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NEM TODOS OS QUADRINHOS SÃO PARA CRIANÇAS: CLASSIFICAÇÃO

INDICATIVA E FORMAÇÃO DE LEITORES NOVATOS.

Valéria Aparecida Bari

Doutora em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo (2008). Vice-Diretora do


Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Sergipe (CCSA/UFS). Líder
do Grupo de Pesquisa em Leitura, Escrita e Narrativa: Cultura, Mediação, Apresentação Gráfica,
Editoração e Manifestações (PLENA).

Raul Felipe Silva Rodrigues

Graduado na Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Federal de Sergipe (2018).


Pesquisador do PLENA: Grupo de Pesquisa em Leitura, Escrita e Narrativa: Cultura, Mediação,
Apresentação Gráfica, Editoração e Manifestações. Aracaju, Sergipe, Brasil.

RESUMO

Como bem sabemos, as histórias em quadrinhos não são só para crianças. Podemos facilmente encontra-
las direcionadas para o público adolescente e adulto, com variados temas e abordagem expressivas. Com
isso, percebemos o respeito à liberdade de expressão estabelecida legalmente no Brasil, publicitado
segundo as regras e procedimentos de mercado. Contudo, para além das práticas de consumo desses
importantes bens culturais, esta comunicação considera os estudos que relacionam as histórias em
quadrinhos à prática docente, bem como à mediação de leitura e ao lazer cultural de crianças e jovens.
Tem por finalidade discorrer sobre a necessidade social de classificação indicativa voluntária, como
procedimento de editoração de revistas e álbuns de quadrinhos. Dessa forma, identifica os critérios
utilizados para definir essa classificação indicativa, como metodologia verificativa de procedência, para
aplicação da mesma às histórias em quadrinhos. A justificativa do procedimento sugerido é contribuir
para formação de leitores infanto-juvenis, à medida que evita incidentes ou percalços, mediante o
esclarecimento prévio dos conteúdos pelos familiares, educadores e atores culturais que selecionarão e
mediarão a leitura. Por conseguinte, a partir das noções estabelecidas pelo Ministério da Justiça, pode-se
propor a adoção da classificação indicativa de modo voluntário, nas publicações de histórias em
quadrinhos, principalmente quando as mesmas são veiculadas em revistas ou álbuns. Como considerações
finais, serão feitas recomendações acerca da classificação indicativa e sua clara distinção de ações de
censura para histórias em quadrinhos, ou seja, demonstrando que a disseminação da informação prévia
dos conteúdos não implica em censura, mas em acesso à informação, beneficiando a mediação da leitura e
trazendo segurança aos pais, responsáveis e educadores, no processo de formação de leitores novatos.

PALAVRAS-CHAVE: Histórias em Quadrinhos; Classificação Indicativa; Formação do Leitor.


INTRODUÇÃO

Desde suas origens, as narrativas sequenciais gráficas têm sido voltadas para o registro
de informações e sua comunicação, de forma inteligível, para a maior parte dos leitores
potenciais. Contudo, sendo a linguagem progressivamente hibridizada de texto e imagem, seu
potencial de armazenamento de conceitos e juízos foi se ampliando ao longo dos séculos,
chegando ao nível de aprimoramento de uma hipermídia da era pós-moderna.
Nesse percurso, a produção se tornou eclética e sofreu uma segmentação, para
contemplar a formação de gostos leitores entre diferentes faixas etárias. Caracterizando-se
previamente como fenômeno literário (ainda que sob controvérsia) acompanhou as tendências de
gênero e fez surgir, no final do séc. XIX, as Histórias em Quadrinhos (HQ). O amadurecimento
da linguagem híbrida de texto e imagem, assim como a configuração de um ambiente midiático
composto pelo suporte de papel, apresentado em diferentes bens culturais, integrou as HQ à
indústria cultural que caracterizou a cultura ocidental, e posteriormente a oriental, ao longo do
século XX.
No século XXI, temos as HQ convergindo para os suportes digitais, transformando sua
linguagem e mídias. Fenômeno esse acompanhado pela cada vez mais frequente intersemiose,
transitando seus enredos por produtos fílmicos diversos, assim como o crescente mercado de
bens consumíveis que deriva diretamente de seu design e enredos.
O acesso amplo e irrestrito da leitura das HQ, em pleno contraste com a falta de
aprofundamento de hábitos e gostos leitores entre todos os segmentos da sociedade, cria uma
situação que requer cuidados. Como conhecimento corrente entre os estudiosos da academia e
profissionais da comunicação e informação, já se sabe que as HQ têm sua produção
predominantemente voltada para o público adulto. As HQ fazem parte do repertório de
produções editoriais, voltadas para o consumo leitor. São consagradas pela indústria cultural e
têm galgado status de fonte de leitura com diferentes finalidades: lazer e entretenimento,
formação de leitores, fonte de informação, gênero discursivo e literário.
Contudo, a natureza da linguagem, híbrida de texto e imagem, causa um efeito ilusório
no senso comum: o de que sua proposta é predominantemente voltada para o público infantil.
Desde suas origens históricas, contudo, a produção de HQ é voltada sobretudo ao público
adolescente e adulto, carregando consigo temática e linguagem complexa para o leitor infantil
(ou novato).
As políticas públicas do Brasil nas primeiras décadas do século XXI, assim como a
academia, legitimam a presença das HQ nos ambientes sociais, como fonte de leitura e
informação, assim como recurso didático-pedagógico. No mundo, a apropriação, ressignificação,
produção e registro autônomo de conhecimentos, por meio da linguagem e mídias das HQ tem
sido legitimada até o nível de pós-graduação.
Contudo, os incidentes envolvendo a aplicação inadequada de HQ em práticas
pedagógicas no Brasil, além dos problemas vividos pelo público consumidor autônomo, levaram
à constatação de que se trata de uma lacuna em relação à apresentação de seus conteúdos.
Grande parte desses incidentes e “surpresas” poderia ser evitada, pela adoção de um
procedimento já existente: a classificação indicativa.

A DELIMITAÇÃO DE CONTEÚDOS ADULTOS NAS HQ

A delimitação de conteúdos adultos nas HQ, em nível mundial, teve em suas origens
objetivos bem claros com relação à conquista de liberdade de expressão e cuidados em relação às
faixas etárias mais tenras. Sem praticar a segmentação em faixas etárias, nem especificar a
natureza dos conteúdos, as primeiras iniciativas foram voltadas à alertar os consumidores sobre a
presença de conteúdos notoriamente do universo adulto.
O radicalismo da Guerra Fria cria um ambiente conturbado na indústria cultural, que
tem como modelares as práticas estadunidenses. A instauração dos inquéritos e a formalização
do Comics Code determinou novas regras de mercado, o que gerou o florescimento de uma
produção de HQ mainstream, autocensurada e dirigida de modo genérico ao público infanto-
juvenil, com escassa produção adulta. No entanto, é da parte da produção de HQ underground
que aparece a primeira iniciativa de sinalização indicativa da faixa etária na capa da publicação.
A Revista Zap Comics, em seu primeiro número publicado em fevereiro de 1968, figurava de
modo destacado a seguinte frase: “Aviso justo: somente para adultos intelectuais!1”. Segundo
Mazur e Danner (2014, 23):

Depois de uma década ou mais, em que a autocensura da indústria de


quadrinhos havia consolidado a ideia das HQs como mídia para crianças, os
artistas underground resgataram os prazeres infantis da leitura de quadrinhos
para um público adulto. Quebrando tabus, seus desenhos colocaram em
primeiro plano nudez e sexo, violência extrema, humor irreverente e política
radical, mas também ampliaram os limites convencionais dos quadrinhos como
forma de arte. A estética underground era um olhas áspero e espontâneo, que se
arriscava à pecar por excesso de desordem, até mesmo de ilegibilidade, em vez
de parecer uma publicação sofisticada ou comercial.

A literatura especializada documenta o pioneirismo da produção francesa, na década de


1970, explicitando que enfim se desejava evitar os radicalismos impostos pelo Comics Code
Authority Estadunidense, ou legislações e codificações derivadas que se disseminaram no mundo
ocidental.
Segundo Mazur e Danner (2014, p. 111):

A primeira edição de L’Echo des Savannes saiu em maio de 1972 e teve


enorme impacto. Foi a primeira revista francesa em quadrinhos a ter na
capa um aviso de “apenas para adultos”, e os três criadores aproveitaram
de verdade a não interferência editorial e de censura. [...] Havia mais na

1
Traduzido livremente do inglês “Fair Warning: for adult intelectuals only” (MAZUR; DANNER, 2014, 22).
L’Echo que piadas sujas e “xixi-cocô”, é claro, sem a imposição
comercial de personagens recorrentes e de uma série com continuidade,
Mandrika, Gotlib e Bretècher conseguiram explorar formatos maiores,
histórias independentes.
Acompanhando as tendências que se configuraram no mercado internacional, ao longo
das décadas de 1960 e 1970, a produção oriental, sobretudo a japonesa dos Mangás, praticou a
classificação indicativa. Como fato predecessor, a principal fonte de demanda pela referida
segmentação da produção era o seu forte público leitor, cujas preferências haviam se
diversificado e amadurecido ao longo dos anos 1950. “Os jovens leitores de mangá dos anos 50 e
do início dos anos 60 estavam crescendo e exigiam material mais maduro: mais corajoso e
sexualizado, além de social e psicologicamente relevante para quem chegava à idade adulta”
(MAZUR; DANNER, 2014, p. 63).
No Brasil, a iniciativa de controle da produção de HQ e seus conteúdos ocorreu sob
influência do Comics Code Authority Estadunidense, cabendo ao presidente da república na
época, o catedrático em Língua Portuguesa Jânio da Silva Quadros, a intervenção que originou o
código praticado no Brasil.

O presidente eleito Jânio Quadros, chega a elaborar uma lei com esses
intuitos; temendo represálias, as principais editoras de quadrinhos da
época: EBAL, Rio Gráfica Editora, Abril, Record e O Cruzeiro criam o
“Código de Ética dos Quadrinhos”, a versão brasileira do Comics Code
Authority, tendo como base o código americano e os “Mandamentos das
Histórias em Quadrinhos da EBAL” (FOGUEL, 2016, p. 53).
Assim, o século XX determinou a evolução da linguagem e das mídias das HQ, assim
como autodenominou a produção para adultos. Do ponto de vista evolutivo, a autocensura
provocada pela imposição dos códigos de conduta editorial prejudicou a caracterização da
produção adulta como tal. O condicionamento editorial criado pela autocensura também limitou
o consumo da produção adulta, ou fez com que essa circulasse de forma camuflada entre obras
voltadas para outros segmentos. Porém, a situação mais perigosa é a da falta de percepção do
público, inclusive composto por pais, educadores e acadêmicos, de que a produção adulta não só
é possível como predominante em âmbito global.
Essa impressão perdura e é a causadora de inúmeros incidentes, tendo em vista que a
mera visualização das capas não traz advertências registradas, assim como sua ilustração não
pode conter material chocante, evitando o contato acidental durante a exposição ou
comercialização do exemplar. Por outro lado, os autores e potenciais leitores, de HQ com
conteúdos adultos também se encontram desinformados, sem definição mercadológica ou
estratégias de conquista de seu espaço de veiculação. Então, a definição de conteúdos adultos, na
atual configuração nebulosa dos quadrinhos brasileiros, tende à sufocar os desejos leitores
potencializados pela leitura infantil, que não encontram eco na produção de HQ elaboradas e
identificadas para esse segmento.

CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA

No Brasil, mediante a situação de obscuridade em relação à produção das HQ com


conteúdo adulto, nem mesmo existe a orientação clara da aplicação dos critérios de Classificação
Indicativa (CI), instituídos pelo Ministério da Justiça e aplicáveis à diversos bens culturais
similares. Muito diferente da censura exercida nos chamados “anos de chumbo”, a classificação
indicativa tem o potencial de oferecer ao leitor, docente ou maior de idade responsável por
crianças e adolescente leitores uma ideia clara do conteúdo apresentado no interior de uma
publicação em quadrinhos.
Ela pode ser atribuída de modo voluntário e autônomo, pelos autores e editores das HQ,
assim como não prejudica a estética da publicação e torna inequívoca a sua adoção didática e
composição de acervos das bibliotecas escolares, ou aquisição para leitura e composição de
bibliotecas domésticas. De modo geral, a CI regulamentaria princípios legais presentes no
Estatuto da Criança e Adolescente (ECA).
Para proteção dos menores e incapazes, o ECA determina de forma clara a necessidade
da sinalização da presença de material impróprio ou inadequado para leitores infanto-juvenis:
“Art. 78: As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado à crianças e
adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com advertência de seu
conteúdo” (BRASIL, 1990). Contudo, os editores brasileiros não criaram uma padronização
própria com referência a essa sinalização de conteúdos adultos, nem adotaram voluntariamente a
já existente e aplicada à produção audiovisual brasileira, disponível no Guia Prático da
Classificação Indicativa (BRASIL, 2012B).
Assim, a CI apoia a concretização de medidas legais do ECA, ao mesmo tempo
apoiando a opção pelo uso pedagógico ou de leitura doméstica, no momento da seleção. Como
explicitado por Di Pietro:
Segundo o princípio da legalidade a administração pública só pode fazer o que a
lei permite, no âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o
da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe (DI
PIETRO apud CATITA, 2006, p. 50).

Num ambiente social livre da censura e do cerceamento da livre expressão, a


preocupação passa a ser amadurecer as relações leitoras e a criticidade, evitar os incidentes de
exposição inadequada de conteúdos polêmicos para as mais tenras faixas etárias e resguardar
servidores e instituições. As repercussões da disseminação das informações essenciais de modo
padronizado, de forma que todos conheçam, aprimora também os critérios de escolha e a
autonomia da vontade em relação à leitura das HQ. Também, por uma questão de identidade, a
CI acaba tornando transparentes os enredos compostos por segmentos minoritários da sociedade.
Por outro lado, o Direito Constitucional indica que mecanismos ligados ao nível federal,
no qual verificamos a alçada do Ministério da Justiça (MJ), a competência de regulamentar
instrumentos e princípios para que essa informação seja adequadamente veiculada.:

Art. 21. Compete à União:


XVI – exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de
programas de rádio e televisão; (BRASIL, 1988)

No caso da intersemiose, O Brasil recorre aos recursos da CI, como disseminados pelo
MJ, já que a mídia cinematográfica, as animações e as séries, em sua comercialização e
veiculação, já são distribuídas utilizando a referida classificação como critério. Segundo o Guia
Prático da Classificação Indicativa, sua definição se refere a “indicação à família sobre a faixa
etária para a qual obras audiovisuais (programação de TV, filmes, DVD, jogos eletrônicos e de
interpretação – RPG) não se recomendam.” (BRASIL, 2012B, p.38). O embasamento legal da
classificação consiste na Constituição de 1998, em seu Art. 220, § 3º, inciso I, “regular as
diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as
faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre
inadequada” (BRASIL, 1988).
Entendemos que apesar da classificação indicativa ser comumente associada à censura. A
diferença entre essas consiste no fato de que a primeira regulamenta a partir das características
da produção enquanto que a outra proíbe a divulgação ou execução. Ou seja, ao estabelecer os
critérios, diferentemente de infringir o direito à liberdade de expressão, a CI reitera o direito dos
pais e responsáveis quanto à escolha do tipo de formação dos filhos ou menores de idade. Direito
este estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) na Declaração Universal de
Direitos Humanos que o Brasil é signatário (BRASIL, 1988).
Antes de tratarmos propriamente das nossas recomendações. Devemos apresentar os
critérios estabelecidos pelo Ministério da Justiça para regulamentação do conteúdo audiovisual
brasileiro. Os critérios utilizados para definir a classificação indicativa são: violência; sexo e
nudez; e drogas. Sendo que cada um deles é descrito de acordo com suas tendências para
definição da faixa etária. Esta, por sua vez, de acordo com a Classificação Indicativa: Guia
Prático (2012) possuem seis níveis, a saber: “Livre [...] Não recomendado para menores de 10
anos [...] Não recomendado para menores de 12 anos; não recomendado para menores de 14
anos; Não recomendado para menores de 16 anos; Não recomendado para menores de 18 anos.”
(BRASIL, 2012B, p.29).
A ausência da CI se dá em praticamente todas HQ produzidas nacionalmente. Os
motivos para esse fato podem ser dos mais diversos, desde interesses mercadológicos das
editoras à escolha do autor de não classificar seus quadrinhos. Ainda assim, independentemente
das razões, podemos afirmar que a legislação brasileira não obriga a CI nas HQ, mas a
recomenda, como pode ser verificado por meio da leitura atenta da Portaria nº 368 de 11 de
fevereiro de 2014 do Ministério da Justiça (MJ), que apresenta três pontos importantes para este
processo.
O primeiro ponto pode ser verificado por meio da diferenciação entre obra e obra
audiovisual, que são compreendidas de modo similar no processo de classificação indicado no
Guia Prático de Classificação Indicativa (BRASIL, 2012B, passim). O segundo ponto diz
respeito ao entendimento que o MJ tem sobre os bens culturais, enquanto obras passíveis de CI.
Ou seja, para o MJ, a obra equivale a qualquer bem cultural passível de CI. E finalmente o
terceiro ponto, provavelmente o mais importante, tem a ver com o conceito do MJ sobre obra
audiovisual:

[...] obra resultante da fixação de imagens, com ou sem som, que tenha a
finalidade de criar, por meio de sua reprodução, a impressão de movimento,
independentemente dos processos de sua captação, do suporte usado inicial ou
posteriormente para fixá-las, bem como dos meios utilizados para sua
veiculação (MJ, 2014, p. 3)

Logo, afirmamos que, de acordo com o entendimento do MJ, as HQ se inserem na CI


como audiovisuais. O conceito descrito na Portaria supracitada às abrange, sendo que o objetivo
desse documento foi publicizar os conceitos utilizados na CI. Verificamos, por meio dos recursos
semiológicos e híbridos da linguagem das HQ, mesmo sem som e veiculadas tradicionalmente
em um suporte impresso, criam a impressão de movimento e suas vinhetas representam períodos
de tempo. É possível ainda questionar a ausência do som nas HQ, já que as mesmas possuem
uma categoria de quadrinhos mudos.
A aplicação da CI sem conhecimento da finalidade ou da escala proposta pelo MJ cria
contextos que prestam desserviço à finalidade da classificação etária. A sinalização invisível não
coopera com o objetivo da proposta, somente cumpre uma função “perfunctória” e acaba
prejudicando os relacionamentos e procedimentos que se pretende estabelecer. Também foi
possível notar em observação de campo a adoção de escalas internacionalmente atribuídas,
principalmente a Japonesa, às publicações traduzidas para o Português, sendo que a legislação
brasileira possui diferenças, conforme é possível verificar na CI.

RECOMENDAÇÕES

Com a finalidade de satisfazer a necessidade informacional detectada nesse estudo e em


antecessores (ROSES, 2016A, 2016B), a adoção voluntária da classificação indicativa pelos
autores e editores de HQ orienta as seguintes práticas:
• Posicionamento físico das publicações em livrarias, gibitecas, bibliotecas, salas de
leitura;
• Adoção de obras como recurso didático-pedagógico na educação formal;
• Seleção de leituras na esfera doméstica;
• Aquisição de material de acervos de bibliotecas, pontos de leitura, gibitecas,
centros culturais, entre outros, segundo o perfil leitor do usuário (público-alvo
da instituição).
Além disso, traz a percepção dos conteúdos das HQ, disseminando-as adequadamente e
permitindo a escolha dos consumidores que desejam ter contemplados seus gostos leitores. Ou
seja, fortalecem a identidade das HQ como leitura voltada para adolescentes e adultos, superando
a infantilização atribuída pelo senso comum e pelas ações internacionais de censura do séc. XX.
Sob o ponto de vista da verificação, uma vez adotada: “A classificação indicativa deve
ser exibida em dois locais no invólucro e embalagens de mídias ou de produtos que contenham
de alguma forma o produto classificável” (BRASIL, 2012B, p. 29). Ainda, “A exibição resumida
deve constar no canto inferior esquerdo ou no canto inferior direito da parte frontal [...] Para
capas ou embalagens de até 270 cm2 de área frontal, o símbolo deverá medir no mínimo 10 mm
de altura X 10 mm de largura” (BRASIL, 2012, p.31).
A Campanha “Não se Engane” (BRASIL, 2012A) opta por um outro caminho, atribuindo
aos pais a opção da visão crítica e do estabelecimento de critérios, segundo o princípio da
autonomia da vontade, para regular o acesso de conteúdos questionáveis aos menores sob sua
guarda ou tutela (figura 1). Porém, as limitações em relação a esse exercício ficam claras, devido
ao nível heterogêneo de alfabetização da população, que pode vir a camuflar esses conteúdos nas
HQ em específico.

Figura 1: Campanha “Não se engane”


Fonte: BRASIL, 2012A.
A CI no Brasil mescla critérios demográficos e conceituais, apresentando-se como uma
frisa clara de segmentação, que pode ser aplicada às HQ pelos autores e editores, sem
dificuldades: “Livre; Não recomendado para menores de 10 anos; Não recomendado para
menores de 12 anos; Não recomendado para menores de 14 anos; Não recomendado para
menores de 16 anos; Não recomendado para menores de 18 anos” (BRASIL, 2012B, p.29). Cada
um dos respectivos níveis deve ser representado por uma cor e símbolo específico (figura 2).

Figura 2: Símbolos da classificação indicativa


Fonte: SNJ/MJ, 2012, p. 29.

A figura 2 consiste na exibição resumida e deve constar no canto inferior esquerdo ou


no canto inferior direito da parte frontal da capa ou embalagem. As obras classificáveis também
devem possuir uma exibição completa da CI, em qualquer lugar da parte traseira da capa ou
embalagem, podendo haver variações de classificação (figura 3).

Figura 3: Exibição completa e com variação


Fonte: SNJ/MJ, 2012, p. 30 – 31.

A adoção da sinalização da CI, além dos benefícios já propalados nessa comunicação


científica, ainda tem a contribuir com a internacionalização da produção autoral dos quadrinhos
brasileiros. Comumente, nossos profissionais têm sido arregimentados para contribuir com
enredos e produções mainstream, ou mesmo com sua artefinalização. Acreditamos que uma
produção de HQ autoral amadurecida e discutida, segundo as regras de mercado e os critérios
conteudísticos que são demarcatórios de público-alvo, tornarão nossa produção atrativa à
comercialização internacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A consolidação das HQ como gênero literário e fonte de informação legitimada requer o


aprimoramento de seus relacionamentos com a sociedade, mediante uma melhor qualificação da
mídia e sua linguagem. Ainda se encontra indeterminada para a maior parte da população a
potencialidade das HQ, seja como mídia de entretenimento, seja como recurso de formação de
leitores, seja como linguagem de registro de conteúdos complexos e veiculadora de
conhecimentos em nível acadêmico.
A mera veiculação da CI é reconhecida de modo imediato por grande parte das pessoas,
apoiando a avaliação imediata, embora passível de superioridade, das HQ que irão transitar pela
esfera doméstica ou ser incorporadas à determinados acervos. De fato, a simbologia da CI já foi
previamente incorporada à cultura nacional e possui carga simbólica e informacional relevante e
clara.
Os problemas que serão enfrentados na adoção da CI para as HQ se referem à
resistência cultural e adequação. No caso da resistência cultural, existe ainda a confusão entre
classificação e censura e não nos atrevemos a afirmar que os métodos opressivos devem ser
esquecidos pelos artistas, intelectuais e editores. A liberdade de expressão está sempre em risco,
e se constitui num direito humano fundamental. Sendo assim, a discussão sobre a adoção da CI
deve ser prévia à sua obrigatoriedade, que se aproxima de ocorrer, mediante o número crescente
de incidentes envolvendo a exposição de menores à conteúdos inadequados em ambientes
institucionais.
Quanto a questão da adequação, uma observação criteriosa da CI aponta a questão
atenuante do gênero “fantasia”. Uma vez determinado o teor fantasioso, todos os conteúdos
inadequados sofrem uma atenuação na classificação, em vista do enfraquecimento do vínculo
com a realidade. Porém, no caso das HQ, sua leitura prevê intrinsecamente à linguagem um
protocolo de aceitação de fantasia, para a concretização da narrativa nesse gênero. Então, a
fantasia nas HQ deve ser considerada de um modo diferenciado, enfatizando o nível de
subjetividade e o recurso interpretativo. Ou seja, é necessário verificar se o adulto entende e a
criança não, para considerar a efetividade da classificação atenuada pelo critério da fantasia.
A discussão sobre a adesão à CI para as HQ deve partir para às questões práticas, pois a
referência legal e a fundamentação teórica já existem, mas é notória a falta de comunicação entre
o MJ, os editores e autores de HQ, a sociedade civil em geral, as instituições vinculadas à leitura,
o Plano Nacional do Livro e da Leitura (BRASIL, 2005), os profissionais da Biblioteconomia,
Educação, Comunicação, Editoração, entre outros.

REFERÊNCIAS

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