forma de
dinheiro), seja destruído através de sua desvalorização, no período de crise. Durante a
recuperação econômica, a concorrência atua no sentido de incentivar os capitais a investirem em
busca de maiores lucros, o que provoca um efeito expansionista. A movimentação dos capitais é
característica de todos os períodos do ciclo, e não de apenas um deles.

Uma última inconsistência da hipótese das desproporções precisa ser ressaltada. Se as


crises fossem provocadas apenas pela anarquia da produção (desproporções ), o planejamento
econômico resolveria o problema. No entanto, a crise é provocada pelo desenvolvimento de
145

contradições inerentes ao modo de produção capitalista, contradições essas que não podem ser
resolvidas por nenhum elemento externo às suas constituições. A crise não é conseqüência de um
descontrole voluntário entre as condições de produção e realização, provocado pela anarquia da
produção, que possa ser ajustado, mas de um descontrole necessário.

Com todos esses problemas, a hipótese das desproporções deve ser rejeitada, enquanto
causa das crises. Entretanto, a desproporcionalidade não pode ser abandonada na formulação de
uma teoria da crise.

As crises são o momento em que todas as contradições se desenvolvem ao máximo, até


que acontece a ruptura violenta, reafirmando a unidade dos contrários que formam essas
contradições. Desta forma, uma teoria da crise deve considerar todas as contradições do modo
de produção capitalista. Por esta razão é que a lei da queda tendencial da taxa de lucro, que
expressa a contradição entre a crescente valorização e a diminuição relativa do fator que produz
valor, e o subconsumo, que analisa a contradição existente entre o processo produtivo e o
processo de circulação ( realização ), mas apenas em seu caráter de tensão entre os dois pólos,
devem ser considerados como elementos de uma teoria marxista da crise. Foi demonstrado
anteriormente que eles são duas formas em que a crise se manifesta e, portanto, devem ser
incluídos em uma teoria da crise como formas de manifestação do fenômeno, e não como
causas.

As desproporções, por sua vez, refletem também a contradição entre o processo


produtivo e o processo de circulação ( realização ), mas privilegiando seu aspecto de unidade, ao
tomar como base a tradição equilibrista. Além disso, esta hipótese enfatiza, principalmente, o
caráter anárquico, não planejado, da produção. É inegável que a anarquia da produção também
se manifesta na eclosão das crises. Portanto, suas conseqüências devem ser tratadas em uma
teoria da crise.

A forma mais aparente do fenômeno crise se dá pelo excesso de oferta em relação à


demanda. Trata-se da forma de manifestação mais nítida das crises, o que não justifica ser
considerada como causa. Portanto, qualquer tipo de explicação que se basear nesta aparência, ao
procurar explicar a causa da crise, estará confundindo forma de manifestação com causa.

Embora sejam o estado normal do modo de produção capitalista, as desproporções


assumem um caráter peculiar na crise. Segundo a hipótese das desproporções, a distribuição do
capital social entre os diversos setores provoca desequilíbrios entre ofertas e demandas destes
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setores. Este desequilíbrio, através de um efeito propagação, levará à superprodução


generalizada . Portanto, a explicação da causa das crises, pela hipótese das desproporções, está
15

se baseando em uma forma de manifestação do fenômeno.

Não se pode negar que as desproporções se intensificam na crise, por causa de problemas
de realização que se observam em determinados setores e que se alastram por toda a economia.
Como as condições de proporcionalidade (equilïbrio ) estabelecem que as demandas recíprocas
entre os departamentos devem ser iguais, qualquer quebra na demanda de um por outro,
intensifica a desproporção. Entretanto, isto não permite afirmar que as desproporções são a
causa da crise, até porque elas são o estado normal da economia capitalista.

Conclui-se que, embora as desproporções se intensifiquem na crise, os autores, que


procuraram explicar a causa da crise, através delas, confundiram uma forma específica de
manifestação da crise com sua causa.

15 Recorde-se do sério problema teórico da passagem superprodução parcial ® superprodução generalizada.

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