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RESUMO
A história política do Brasil é marcada por períodos de centralização política que deixaram
marcas na cultura política brasileira, já que a população geralmente esteve à margem na
relação gestão pública-sociedade. No entanto, é nesse cenário cultural que surgem os
Orçamentos Participativos (OP) como uma iniciativa genuinamente brasileira que está
presente em centenas de municípios brasileiros e do exterior. Trata-se uma prática inovadora
na cultura política brasileira de democracia participativa, que visa a construção de um espaço
de empoderamento da sociedade na construção do planejamento do orçamento público. A
implementação desse instrumento requer transformação da visão tradicional da gestão pública
por parte do gestor. O presente artigo reflete sobre os desafios do processo de implementação
de uma gestão democrática e participativa, em destaque para a experiência do OP. Nesse
sentido, nos dedicamos à análise da experiência do Orçamento Democrático implementado
em João Pessoa/PB, na tentativa de apontar alguns elementos que sirvam para o
aprimoramento da metodologia do instrumento estudado, bem como de subsídio para a
implementação de novas experiências. O artigo é um estudo de caso qualitativo e explicativo.
Foram coletados dados junto a documentos oficiais e por meio de questionário aberto aplicado
ao gestor da experiência. Como resultados identificaram-se além de avanços, desafios
relacionados ao processo metodológico que limitam a evolução do instrumento. Concluiu-se
assim, que o orçamento democrático é uma peça fundamental para a concretização da
democracia e da voz do povo, principalmente dos cidadãos do município do estudo, e por
isso, merece estudos futuros.
1. INTRODUÇÃO
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Outras experiências existentes como a do estado do Espírito Santo e Rio Grande do Sul, mostraram-se como
uma experiência efêmera e inconsistente, refletindo na descontinuidade das experiências.
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Democrático. Trata-se de uma experiência relativamente recente que há 06 (seis) anos vem
cultivando espaços de diálogos junto à sociedade pessoense.
Nessa perspectiva, as informações estão organizadas da seguinte maneira: na
primeira parte buscar-se-á compreender o significado de uma gestão democrática e
participativa; na segunda parte conhecer-se-á a experiência do Orçamento Democrático da
Cidade de João Pessoa-PB, sua metodologia e práticas oportunizadas pela experiência, e por
fim, será evidenciado os desafios para a implementação do Orçamento Participativo para a
gestão pública municipal.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O estudo em torno do Orçamento Participativo é possível ser feito por vários ângulos
do conhecimento, seja sob uma óptica do planejamento urbano, da gestão pública, do ângulo
autonomista social, e também pela óptica da ciência política. Seja a leitura feita sob qualquer
ângulo é quase unanimidade entre os pesquisadores Dias (2002), Sánchez (2002) e Silva
(2011), o reconhecimento do caráter inovador que o Orçamento Participativo representa para
a realidade política brasileira.
No entanto, primeiramente, para compreender o instrumento do Orçamento
Participativo e sua relevância para a cultura política do país é necessário passear, mesmo que
brevemente, pelo conceito e tipos de democracia.
Michelangelo Bovero (2002), um importante filósofo político da atualidade,
contribui com um conceito de democracia não muito diferente de outras definições que
rotineiramente encontramos nos artigos e livros especializados; assim, a palavra democracia é
formada por dois termos gregos, demos (povo, cidadão) e krátos (poder político).
Na concepção de Joseph Schumpeter (1976 apud RICUPERO, 2007) democracia
não passaria de um arranjo institucional para se chegar a decisões políticas – legislativas e
administrativas. Nesse sentido, trata-se de um regime político, que remonta a sua origem na
antiga Atenas, que existiu por cerca de 510 A.C. a 322 A.C. (SOUZA, 2006).
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Na cidade de Atenas da antiguidade, os títulos de cidadãos eram destinados aos homens adultos livres
residentes e autóctones. Souza (2006) resalta que escravos, estrangeiros, jovens e mulheres não gozavam de
cidadania e, portanto, eram excluídos da participação das decisões.
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Esse fato foi fruto do estudo de Leonardo Avritzer e Boaventura Sousa Santos que
analisaram, de acordo com Allegretti (2011, p. 18), o ciclo vicioso ao qual está presa a
democracia moderna e acrescenta: “a desconfiança suscitada pelo comportamento das
instâncias representativas provoca um desinteresse pela participação ativa, considerada
„inócua‟ e incapaz de transformar a gestão pública”.
As limitações da democracia moderna estão relacionadas ao fato de que os
interesses da coletividade não obtêm espaço nas decisões políticas dos gestores públicos.
Nesse sentido, a deficiência nas soluções dos problemas sociais vem representando o desgaste
do modelo de gestão representativa, em contra partida a busca de modelos de gestão que
respondam às demandas populares se torna inevitável. Dias (2002) define que a iniciativa da
gestão participativa é uma estratégia de tornar a esfera pública permeável às reivindicações
dos movimentos urbanos, incorporando-a ao processo decisório. Dessa maneira, passa a
existir uma agregação entre o modelo de governo representativo e a participação direta do
povo, característica essencial da democracia, no processo governativo.
Nesse sentido, qual a melhor forma de governo? Nesta discussão é importante ressaltar
a compreensão do Bovero (2002, p. 40) ao estabelecer uma crítica entre democracia direta e
representativa conclui:
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Entre os instrumentos presentes na Constituição Federal de 1988, voltados a oportunizar a participação popular
está o plebiscito, o referendo, a iniciativa popular e os conselhos gestores de recursos.
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Nessa discussão, Pedon (2002), explícita que a cidade aparece como produto
diferencialmente apropriado pelos cidadãos, considerando-a como palco privilegiado de lutas
de classes e de movimentos sociais de todo tipo, que reivindicam melhores condições de vida.
Havendo assim, a junção dos interesses do Estado, do capital e dos moradores como forma de
resistência contra a segregação e pelo direito à cidade.
As pesquisas de Avritzer e Navarro (2001 apud SÁNCHEZ, 2002, p. 29) apresentam
que o processo de participação está baseado em três princípios:
esses princípios são: (1) participação aberta a todos os cidadãos sem nenhum status
especial atribuído a qualquer organização, inclusive as comunitárias; (2) combinação
da democracia direta e representativa, cuja dinâmica institucional concede aos
próprios participantes a definição das regras internas; e (3) alocação dos recursos
para investimentos baseada na combinação de critérios gerais e técnicos, ou seja,
compatibilidade entre as decisões e regras estabelecidas pela ação governamental,
respeitando também os limites financeiros.
Ricardo Coutinho destacou ainda, como conquista a ser alcançada, o rompimento das
tradicionais práticas de clientelismo e patrimonialismo, onde os interesses privados de poucos
se sobrepõem aos interesses coletivos.
A fim de potencializar o processo de participação a cidade foi dividida em 14
(catorze) regiões. Cada região conta com um ou mais articuladores regionais responsável,
principalmente, pelo processo de mobilização da população de cada região. Trata-se de atores
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No ano de 2011, a Coordenadoria ganhou status de Secretaria Executiva, no entanto vinculada ainda à
Secretaria de Transparência Pública.
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As etapas do Ciclo do Orçamento Democrático apresentadas neste trabalho referem-se as que foram realizadas
no ano de 2011.
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A escolha das prioridades e das demandas é feita em formulário específico e entregue a população que participa
das Audiências Regionais, na qual a prefeitura aponta as principais áreas de intervenção municipal.
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O termo Delegado foi substituído pelo termo Conselheiro a pedido dos Conselheiros Municipais e aprovado em
Assembléia Geral com todos, até então, delegados da cidade no ano de 2011.
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3 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
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O Regimento Geral do Orçamento Democrático foi atualizado em 2011, mediante uma obrigação exigida pela
Lei 11.903 de 29 de março de 2010 que institucionaliza o Orçamento Democrático no âmbito do município de
João Pessoa/PB. No entanto, a alteração da nomenclatura de delegado para conselheiro aconteceu
posteriormente, para todo efeito deste trabalho foi utilizada a nomenclatura – conselheiro.
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É importante ressaltar, ainda, que este estudo tem uma importância simbólica, o de
contribuir com o processo de consolidação do instrumento do Orçamento Democrático da
cidade de João Pessoa e estimular outras iniciativas na implementação do instrumento. O
pesquisador teve a oportunidade de vivenciar a implantação do instrumento entre 2005 e 2011
e após aproximadamente seis anos colaborando com as realizações das ações do Orçamento
Democrático, foi proposta a apresentação de um conjunto de críticas, que só são possíveis em
função do pesquisador não fazer mais parte do objeto de estudo.
Cabe observar a preocupação na elaboração deste estudo, em trazer aspectos
inovadores sobre o tema estudado. Apesar de serem relativamente poucos os trabalhos
publicados sobre o Orçamento Democrático, o presente artigo se diferencia dos demais
trabalhos pelo foco analisado. A proposta não é apenas relatar os fundamentos do Orçamento
Participativo e como é a estrutura e funcionamento do Orçamento Democrático, como
podemos perceber nas poucas produções sobre o tema, mas é evidenciar o Orçamento
Democrático e sua metodologia por um olhar crítico.
Sendo o objeto de estudo a democracia participativa, trabalham-se os desafios da
construção de uma gestão democrática e participativa, através de “um” olhar sobre a
experiência de João Pessoa, no estado da Paraíba.
O método utilizado para este artigo é o indutivo. Sobre este método Marconi &
Lakatos (2006, p. 106), diz que “o método indutivo – cuja aproximação dos fenômenos
caminha geralmente para planos cada vez mais abrangentes, indo das constatações mais
particulares às leis e teorias (conexão ascendente)”.
Trata-se de um estudo de caso, por buscar uma análise profunda sobre o objeto de
estudo (ZANELLA, 2009). Esta investigação é essencialmente qualitativa, pois a preocupação
principal da pesquisa é conhecer como se manifesta o fenômeno da democracia participativa
na perspectiva dos desafios que a experiência pessoense enfrenta na atualidade.
Este trabalho possui, ainda, a característica, de ser explicativo uma vez que o
trabalho pretende identificar os fatores que determinam os processos inerentes a experiência
do Orçamento Democrático na cidade de João Pessoa, como por exemplo, a natureza dos
desafios encontrados nas técnicas de implementação da experiência; os resultados que são
esperados e aqueles que foram obtidos na experiência implementada.
Nesse sentido, para alcançar os objetivos deste trabalho os procedimento adotados
para a coleta de dados foram as seguintes: pesquisa bibliográfica, por meio de artigos e livros
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4. ANÁLISE DE RESULTADOS
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Disponível em: <www.redebrasleiraop.com.br >.
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Disponível em: <www.od.joaopessoa.pb.gov.br>.
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Na concepção de Rua (2009, p. 31) inputs são as demandas ou apoios que afetam o sistema político. “As
demandas emergem quando indivíduos ou grupos, em resposta às condições ambientais, agem para afetar o
conteúdo da política pública”.
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No entanto, apesar da visão positiva do gestor, muito ainda precisa ser melhorado.
Para ilustrar o diálogo ressalta-se o caso da 2ª Região Orçamentária12. Assim, o
Quadro 2 apresenta as prioridades apontadas pela população na Região.
Ano Prioridades
2005 Infraestrutura, Habitação e Equipamentos Sociais
2006 Equipamentos Sociais, Saúde e Transporte
2007 Infraestrutura, Equipamentos Sociais e Educação
2008 Saúde, Educação, Trabalho e Renda
2009 Saúde, Educação e Infraestrutura
2010 Saúde, Educação e Infraestrutura
2011 Infraestrutura, Saúde e Áreas de Lazer
Fonte: Portal do Orçamento Democrático. Disponível em: <
http://www.od.joaopessoa.pb.gov.br/ > Acesso em: 23 nov. 2011.
12
A região é composta pelos seguintes bairros: Jacarapé, Penha, Quadramares, Seixas, Altiplano, Cabo Branco,
Tambaú, além de outras comunidades.
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Utilizaram-se como referência as demandas apresentadas pela população da 2ª Região no ano de 2011,
presente no Relatório Analítico 1ª etapa do Ciclo 2011 disponibilizado pela Secretaria Executiva do Orçamento
Democrático para a elaboração deste estudo.
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Em geral, a região com uma população com poder aquisitivo elevado participa muito menos do que uma
região com menor poder aquisitivo, isso porque os primeiros moram em regiões com excelentes infraestruturas e
serviços, ao contrário dos segundos que historicamente estiveram a margem do desenvolvimento da cidade.
15
Não constam na tabela os anos de 2006 a 2008, em função da indisponibilidade da informação. Os números
apresentados foram divulgados em apresentações públicas e em relatórios.
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Vide < http://www.pernambuco.com/diario/2001/03/04/politica5_2.html >. Acesso em: 20 nov. 2011.
17
O OD Criança é um projeto de envolver, por meio de metodologia específica, as crianças nas discussões do
orçamento público. Trata-se de um trabalho educativo que visa prepará-los para a cultura participativa.
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O OD Digital visa utilizar os meios de comunicação, principalmente a internet na perspectiva de alargar os
caminhos da participação. Corresponde a uma adaptação à realidade pessoense da metodologia adotada em Belo
Horizonte/MG.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo foi possível perceber a importância das experiências dos Orçamentos
Participativos para a mudança da cultura política brasileira, e principalmente da cidade de
João Pessoa/PB. Ao analisar a metodologia do Orçamento Democrático identificamos ao
mesmo tempo avanços e desafios; constatamos ainda que a implementação do instrumento
com sucesso só é possível por meio de uma intensa transformação da gestão pública em que
requer vontade política, intersetorialidade e metodologia clara e flexível. Contudo, essa
transformação na prefeitura de João Pessoa, em seis anos, ainda não se deu por completo.
Apesar das limitações, é importante ressaltar, que as ações realizadas pela gestão
contribuíram significativamente para a melhoria da qualidade de vida, de várias localidades da
cidade. A inversão de prioridades, preconizada pelos OP é nitidamente percebida pela atenção
disponibilizada pela prefeitura aos bairros mais carentes da cidade, mesmo avaliando que a
metodologia atual do instrumento está saturada e incapaz de dar conta dos desafios que o
instrumento enfrenta.
Portanto, cabe a sociedade explanar cada vez mais as suas demandas de forma
consciente, com o uso de instrumentos democráticos, que sirvam como respaldo para a
melhoria da gestão pública; enfatizando assim, as suas reais necessidades, proporcionando
ainda, o aumento do bem estar e a qualidade de vida para todos, com educação, habitação,
saneamento e saúde de qualidade garantidos pelo poder público.
Como recomendação para enfrentamento dos desafios apontados está a necessidade
de adoção de medidas de caráter estruturante, uma vez que medidas paliativas não
transformam práticas nem posturas. Nesse sentido, há necessidade da reflexão profunda dos
gestores do Orçamento Democrático sobre os avanços alcançados até hoje, os obstáculos a
serem superados e o modelo de orçamento participativo que se pretende alcançar. Essa
reflexão é importante e ao mesmo tempo difícil, pois requer uma visão que alcance a raiz do
problema.
Existe ainda a necessidade de uma assessoria que contribua com a identificação dos
desafios e a elaboração de propostas metodológicas para o instrumento. Recomenda-se
também o estreitamento das relações entre a Secretaria Executiva do Orçamento Democrático
e a Secretaria de Planejamento, órgão responsável pela coordenação e elaboração das peças
orçamentárias na perspectiva de identificar os programas e ações que visam atender as
demandas do OD. É imperiosa também a realização de encontros entre os gestores das
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REFERÊNCIAS
SÁNCHEZ, Félix. Orçamento Participativo: teoria e prática. São Paulo: Cortez, Coleção
Questões da Nossa época; v. 97, 2002.
SEGUNDO, Enéas Flávio Soares de Morais; ROSA, Ana Adelaide Guedes Pereira. Crise da
Democracia Representativa: Enfraquecimento dos Partidos Políticos, Fortalecimento dos
Grupos de Pressão e a Necessidade de Reformulação Política do Estado. In.: Encontro de
Iniciação a Docência, 10., 2008. João Pessoa. Anais. Disponível em: < http://www.prac
.ufpb.br/anais/IXEnex/iniciacao/documentos/anais/3.DIREITOSHUMANOS/3CCJDDPUMT
03.pdf > Acesso em: 13 dez. 2011.
SILVA, Gustavo Tavares. Eleições 2010: impressões da Paraíba. João Pessoa: Editora
Universitária da UFPB, 2011.
SOUZA, Marcelo Lopes de. Participação popular no planejamento e gestão das cidades:
limites e potencialidades de arcabouços institucionais sob um ângulo autonomista. In.:______
Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro;
Bertrand Brasil, 2006. p. 320-398.
APÊNDICE A
2. O Orçamento Democrático de João Pessoa conta com seis anos de existência, nesse
sentido que elementos você apontaria como avanço na relação entre sociedade e gestão?
R.: