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RESUMO
Como bem sabemos, as histórias em quadrinhos não são só para crianças. Podemos facilmente encontra-
las direcionadas para o público adolescente e adulto, com variados temas e abordagem expressivas. Com
isso, percebemos o respeito à liberdade de expressão estabelecida legalmente no Brasil, publicitado
segundo as regras e procedimentos de mercado. Contudo, para além das práticas de consumo desses
importantes bens culturais, esta comunicação considera os estudos que relacionam as histórias em
quadrinhos à prática docente, bem como à mediação de leitura e ao lazer cultural de crianças e jovens.
Tem por finalidade discorrer sobre a necessidade social de classificação indicativa voluntária, como
procedimento de editoração de revistas e álbuns de quadrinhos. Dessa forma, identifica os critérios
utilizados para definir essa classificação indicativa, como metodologia verificativa de procedência, para
aplicação da mesma às histórias em quadrinhos. A justificativa do procedimento sugerido é contribuir
para formação de leitores infanto-juvenis, à medida que evita incidentes ou percalços, mediante o
esclarecimento prévio dos conteúdos pelos familiares, educadores e atores culturais que selecionarão e
mediarão a leitura. Por conseguinte, a partir das noções estabelecidas pelo Ministério da Justiça, pode-se
propor a adoção da classificação indicativa de modo voluntário, nas publicações de histórias em
quadrinhos, principalmente quando as mesmas são veiculadas em revistas ou álbuns. Como considerações
finais, serão feitas recomendações acerca da classificação indicativa e sua clara distinção de ações de
censura para histórias em quadrinhos, ou seja, demonstrando que a disseminação da informação prévia
dos conteúdos não implica em censura, mas em acesso à informação, beneficiando a mediação da leitura e
trazendo segurança aos pais, responsáveis e educadores, no processo de formação de leitores novatos.
Desde suas origens, as narrativas sequenciais gráficas têm sido voltadas para o registro
de informações e sua comunicação, de forma inteligível, para a maior parte dos leitores
potenciais. Contudo, sendo a linguagem progressivamente hibridizada de texto e imagem, seu
potencial de armazenamento de conceitos e juízos foi se ampliando ao longo dos séculos,
chegando ao nível de aprimoramento de uma hipermídia da era pós-moderna.
Nesse percurso, a produção se tornou eclética e sofreu uma segmentação, para
contemplar a formação de gostos leitores entre diferentes faixas etárias. Caracterizando-se
previamente como fenômeno literário (ainda que sob controvérsia) acompanhou as tendências de
gênero e fez surgir, no final do séc. XIX, as Histórias em Quadrinhos (HQ). O amadurecimento
da linguagem híbrida de texto e imagem, assim como a configuração de um ambiente midiático
composto pelo suporte de papel, apresentado em diferentes bens culturais, integrou as HQ à
indústria cultural que caracterizou a cultura ocidental, e posteriormente a oriental, ao longo do
século XX.
No século XXI, temos as HQ convergindo para os suportes digitais, transformando sua
linguagem e mídias. Fenômeno esse acompanhado pela cada vez mais frequente intersemiose,
transitando seus enredos por produtos fílmicos diversos, assim como o crescente mercado de
bens consumíveis que deriva diretamente de seu design e enredos.
O acesso amplo e irrestrito da leitura das HQ, em pleno contraste com a falta de
aprofundamento de hábitos e gostos leitores entre todos os segmentos da sociedade, cria uma
situação que requer cuidados. Como conhecimento corrente entre os estudiosos da academia e
profissionais da comunicação e informação, já se sabe que as HQ têm sua produção
predominantemente voltada para o público adulto. As HQ fazem parte do repertório de
produções editoriais, voltadas para o consumo leitor. São consagradas pela indústria cultural e
têm galgado status de fonte de leitura com diferentes finalidades: lazer e entretenimento,
formação de leitores, fonte de informação, gênero discursivo e literário.
Contudo, a natureza da linguagem, híbrida de texto e imagem, causa um efeito ilusório
no senso comum: o de que sua proposta é predominantemente voltada para o público infantil.
Desde suas origens históricas, contudo, a produção de HQ é voltada sobretudo ao público
adolescente e adulto, carregando consigo temática e linguagem complexa para o leitor infantil
(ou novato).
As políticas públicas do Brasil nas primeiras décadas do século XXI, assim como a
academia, legitimam a presença das HQ nos ambientes sociais, como fonte de leitura e
informação, assim como recurso didático-pedagógico. No mundo, a apropriação, ressignificação,
produção e registro autônomo de conhecimentos, por meio da linguagem e mídias das HQ tem
sido legitimada até o nível de pós-graduação.
Contudo, os incidentes envolvendo a aplicação inadequada de HQ em práticas
pedagógicas no Brasil, além dos problemas vividos pelo público consumidor autônomo, levaram
à constatação de que se trata de uma lacuna em relação à apresentação de seus conteúdos.
Grande parte desses incidentes e “surpresas” poderia ser evitada, pela adoção de um
procedimento já existente: a classificação indicativa.
A delimitação de conteúdos adultos nas HQ, em nível mundial, teve em suas origens
objetivos bem claros com relação à conquista de liberdade de expressão e cuidados em relação às
faixas etárias mais tenras. Sem praticar a segmentação em faixas etárias, nem especificar a
natureza dos conteúdos, as primeiras iniciativas foram voltadas à alertar os consumidores sobre a
presença de conteúdos notoriamente do universo adulto.
O radicalismo da Guerra Fria cria um ambiente conturbado na indústria cultural, que
tem como modelares as práticas estadunidenses. A instauração dos inquéritos e a formalização
do Comics Code determinou novas regras de mercado, o que gerou o florescimento de uma
produção de HQ mainstream, autocensurada e dirigida de modo genérico ao público infanto-
juvenil, com escassa produção adulta. No entanto, é da parte da produção de HQ underground
que aparece a primeira iniciativa de sinalização indicativa da faixa etária na capa da publicação.
A Revista Zap Comics, em seu primeiro número publicado em fevereiro de 1968, figurava de
modo destacado a seguinte frase: “Aviso justo: somente para adultos intelectuais!1”. Segundo
Mazur e Danner (2014, 23):
1
Traduzido livremente do inglês “Fair Warning: for adult intelectuals only” (MAZUR; DANNER, 2014, 22).
L’Echo que piadas sujas e “xixi-cocô”, é claro, sem a imposição
comercial de personagens recorrentes e de uma série com continuidade,
Mandrika, Gotlib e Bretècher conseguiram explorar formatos maiores,
histórias independentes.
Acompanhando as tendências que se configuraram no mercado internacional, ao longo
das décadas de 1960 e 1970, a produção oriental, sobretudo a japonesa dos Mangás, praticou a
classificação indicativa. Como fato predecessor, a principal fonte de demanda pela referida
segmentação da produção era o seu forte público leitor, cujas preferências haviam se
diversificado e amadurecido ao longo dos anos 1950. “Os jovens leitores de mangá dos anos 50 e
do início dos anos 60 estavam crescendo e exigiam material mais maduro: mais corajoso e
sexualizado, além de social e psicologicamente relevante para quem chegava à idade adulta”
(MAZUR; DANNER, 2014, p. 63).
No Brasil, a iniciativa de controle da produção de HQ e seus conteúdos ocorreu sob
influência do Comics Code Authority Estadunidense, cabendo ao presidente da república na
época, o catedrático em Língua Portuguesa Jânio da Silva Quadros, a intervenção que originou o
código praticado no Brasil.
O presidente eleito Jânio Quadros, chega a elaborar uma lei com esses
intuitos; temendo represálias, as principais editoras de quadrinhos da
época: EBAL, Rio Gráfica Editora, Abril, Record e O Cruzeiro criam o
“Código de Ética dos Quadrinhos”, a versão brasileira do Comics Code
Authority, tendo como base o código americano e os “Mandamentos das
Histórias em Quadrinhos da EBAL” (FOGUEL, 2016, p. 53).
Assim, o século XX determinou a evolução da linguagem e das mídias das HQ, assim
como autodenominou a produção para adultos. Do ponto de vista evolutivo, a autocensura
provocada pela imposição dos códigos de conduta editorial prejudicou a caracterização da
produção adulta como tal. O condicionamento editorial criado pela autocensura também limitou
o consumo da produção adulta, ou fez com que essa circulasse de forma camuflada entre obras
voltadas para outros segmentos. Porém, a situação mais perigosa é a da falta de percepção do
público, inclusive composto por pais, educadores e acadêmicos, de que a produção adulta não só
é possível como predominante em âmbito global.
Essa impressão perdura e é a causadora de inúmeros incidentes, tendo em vista que a
mera visualização das capas não traz advertências registradas, assim como sua ilustração não
pode conter material chocante, evitando o contato acidental durante a exposição ou
comercialização do exemplar. Por outro lado, os autores e potenciais leitores, de HQ com
conteúdos adultos também se encontram desinformados, sem definição mercadológica ou
estratégias de conquista de seu espaço de veiculação. Então, a definição de conteúdos adultos, na
atual configuração nebulosa dos quadrinhos brasileiros, tende à sufocar os desejos leitores
potencializados pela leitura infantil, que não encontram eco na produção de HQ elaboradas e
identificadas para esse segmento.
CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA
No caso da intersemiose, O Brasil recorre aos recursos da CI, como disseminados pelo
MJ, já que a mídia cinematográfica, as animações e as séries, em sua comercialização e
veiculação, já são distribuídas utilizando a referida classificação como critério. Segundo o Guia
Prático da Classificação Indicativa, sua definição se refere a “indicação à família sobre a faixa
etária para a qual obras audiovisuais (programação de TV, filmes, DVD, jogos eletrônicos e de
interpretação – RPG) não se recomendam.” (BRASIL, 2012B, p.38). O embasamento legal da
classificação consiste na Constituição de 1998, em seu Art. 220, § 3º, inciso I, “regular as
diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as
faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre
inadequada” (BRASIL, 1988).
Entendemos que apesar da classificação indicativa ser comumente associada à censura. A
diferença entre essas consiste no fato de que a primeira regulamenta a partir das características
da produção enquanto que a outra proíbe a divulgação ou execução. Ou seja, ao estabelecer os
critérios, diferentemente de infringir o direito à liberdade de expressão, a CI reitera o direito dos
pais e responsáveis quanto à escolha do tipo de formação dos filhos ou menores de idade. Direito
este estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) na Declaração Universal de
Direitos Humanos que o Brasil é signatário (BRASIL, 1988).
Antes de tratarmos propriamente das nossas recomendações. Devemos apresentar os
critérios estabelecidos pelo Ministério da Justiça para regulamentação do conteúdo audiovisual
brasileiro. Os critérios utilizados para definir a classificação indicativa são: violência; sexo e
nudez; e drogas. Sendo que cada um deles é descrito de acordo com suas tendências para
definição da faixa etária. Esta, por sua vez, de acordo com a Classificação Indicativa: Guia
Prático (2012) possuem seis níveis, a saber: “Livre [...] Não recomendado para menores de 10
anos [...] Não recomendado para menores de 12 anos; não recomendado para menores de 14
anos; Não recomendado para menores de 16 anos; Não recomendado para menores de 18 anos.”
(BRASIL, 2012B, p.29).
A ausência da CI se dá em praticamente todas HQ produzidas nacionalmente. Os
motivos para esse fato podem ser dos mais diversos, desde interesses mercadológicos das
editoras à escolha do autor de não classificar seus quadrinhos. Ainda assim, independentemente
das razões, podemos afirmar que a legislação brasileira não obriga a CI nas HQ, mas a
recomenda, como pode ser verificado por meio da leitura atenta da Portaria nº 368 de 11 de
fevereiro de 2014 do Ministério da Justiça (MJ), que apresenta três pontos importantes para este
processo.
O primeiro ponto pode ser verificado por meio da diferenciação entre obra e obra
audiovisual, que são compreendidas de modo similar no processo de classificação indicado no
Guia Prático de Classificação Indicativa (BRASIL, 2012B, passim). O segundo ponto diz
respeito ao entendimento que o MJ tem sobre os bens culturais, enquanto obras passíveis de CI.
Ou seja, para o MJ, a obra equivale a qualquer bem cultural passível de CI. E finalmente o
terceiro ponto, provavelmente o mais importante, tem a ver com o conceito do MJ sobre obra
audiovisual:
[...] obra resultante da fixação de imagens, com ou sem som, que tenha a
finalidade de criar, por meio de sua reprodução, a impressão de movimento,
independentemente dos processos de sua captação, do suporte usado inicial ou
posteriormente para fixá-las, bem como dos meios utilizados para sua
veiculação (MJ, 2014, p. 3)
RECOMENDAÇÕES
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRASIL, Ministério da Justiça. Campanha “Não se engane”. 2012. Disponível em: <
https://mj.jusbrasil.com.br/noticias/3058546/campanha-alerta-pais-sobre-importancia-da-
classificacao-indicativa>. Acesso em 27 set. 2018.
BRASIL, Ministério da Justiça. Portaria no. 368/2014. Brasília: Ministério da Justiça, 2014.
Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/classificacao/legislacao/portaria-mj-
368-14.pdf/view>. Acesso em 28 set. 2018.
BRASIL. Decreto-Lei no. 7559/2011. Dispõe sobre o Plano Nacional do Livro e Leitura - PNLL
e dá outras providências. Brasília, 1 de set. 2011. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7559.htm>. Acesso em 27
set. 2018.
BRASIL. lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: 2002.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: jan.
2017.
FOGUEL Israel. A magia da nona arte. São Paulo: Clube de Autores, 2016.
ROSES. Como é feita a Classificação Indicativa dos mangás? In: Biblioteca Brasileira de
Mangás: Desmistificando. 10 mar. 2016. Disponível em:
<https://bibliotecabrasileirademangas.wordpress.com/2016/03/10/desmistificando-como-e-feita-
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