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Embora os tibetanos fora do Tibete tenham sido reduzidos ao status de refugiados, nós
temos a liberdade de exercer nossos direitos. Nossos irmãos e irmãs no Tibete, apesar de
estarem em seu próprio país, sequer têm o direito à vida. Portanto, aqueles de nós que
estão no exílio temos a responsabilidade de contemplar e planejar um Tibete do futuro. Ao
longo dos anos, portanto, tentamos de várias formas alcançar um modelo de verdadeira
democracia. A familiaridade de todos os exilados tibetanos com a palavra “democracia”
mostra isso.
Por muito tempo aguardei com expectativa o momento em que pudéssemos conceber um
sistema político, tanto em sintonia com nossas tradições, quanto alinhado com as
demandas do mundo contemporâneo. Uma democracia que tenha a não violência e a paz
em suas raízes. Recentemente, embarcamos em mudanças que irão democratizar e
fortalecer mais nossa administração no exílio. Por muitas razões, decidi que não serei o
dirigente nem desempenharei qualquer papel no governo quando o Tibete se tornar
independente. O futuro dirigente do Governo do Tibete deve ser alguém eleito
popularmente pelo povo. Há muitas vantagens nesse passo, e deve permitir que nos
tornemos uma verdadeira e total democracia. Espero que esses movimentos permitam ao
povo do Tibete ter uma voz clara e ativa para determinar o futuro de seu país.
A ideia de que as pessoas possam viver juntas livremente como indivíduos, iguais em
princípios e, portanto, responsáveis umas pelas outras, concorda essencialmente com a
disposição budista. Como budistas, nós, tibetanos, reverenciamos a vida humana como o
presente mais precioso, e contemplamos a filosofia e os ensinamentos do Buda como um
caminho para o mais alto tipo de liberdade. Uma a meta a ser alcançada por homens e
mulheres igualmente.
O Buda viu que o verdadeiro propósito da vida é a felicidade. Ele também viu que,
enquanto a ignorância amarra os seres a eternas frustrações e sofrimentos, a sabedoria
liberta. A democracia moderna se baseia no princípio de que todos os seres humanos são
essencialmente iguais, que cada um de nós tem igual direito à vida, à liberdade e à
felicidade. O budismo também reconhece que os seres humanos têm direito à dignidade,
que todos os membros da família humana têm um direito igual e inalienável à liberdade,
não apenas em termos de liberdade política, mas também no nível fundamental da
liberdade do medo e da escassez. Sem importar se somos ricos ou pobres, educados ou sem
instrução, pertencendo a uma nação ou a outra, a uma religião ou a outra, aderindo a esta
ideologia ou aquela, cada um de nós é apenas um ser humano, como todos os demais. Não
apenas desejamos a felicidade e buscamos evitar o sofrimento, mas cada um de nós tem o
mesmo direito de buscar essas metas.
Todos desejamos liberdade, mas o que distingue um ser humano é sua inteligência. Como
seres humanos livres, podemos usar nossa inteligência única para tentar compreender a
nós mesmos e ao nosso mundo. O Buda deixou claro que seus seguidores não deviam levar
ao pé da letra nem sequer o que ele dizia, e sim examinar e testar tudo, da mesma forma
que o ourives testa a qualidade do ouro. Porém, se não pudermos usar nosso
discernimento e criatividade, perdemos uma das características básicas de um ser humano.
Portanto, a liberdade política, social e cultural que a democracia permite é de imenso valor
e importância.
A força bruta, não importa com quanta intensidade seja aplicada, nunca pode subjugar o
desejo básico humano de liberdade. As centenas de milhares de pessoas que marcharam
nas cidades da Europa Oriental provaram isso. Elas simplesmente expressaram a
necessidade humana de liberdade e democracia. Suas demandas não estavam nada
relacionadas a alguma nova ideologia; elas simplesmente estavam expressando seu desejo
genuíno de liberdade. Não é suficiente, como os sistemas comunistas pressupuseram,
simplesmente fornecer às pessoas alimento, abrigo e vestimentas. Nossa natureza mais
profunda requer que respiremos o precioso ar da liberdade.
As revoluções pacíficas na antiga União Soviética e Europa Oriental nos ensinaram muitas
grandes lições. Uma delas é o valor da verdade. As pessoas não gostam de ser maltratadas,
enganadas ou que se minta a elas, seja por um indivíduo ou por um sistema. Essas ações
são contrárias ao espírito humano essencial. Portanto, aqueles que praticam enganos e
mentiras e usam a força podem alcançar um sucesso considerável no curto prazo, porém,
mais cedo ou mais tarde, serão destituídos.
À medida que nos aproximamos do final do Século XX (texto de 1993), descobrimos que o
mundo ficou menor e que os povos do mundo se tornaram quase uma comunidade.
Também estamos sendo reunidos pelos graves problemas que enfrentamos:
superpopulação, escassez de recursos e uma crise ambiental que ameaça a própria base da
existência neste pequeno planeta que compartilhamos. Acredito que, para enfrentar os
desafios de nossos tempos, os seres humanos terão que desenvolver um sentimento maior
de responsabilidade universal. Cada um de nós precisa aprender a trabalhar não apenas
para si mesmo, para sua família ou nação, mas pelo benefício de toda a humanidade.
Responsabilidade universal é a verdadeira chave para a sobrevivência humana. É a melhor
base para a paz mundial, o uso equitativo dos recursos naturais e o cuidado adequado com
o meio ambiente.
Apesar dos rápidos avanços feitos pela civilização neste século, acredito que a causa mais
imediata de nosso dilema atual seja nossa ênfase indevida apenas no desenvolvimento
material. Temos ficado tão absortos nessa busca que, mesmo sem sequer perceber,
negligenciamos a atenção às necessidades humanas mais básicas de amor, gentileza,
cooperação e cuidado. Se não conhecemos alguém, ou não nos sentimos conectados a um
indivíduo ou grupo em particular, simplesmente desconsideramos suas necessidades. E, no
entanto, o desenvolvimento da sociedade humana se baseia inteiramente em pessoas
ajudando umas às outras. Uma vez perdida a humanidade essencial que é nossa base, qual
é o objetivo de buscar melhorias materiais?
Nas circunstâncias atuais, ninguém pode se dar ao luxo de pressupor que outra pessoa
resolverá nossos problemas. Cada indivíduo tem a responsabilidade de ajudar a guiar
nossa família global na direção certa, e devemos cada um assumir essa responsabilidade. O
que temos que colocar como meta é a causa comum de nossa sociedade. Se a sociedade
como um todo estiver bem, cada indivíduo ou associação dentro dela naturalmente sairá
ganhando. Eles serão naturalmente felizes. Entretanto, se a sociedade como um todo
entrar em colapso, então onde poderemos buscar ajuda para lutar por nossos direitos e
exigi-los?
Da minha parte, verdadeiramente acredito que os indivíduos podem fazer a diferença na
sociedade. Como um monge budista, tento desenvolver eu mesmo a compaixão, não
apenas de um ponto de vista religioso, mas também de um ponto de vista humanitário.
Para me incentivar nessa atitude altruísta, algumas vezes creio ser útil imaginar a mim
mesmo, um único indivíduo, de um lado e, do outro, uma imensa congregação de todos os
outros seres humanos. Então, me pergunto: “Quais interesses são mais importantes?” Para
mim, então, fica muito claro que, por mais importante que eu possa me sentir, sou apenas
um, ao passo que os outros formam a maioria.