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Segundo as doutrinas do universalismo, do

realismo conceitual, do holismo e do coletivismo,


a sociedade é uma entidade que vive sua própria
vida, independente e separada das vidas dos
diversos indivíduos, agindo por sua própria conta
e visando a seus próprios fins, que são diferentes
dos pretendidos pelos indivíduos.
Assim sendo, é evidente que pode surgir um
antagonismo entre os objetivos da sociedade e os
objetivos individuais.
Logo, para salvaguardar o florescimento e
futuro desenvolvimento da sociedade, torna-se
necessário controlar o egoísmo dos indivíduos e
obrigá-los a sacrificar seus desígnios egoístas em
benefício da sociedade.
Chegando a esta conclusão, todas as
doutrinas coletivistas têm forçosamente de
abandonar os métodos tradicionais da ciência
humana e do raciocínio lógico e adotar uma
profissão de fé teológica ou metafísica. Ato
contínuo, e recorrendo a líderes carismáticos, os
adeptos desta doutrina têm de obrigar os homens
— que são perversos por natureza, isto é,
dispostos a perseguir seus próprios fins — a
entrar no caminho certo que a história quer que
eles trilhem.
Esta filosofia é a mesma que, desde tempos
imemoriais, caracteriza as crenças de tribos
primitivas. Tem sido um elemento de todos os
ensinamentos religiosos. O indivíduo torna-se
obrigado a respeitar os decretos promulgados por
um poder super-humano e obedecer às
autoridades, encarregadas por este poder de fazer
cumprir a lei.
Sob as doutrinas do universalismo e do
coletivismo, o indivíduo, ao agir de acordo com o
código ético, não o faz em benefício direto de
seus interesses particulares, mas, ao contrário,
renuncia aos seus próprios objetivos em benefício
dos desígnios da comunidade.
Na visão do coletivismo, é inútil tentar
convencer a maioria pela persuasão e conduzi-la,
amigavelmente, ao caminho certo. Os que
receberam a “iluminação” — sempre guiados pelo
carisma de seu líder — têm o dever de pregar o
evangelho aos dóceis e de recorrer à violência
contra os intratáveis. O líder carismático é
praticamente um vigário da Divindade, o
representante dos genuínos interesses da
sociedade, um instrumento da história. É infalível
e tem sempre razão. Suas ordens são a norma
suprema.
Por isso, o coletivismo é necessariamente
um sistema de governo teocrático. A
característica comum de todas as suas variantes é
a postulação de uma entidade com características
sobre-humanas à qual os indivíduos devem
obediência. O que as diferencia uma das outras é
apenas a denominação que dão a esta entidade e
o conteúdo das leis que proclamam em seu nome.
O poder ditatorial de uma minoria não encontra
outra forma de legitimação a não ser apelando
para um suposto mandato recebido de uma
autoridade suprema e sobre-humana.
Pouco importa se o autocrata baseia sua
autoridade no direito sagrado dos reis ou na
missão histórica da vanguarda do proletariado;
nem se o ser supremo se denomina Geist (Hegel)
ou Humanité (Auguste Comte). Os termos
“sociedade” e “estado”, como empregados pelos
adeptos contemporâneos do socialismo, do
coletivismo, do planejamento e do controle social
das atividades dos indivíduos, têm o significado
de uma divindade.
Os sacerdotes dessa nova religião atribuem
a seu ídolo todas aquelas virtudes que os teólogos
atribuem a Deus: onipotência, onisciência,
bondade infinita etc.
Se admitirmos que exista, acima e além das
ações individuais, uma entidade imperecível que
visa a seus próprios fins, diferentes dos homens
mortais, teremos já estruturado o conceito de um
ser sobre-humano. Não podemos, então, fugir da
questão sobre quais fins têm precedência, sempre
que houver um conflito: se os do estado ou
sociedade, ou os do indivíduo.
A resposta a esta questão já está implícita
no próprio conceito de estado ou sociedade como
entendido pelo coletivismo e pelo universalismo.
Ao se postular a existência de uma entidade que,
por definição, é mais elevada, mais nobre e
melhor do que os indivíduos, não pode haver
qualquer dúvida de que os objetivos desse ser
eminente devem prevalecer sobre os dos míseros
mortais.
Se o estado é uma entidade dotada de boa
vontade, boas intenções e de todas as outras
qualidades que lhe são atribuídas pela doutrina
coletivista, então, pela lógica, é simplesmente
absurdo confrontar as aspirações triviais do pobre
indivíduo com os majestosos desígnios do estado.
O caráter quase teológico de todas as
doutrinas coletivistas torna-se evidente nos seus
conflitos mútuos. Uma doutrina coletivista não
proclama a superioridade do ente coletivo in
abstrato; proclama sempre a proeminência de um
determinado ídolo coletivista e, então, ou nega
liminarmente a existência de outros ídolos do
mesmo gênero, ou os relega a uma posição
subordinada e auxiliar em relação ao seu próprio
ídolo.
Os adoradores do estado proclamam a
excelência de seu próprio governo. Se dissidentes
contestam o seu programa — quase sempre
anunciando a superioridade de algum outro ídolo
coletivista —, a única resposta é repetir muitas
vezes: nós estamos certos porque uma voz
interior nos diz que nós estamos certos e vocês
estão errados. Os conflitos entre coletivistas de
seitas ou credos antagônicos não podem ser
resolvidos pela discussão racional; só podem ser
resolvidos pelo recurso à força das armas.
Todas as variantes de credos coletivistas
estão unidas em sua implacável hostilidade às
instituições políticas fundamentais do sistema
liberal: tolerância para com as opiniões
divergentes, liberdade de pensamento, de
expressão e de imprensa, igualdade de todos
perante a lei. Essa união dos credos coletivistas
nas suas tentativas de destruir a liberdade deu
origem à suposição equivocada de que a
controvérsia política atual seja entre
individualismo e coletivismo. Na verdade, é uma
luta entre o individualismo de um lado e uma
variedade de seitas coletivistas do outro. E o ódio
e hostilidade mútuos entre essas seitas são ainda
mais ferozes que sua aversão ao sistema liberal.
A aplicação das ideias coletivistas só pode
resultar na desintegração social e na luta armada
permanente. É claro que todas as variedades de
coletivismo prometem a paz eterna a partir do
dia de sua vitória final e da derrota completa de
todas as outras ideologias e seus defensores.
Entretanto, para que estes planos sejam
realizados, é necessária uma mudança radical no
gênero humano. Os homens devem ser divididos
em duas classes: de um lado, o político
onipotente, messiânico, quase divino; do outro,
as massas, que devem abdicar da vontade e do
raciocínio próprio para se tornarem meros peões
no tabuleiro deste pretenso ditador.
As massas devem ser desumanizadas para
que se possa fazer de um homem o seu senhor
divinizado. Pensar e agir, as características
primordiais do indivíduo, tornar-se-iam o
privilégio de um só homem. Não é necessário
mostrar que tais desígnios são irrealizáveis. Os
impérios milenaristas dos ditadores são fadados
ao fracasso; nunca duram mais do que alguns
anos. Já assistimos à queda de muitas destas
ordens “milenares”. As remanescentes não terão
melhor sorte.
O atual ressurgimento das ideias
coletivistas, causa principal das agonias e
desastres de nosso tempo, tem sido tão bem-
sucedido, que fez esquecer as ideias essenciais da
filosofia social liberal. Para os adeptos do
coletivismo, em qualquer uma de suas várias
roupagens, as maiorias têm sempre razão
simplesmente porque têm o poder de derrotar
qualquer oposição; governo majoritário equivale
à ditadura do partido mais numeroso, e a maioria
no poder não sente necessidade de se refrear na
utilização do seu poder nem na condução dos
negócios públicos.
Logo que uma facção consegue obter o
apoio da maioria dos cidadãos — e, desse modo,
assume o controle da máquina governamental —,
considera-se com a faculdade de negar à minoria
todos aqueles direitos democráticos por meio dos
quais conseguiu alcançar o poder.
Já os liberais não divinizam as maiorias nem
as consideram infalíveis; não sustentam que o
simples fato de uma política ser apoiada por
muitos seja prova de seus méritos para o bem-
comum. Não recomendam a ditadura da maioria
nem a opressão violenta das minorias dissidentes.
O liberalismo visa a estabelecer um arranjo
político que assegure o funcionamento pacífico
da cooperação social e a intensificação
progressiva das relações sociais mútuas. Seu
objetivo principal é evitar conflitos violentos,
guerras e revoluções que necessariamente
desintegram a colaboração social e fazem os
homens retornarem ao barbarismo primitivo,
quando todas as tribos e grupos políticos viviam
permanentemente em luta uns com os outros.
O liberalismo é simplesmente uma defesa
do individualismo, que, quando respeitado,
geram a divisão do trabalho, a cooperação
social e a intensificação progressiva dos vínculos
sociais.

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