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04 Dezembro 2012
A resposta que o laicismo dá é
insatisfatória. As comunidades religiosas,
na medida em que desempenham um
papel vital na sociedade civil, não podem
ser banidas do âmbito político público e
forçadas à esfera privada, porque uma
política deliberativa depende do uso
público da razão, tanto pelos cidadãos
crentes quanto não crentes.
Eis o texto.
Se Mursi irá seguir a linha dura dos Irmãos Muçulmanos ou, de fato, se será um
presidente de todos os egípcios, e portanto também dos xiitas, dos coptas e dos
seculares, dependerá, dentre outras coisas, do fato se ele considerará a liberdade
religiosa e os outros direitos fundamentais de uma constituição liberal somente como
valores ou também como princípios. Na realidade, é preciso admitir que os princípios
racionalmente fundamentados requerem uma sensibilidade para o contexto de
aplicação, mas, segundo a sua pretensão, eles valem para todos e, além disso, eles não
têm nem prima facie uma relação de tensão com os "valores" de outras culturas.
O justo e o bom
Não posso entrar no mérito das tentativas de fundação do direito da razão, mas vou
me limitar ao tipo de raciocínio por ela seguido. Podemos distingui-la do contexto das
visões de mundo globais logo que se diferencie a ideia de justiça da de bem supremo.
A ordem justa, então, não se orienta mais por uma forma de vida exemplar,
solidamente ancorado no cosmos ou na história da salvação. Essa perspectiva de
justiça que adere ao bem concreto é substituída pela ideia de inclusão informal de
indivíduos livres e iguais, que podem dizer sim e não.
Segue-se daí que as mesmas pessoas que são expressamente autorizadas a praticar a
sua religião e a levar uma vida piedosa, no seu papel de cidadãs do Estado, devem
participar de um processo democrático, cujo resultado deve ser mantido livre de
qualquer aditivo religioso.
Expectativas
Segundo John Rawls, o Estado liberal deve, portanto, esperar dos seus cidadãos
crentes que eles fundamentem, a partir de sua própria fé, aquelas afirmações
seculares – segundo a sua própria opinião – apoiadas somente pela razão
democrática e do Estado de direito, respectivamente, e que as insiram como
"módulos" no contexto das suas convicções religiosas de fundo.
A Igreja Católica, por exemplo, realizou tal adaptação dogmática no Concílio Vaticano
II, portanto somente nos anos 1960. A imagem do módulo ilustra bem como os
cidadãos crentes podem apoiar, com relação às próprias ideias religiosas, a prioridade
objetiva e as decisões políticas em casos individuais e harmonizar estas com a
prioridade subjetiva das suas convicções de fé existenciais e, em última análise,
decisivas.
Ao mesmo tempo, a cultura majoritária também não pode manter como prisioneiros
os seus membros no conceito estreito de uma cultura dominante, que reivindica um
poder definidor exclusivo sobre a cultura política do país. Na sentença sobre a
admissibilidade da prática da circuncisão de muçulmanos (e judeus), o tribunal do
distrito de Colônia é injusto ao julgar, afirmando que, juntamente com os
muçulmanos naturalizados, "o Islã também faz parte da Alemanha".
O discurso intercultural
A isso pertence aquela leitura com um olho só e secularista do poder pelo Estado
secularizado, que edifica falsas fachadas. Como cidadãos seculares, não podemos
saber se o processo no nível da história do mundo de verbalização do sagrado foi
completado. Isso já havia começado com os primeiros mitos, isto é, com o surgimento
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24/09/2020 Quanto de religioso o Estado liberal tolera? Artigo de Jürgen Habermas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU
Portanto, o Estado liberal não deve somente pedir aos cidadãos seculares que levem a
sério como pessoas os cidadãos crentes que encontram no espaço político. Pode-se
até esperar deles que não deixem de reconhecer nos conteúdos articulados dos
posicionamentos e das declarações religiosas, se necessário, intuições reprimidas –
isto é, os potenciais conteúdos de verdade que podem ser introduzidos em uma
argumentação público não vinculada religiosamente.
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