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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN


CAMPUS MOSSORÓ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS E
HUMANAS - PPGCSH
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

BRUNO EMANOEL PINTO BARRETO CIRILO

A DIVISÃO POLÍTICA DA FAMÍLIA ROSADO EM MOSSORÓ


CONTADA NAS PÁGINAS DOS JORNAIS O MOSSOROENSE E
GAZETA DO OESTE: 1980-88

MOSSORÓ – RN
2016
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BRUNO EMANOEL PINTO BARRETO CIRILO

A DIVISÃO POLÍTICA DA FAMÍLIA ROSADO NAS PÁGINAS DE O


MOSSOROENSE E GAZETA DO OESTE: 1980-88

Dissertação de mestrado como requisito para a


conclusão do curso de mestrado do Programa
de Pós-Graduação em Ciências Sociais e
Humanas.

Orientador: Prof. Dr. Lemuel Rodrigues da


Silva

MOSSORÓ – RN
2016
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

Cirilo, Bruno Emanoel Pinto Barreto


A divisão política da família Rosado em Mossoró contadas nas páginas dos jornais
o Mossoroense e Gazeta do Oeste:1980-88. / Bruno Emanoel Pinto Barreto Cirilo –
Mossoró, RN, 2016.

128 f.
Orientador(a): Prof. Dr. Lemuel Rodrigues da Silva

Dissertação (Mestrado) Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.


Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas.

1 Família Rosado – História - Mossoró. 2. O Mossoroense - Jornal. 3. Gazeta do


Oeste - Jornal. I. Silva, Lemuel Rodrigues da. II. Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte. III. Título.

UERN/ BC CDD 981

Bibliotecário: Aline Karoline da Silva Araújo – CRB - 15/783


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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................4

1 O DISCURSO NA MÍDIA COMO FONTE DE PESQUISA HISTÓRICA.......................12

1.1 JORNALISMO E HISTÓRIA POLÍTICA .......................................................................12

1.2 O SILÊNCIO COMO ESTRATÉGIA DISCURSIVA .....................................................18

1.3 RELAÇÕES ENTRE MÍDIA E PODER: CONVERGÊNCIA DE INTERESSES E


MANIPULAÇÃO DO NOTICIÁRIO ....................................................................................28

2 LIGAÇÕES DOS ROSADOS COM MOSSORÓ E O USO DA MÍDIA: UMA RELAÇÃO


CORONELISTA ........................................................................................................................45

2.1 COLEÇÃO MOSSOROENSE: O MEIO DE CONSOLIDAÇÃO DO MANDO


ROSADISTA .........................................................................................................................50

2.2 OS ROSADOS E A IMPRENSA MOSSOROENSE .......................................................52

3 ANTECEDENTES DA RUPTURA DOS ROSADOS............................................................59

3.1 O PESO DA ESCOLHA DOS GOVERNADORES DURANTE O CICLO BIÔNICO...59

3.2 A DIVISÃO DOS ROSADOS COMEÇA A SER TEMA NOS JORNAIS .....................64

3.3 O VOTO CAMARÃO: O DIVISOR DE ÁGUAS NA RUPTURA DOS ROSADOS .....77

4 A RUPTURA POLÍTICA DOS ROSADOS E O PAPEL DOS JORNAIS O MOSSOROENSE


E GAZETA DO OESTE ............................................................................................................84

4.1 CONSEQUÊNCIAS DAS ELEIÇÕES DE 1982 .............................................................84

4.2 A SEPARAÇÃO PARTIDÁRIA NAS PÁGINAS DE O MOSSOROENSE E GAZETA


DO OESTE ............................................................................................................................95

4.3 O PRIMEIRO CONFRONTO ROSADO X ROSADO EM 1986 ....................................99

4.4 O PROCESSO ELEITORAL DE 1988 E A DIVISÃO ESCANCARADA ...................102

CONCLUSÃO ........................................................................................................................120

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................124
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INTRODUÇÃO

A mídia tem forte ligação com os fatos políticos. É a partir dela que a sociedade
passa a conhecer os acontecimentos. Para a história, os meios de comunicação servem
como fonte de pesquisas. É revisitando as fontes do passado que o historiador busca as
informações. A narrativa começa a ser feita a partir dos acontecimentos relatados nos
jornais do passado. É a análise sobre as notícias que permite conhecer uma sequência de
acontecimentos históricos.

Em Mossoró, os jornais O Mossoroense e Gazeta do Oeste, fundados


respectivamente em 1872 e 1977, cumpriram esse papel de preservação da memória
política da cidade. Mesmo sempre caminhando em tendências políticas opostas, os dois
veículos deixaram um cabedal de informações a serem pesquisadas. Uma delas diz
respeito à divisão política da família Rosado, ocorrida na década de 1980. O assunto foi
tratado com discrição pelos dois periódicos, o que abre uma série de questionamentos.

Um deles é: o que leva um fato político histórico e relevante para uma cidade a
ser tratado com manipulação e sendo omitido o que de mais importante estava por
acontecer? O outro é: a manipulação da mídia por agentes políticos existe em favor de
interesses de grupos? A pesquisa em tela tem o objetivo de estudar um período de
mudanças da estrutura política da cidade de Mossoró (RN) durante a década de 1980,
mudança essa que delineou o cenário político da cidade durante a virada do segundo para
o terceiro milênio. O estudo visa a analisar esses fatos pela ótica da cobertura midiática
dos jornais O Mossoroense e Gazeta do Oeste no período entre 1980 e 1988, quando a
divisão política se iniciou (1982), foi sacramentada (1985) e se consolidou (1988).

Serão pesquisados os comportamentos dos jornais O Mossoroense e Gazeta do


Oeste durante o processo político que terminou com a divisão da família Rosado em
Mossoró. Serão verificadas as coberturas políticas dos jornais entre 1980 e 1988, período
em que a divisão político/familiar se concretizou. Serão analisados os discursos dos
jornais a respeito da família Rosado e saber quais as diferenças nas coberturas.

A divisão da família Rosado foi praticamente ignorada pelos jornais O


Mossoroense e Gazeta do Oeste. Termos como divisão política da família ou ruptura
foram quase que totalmente excluídos dos textos dos dois jornais. A família Rosado era
politicamente unida até 1982, quando se iniciou o processo de afastamento de Carlos
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Augusto Rosado dos tios Vingt Rosado e Dix-huit Rosado. A separação se deu por um
longo processo de distanciamento entre eles. O grupo político familiar, a partir dos filhos
do paraibano Jerônimo Rosado, se mantinha unido até então. O surgimento dos Rosados
enquanto grupo político de fato se deu após a redemocratização iniciada em 1945/46. Em
menos de dez anos eles já comandavam a Prefeitura de Mossoró e chegaram ao Governo
do Estado com a eleição de Dix-sept Rosado, pai de Carlos Augusto Rosado, em 1950. O
governo dele durou apenas sete meses por causa de sua morte em um desastre aéreo.

O fato mais marcante do processo de afastamento transcorreu no segundo


semestre de 1985 e foi noticiado por O Mossoroense em 10 de outubro e pela Gazeta do
Oeste no dia seguinte. Os jornais se limitaram a informar que o deputado Vingt Rosado e
seu grupo estavam deixando o Partido Democrático Social (PDS), sigla nascida da
Aliança Renovadora Nacional (ARENA), a qual sustentava o Regime Militar e migrando
para o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Nada além disso. Sequer
foi informado que o sobrinho Carlos Augusto seguia no PDS e estava cada vez mais
afastado do tio.

Tudo aconteceu no alvorecer da redemocratização do Brasil. O país respirava os


ares da Nova República, fundada no começo de 1985 com a posse do primeiro presidente
civil em duas décadas. O país vê a democracia renascer ainda sob os ares asfixiantes do
regime autoritário. O presidente que assumia em abril daquele ano era José Sarney (na
verdade eleito vice pelo colégio eleitoral, mas que terminou herdando o cargo graças à
morte do presidente eleito Tancredo Neves), um político surgido sob a proteção do
Regime Militar, que na última hora da moribunda ditadura fundou a Frente Liberal (que
deu origem ao PFL – Partido da Frente Liberal) e mais à frente, como muitos políticos
apoiadores do regime autoritário, migrou estrategicamente para o PMDB.

O mesmo caminho percorrido por Sarney foi feito pelos Rosados. Durante a
Ditadura Militar (1964/85), eles estiveram unidos dentro de um único partido: a Aliança
Renovadora Nacional (ARENA), que dava sustentação política ao regime. Com a
redemocratização, a Arena, que se tornara Partido Democrático Social (PDS), e com a
instalação do pluripartidarismo em 1980, foi abrigo da oligarquia uníssona. Foram as
eleições de 1982 que ligaram o sinal de alerta para os Rosados com a expressiva votação
do professor João Batista Xavier, que assustou o prefeito eleito naquele pleito, Dix-huit
Rosado. Era preciso dividir para somar. Mas foi preciso aguardar o momento certo.
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A divisão se consumou em 1985 com a filiação de Vingt Rosado, então deputado


federal, ao PMDB. O fato foi registrado na edição de 10 de outubro de O Mossoroense
com a manchete “Vingt desliga-se do PDS e vai para o PMDB”. No subtítulo, a
informação de que o parlamentar aceitara convite dos líderes do partido em Brasília. Na
parte de dentro do jornal, a matéria, em momento algum, explica que houve um racha na
oligarquia. Pelo contrário, afirma que a filiação de Vingt ao PMDB consolida a união
com o clã Alves que começou a ser discutida no início da década de 1980 e tomou corpo
no pleito de 1982, quando ocorreu o fato histórico conhecido como “Voto Camarão”,
ocasião em que Vingt Rosado se recusou a votar em José Agripino para o Governo, e
como o voto naquela era época era vinculado, ou seja, o eleitor só podia votar em
candidatos de uma mesma chapa, o líder político mossoroense orientou seus eleitores a
não votarem na cabeça da chapa. O texto ignora que Carlos Augusto Rosado, deputado
estadual e sobrinho de Vingt Rosado, não seguira a mesma rota do tio, ficara no PDS,
fundando mais tarde o Partido da Frente Liberal no Rio Grande do Norte ao lado de José
Agripino.

Naquele momento, a oligarquia Rosado se dividira, adaptando-se à realidade dos


primeiros momentos do pós-ditadura: a da hegemonia do PMDB e do PFL na política
nacional. A família estava dividida, mas integrando os dois principais partidos que
sustentaram o Governo Federal nos primeiros dias da redemocratização. Isso reforça a
tese defendida por Silva (2004, p. 121) de que a oligarquia Rosado possui uma incrível
capacidade de se adaptar às mudanças do cenário político nacional.

Outra característica da família Rosado é sempre buscar uma acomodação em


relação à conjuntura nacional, estar ao lado do Governo Federal é garantir à
família o mando sobre a cidade de Mossoró. Os membros da família justificam
essa postura como sendo uma preocupação do grupo com a cidade, chegam a
assumir a postura conservadora do governismo com a frase de que tudo vale
por Mossoró.

No dia seguinte, 11 de outubro, a Gazeta do Oeste traz a manchete: “Vingt deixa


PDS e filia-se ao PMDB”. Como no jornal concorrente, nenhuma menção ao racha
político. A forma como a notícia da divisão política da família foi abordada nos dois
principais jornais da cidade mostra que havia um interesse político em manter a divisão
longe do conhecimento do público. Interessava apenas mostrar que havia uma mudança
partidária. Esse comportamento reforça o entendimento de Felipe (2000, p. 157):

A fragmentação familiar é uma “rebelião” ritualmente organizada, que


fortalece o domínio político dos mesmos e sua duração é controlada por
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gestores que determinam a condição para o fim da tensão – a candidatura de


um membro da família no Governo do Estado – esse seria o motivo
mobilizador de uma reunificação do clã – um fazer voltar as coisas ao “seu
lugar”. O grupo, mesmo dividido, conserva uma hierarquia, onde as lideranças
dos fragmentos nomeiam com aqueles com poderes de determinar influências,
controle, dominação e, principalmente, corrigir “desvios” que comprometam a
ordem, a continuidade e a permanência. A divisão do grupo passa a ideia de
uma adesão total, uma cooptação das forças políticas da cidade e dá a
impressão de uma renovação, que termina por inibir alguns agentes políticos
que organizados representariam uma ameaça a hegemonia do clã rosadista.

Estava claro que não existia interesse em expor o racha político da família. Ao
longo da pesquisa é identificado, principalmente a partir de 1983, que os jornais não
davam como um fato consumado a cisão. Sempre tratavam o deputado estadual Carlos
Augusto Rosado como um dissidente, e só a partir de 1985 ele é reconhecido como
integrante de um outro grupo político. A percepção de ruptura só se configura a partir de
1988, quando os dois grupos de uma mesma oligarquia duelam nas urnas pela Prefeitura
de Mossoró. Nos dois jornais, é possível perceber um silêncio sobre o fato histórico que
foi a divisão política da oligarquia. Foi esse racha político local que garantiu poder ao clã
durante a virada do século e contribuiu para que o projeto maior, o de conquistar o
Governo do Estado, após 60 anos, se concretizasse.

Para se manter no comando político de Mossoró, os Rosados se cercaram do


controle de várias instituições que formam o serviço público na cidade nos três níveis de
poder. Assim, eles mantiveram por décadas o controle da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (UERN) e da Escola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM), atual
Universidade Federal do Semi-Árido (UFERSA). Uma dessas formas de legitimação do
poder é por meio do controle de veículos de comunicação. Nos anos 1980, os Rosados
detinham o Jornal O Mossoroense e a Rádio Tapuyo (atual RPC – Rede Potiguar de
Comunicação) e exerciam influência sobre o Jornal Gazeta do Oeste e Rádio Difusora.

O trabalho se delimitará aos jornais Gazeta do Oeste e O Mossoroense, os únicos


que circulavam em Mossoró naquela época. A pesquisa vai estudar os veículos de
comunicação enquanto fontes históricas, a omissão do noticiário em relação à divisão
política da oligarquia Rosado, o discurso por trás dos fatos e o uso disso enquanto
estratégia política.
A investigação tem a finalidade de entender que fatores políticos pesaram para
que um detalhe historicamente tão importante para a política mossoroense como esse
fosse solenemente ignorado pelos dois jornais. A partir dessas premissas surgem
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problematizações: o que levaria os principais jornais da cidade à época a evitarem


divulgar o aspecto mais importante de um fato político? Por que um grupo
político/familiar esconderia que se dividiu? Como se comportaram os jornais nas eleições
que antecederam e sucederam essa mudança de cenário?

Para responder a esses questionamentos, será estudada a manipulação da mídia,


uma prática comum para atender a interesses políticos. Afinal de contas, são os veículos
de comunicação quem transmitem o discurso dos políticos. É a intermediária das
explicações das decisões dos políticos. No caso do assunto a ser pesquisado neste
trabalho, a proposta é compreender como um fato histórico local não foi explicado à
população pelos dois jornais mais tradicionais da cidade. O trabalho visa a compreender
o que está por trás dos acontecimentos omitidos e a forma como foi divulgado, sendo
tratado como uma mera troca de partido de uma ala da família a convite de uma liderança
política estadual, no caso, o ex-governador Aluízio Alves.

Trata-se de uma das oligarquias mais antigas do Rio Grande do Norte e teve na
divisão uma estratégia para conservar o poder na virada do milênio sem sequer ser
ameaçada pelas forças sociais que sempre terminaram sendo cooptadas. Dentro dessa
lógica, é inevitável não perceber o fato histórico silenciado nos jornais, os quais
preferiram resumir tudo a uma simples mudança de partido. A falta da reflexão sobre o
momento histórico mostra claramente que houve algo proposital, é isso que esse trabalho
se dispõe a fazer. Para Abramo (2003, p. 23), o jornalismo brasileiro é caracterizado pela
manipulação, e isso sofre grande influência dos interesses políticos.

O principal efeito dessa manipulação é que os órgãos de imprensa não refletem


a realidade. A maior parte do material que a imprensa oferece ao público tem
algum tipo de relação com a realidade. Mas essa relação é indireta. É uma
referência indireta à realidade, mas que distorce a realidade. Tudo se passa
como se a imprensa se referisse à realidade apenas para apresentar outra
realidade, irreal, que é a contrafação da realidade real. É uma realidade
artificial, não-real, irreal, criada e desenvolvida pela imprensa e apresentada
no lugar da realidade real.
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A explanação de Abramo se encaixa perfeitamente no tema objeto. É justamente


essa questão da realidade exposta e a verdade omitida sobre um fato histórico que
pretendemos desvendar nesta dissertação de mestrado. Para compreender e explicar o que
estava por trás do noticiário em torno da divisão política dos Rosados, é preciso utilizar-
se do embasamento teórico em torno de temas como opinião pública, análise do discurso,
história política e teorias da comunicação que serão o lastro teórico deste trabalho.
Habermas (2014, p. 492) explica que a formação da opinião pública está relacionada aos
partidos.

A opinião pública só ganha existência como opinião “pública” ao ser elaborada


pelos partidos. Ambas as versões levam em conta o fato de que o processo de
formação da opinião e da vontade na democracia de massas mal consegue
manter uma função politicamente relevante para a opinião popular,
independentemente das organizações nas quais ela é mobilizada e integrada.
Contudo, ao mesmo tempo, reside aí a fraqueza dessa teoria. Ao substituir o
público, como sujeito da opinião pública, pelas instâncias por meio das quais
unicamente ainda é capaz de agir politicamente, esse conceito torna-se
peculiarmente neutro. Nessa “opinião pública”, não se pode perceber se ela é
produzida pela comunicação pública ou por meio da mediatização; pelo que
fica novamente em aberto saber se a expressão “opinião pública” deve-se
entender apenas como a intermediação de uma inclinação da massa incapaz de
articular-se por si mesma ou a redução de uma opinião plenamente capaz de
ser esclarecida, mas integrada à força de um eco plebiscitário.

É como se opinião pública não fosse necessariamente a opinião da maioria, mas


aquilo que é colocado para a sociedade por uma elite através da mídia que faz com que
um determinado tema passe a ser abordado e discutido. Por meio de seus programas, os
partidos conseguem impor uma discussão na sociedade. No caso do Brasil, onde os
partidos não funcionam como entidades sólidas, as ações se dão por meio de grupos
políticos que, invariavelmente, controlam os meios de comunicação.

Para se entender a importância da comunicação nos tempos modernos, é preciso


compreender a complexidade do tempo presente. A mídia provoca uma dependência não
só do público que busca informação, mas também daqueles que precisam dela para
adquirir poder ou mantê-lo. Ter influência sobre um veículo de comunicação é decisivo
para os planos de qualquer político, como atesta Farhat (1992, p. 72): “No vaivém do
favor público, e tratando-se de pessoas – em especial de políticos – a mídia as eleva aos
píncaros da glória e/ou as precipita nas trevas. Sucessivamente. Às vezes,
inexplicavelmente”.
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Charadeau (2006, p. 253) afirma que a “máquina midiática” tem três lugares: o de
produção, o produto e a recepção. Essas três fases da produção jornalística são passíveis
de manipulação ao longo do seu processo. O autor classifica as mídias como
“manipuladoras”. Para isso, ele afirma que, para contar os acontecimentos, a mídia se
divide em três critérios: tempo, espaço e acidente.

Tempo, ou mais exatamente a maneira de gerenciar o tempo, que é a urgência:


um acontecimento se produz no mundo e deve ser convertido o mais depressa
possível em notícia. Com isso, a informação resultante só pode ser efêmera e
a-histórica. Em seguida, espaço, tomado num antagonismo entre dois
imaginários: o da “aldeia” e o do “planeta”. A aldeia, símbolo da força
conservadora que enraíza a identidade bem fundo na terra dos ancestrais, da
família, dos vizinhos, dos amigos, das relações íntimas; o planeta, símbolo do
desejo de expansão para outros horizontes de vida, outros campos de ação, do
que é diferente, longínquo e exótico. O acidente, enfim, mais entendido como
sintoma dos dramas humanos e, dentre eles, os que caracterizam pelo “insólito”
que desafia as normas da lógica, o “enorme”, que ultrapassa as normas da
quantidade, o “repetitivo”, que transforma o aleatório em fatalidade.

No sistema democrático, o poder político advém das massas, e a mídia é o canal


de comunicação entre representantes e representados. Se um político perde popularidade,
perde também legitimidade para representar a sociedade. Charaudeau (2005, p. 23) afirma
que os políticos utilizam a linguagem e a ação como forma de se consolidar “estando em
jogo a conquista de uma legitimidade por meio de uma construção de opiniões”.

Para Abramo (2004, p. 23), a distorção da realidade está intrínseca na cultura


midiática brasileira. “A maior parte do material que a imprensa brasileira oferece ao
público tem algum tipo de relação com a realidade. Mas essa relação é indireta. É uma
referência indireta com a realidade, mas que distorce a realidade”.

Até que ponto um político consegue ter sucesso quando usa a mídia para impor
sua liderança? Para Maigret (2008, p. 321), essa capacidade é relativa.

Os indivíduos se expõem seletivamente às informações políticas e reagem de


maneira crítica aos discursos das elites em função de seu grau de competência
política. Suas opiniões não são nem instáveis nem unificadas, mas pulverizadas
em múltiplos pontos de vista sobre um mesmo tema, potencialmente
contraditório e evolutivo.

Waiberg (2005, p. 116) lembra que o terrorismo político para fins de manipulação
tem caráter messiânico ideológico e vem desde os anos de 1960. Nessa perspectiva, a
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presente pesquisa busca justamente o comportamento de um político em início de gestão


e o uso da mídia para se atingir o objetivo que este trabalho quer analisar. A metodologia
utilizada nesta dissertação de mestrado será a análise documental através de pesquisas
sobre as edições de O Mossoroense e Gazeta do Oeste entre os anos de 1980 e 1988.

O trabalho visa a utilizar conceitos de história e comunicação através dos teóricos


que abordam as duas áreas, seguindo a determinação interdisciplinar do Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais e Humanas da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte.

Para Chaves e Ogassawara (2009, S/N), é possível alavancar as relações entre


jornalismo e história com a finalidade de embasar a teorização sobre o presente e sua
legitimidade, seja científica ou epistemológica.

Nesse sentido supracitado, o ofício do historiador seria a construção de pontes


entre o passado e o presente, propondo correlações entre as duas
temporalidades, considerando que a história do presente pertence a um tempo
e de uma atualidade em que os atores e/ou os motes arrolados ainda circundam
a sociedade”

Os jornais enquanto fonte serão de suma importância para uma pesquisa histórica
e ao mesmo tempo relacionada à práxis dos estudos da comunicação. O trabalho vai aliar
o resgate de um passado recente, porém esquecido por interesses políticos, mas que
precisa vir à luz para que a sociedade conheça o que esteve por trás de um fato histórico
que foi tratado com desdém pela mídia.
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1 O DISCURSO NA MÍDIA COMO FONTE DE PESQUISA


HISTÓRICA

Desde a sua origem, a mídia está relacionada ao poder político e a serviço de


governos. Os veículos de comunicação são os intermediários entre os agentes públicos e
os eleitores e são eles que formam a opinião. Dar amplo destaque a um fato histórico ou
ocultá-lo é uma decisão que faz parte de estratégia de comunicação. Ao se ocultar uma
informação importante, não só uma geração de leitores fica desinformada como o trabalho
das futuras gerações de historiadores é dificultado.

A história enquanto ciência é dividida em várias categorias. Temos a história


social, econômica, cultural e, dentre todas estas áreas de pesquisa, podemos destacar a
história política. Os historiadores são rotulados conforme a orientação ideológica que
seguem. Podemos ter historiadores marxistas, estruturalistas, liberais, positivistas etc. Nas
últimas décadas, foi registrado um processo cada vez maior de fragmentação do
conhecimento histórico. Passou-se a estudar a história por temas.

1.1 JORNALISMO E HISTÓRIA POLÍTICA

Os jornais sempre são fontes de pesquisa, seja qual for a orientação ideológica e
o tipo de área do conhecimento em que se está fazendo análise. Tanto a história como a
comunicação estão dentro de um contexto no qual Chartier (1991, p. 173) explica que as
ciências sociais estão em crise por falta de um paradigma dominante desde o
enfraquecimento do marxismo e do estruturalismo, os quais não conseguiram se impor
perante o capitalismo liberal. Dentro desse contexto, o autor entende que a história ainda
é sadia e vigorosa dentro das ciências humanas. Mas faz uma ressalva:

No entanto, atravessada por incertezas devidas ao esgotamento de suas alianças


tradicionais (com a geografia, a etnologia, a sociologia), e à obliteração das
técnicas de tratamento, bem como dos modos de inteligibilidade que davam
unidade a seus objetos e a seus encaminhamentos. O estado de indecisão que
a caracteriza hoje em dia seria, portanto, algo como próprio reverso de uma
vitalidade que, de maneira livre e desordenada, multiplica os campos de
pesquisa, as experiências, os encontros.
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Apesar do otimismo de Chartier, há quem veja a história como uma ciência em


crise, como parte integrante das dificuldades das ciências sociais e humanas em geral.
Isso decorre da concorrência com as ciências exatas e naturais e dos métodos mais
objetivos destas. Fato este que colocou em xeque o empirismo e a subjetividade no
humanismo. Para Carr (2002, pp. 45 e 46), a simples escolha dos fatos históricos que vêm
à tona são fruto da subjetividade do historiador que escolhe um tema a ser pesquisado e
imprime um ritmo próprio ao que vai ser apresentado.

A teoria empírica do conhecimento pressupõe uma separação completa entre


sujeito e objeto. Fatos, como impressões sensoriais, impõem-se, de fora, ao
observador e são independentes de sua consciência. O processo de recepção é
passivo: tendo recebido os dados, ele então atua sobre eles. O Oxford Shorter
English Dictionary, um trabalho útil mas tendencioso da escola empírica,
enfatiza claramente a separação dos dois processos definindo um fato como
“dados de experiência distintos das conclusões”. Isto é o que se pode chamar
de visão “senso comum” da história. A história consiste num corpo de fatos
verificados. Os fatos estão disponíveis para os historiadores nos documentos,
nas inscrições, e assim por diante, como peixes na tábua do peixeiro. O
historiador deve reuni-los da maneira que atrair mais. Acton, cujo gosto
culinário era austero, queria que fossem servidos simples. Na sua carta de
instruções para os colaboradores da primeira Cambridge Modern History,
deixou clara a exigência de que o nosso Waterloo deve ser tal que satisfaça
franceses e ingleses, alemães e holandeses da mesma maneira; que ninguém
possa dizer sem examinar a lista de autores, onde o bispo de Oxford parou de
escrever e onda Fairbairn ou Gasquet, Liebermann ou Harrison continuaram.
Até mesmo Sir George Clarck, crítico como era às atitudes de Acton, contrapôs
“o caroço dos fatos” na história à “polpa envolvente da interpretação
discutível” – esquecendo talvez de que a parte polpuda da fruta é mais
compensadora do que o caroço. Primeiro, acerte os fatos; só então corra o risco
de mergulhar nas areias movediças da interpretação. Esta é a derradeira
sabedoria da escola empírica e do senso comum da história. Lembra-me o
ditado favorito do grande jornalista liberal C. P. Scott: “Os fatos são sagrados,
a opinião é livre”.

É justamente a história política um campo da historiografia onde fatos e


interpretações se confundem e estão em permanente conflito. Mesmo a pesquisa sobre
historiadores mais antigos exige interpretação do contexto em que ele produziu a obra e
a serviço de quem ele estava. Também é preciso levar isso em consideração quando se
abordam pesquisas sobre jornais e documentos oficiais.

Talvez por esses conflitos a história política tenha vivido seu apogeu durante o
século XIX e entrou em declínio a partir do surgimento da Escola dos Annales, na França.
Somente a partir da década de 1980 essa área da historiografia voltou a ganhar força.

A história política pode ser analisada a partir de várias perspectivas. A pesquisa


nesse campo pode ir além dos estudos sobre o político, mas atuar dentro de um caminho
interdisciplinar, utilizando como objeto a comunicação e a análise do discurso como
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parceiros desses estudos. Ao unir essas visões de mundo, pode-se atualizar a visão sobre
componentes do mundo político como partidos, eleições, biografias e comportamento
midiático em relação aos fatos. Para Rémond (1991, pp. 18 e 19), a história política
precisou de um período de ostracismo para se renovar.

Factual, subejetivista, psicologizante, idealista, a história política reunia assim


todos os defeitos do gênero história do qual uma geração almejava encerrar o
reinado e precipitar a decadência. Se se imaginar ponto por ponto o contrário
desse retrato, ter-se-á o essencial do programa que a história regenerada se
atribuía. Estava, portanto, escrito que a história política arcaria com os custos
da renovação da disciplina: história obsoleta, subjugada a uma concepção
antiquada, que tinha tido o seu tempo. Havia chegado a hora de passar da
história dos tronos e das denominações para a dos povos e das sociedades.
Quanto aos historiadores que tivessem a fraqueza de ainda se interessar pelo
político, e praticar essa história superada, fariam o papel de retardatários, uma
espécie em via de desaparecimento, condenada à extinção, na medida em que
as novas orientações prevalecessem na pesquisa e no ensino.

A história política vem ao longo dos séculos passando por transformações. Se


antes estava centrada na figura dos monarcas, com a derrubada de reis e imperadores, ela
passou a focar no Estado e na nação. Ao incorporar questões da sociologia, a história
política passou a observar as questões sociais. Uma das formas para se analisar a história
política são as eleições. Por meio delas é possível compreender o comportamento de uma
sociedade. Para Rémond (op. cit., p. 42) as eleições têm um lugar privilegiado na hora de
mostrar os movimentos de opinião.

Mais à frente o autor (op. cit., p. 49) explica que as campanhas eleitorais são uma
forma de entender o pensamento de uma época e descobrir quais as demandas de uma
sociedade.

A campanha é parte integrante de uma eleição, é seu primeiro ato. Não é apenas
a manifestação das participações dos eleitores ou a explicação dos programas
dos candidatos e dos temas dos partidos, é a entrada em operação das
estratégias, a interação entre os cálculos dos políticos e os movimentos de
opinião. Sobretudo, ela modifica a cada dia as intenções e talvez a relação de
forças. Não seria, pois, desinteressante prestar atenção a esses diversos
aspectos e reconstituir o desenrolar circunstancial de algumas campanhas.

Indo além das campanhas, ainda é possível estudar a história política por meio dos
partidos. Berstein (op. cit., p. 61) entende que as agremiações políticas funcionam como
mediadoras das ideias perante a sociedade. Para ele, o historiador tem como uma de suas
tarefas compreender os fenômenos históricos entre a realidade e o discurso.
15

O historiador, ao utilizar jornais como fontes de pesquisa para compreender os


fatos de um determinado acontecimento em nível de história política, terá uma noção do
que é absorvido pela opinião pública. Becker (2003, p. 196) entende que os jornais são
boas fontes de pesquisa para se compreender o pensamento da opinião pública:

É possível utilizar a imprensa sem ser fazendo uma “colcha de recortes”, e as


“análises de conteúdo” permitem obter pelo menos uma fisionomia exata do
conteúdo dos jornais. Num país onde a imprensa é livre, todos os aspectos da
opinião pública têm chance de se refletir nos jornais: uma análise bem feita,
isto é, que faz uma seleção judiciosa, que utiliza uma imprensa tão variada
quanto possível, constitui portanto uma abordagem qualitativa da opinião
pública que não se deve desprezar. No entanto, qual a medida, qual o critério
de uma “seleção judiciosa”? É preciso reconhecer que a única regra existente
aqui é a qualidade do historiador, do seu conhecimento sobre o período, da sua
preocupação, nas citações que seleciona ou descarta, em não ser guiado por
sua personalidade ou ideologia, mas pela prática do seu ofício – a verdade é
que, como acontece com os marceneiros, existem bons e maus historiadores,
profissionais e aprendizes...

No parágrafo seguinte ele complementa defendendo que nunca uma pesquisa deve
se limitar a apenas um jornal:

Isto não resolve, é claro, o problema do papel dos jornais, de reflexo ou guia,
e seria tolice ignorar que eles não são apenas o meio de expressão de espíritos
independentes, mas também, e com muito mais frequência, de grupos de
pressão diversos, políticos ou financeiros. Contudo, tudo isso tem pouca
importância se não pretendermos extrair uma abordagem quantitativa da
exploração dos jornais e não nos contentarmos com um único jornal: tudo o
que “juntarmos” ilustra a opinião pública.

Por isso, é importante se fazer um levantamento sobre um determinado fato


histórico. Através do cruzamento de informações é possível interpretar os fatos e
comparar comportamentos dos veículos de comunicação, explicando os contextos de cada
um e trazendo luz ao leitor da pesquisa.

É nesse aspecto que é relevante estudar essas questões envolvidas quando se


analisa a cobertura dos jornais de um fato político que alterou a história de uma cidade,
mas não foi noticiado em profundidade, nem ao menos exposto conforme determina os
fundamentos do jornalismo. Trata-se da divisão política da oligarquia Rosado, que
governou Mossoró durante mais de 60 anos com um curto interstício entre 1969 e 1973.
Desde 1985, a família dividiu-se politicamente, ocupando os espaços de oposição e
situação e, em alguns momentos, atuando até mesmo como terceira via.

O fato foi noticiado em outubro de 1985 como uma mera filiação partidária dos
irmãos Dix-huit (prefeito de Mossoró) e Vingt Rosado (deputado federal), ignorando que
16

o sobrinho dele, Carlos Augusto Rosado (deputado estadual) não os acompanharia,


passando a atuar em faixa própria caracterizando-se como uma nova liderança política e
independente do restante da família.

A distância temporal entre a atualidade e o período pesquisado, leia-se década de


1980, se encaixa dentro do que pode ser classificado como “tempo presente” que caminha
lado a lado da história política atual.

Difícil estabelecer a distância no tempo que coloca um fato como ainda sendo
história do tempo presente ou não. Schurster (2015, S/N) explica que a história do tempo
presente ainda se encontra em construção, e dentro desse processo o primeiro
compromisso deve ser com a verdade. Tudo isso com forte importância dos fatos políticos
em torno das pesquisas sobre o presente.

Esses historiadores seguem a ideia de que a história é feita no presente para o


presente. A história do tempo presente trouxe uma nova dimensão ao político,
não dando a ele o posto de interpretação soberana na história, mas mostrando
que ele age como agente dinamizador deste mesmo processo.

Schurster (op. cit.) acrescenta que estudar o tempo presente não leva em conta a
periodização, mas os acontecimentos.

O historiador do tempo presente pensa a história não através de cronologia,


mas de processos que se desdobram nas memórias das sociedades. Para o
teórico e um dos fundadores do Institut d’histoire du temps présent, Henry
Rousso, a história do tempo presente toma hoje uma grande parte da produção
historiográfica mundial, questionando até a sua possível banalização. Segundo
o autor, a história do tempo presente passou da margem ao centro em menos
de vinte anos. Mostra que esta historiografia construiu-se não sem mal, com
inúmeras lutas intelectuais e políticas, e não sem algumas reações muito hostis,
que podem reaparecer, quer porque regresso do conservantismo científico, que
segundo ela continua possível, quer pelo fato de trabalhar no tumulto, no
fervor, das paixões contemporâneas gera, por parte de alguns historiadores,
uma forma de rejeição.

Isso demonstra que a história do tempo presente trouxe uma nova dimensão ao
político, não dando a ele o posto de interpretação soberana na história, mas mostrando
que ele age como agente dinamizador deste mesmo processo. A teoria do tempo presente
configura uma forma de interpretação do mundo. Esta interpretação configura um diálogo
do historiador com suas fontes e este só ganha significado através do leitor, que traz o
acontecimento de novo à vida, o faz sair do campo linguístico através da compreensão.
17

Para ganhar força, a história do tempo presente precisa buscar embasamento em


áreas afins da história, como a literatura, a comunicação, a ciência política, dentre outras.
Maynard (2010, S/N) explica que o historiador que entra nessa seara precisa estar
preparado para mais à frente ter seu trabalho questionado com o surgimento de novas
interpretações.

A história do presente é feita de moradas provisórias. É um campo cuja lei é a


da renovação. Nela a demanda social conta muito. Isto, evidentemente, não nos
livra da preocupação com os aspectos éticos típicos do nosso ofício. E da
mesma forma que outros pesquisadores, o historiador do tempo presente
trabalha com a ajuda de arquivos públicos ou privados. Na verdade, do ponto
de vista metodológico, “já não existe (...) um método que esteja
especificamente vinculado à história do tempo presente”

Em relação a essa questão das ciências correlatas, citadas no parágrafo anterior,


ao tratar da questão do tempo presente, é possível verificar o quanto os jornais enquanto
fontes de pesquisa são importantes para estudar o tempo presente. Isso traz ao cerne a
convivência entre o jornalismo e a história.

É a imprensa que reproduz os fatos sob influência do poder estatal, seja apoiando-
lhe ou lhe fazendo contraponto. Cabe ao historiador ter a perspicácia de separar essas
questões. Até porque as missões do jornalista e do historiador, ainda que do tempo
presente, são diferentes. O primeiro tem o compromisso com o imediatismo; o segundo,
em explicar os fatos dentro de um contexto histórico e apontar as consequências daquele
acontecimento. Chaves e Ogassawara (op. cit.) reforçam esse pensamento:

Apesar de interpretarem – cada qual ao seu modo – o tempo presente,


jornalistas e historiadores do presente não só se diferenciam pelo estilo do
discurso. No que diz respeito às relações desses arquitetos da realidade com a
sociedade, é importante considerar os desígnios atribuídos a tais trabalhadores.
Enquanto o historiador publica suas compilações, análises, estudos densos a
fim de conquistar permanência e contribuir para posteriores compreensões da
História, o jornalista tenderia a construir um saber momentâneo “para o
esquecimento”.

Em um recorte temporal, Rémond (1994, p. 8) fala da importância de se trazer


para o ambiente da historiografia os fatos relativos à História Contemporânea.

Na verdade a razão pelas quais as gerações anteriores demonstravam reservas


ou desconfiavam da história contemporânea não eram desprovidas de valor.
Havia principalmente duas razões, e vou evocá-las rapidamente. A primeira
referia-se diretamente à possibilidade material de se fazer uma história
contemporânea científica. Não existe história sem fontes, e na época
considerava-se que as fontes essenciais eram as fontes de arquivo. Já que estas
deviam permanecer incomunicáveis durante cinquenta anos, pensava-se que
era impossível implementar uma história científica e que tudo que se fizesse
só poderia ser aleatório, subjetivo e discutível. Entendemos melhor depois que
talvez houvesse outras fontes, houvesse substitutivos.
18

Mais adiante, Rémond (op. cit., pp. 8 e 9) explica que uma das questões que mais
preocupam a pesquisa em relação à história do presente diz respeito à proximidade do
historiador com o período em que ele viveu e, em alguns casos, com o fato de ele ter feito
parte dos acontecimentos. Para ele, esse obstáculo está totalmente superado.

A segunda objeção liga-se ao sujeito, isto é, ao historiador. As gerações


anteriores duvidaram da possibilidade de acedermos à objetividade quando se
tratava de acontecimentos nos quais havíamos estado mais ou menos
envolvidos, dos quais havíamos sido testemunhas, observadores, os quais
haviam suscitado em nós reações, engajamentos, tomadas de posição. O
historiador é um ser impregnado de paixões, compartilha os preconceitos
próprios do seu tempo, da corrente de pensamento a que pertence. Será que
pode dividir-se? Não será melhor esperar que o tempo tenha cumprido seu
papel e que o distanciamento tenha acalmado as paixões? Hoje em dia, estas
objeções foram felizmente superadas. Ganhamos o processo em favor de uma
história próxima, e ela hoje está integrada ao trabalho do historiador. Sempre
desejei, por não pensar que existisse uma diferença de natureza entre a história
longínqua e a história recente, já que a fronteira que separa o presente do
passado está fadada a apagar-se. Sempre desejei isso numa perspectiva que
diria cívica. A história, a meu ver, faltaria com uma de suas funções se não
assegurasse uma compreensão do presente, uma inteligibilidade dos problemas
com os quais defrontamos. Acredito que hoje em dia a causa esteja ganha. Está
comprovado que não é possível para os historiadores distanciarem-se de seus
preceitos. Em consequência, o passado, mesmo aquele mais próximo,
encontra-se reintegrado, incorporado ao domínio da história. É melhor assim
que abandoná-lo a outras disciplinas.

Diante do exposto por esses teóricos, é importante se estudar a história do tempo


presente enfocando os fatos e ouvindo as testemunhas oculares dos acontecimentos,
sempre destacando o contexto de cada uma das declarações.

1.2 O SILÊNCIO COMO ESTRATÉGIA DISCURSIVA

Ao se utilizar dos dois jornais até então em circulação na cidade para omitir a
informação de que estava dividindo-se politicamente, os Rosados tinham interesse em
não propagar a quebra da unidade familiar por se tratar de um período histórico de
transição política no Brasil. Os cenários ainda eram indefinidos e o momento exigia uma
estratégia discursiva.

Primeiramente, é preciso conceitualizar o termo discurso. Para Orlandi (2003, p.


15), discurso, etimologicamente, significa em curso, em movimento. “Discurso é assim a
palavra em movimento”. A Análise do Discurso é um campo do conhecimento bastante
estudado na área das ciências humanas e sociais.
19

Para Brandão (2013, p. 27), o discurso não existe sozinho, é heterogêneo e está
em constante interação com outros discursos. Ao analisar discurso e informação,
Charaudeau (2006, p. 42) afirma que quem tem uma informação detém um conhecimento,
e ao informar o faz para alguém que não tem esse conhecimento.

O ato de informar participa desse processo de transação fazendo circular entre


parceiros um objeto de saber que, em princípio, um possui e o outro não,
estando um deles encarregado de transmitir e o outro de receber, compreender,
interpretar sofrendo ao mesmo tempo uma modificação com relação a seu
estado inicial de conhecimento.

Enquanto para Foucault (2010, p. 21) o discurso é um mecanismo de controle,


mais à frente (op. cit., p. 49), o autor dá a noção dele sobre discurso:

O discurso nada mais é do que a reverberação de uma verdade nascendo diante


de seus próprios olhos; e, quando tudo pode, enfim, tomar a forma do discurso,
quando tudo pode ser dito, isso se dá porque todas as coisas, tendo manifestado
e intercambiado seu sentido, podem voltar à interioridade silenciosa da
consciência de si.

Assim, o discurso e a informação estão intrinsecamente interligados. É através da


manifestação discursiva que se emite uma informação e através dela o receptor se
posiciona. No caso do jornalismo, há várias maneiras de informar que serão abordadas no
tópico a seguir. Orlandi (op. cit., p. 15) conceitua a Análise do Discurso como algo que
“concebe a linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade natural e
social”. Orlandi (op. cit., p. 20) destaca que a noção de discurso “distancia-se do modo
como o esquema elementar da comunicação dispõe seus elementos, definindo o que é
mensagem”. A autora (op. cit., p. 21) entende que “para a Análise do Discurso não se
trata apenas de transmissão de informação”. De acordo com Gregolim (2003, p. 11) a
Análise do Discurso interpreta a realidade.

Quando adotamos o ponto de vista da Análise do Discurso, focalizamos os


acontecimentos discursivos a partir do pressuposto de que há um real da língua
e um real da história, e o trabalho do analista de discurso é entender a relação
das duas ordens, já que o sentido é criado pela relação entre sujeitos históricos
e, por isso, a interpretação nasce da relação do homem com a língua e com a
história.

Manhães (2006, p. 306) destaca duas escolas, a francesa e a inglesa de análise do


discurso. A primeira, segundo o autor, “se caracteriza pela ênfase no ‘assujeitamento’ do
emissor”. Já a segunda é marcada “pela ênfase no papel ativo do sujeito”. Este trabalho
seguirá a linha francesa sob influência de autores como Foucault e Charaudeau.
20

Dentro dos estudos sobre o discurso, não se pode deixar de estudar a questão do
discurso político. Ainda mais em uma pesquisa que enfoca os estudos sobre o
comportamento de dois jornais dentro de uma cobertura de um fato político e histórico.
É preciso compreender o contexto desses discursos bem como a influência deles sobre os
jornais.

A política não existe sem discurso, e este se manifesta de várias formas. Desde o
gestual até a própria ação de fala, passando pelos símbolos. Mas é nos veículos de
comunicação que o discurso político melhor se manifesta. É a partir dessa avaliação que
é possível interpretar até que ponto esses discursos políticos estavam concatenados com
a linha editorial dos veículos de comunicação. A questão do contexto no discurso político
é tão importante que Courtine (2006, p. 64) explica que quando se entra nessa seara o
debate se torna muito mais complexo do que se costuma afirmar nas teorias linguísticas.

O sujeito político, aquele que enuncia um discurso, está realmente assujeitado


a um todo de muitas condições de produção e recepção de seu enunciado. Ele
é o ponto de condensação entre linguagem e ideologia, o lugar onde os sistemas
de conhecimento político se articulam na competência linguística,
diferenciando-se um do outro, mesclando-se um ao outro, combinando com
um outro ou afrontando-o em uma determinada conjuntura política.

O discurso político tem sempre uma finalidade: o convencimento. O emissor de


um discurso político tem acima de tudo a finalidade de impor a sua vontade. Isso vale
numa discussão dentro da seara ideológica como também na economia. Afinal de contas,
o objetivo de todo político é chegar ao poder e reger a economia do Estado.

Foucault (2010, pp. 217 e 218) explica que o discurso político cumpre uma função
estratégica.

Parece-me que se poderia fazer, também, uma análise do mesmo tipo a


propósito do saber político. Tentaríamos ver se o comportamento político de
uma sociedade, de um grupo ou de uma classe não é atravessado por uma
prática discursiva determinada e indescritível. Essa positividade não
coincidiria, evidentemente, nem com as teorias políticas da época, nem com as
determinações econômicas: da política, ela definiria o que pode tornar-se
objeto de enunciação, as formas que tal enunciação pode tomar, os conceitos
que aí se encontram empregados e as escolhas estratégicas que aí se operam.
Em lugar de analisá-lo – o que é sempre possível – na direção da episteme a
que dá lugar, analisaríamos esse saber na direção dos comportamentos, das
lutas, dos conflitos, das decisões e das táticas. Faríamos aparecer, assim, um
saber político que não é da ordem de uma teorização secundária da prática e
que não é, tampouco, uma aplicação da teoria.

Desta feita, dentro de um enunciado do discurso político podem existir várias


estratégias de persuasão para se atingir um objetivo de convencimento.
21

Charaudeau (2008, p. 16) explica que a linguagem e a ação são dois componentes
da troca social. Sobre esse aspecto, ele cita a questão da influência, tão importante em um
discurso político.

Todo ato de linguagem emana de um sujeito que apenas pode definir-se em


relação a outro, segundo um princípio de alteridade (sem existência do outro,
não há consciência de si). Nessa relação, o sujeito não cessa de trazer o outro
para si, segundo um princípio de influência, para que esse outro pense, diga ou
aja segundo a intenção daquele. Entretanto, se esse outro puder ter seu próprio
projeto de influência, os dois serão levados a gerenciar sua relação segundo
um princípio de regulação.

Dentro desse aspecto, é preciso levar em conta o fato de o discurso político não
atingir a meta de persuadir, mas o de provocar reação contrárias, gerando embates ou
provocando uma conciliação dentro do princípio da regulação destacado por Charaudeau.
O autor (op. cit, p. 40) explica que mesmo com um enunciado apolítico, um discurso pode
ser, sim, político. Tudo está relacionado ao contexto.

Há, pois, diferentes lugares onde se fabrica o pensamento político, que não está
reservado apenas aos responsáveis pela governança nem aos solitários
pensadores da coisa política. A produção de sentido é, uma vez mais, uma
questão de interação e é, portanto, segundo os modos de interação e a
identidade dos participantes implicados que se elabora o pensamento político.
Assim, propomos distinguir três lugares de fabricação desse pensamento, que
correspondem cada qual a um desafio de troca linguageira particular: um lugar
de elaboração dos sistemas de pensamento, um lugar cujo sentido está
relacionado ao próprio ato de comunicação, um lugar onde é produzido o
comentário.

As explanações dos autores confirmam a tese levantada no início deste tópico: o


discurso político tem a finalidade de persuadir, e a mídia é a principal intermediária entre
os interesses dos líderes e as massas lideradas. São os meios de comunicação que definem
e seguem um processo de modificação permanente à percepção da realidade política.

Uma das formas mais peculiares de se manifestar politicamente é através do


silêncio. No mundo político, o silêncio pode ser mais eloquente que uma manifestação
enunciativa. Isso ocorre porque a comunicação não depende exclusivamente da
linguagem falada. Existe também a linguagem corporal, que se manifesta através de
expressões faciais, gestos e ações. Mas também temos outra forma de se comunicar, que
é através das ações.

O não dito pode dar mais informações que a comunicação pela fala ou na
linguagem escrita. Tudo depende da interpretação. Habermas (1990, p. 66) aborda o
conflito entre o falar e o agir e explica que ambas dependem de condições específicas de
22

compreensão. Já a linguagem falada ou escrita é mais objetiva e reduz bastante a margem


para as interpretações por explicitar, na maioria dos casos, o que o emissor quer expressar
ou deixar nas entrelinhas o que se quer realmente dizer. É uma comunicação mais direta.
O trabalho de Habermas, expressado no livro “O pensamento pós-metafísico”, segue a
filosofia contemporânea sob a tendência de questionar a tradição metafísica como sistema
fechado de razão autorreferente.

Ribeiro (2009, p. 108) explica como funciona o pensamento habermasiano à luz


da filosofia de Heidegger e cita o questionamento da razão como parâmetro para a pós-
metafísica.

Ele efetua sua crítica à tradição metafísica denunciando que este pensamento,
ao se impor como “fundamentação última”, fechou-se num círculo totalizante
com pretensões de legitimar todas as premissas a partir de si mesmo. Assim,
direciona seus questionamentos não só à racionalidade em sua constituição
especificamente metafísica, mas também a toda tradição filosófica que a
sustenta. Seu pensamento desenvolve-se no sentido de demonstrar os aspectos
que marcaram o estremecimento deste modo de pensar e, consequentemente,
minaram a razão como pretensão universal de saber

A autora ainda entra na esfera da comunicação sob o prisma do conceito de razão


situada nos jogos de linguagem.

Habermas (op. cit. 53) explica que a passagem da filosofia da consciência para
a da linguagem trouxe vantagens objetivas. Mais adiante, aborda a questão da guinada
linguística, surgida inicialmente no interior dos limites do semanticismo, fazendo com
que fosse impossível explorar o potencial da solução do novo paradigma.

A análise semântica permanece essencialmente uma análise das formas de


proposição, principalmente das formas de proposição assertóricas; ela
prescinde da situação da fala, do uso da linguagem e dos seus contextos, das
pretensões das tomadas de posições e dos papéis dialogais dos falantes numa
palavra: prescinde da pragmática da linguagem a qual iria deixar a semântica
forma entregue a um outro tipo de abordagem, a saber, a consideração
empírica. Do mesmo modo a teoria da ciência fez uma distinção entre a lógica
da pesquisa e questões de dinâmica da pesquisa, a qual seria reservada aos
psicólogos, historiadores e sociólogos

A guinada linguística, para Habermas, não se completou apenas através da


semântica da proposição, mas também da semiótica.

Outro ponto observado é que o pensamento pós-metafísico continua coexistindo


com a prática religiosa. A justificativa é que enquanto a linguagem religiosa trouxer
consigo conteúdos semânticos, a filosofia não poderá substituir a religião.
23

Conforme o pensamento de Habermas, a única saída para a abstração estruturalista


é a guinada pragmática. Ele explica que mesmo as regras gramaticais possuindo uma
identidade de significado das expressões linguísticas, esse significado é apenas suposto,
e acrescenta (op. cit, p. 57): “O fato de as intenções dos falantes afastarem-se quase
sempre dos significados standart das expressões utilizadas explica aquela sombra de
diferença que se filtra em todo acordo atingindo através da linguagem”.

O entendimento do que se é dito depende da capacidade de interpretação do


receptor. Nem sempre a intenção do emissor é compreendida. Ao analisar a deflação do
extraordinário, Habermas (op. cit., p. 59) afirma estar submetida à racionalidade
caracterização ocidental do estado de coisas. Nas análises de Habermas, a linguagem
dentro do campo das ciências está relacionada à pretensão de verdade.

Para ele, a filosofia não se esvai na autorreflexão das ciências. O que liberta o
olhar científico da fixação em seu próprio sistema é a reversão desta perspectiva, limitada
ao do mundo da vida, é uma filosofia que se liberta do logocentrismo. Assim, a ciência
descobre uma razão já operante na própria prática comunicativa cotidiana.

Mais adiante, ele completa:

Aqui se cruzam as pretensões de verdade proposicional, à correção normativa


e autenticidade subjetiva no interior de um horizonte concreto do mundo que
se abre linguisticamente; por serem pretensões criticáveis, elas transcendem os
contextos nos quais são formuladas nos quais eles pretendem valer. No
espectro de validez da prática cotidiana de entendimento aparece uma
racionalidade comunicativa que se abre num leque de dimensões. Esta oferece,
ao mesmo tempo, uma medida para as comunicações sistematicamente
deformadas e para desfigurações das formas de vida, caracterizadas pela
exploração seletiva de um potencial de razão tornando acessível com a
passagem para a modernidade.

Sendo assim, a filosofia e a linguagem no pensamento pós-metafísico cumprem


um papel de mediadores entre os experts e a prática cotidiana. Ao comparar o “agir” e o
“falar”, Habermas classifica ambos como “ações” em um sentido amplo. Para não
misturar as duas coisas, o autor faz uma divisão em dois modelos diferentes de discrição.
Para isso, ele coloca as atividades não-linguísticas como sendo “ações de sentido estrito”
para diferenciá-las da fala cuja finalidade é se chegar a um entendimento entre os que
estão dialogando.

Ao citar o exemplo de uma pessoa correndo na rua, Habermas (op. cit, p. 65)
explica que podemos identificar ação, mas não percebemos qual é a intenção dessa pessoa
24

ou o que motiva a corrida. O autor explica que ao observar uma ação não temos condições
de descrever as motivações dela com segurança. Somente os atos de fala conseguem
descrever e revelam o que se quer saber.

Quando eu capto uma ordem que uma amiga me dá (ou outrem), ao dizer que
devo (ou ele deve) deixar cair a arma, então eu sei com bastante certeza, qual
foi a ação que ele realizou: ela proferiu esta ordem. Essa ação não carece de
interpretação no mesmo sentido que as passadas do amigo apressado. Pois no
caso exemplar, do significado verbal, um ato de fala revela a intenção do
falante; um ouvinte pode deduzir do conteúdo semântico do proferimento o
modo como a sentença proferida é utilizada, ou seja, saber qual é o tipo de ação
realizada através dele. As ações linguisiticas interpretam-se por si mesmas,
uma vez que possuem uma estrutura auto-referencial

Para o autor, ações linguísticas e não linguísticas são atividades orientadas para
um devido fim, dividindo-se em duas categorias: “compreensão” do ouvinte e
“reconhecimento” do que se diz como verdadeiro.

Habermas explica que falantes e ouvintes assumem enfoque performativo no qual


eles se defrontam reciprocamente como membros de um mundo vital de sua comunidade
linguística, compartilhada intersubjetivamente. Ao comparar o agir comunicativo com o
agir estratégico (op. cit., p. 70), ele explica que:

Agir comunicativo: depende do uso da linguagem dirigida ao entendimento. O


agir comunicativo distingue-se do estratégico uma vez que a coordenação bem
sucedida da ação não está apoiada na racionalidade teleológica dos planos
individuais de ação, mas na força racionalmente motivadora de atos de
entendimento, portanto, numa racionalidade que se manifesta nas condições
requeridas para um acordo obtido.

Já o agir estratégico (op. cit., p. 70) é:

A constelação do agir e do falar modifica-se. Aqui as forças ilocucionárias de


ligação enfraquecem; a linguagem encolhe-se, transformando-se num simples
meio de informação. É possível ilustrar melhor esse fato tomando o exemplo
há pouco apresentado. É a fala utilizada com um objetivo.

Ao abordar a guinada pragmática, entendida como a orientação pela possível


validade de proferimentos que fazem parte das condições pragmáticas não só do
entendimento, mas também da própria compreensão da linguagem, as dimensões do
significado e da validez estão ligadas internamente.

Ele cita três fatores para explicar a relação do significado de uma expressão
linguística: o que se diz com ela; o que se diz nela; o modo de sua utilização no ato de
fala.
25

Mais adiante ele explica que as teorias do significado mais conhecidas dão luz ao
aspecto global.

A semântica funcionalista toma como ponto de partido aquilo que o falante pensa
ou procura dar a entender. A semântica forma parte do ponto de vista sob os quais uma
proposição é verdadeira. Já a teoria do significado trata dos contextos das interações
apontada por Habermas (op. cit., p. 78).

Cada uma destas três teorias do significado concorre umas com as outras,
ligando-se precisamente a único processo do entendimento. Elas pretendem
esclarecer o significado de uma expressão linguística numa única perspectiva,
seja na perspectiva do que é pensado, como significado pensado, seja na
perspectiva do que é dito, como significado textual, seja na perspectiva no uso
em interações como significado de proferimento.

Há também em Habermas (op. cit., p. 80) a influência das razões do falante diante
do ouvinte que exercem influência sobre o que será interpretado.

O ouvinte precisa conhecer o tipo de razão com as quais o falante poderia


eventualmente resgatar sua pretensão quanto ao preenchimento de
determinadas condições de verdade. Nós compreendemos um enunciado
afirmativo quando sabemos que tipo de razões o falante deveria aduzir, a fim
de convencer um ouvinte de que ele (o falante) tem o direito de levantar uma
pretensão de verdade para a sua frase.

Com esse entendimento, o autor entende que há uma sugestão de que não se deve
mais definir a semântica como condição de verdade ou reduzi-la à perspectiva do falante.
Ele afirma que a guinada pragmática da semântica da verdade trouxe consigo a
transformação de “força ilocucionária”. Para Habermas, a eficiência do agir comunicativo
depende da forma como a informação é repassada e de como isso é interpretado pelo
ouvinte.

Na linguagem verbal, isso depende das razões e do que está por trás do que se diz.
Surge aí a dependência de quem está recebendo uma determinada informação. Já na
linguagem não verbal, está aberto um vasto campo para as interpretações de quem está
recebendo uma informação. Tudo depende de um contexto em torno do fato, e o autor
cita como exemplo o cidadão que é visto na rua correndo. Ele pode estar fugindo, atrasado
ou se exercitando.

Dentro da lógica da análise do discurso, Orlandi (op. cit. pp. 82 e 83) explica que
o dizer está relacionado ao não dizer, e que na hora de se estudar o assunto deve se ter um
cuidado metodológico. Ela explica que o não dizer se manifesta de várias formas. Uma
delas é o que está implícito na frase “deixei de fumar”, que pressupõe que o emissor já
26

fumava. Mas o que fica subentendido é o motivo que leva o sujeito a tomar essa decisão.
Tudo depende do contexto em torno da informação.

Na análise do discurso, há noções que encampam o não-dizer: a noção de


interdiscurso, a ideologia, a de formação discursiva. Consideramos que há
sempre no dizer um não-dizer necessário. Quando se diz “x”, o não-dito “y”
permanece como uma relação de sentido que informa o dizer de “x”. Isto é uma
informação discursiva que pressupõe: “terra” significa pela sua diferença com
“Terra”, “com coragem” significa pela sua relação com “Sem medo” etc. Além
disso, o que já foi dito mas já foi esquecido tem um efeito sobre o que dizer
que se atualiza em uma formulação. Em outras palavras, o interdiscurso
determina o intradiscurso: o dizer (presentificado) se sustenta na memória
(ausência) discursiva.

Outro ponto dentro da análise do discurso que pode ser usado em relação ao não-
dito é o silêncio. Orlandi (op. cit. p. 83) explica que, calar-se pode significar um recuo
necessário, e é a partir de como isso é interpretado que se pode encontrar um sentido no
silêncio. “É o silêncio como horizonte, como iminência de sentido. Esta é uma das formas
de silêncio fundador: silêncio que indica que o sentido pode ser outro. Mas há outras
formas de silêncio que atravessam as palavras que “falam” por elas, que as calam”. Dentro
da política, o silêncio fundador se manifesta de maneiras variadas. Pode ser o silêncio
constitutivo no sentido de que uma palavra apaga outras palavras ou silêncio local, que é
a censura. Esse segundo ponto está relacionado intrinsecamente às relações de poder.

Tanto no sentido filosófico como no da análise do discurso é possível detectar


significados com o não-dizer. O silêncio tão utilizado na política e expressado muitas
vezes na mídia quando um político se cala sobre um assunto torna-se notícia. Da mesma
forma que não existe política sem discurso, não existe discurso político sem a mídia. É a
mídia quem cumpre o papel de intermediar o acesso das massas ao pensamento político,
ditando as normas e estabelecendo o que se convenciona classificar como opinião pública.
Para Chauradeau (op. cit, p. 41), a mídia tanto pode agir explicitamente do ponto de vista
político como pode ocultar um posicionamento, mas agindo com a intenção de influenciar
a sociedade. Por esse prisma, a mídia pode ser parceira do poder, inclusive, na aferição
de cenários políticos.

De fato, o contrato de informação midiática exige que eles o façam fora do


campo da ação política (mas no campo da cidadania) e sem engajamento de
sua própria opinião. É um discurso “como se” o desafio fosse exprimir uma
opinião política embora ela não o seja realmente. O fato de dificilmente ser
determinável, de ele não conduzir à constituição de uma comunidade
específica, não significa que deva escapar a análise. Sondagens de terreno,
delicadas, deveriam permitir recolher essas ponderações e analisá-las. Em
outras palavras, o discurso político manifesta-se tanto “intragoverno”,
correspondendo a um desafio de ação no qual a palavra política se faz
27

performativa para poder governar com os parceiros diversos, quanto


“extragoverno”, correspondendo a um desafio de deliberação no qual a palavra
circula entre esses mesmos parceiros sem que estes tenham poder decisão.

Outro trabalho midiático em relação ao discurso é o da interpretação dos


acontecimentos. A forma como os fatos são mostrados influenciam pesquisas futuras,
como já apontamos nos tópicos relacionados à história. Ao se utilizar a mídia enquanto
fonte de pesquisa, é preciso levar em consideração o discurso e o contexto em que ele
está inserido dentro de um veículo de comunicação. Navarro (2010, p. 81) corrobora com
esse pensamento, mostrando que a mídia não espelha o real, mas faz uma interpretação
dos fatos.

(...) podemos conferir ao discurso histórico o estatuto de uma prática que visa
à interpretação do real. Elementos discursivos dessa atividade interpretam e
constituem também a linguagem jornalística, manifestando-se, por exemplo,
em comentários, editoriais, colunas assinadas, crônicas e matérias
interpretativas, nas quais o jornalista expõe suas opiniões e versões diferentes
de um mesmo fato. O conhecimento histórico produzido pela escrita
jornalística não se confunde, certamente, com o acontecimento tal como
ocorreu na atualidade, pois é construído em um tempo diferente (tempo da
escrita e da edição do texto jornalístico) do tempo real, em que os fatos
irromperam na sociedade. Esse conhecimento é, pois, um produto que
envolveu escolha da abordagem, reflexão sobre as informações e sua
organização, problematização, interpretação, análise, ordenação temporal de
uma série de acontecimentos e localização espacial na folha do jornal ou da
revista. É um conhecimento que envolve, portanto, memórias individuais (a do
jornalista) e memórias coletivas emolduradas pelo conjunto de acontecimentos
organizados pela narrativa histórica.

Baccega (2013, p. 136) acrescenta que o comunicador é um criador de novas


realidades, mas com uma sutil diferença em relação ao historiador e ao escritor: o público
do comunicador é imediato. No discurso histórico e literário, há tempo para a checagem
e para a reescrita.

São discursos, portanto, cujo conteúdo de realidade é apropriado


obrigatoriamente de formas diferentes e que possuem registros igualmente
diversos. Já no momento produção o sujeito comunicador terá de revelar,
portanto, uma criticidade bem desenvolvida. Precisará saber usar a palavra
enquanto mediação, no sentido de ser dono dela, ser senhor de seu discurso, e
não deixar-se falar por ela. No momento em que se deixar falar por ela, como
acontece, ele perde sua condição de sujeito, capaz de construir e recriar
realidades. O sujeito comunicador necessita saber que, sendo senhor da
palavra, o produto de sua elaboração pode ir no sentido da desalienação do
outro.

Assim sendo, o jornalismo colabora e ao mesmo tempo precisa ser tratado com
cuidado enquanto fonte de pesquisa. O contexto da produção midiática precisa ser sempre
levado em consideração com a finalidade de se conhecer o que está por trás daquela
notícia pesquisada e a forma como ela foi usada para influenciar a sociedade.
28

1.3 RELAÇÕES ENTRE MÍDIA E PODER: CONVERGÊNCIA DE


INTERESSES E MANIPULAÇÃO DO NOTICIÁRIO

Numa sociedade democrática, a existência da mídia livre é um de seus pilares. É


por meio da imprensa que a sociedade pode se manifestar e cobrar de seus representantes.
Por outro lado, a mídia também cumpre um papel nada honroso, o de manipular os fatos
de acordo com os interesses dos donos das empresas de comunicação que estão alinhadas
com as classes dominantes.

Ao exercer influência perante a sociedade, a mídia, muitas vezes, é apontada como


o “quarto poder”. Mas seria isso mesmo? A mídia realmente exerce poder sobre a
sociedade? O que os autores pensam a respeito disso? O que seria o conceito de poder na
visão da filosofia contemporânea?

Para exercer o poder, os Rosados sempre recorreram aos meios de comunicação.


Em Mossoró, eles controlam direta ou indiretamente rádios, jornais e emissoras de TV. É
influenciando no noticiário que eles conseguem impor sua força política e manter o poder
político.

O poder é um assunto discutido na filosofia como um espaço de luta entre


diferentes atores com interesses em conflito. O poder não está restrito ao debate político,
dentro do campo de disputa pelo controle da máquina estatal. Dentro dessa disputa,
Foucault (2013, p. 42) entende que esquerda e direita têm visões diferentes a respeito de
como o poder é exercido.

Não vejo quem - na esquerda e na direita - poderia ter colocado o problema do


poder. Pela direita estava somente colocado em termos de constituição,
soberania, etc., portanto em termos jurídicos; e, pelo marxismo, em termos de
aparelho de Estado. Ninguém se preocupava com a forma como ele se exercia
concretamente e em detalhe, com sua especificidade, suas técnicas e suas
táticas. Contentava-se em denunciá-lo no “outro”, no adversário, de uma
maneira ao mesmo tempo polêmica e global: o poder no socialismo soviético
era chamado por seus adversários de totalitarismo; no capitalismo ocidental,
era chamado pelos marxistas como dominação de classe; mas a mecânica
nunca era analisada.
29

Avançando dentro dessa temática é possível observar através dos escritos de


Bourdier (2008, p. 50) que existem vários níveis de poder que estão distribuídos em
diferentes esferas da sociedade.

Todas as sociedades se apresentam como espaços sociais, isto é, estruturas de


diferenças que não podemos compreender verdadeiramente a não ser
construindo princípio gerador que funda essas diferenças na objetividade.
Princípio que é o da estrutura da distribuição das formas de poder ou dos tipos
de capital eficientes no universo social considerado - e que variam, portanto,
de acordo com os lugares e os momentos.

Dentro da ótica do confronto pelo poder, Foucault (2005, p. 21) explica que este
não é dado nem cedido. Mas, é exercido, e vai mais além, afirmando que quem o detém,
oprime.

O poder não se dá, nem se troca, nem se retorna, mas que ele se exerce e só
existe em ata. Dispomos igualmente desta outra afirmação, de que o poder não
é primeiramente manutenção e recondução das relações econômicas, mas, em
si mesma, primariamente, uma relação de força. Algumas questões, ou melhor,
duas questões: se o poder se exerce, o que é esse exercício? Em que consiste?
Qual é sua mecânica? Temos aqui algo que eu diria era uma resposta-ocasião,
enfim, uma resposta imediata, que me parece descartada finalmente pelo fato
concreto de muitas análises atuais: o poder é essencialmente que reprime. É o
que reprime a natureza, os instintos, uma classe, indivíduos. E, quando, no
discurso contemporâneo, encontramos essa definição repisada do poder como
o que reprime, afinal de contas, o discurso contemporâneo não faz uma
invenção.

Mas a questão do poder vai além da disputa política em si. Por influência da
própria política, o poder pode ser exercido através da cultura e de sua influência. Quem
exerce o mando tem a oportunidade de se utilizar da produção cultural para legitimar-se.
Bourdier (op. cit., p. 51) entende que a cultura é um campo de representação do poder e
da dominação burguesa.

Quanto à noção de campo de poder, precisei criá-la para dar conta de efeitos
estruturais que não podiam ser compreendidos de outro modo: especialmente
certas propriedades das práticas e das representações de escritores ou de
artistas que apenas a referência ao campo literário ou artístico não permitia
explicar inteiramente, como, por exemplo, a dupla ambivalência em relação ao
“povo” e ao “burguês”, encontrada entre escritores ou artistas que ocupam
posições diferentes nesses campos e que só são inteligíveis se levarmos em
conta a posição dominada que os campos de produção cultural ocupam no
espaço mais amplo.

O autor (op. cit., p. 52) acrescenta que o poder é alvo de disputas.

O campo do poder (que não deve ser confundido com o campo político) não é
um campo como os outros: ele é o espaço de relações de força entre os
diferentes tipos de capital ou, mais precisamente, entre os agentes
suficientemente providos de um dos diferentes tipos de capital para poderem
dominar o campo correspondente e cujas lutas se intensificam sempre que o
valor relativo dos diferentes tipos de capital e posto em questão (por exemplo,
30

a “taxa de câmbio” entre o capital cultural e capital econômico); isto é,


especialmente quando os equilíbrios estabelecidos no interior do campo, entre
instâncias especificamente encarregadas da reprodução do campo do poder (no
caso francês, o campo das grandes escolas), são ameaçados.

Como posto acima, o autor também entende que o campo do poder não está restrito
à política. Dessa forma, a mídia também se insere. Ao propagar discursos, ela serve de
intermediária para a legitimação de diversas formas de poder, e nesse contexto também
se inserem (além da política, claro) a economia, as artes e a religião. O uso do discurso é
uma importante estratégia para legitimar o poder político, e a mídia é o principal meio
para a propagação de uma ideia. Foucault (2010, pp. 8 e 9) entende que o discurso tem
um poder de coerção.

Suponho que em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo


controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de
procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar
seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade.

Para o autor (op. cit., p. 40), o discurso nem sempre é explícito em suas intenções.
“Mas que ninguém se deixe enganar; mesmo na ordem do discurso verdadeiro, mesmo
na ordem do discurso publicado e livre de qualquer ritual, se exercem ainda formas de
apropriação de segredo e de não permutabilidade”.

E isso acontece na mídia, a qual nem sempre cumpre o seu papel social por ser
uma empresa privada com seus próprios interesses e que muitas vezes possuem interesses
diferentes dos da democracia. Charaudeau (2005, p. 59) entende que a informação sofre
influências das ideologias.

O imperativo da capitação a obriga a recorrer à sedução, o que nem sempre


atende à exigência de credibilidade que lhe cabe na função de “serviço ao
cidadão” – sem mencionar que a informação, pelo fato de referir-se aos
acontecimentos do espaço público e civil, nem sempre estará isenta de posições
ideológicas. Acrescentamos a isso que a informação fica prejudicada porque
os efeitos visados, correspondentes às intenções da fonte da informação, não
coincidem necessariamente com os efeitos produzidos no alvo, pois este
reconstrói implícitos a partir de sua própria experiência social, de seus
conhecimentos e crenças.

Ele acrescenta mais à frente (op. cit., p. 63) que o discurso informativo das mídias
está relacionado ao imaginário de poder.

O discurso informativo não tem uma relação estreita somente com o imaginário
de saber, mas igualmente com o imaginário do poder, quanto mais não seja,
pela autoridade que o saber lhe confere. Informar é possuir um saber que o
outro ignora (“saber”), ter a aptidão que permite transmiti-lo a esse outro
(“poder dizer”), ser legitimado nessa atividade de transmissão (“poder de
dizer”). Além disso, basta que se saiba que alguém ou uma instância qualquer
tenha a posse de um saber para que se crie um dever de saber que nos torna
31

dependentes dessa fonte de informação. Toda instância de informação, quer


queira, quer não, exerce um poder de fato sobre o outro. Considerando a escala
coletiva das mídias, isso nos leva a dizer que as mídias constituem uma
instância que detém uma parte do poder social.

O discurso midiático atua como sendo uma das instâncias de exercício do poder
por influenciar toda a sociedade e, dependendo do caso, fortalecer quem detém o poder
ou agir conforme os interesses de quem luta para ter o poder. Os veículos de comunicação
estão intimamente relacionados ao poder. E isso acorre de várias formas. Primeiro pelo
próprio poder de influência que estes exercem sobre a sociedade; segundo pela
necessidade de quem exerce o poder, seja político ou não, de recorrer à mídia para que
esta intermedeie o contato com a sociedade. Isso pode acontecer com diversas intenções.
Uma delas é a de legitimar um discurso; outra é de propagar uma informação de seu
interesse. Inspirada em Foucault, Gomes (2003, pp. 76 e 77) afirma que o papel da mídia
vai muito além do trabalho de manipulação, cumprindo um papel de disciplinar e
controlar.

A visibilidade nas mídias concentra-se com a exploração realizada por


Foucault sobre as táticas de majoração do poder em Vigiar e Punir. Em
oposição ao dispositivo da masmorra, princípio de exclusão pela subtração ao
olhar, situa-se no panopticom. Este é figura exemplar da estratégia que, ao
trazer à luz, consegue assimilar, incorporar à funcionalidade no âmbito social:
em vez de exclusão, a inclusão por meio do controle visado pelas estratégias
disciplinares. Por sermos potencialmente vistos, agimos nos conformes. Tal
estratégia se mostra tanto mais efetiva quanto mais a visibilidade se tornou
objeto de desejo: cada qual com os seus devidos quinze minutos de fama. É
por conta da visibilidade que as mídias assumem um papel crucial como
disciplina e controle, portanto, como promotoras/mantenedoras de escalas de
valores, como vigilantes. Temos que pensá-las em seu duplo papel: aquele pelo
qual expõem a todo momento os conflitos é também aquele pelo qual definem
a esfera de equilíbrio em que esses conflitos se diluíram. Enquanto mostram,
as mídias disciplinam pela maneira de mostrar, enquanto mostra ela controla
pelo próprio mostrar. É em relação à disciplina que se diz que se não passou
pelas mídias não há poder de reivindicação; é em relação a controle que se diz
que se não passou pelas mídias não existe.

Mas existem autores que minimizam o poder da mídia perante o público receptor.
Trata-se de pesquisadores que, a partir dos anos 1940, passaram a colocar em desuso a
teoria da agulha hipodérmica1. Para Medeiros (2011, p. 43), não se pode exagerar no
entendimento de que os meios de comunicação de massa, cuja sigla utilizada por ele é
MCM, não atinge seus objetivos nem deve ignorar o seu poder de manipulação.

1
Surgida no período Entre Guerras (1914-39), consiste num entendimento de que o emissor sempre
sobressai diante do receptor influenciando em suas opiniões e decisões. Essa teoria entende que os objetivos
dos meios de comunicação sempre são atingidos porque o público consumidor de informação não oferece
resistência ao que lhe é dito ou escrito pelas mídias.
32

Essa tese dos MCM é, de fato, criticável, pois os receptores possuem senso
crítico, experiências de vida marcantes e recebem outros tipos de influência,
que apenas não os da indústria cultural2. No entanto, não se pode cair no lado
oposto, igualmente criticável, de achar que não existe manipulação. A
manipulação existe, só que ela é sutil, subliminar e não chega a ser formadora
de padrões de comportamento e conduta definitivos.

Apesar da contestação, não se pode ignorar a força dos veículos de comunicação


e a influência que eles possuem ao informar, selecionando o que vai ser notícia e a forma
como esse assunto será abordado.

Em um veículo de comunicação existe a linha editorial, que são as regras impostas


pelo comando da empresa. É através da linha editorial que se decide o que será divulgado,
como será divulgado e o espaço ou tempo (dependendo do tipo de veículo) que o assunto
terá. Isso é uma forma de se exercer o poder sobre a informação e, por consequência,
sobre a sociedade. A linha editorial de um veículo de comunicação atende a interesses
dos patrões. São levados em consideração os aspectos políticos e econômicos na definição
de como um veículo de comunicação deve se portar. O poder está concentrado em torno
do empregador.

Formas de manifestação de poder por um veículo de comunicação são o editorial


e as notas de colunas. Segundo Marques (2003, p. 15), editorial é “um texto onde o jornal
expressa sua opinião. Não é assinado para que caracterize formalmente a posição do
veículo”. Para Melo (2003, p. 103), “é o gênero que expressa a opinião oficial da empresa
diante dos fatos de maior repercussão no momento. Todavia, a sua natureza de porta-voz
da instituição jornalística precisa ser melhor compreendida e delimitada”. Sobre a coluna
de jornal, Melo (op. cit., p. 139) afirma:

A coluna corresponde à emergência de um tipo de jornalismo pessoal,


intimamente vinculado à personalidade do seu redator. Talvez possa ser
identificado como sobrevivência, no jornalismo industrial, daquele padrão de
jornalismo amador e eclético que caracterizou as primeiras publicações
periódicas.

Em comum, o editorial e a coluna têm o fato de serem opinativos. Um tem como


característica a opinião do veículo; a outra, do jornalista que a escreve. De diferente há a
impessoalidade do primeiro e o personalismo da segunda. Bonfim (2002, pp. 328 e 329)
entende que há um discurso de dominação sobre o que é posto na mídia, mas também
exceções que apontam para a resistência.

2
Termo cunhado pelos sociólogos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer com a finalidade de situar
a produção artística dentro do contexto do capitalismo industrial.
33

Ao nos determos sobre a prática discursiva da imprensa, ou seja, sobre os


textos produzidos e veiculados pelos jornais e revistas e consumidos pelos
leitores, verificamos que, mesmo não sendo possível apontar uma
“intencionalidade” por parte dos produtores dos textos (repórteres, editores),
vários são os fatores que determinam o atrelamento dos interesses da indústria
da mídia aos da política e da economia, e tal associação não deixa de se fazer
presente nos textos da imprensa. Isso porque a natureza da produção,
distribuição e consumo dos textos faz que estes venham carregados de valores
associados a seus produtores. Ao analisar os textos, constatamos que podemos
considerá-los, em grande parte, como veiculadores de ideologia, ou seja, como
sustentadores da dominação; por outro lado, em menor proporção, constatamos
que tais textos (formas simbólicas) serviram, também, como elementos de
resistência às estruturas dominantes de poder.

Os jornalistas são apenas agentes do poder midiático, como bem atesta Signates
(2011, p. 78):

A interpretação da liberdade de imprensa como apenas um modo da liberdade


de expressão constitui um equívoco teórico grave, na medida em que obscurece
a conflitualidade existente entre tais liberdades no interior das instituições de
comunicação. Tais instituições, no propósito de garantir o que denominam
liberdade de imprensa – e que talvez nada mais seja que a liberdade da empresa
jornalística de definir a partir de seus interesses a linha editorial -, restringem,
quando não anulam, a liberdade de expressão dos jornalistas, nas suas mais
variadas formas.

A opinião do autor minimiza o papel dos jornalistas enquanto agente informador


e realça a força de quem detém o poder de mando dentro da empresa. De fato, quem tem
a palavra final sobre o que é veiculado é o comando da empresa, que segue os critérios já
citados neste capítulo (políticos e econômicos), deixando outros critérios de
noticiabilidade3 em segundo plano.

Simbolicamente, a mídia é tratada como o quarto poder. É, de fato, um poder


muito mais simbólico do que prático, como acontece nos casos do Executivo, Legislativo
e Judiciário, na concepção de Montesquieu. O poder exercido pela mídia é o de
influenciar a sociedade em suas decisões através do direcionamento dado às notícias e a
forma como as opiniões são expostas pelos veículos de comunicação. Dentro da
concepção de Foucault abordada neste trabalho, é um exemplo claro do poder que não
pode ser tocado, mas exercido. O exercício desse poder transcorre por meio do discurso.
É por meio deste que a mídia faz o seu jogo com a sociedade, decidindo o que é fato a ser
noticiado e como essas notícias devem chegar ao público.

3
Os critérios de noticiabilidade são os aspectos levados em conta pelos veículos de comunicação quando
se decide publicar uma informação. São levadas em consideração questões como amplitude, frequência, o
inusitado e o interesse público e do público.
34

O discurso da mídia é o da defesa do interesse público, mas não é bem o caso. E


por que isso? Por que os veículos de mídia (ainda que sejam concessões públicas como
no rádio e TV) atendem a interesses privados que estão atrelados a interesses políticos e
econômicos. O comunicador tem o poder de formar opinião, mas não é ele quem tem o
exercício pleno do poder. Essa premissa é do proprietário do veículo de comunicação.

Diferentemente do que se propaga, o poder da comunicação social é relativo. A


mídia tem grande capacidade de influenciar, mas isso é relativo. Também existem setores
da sociedade, principalmente os mais escolarizados, que detêm o discernimento de
perceber o que está por trás de uma informação e a rejeitam se perceber a manipulação
da notícia.

A mídia se relaciona com os poderes econômico e político. Mas também está


atrelada à arte e à religião. Há uma relação de troca entre a mídia e estas esferas de poder.
Para chegar ao máximo possível de pessoas eles precisam da mídia como intermediária.
É através dela que é possível se propagar um discurso que atenda aos mais diversos
interesses desses segmentos. Geralmente prevalece o mais forte, com a resistência ficando
em segundo plano, sendo utilizada conforme os interesses de ocasião. Quarto poder ou
não, a mídia faz parte do cotidiano dos cidadãos que ligam a TV e o rádio ou abre as
páginas de jornal e revistas ou, ainda, acessa a Internet para ler sites, blogs e acessar as
redes sociais.

Os veículos de comunicação possuem a capacidade de agendar os fatos que são


postos em discussão pela sociedade. O agendamento vem a partir das escolhas que são
feitas pelos editores dos veículos de comunicação, conforme os interesses editoriais. A
Teoria do Agendamento ganhou força na década de 1970, a partir dos estudos de Maxwell
McCombs e Donald Shaw, que analisaram a eleição presidencial dos Estados Unidos, em
1968.

De acordo com Traquina (2001, p. 53), o trabalho deles teve influência da Teoria
dos Efeitos Limitados, de Lazarfeld. Ainda conforme Traquina (op. cit., p. 19), os estudos
sobre agendamento (ou agenda-setting) se dividem em três componentes: estudos da
agenda midiática (media agenda-setting), localizados nos estudos sobre o conteúdo da
mídia; os estudos sobre a agenda pública (public agenda-setting), definidos como
pesquisas que conceituam a relativa importância dos diversos acontecimentos e assuntos
35

por parte dos membros do público; e estudos sobre a agenda das políticas governamentais
(policy agenda-setting), que se debruça sobre a agenda das entidades governamentais.

Para conceituar o agendamento, Traquina (op. cit., p. 33) lembra a pioneira


pesquisa de McCombs e Shaw, que indica um poder limitado para a mídia. O autor
também cita Bernard Cohen, que atribui à mídia a capacidade de dizer às pessoas o que
pensar, mas não como pensar. O autor lembra que McCombs e Shaw, 20 anos depois dos
estudos de 1972, atualizaram o conceito, afirmando que as notícias dizem “como pensar
nisso” e que o público seleciona o que lhe desperta atenção e seleciona os enquadramentos
sobre os quais vai analisar. Para Maigret (2010, p. 311), os meios de comunicação
hierarquizam os assuntos sobre os quais as pessoas vão pensar.

Uma agenda é uma hierarquia de prioridades, uma lista de problemas em jogo


classificados por importância crescente, e que se pode apreender, por exemplo,
enumerando em dado momento os assuntos tratados na imprensa e a
quantidade de tempo no ar e/ou linhas que geram para os cidadãos, efetuando
sondagens de opinião e entrevistas.

Conforme Kunczik (2001, p. 314), a mídia influencia no que pensamos, mas não
decide como devemos raciocinar.

Os meios de comunicação de massa têm o poder de determinar o


comportamento seletivo do público por meios jornalísticos. Quer dizer, os
meios de comunicação se consideram muito poderosos. Ainda que não se
atribua a eles a habilidade para influenciar nossa maneira de pensar, os meios
de comunicação de massa determinam em grande parte os assuntos que
pensamos.

De acordo com Hohlfeldt (2010, p. 189), a questão do agendamento não é uma


teoria, mas uma hipótese, por se tratar de algo ainda inacabado na pesquisa em
comunicação.

Começamos por esclarecer por que falamos em hipótese e não em teoria,


simplesmente. Ora, antes de mais nada, porque uma teoria, como enfatizei
anteriormente, é um paradigma fechado, um modo acabado e, neste sentido,
infenso a complementações ou conjugações, pela qual traduzimos uma
determinada realidade, um certo modelo. Uma hipótese, ao contrário, é um
sistema aberto, sempre inacabado, adverso ao conceito de erro característico
de uma teoria.

Para Wolf (1999, p. 144), o agendamento está a caminho para se tornar uma
teoria.

Em primeiro lugar, embora apresente o agenda-setting como um conjunto


integrado de pressupostos e de estratégias de pesquisa, na realidade, a
homogeneidade existe mais a nível de enunciação geral da hipótese do que no
conjunto de confrontações e de verificações empíricas, e isso devido, também,
a uma certa falta de homogeneidade metodológica. No estado actual, a hipótese
36

do agenda-setting é, portanto, mais um núcleo de temas e de conhecimentos


parciais, susceptível de ser, posteriormente, organizado e integrado numa
teoria geral sobre a mediação simbólica e sobre os efeitos de realidade
exercidos pelos mass media, do que um modelo de pesquisa definido e estável.

Já Pena (2012, p. 145) afirma que houve uma evolução no entendimento de


agendamento da mídia. “A temática da teoria do agendamento também representa a
evolução de uma perspectiva quantitativa para uma abordagem representativa dos
efeitos”. Os autores reforçam a questão da influência da mídia no comportamento de uma
sociedade. O grau de influência pode ser maior ou menor dependendo do fato e do
contexto histórico. Os veículos de comunicação seguem suas próprias regras que são
originadas nas Redações. Essas regras são chamadas de linha editorial, a qual emprega os
critérios de noticiabilidade dos fatos e o padrão dos enfoques que serão dados. Em suma:
o que é considerado mais importante num jornal pode ser tratado com irrelevância ou até
mesmo ser ignorado em outro veículo de comunicação. Melo (op. cit., p. 75) classifica a
linha editorial como um “controle negociado”.

É através da seleção que se aplica na prática a linha editorial. A seleção


significa, portanto, a ótica através da qual a empresa jornalística vê o mundo.
Essa visão decorre do que se decide publicar em cada edição privilegiando
certos assuntos, destacando determinados personagens, obscurecendo alguns e
ainda omitindo diversos.

As orientações sobre o que pode ou não ser publicado, os critérios de


noticiabilidade, dependem de uma estrutura hierarquizada das Redações em que as
decisões são tomadas de cima para baixo. Tudo entra no contexto daquilo que Traquina
(2005, p. 91) classifica como valores-notícia. Para o autor, trata-se dos critérios de seleção
dos elementos que merecem se divulgados dentro do corpo de uma notícia. Dentro desse
conjunto de questões estão a simplificação (capacidade que tem a notícia de ser
compreendida), a amplificação (potencial que aquela informação tem de ser notada pelo
maior número de pessoas possível), relevância (importância daquele fato na vida das
pessoas), personalização (interesse que o personagem da notícia desperta no público),
dramatização (leva em conta questões de natureza emocional e conflitual) e consonância
(fato novo em uma notícia já conhecida). Mas o autor (op. cit., p. 93) pondera que além
de todos os critérios de valor-notícia está a política editorial da empresa jornalística.

A política editorial influencia a disposição dos recursos da organização e a


própria existência de espaços específicos dentro, sobretudo de rubricas. A
criação de espaços regulares, como suplementos e rubricas/seções, tem
consequências diretas sobre o produto jornalístico de uma empresa porque a
existência de espaços específicos sobre certos assuntos ou temas estimula mais
notícias sobre esses assuntos ou temas, porque tais espaços precisam ser
preenchidos.
37

Essa situação se relaciona com a teoria do Gatekeeper. A teoria surgiu em 1947,


sem se referir ao jornalismo, a partir de uma pesquisa do psicólogo Kurt Lewin sobre as
modificações de hábitos alimentares em um determinado grupo social. A aplicação dela
ao jornalismo foi feita pela primeira vez por David Manning White, em 1950.

A palavra inglesa significa “porteiro”, e no jornalismo a metáfora é simples: se


num evento social é o porteiro quem define a entrada dos convidados consultando uma
lista, no jornalismo esse papel é exercido pelo editor que, na missão de guardião da linha
editorial do veículo de comunicação, determina quais serão as notícias que serão
oferecidas ao público.

Mas esse trabalho não começa no editor. Ele é quem dá a palavra final. Tudo
depende do sistema de cada veículo de comunicação. Numa TV, a seleção começa no
produtor que escolhe a pauta e passa ao repórter que, junto com o cinegrafista, dá o seu
próprio enfoque até a versão final, que é editada antes de chegar ao público. Em um jornal,
é o repórter quem faz o seu recorte da realidade.

Nesse aspecto, entra em cena a teoria do espelho, que está em rota de colisão com
o gatekeeper. Nessa corrente de pensamento, entende-se que o jornalismo reflete a
realidade, retratando fielmente os fatos como eles foram, e esse trabalho de coleta de
informações é feito pelo repórter. Mas essa teoria tem um aspecto de ingenuidade por
ignorar os aspectos subjetivos de uma informação e o olhar individual do profissional que
as apura.

Pena (op. cit., pp. 127 e 128) faz uma espécie de “metáfora da metáfora” utilizando
a física – mais precisamente a óptica - para mostrar que, mesmo ao refletir uma imagem,
um espelho pode apresentar distorções.

(...) É bom lembrar que há dois tipos de espelhos: os planos e os esféricos.


Estes últimos se dividem em côncavos, cuja superfície refletora é interna, e
convexos, cuja superfície refletora é externa. Ou seja, em qualquer um deles
há uma distorção do que é refletivo. Dependendo do centro da curvatura, a
imagem pode ser virtual, invertida, maior ou menor, em diversas combinações.
E mesmo nos espelhos planos a imagem já aparece invertida. Uma pequena
inclinação ou simples combinação de reflexos pode produzir distorções
gigantescas. Saindo da metáfora e voltando para o nosso objeto, o jornalismo,
a simples argumentação de que a linguagem neutra é impossível já bastaria
para refutar a teoria do espelho, pois não há como transmitir o significado
direto (sem mediação) dos acontecimentos. Além disso, as notícias ajudam a
construir a própria realidade, o que inviabiliza a existência de um simples
reflexo do real. Na verdade, os próprios jornalistas estruturam representações
do que supõem ser a realidade no interior de suas rotinas produtivas e dos
limites dos próprios veículos de informação.
38

O jornalismo não reflete a realidade nua e crua, mas faz um recorte desta. A teoria
do newsmaking avança em relação à do espelho por mostrar que o jornalismo, ao invés
de refletir uma realidade, promove uma construção social do real.

Para chegar a essa construção social de uma realidade, vários aspectos são levados
em consideração, e são estes quem formatam a construção de uma determinada linha
editorial Citando Mauro Wolf e Nelson Traquina, Pena (op. cit., p. 128) as enumera:
“noticiabilidade, valores-notícia, constrangimentos organizacionais, construção da
audiência e rotinas de produção”. Tudo isso está por trás do que chega ao público.

O gatekeeper vai além dessas duas teorias por privilegiar a ação pessoal do
comunicador. Trata do poder de decisão de quem define o que vai abrir passagem
chegando ao grande o público e o que será barrado no baile do espetáculo midiático. Os
críticos do gatekeeper entendem que os critérios de seleção da notícia vão além de uma
avaliação individual. Para estes, pesa muito mais os critérios profissionais relacionados
às rotinas de produção da notícia, eficiência e velocidade da informação. Mas por outro
lado, mesmo quem faz a crítica a esse paradigma pondera que o mérito desses estudos foi
apontar a existência de um filtro que faz a seleção do que se tornará notícia.

Independentemente dos critérios de seleção de uma notícia, está um princípio


fundamental do jornalismo: a busca pela verdade. O jornalista precisa e deve buscar
noticiar os acontecimentos da forma mais real possível, sob pena de cair em descrédito
junto ao público. E é esse o grande desafio no processo de filtragem de informações e
interpretação dos fatos. Mesmo assim, a apuração correta dos fatos e trazer a verdade à
tona não é suficiente para o exercício do chamado bom jornalismo. Kovach e Rosenstiel
(2004, p. 69) argumentam que até mesmo a precisão promove uma distorção dos fatos.

A crescente natureza interpretativa do jornalismo de hoje e a resposta dos


profissionais em conferências, pesquisas e entrevistas nos indicam que não,
isso não é suficiente. Um jornalismo construído meramente na exatidão não
nos levaria muito longe. Em primeiro lugar, a simples exatidão pode ser uma
forma de distorção.

O argumento acima pode até ser visto como surpreendente. Mas faz todo o
sentido. Kovach e Rosenstiel apontam a importância de se conhecer o contexto de um
acontecimento ou fenômeno para poder compreender o que está por trás de um fato. Fazer
uma narração limpa e seca de um acontecimento atendo a um critério radical de
objetividade também tem seus riscos. Para reforçar isso, eles apontam um documento de
39

1947 o qual aponta as obrigações do jornalismo, advertindo sobre os riscos de relatar um


fato visto como correto, mas não substancialmente veraz. O estudo citado aponta matérias
sobre grupos minoritários do EUA que serviam apenas para reforçar estereótipos.

Kovach e Rosenstiel (op. cit., p. 70) ainda argumentam que o público não quer
somente uma notícia limpa e seca. Quer mais. Deseja a interpretação dos fatos. E isso
depende da capacidade de interpretação dos jornalistas. Eles exemplificam o almoço do
prefeito com autoridades em que ele elogia a polícia mesmo esta estando envolvida em
escândalos de corrupção. É missão do jornalista explicar que o prefeito está na verdade
se defendendo dos críticos. Mas eles alertam para que esse posicionamento não sirva de
argumento para o desprezo à busca da verdade:

Isso, contudo não significa que a exatidão não é importante. Ao contrário, é a


fundação sobre a qual tudo o mais se sustenta: contexto, interpretação, debate
e toda a comunicação pública. Se a fundação é frágil, tudo o mais balança. Um
dos riscos da proliferação das pequenas empresas noticiosas, programas de
entrevistas e reportagens interpretativas é que a verificação deixou de ser
essencial. Assim, um debate entre oponentes que discutem com números falsos
ou com base em preconceitos não informa coisa alguma, só levanta poeira. E
tampouco leva a sociedade a lugar algum. Na verdade, é muito mais produtivo,
e mais realista, entender a verdade jornalística como um processo – ou uma
caminhada contínua na direção do entendimento – que começa com as
primeiras matérias e vai se construindo ao longo do tempo.

Outra questão que existe dentro do saber jornalístico é o do controle social que
existe dentro das equipes jornalísticas e entre elas. Nas Redações, os profissionais trocam
informações e costumam socializar suas coberturas sugerindo e recebendo sugestões
sobre o que vai noticiar.

Em outro aspecto, é preciso assinalar que a seleção da notícia pode começar até
mesmo nos critérios de contratação de um profissional. Kunczik (2001, pp. 168 e 169)
explica como isso acontece, ponderando que isso não se trata de uma censura:

Mas classificar os procedimentos de recrutamento como censura latente


constitui um exagero, porque nenhuma organização formal escolhe uma pessoa
que tenha pouca probabilidade de adaptar-se ao seu ambiente de valores. Além
disso, há uma auto-seleção na medida em que os jornalistas potenciais
solicitam empregos nos meios de comunicação cujos pontos de vista básicos
correspondem as suas próprias opiniões.

Assim sendo, há uma predisposição natural do jornalista em adaptar-se aos


critérios de noticiabilidade do veículo de comunicação que integra, e isso facilita a
coerência entre a estratégia de abordagem dos fatos e a linha editorial. O jornalismo
político é o pilar que sustenta o senso comum de que a mídia é o quarto poder. Afinal de
40

contas, é nessa seção midiática que se encontra a cobertura dos bastidores do poder e
forma-se opinião sobre os acontecimentos.

São as editorias de política que cobrem as notícias do Executivo, Legislativo e


Judiciário, e é a partir do conceito de opinião pública que está sempre relacionada à
política. Trata-se de um conceito surgido no Século XVIII, que, ao longo do tempo, foi
sendo modificado.

Não se podem abordar conceitos do jornalismo político sem levar em conta a


questão da opinião pública. É a mídia que alimenta a opinião pública através da cobertura
política trazendo à tona as decisões, os bastidores e os escândalos. O problema em torno
desse assunto é que a maioria dos autores considera complicado definir o que seria
opinião pública. Umas das definições mais precisas é a de Melo (1998, pp. 202 e 203).

Opinião pública é uma das expressões mais conhecidas na sociedade


contemporânea. Todavia não goza da homogeneidade conceitual. Tem sido
usada em diversas acepções, muitas vezes contraditórias e divergentes. Como
fenômeno social que é, a opinião pública está sendo invocada constantemente
para justificar revoluções, movimentos democráticos, explicar golpes de
Estado e até apoiar ditaduras. Decompondo a estrutura conceitual da expressão
podemos obter os seguintes pontos de referência: OPINIÃO – juízo de valor,
julgamento, tomada de posição, formulação de uma atitude; PÚBLICA – do
povo, da população. Muito embora subjetiva em sua essência, a opinião
manifesta-se objetivamente. Ou seja, ela advém de uma situação objetiva, de
um fato concreto, com que o indivíduo se depara na sua experiência perceptiva,
dentro do contexto social. A partir daí, e somente a partir daí ele tem condições
para formular um juízo de valor, esboçar uma atitude. Agrupando, agora, o
conteúdo das duas unidades significantes, chegamos ao seguinte conceito:
OPINIÃO PÚBLICA – juízo de valor formulado pelo povo em torno de um
fato concreto.

A opinião pública relaciona intrinsecamente o jornalismo e a política, servindo


como uma interpretação daquela que seria a média do que se é discutido na cobertura
jornalística, servindo de legitimação para as decisões políticas, como bem explica
Coutinho (2002, p. 21): “O conceito de opinião pública nasce com caráter político e se
torna argumento de legitimação do poder dos governantes, que seriam, hipoteticamente,
orientados pela vontade popular”. Farhat (1992, p. 26) explica ser difícil conceituar
opinião pública, argumentando não existir um consenso acadêmico.

Em qualquer comunidade, não faltam opiniões individuais acerca de qualquer


assunto. Porém, os sociólogos encontraram na acepção da opinião coletiva
mais que a simples “soma das opiniões individuais sobre um assunto”. Alguns
autores caracterizam a opinião pública como “organização, produto
cooperativo de comunicação e interesses recíprocos”.
41

Para que os políticos tenham o apoio do que se compreende por opinião pública,
é preciso ter endosso dos veículos de comunicação que exercem a função de mediar a
propagação de informações. A opinião pública se modifica na mesma velocidade da
informação. Parceiro na formação da opinião pública tão importante para os políticos, o
jornalismo político é base do poder de persuasão de quem está no exercício do poder ou
almeja chegar a esse posto. É na transmissão do que os analistas e repórteres dessa área
dizem que os políticos buscam influenciar a população e receber o apoio da opinião
pública.

O jornalista que atua na área política tem um duplo papel, para o bem e para o
mal, o de tornar compreensíveis as decisões explicando o que está por trás do discurso e
apresentando todo um contexto sobre o tema em discussão. Por outro lado, por má fé
(motivada por interesse pessoal ou determinação editorial) ou incapacidade de
interpretação, ele pode tornar-se obstáculo para o discernimento, por parte do público, em
relação aos acontecimentos que envolvem o mundo dos políticos. Kunczik (2001, p. 92)
levanta a hipótese de que na sociedade moderna e democrática o poder é refém da mídia.

Os jornalistas, seus principais representantes, talvez, estabeleçam


decisivamente a política, fixando temas e limitando a amplitude da
argumentação. Até certo ponto, os meios de comunicação têm usurpado as
funções do corpo diplomático e os serviços de inteligência que possua vez tem
forte dependência dos meios de comunicação.

Mais à frente, Kunczik (op. cit., p. 95) pondera que a hipótese de que a política se
tornou dependente dos meios de comunicação não significa que apenas os jornalistas
fixem os temas políticos. Há uma série de fatores para isso, como a linha editorial do
veículo de comunicação, interesses comerciais e o interesse dos políticos, que são as
fontes primárias de informação.

A verdade é que os políticos seguem os assuntos pautados pela mídia ou tentam


pautá-la com a finalidade de influenciar no noticiário. Essa via de mão dupla tem como
principal meta a conquista do voto quando as eleições chegarem. Quanto mais bem
relacionando com a mídia, melhor será o desempenho do político Ball-Rokeach e Defleur
(1993, pp. 336 e 337).

Embora muita gente pudesse gostar de tomar suas decisões de voto para
candidatos a cargos nacionais, estaduais e municipais com base no contato
interpessoal, a maioria dos cidadãos não tem oportunidade de conversar
diretamente com candidatos. O processo eleitoral é estruturado de maneira tal
que os candidatos têm, gostem ou não, de depender da mídia como veículo
primário de comunicação com os cidadãos. O sistema de mídia é mais do que
42

o mero canal neutro de comunicação. Ele utiliza seus recursos de informação


para coletar, processar e difundir informações de campanha. O conteúdo desta
informação ou conhecimento político não se acha sob controle total dos
candidatos, muito menos dos cidadãos. Tantos os efeitos diretos como
indiretos da mídia podem ser vistos como elucidação, incluindo efeitos diretos
sobre “os limites do conhecimento” – gama de coisas que os cidadãos podem
saber – e efeitos indiretos sobre as escolhas que as pessoas fazem ao votar em
determinados candidatos. O processo de liderança de opinião em dois tempos
pode ocorrer relativamente e determinadas decisões de voto. Ao mesmo tempo,
porém, os líderes de opinião geralmente não têm maior controle sobre os
limites do conhecimento construído acerca dos candidatos do que outras
pessoas em suas próprias redes. Com efeito, admitimos que faz sentido falar
em redes interpessoais como tendo relações de dependência com o sistema de
mídia. Isto é, as redes interpessoais – tais como amigos, colegas de trabalho e
parentes – são grupos estáveis capazes de serem caracterizados
expressivamente em função de suas relações de dependência com a mídia.

Por força do jornalismo político, a mídia passou a ser tratada como o “quarto
poder”. A expressão é antiga. Foi usada pela primeira vez em 1828 pelo deputado inglês
MacCaulay. Sua origem é no entendimento de que a mídia tem utilidade moderadora nas
relações do Estado classicamente dividido entre os poderes Judiciário, Executivo e
Legislativo. A entrada da mídia como sendo mais um poder está inserida dentro de um
contexto de regime democrático em que ela fiscaliza os três poderes constituídos. Boa
parte desse entendimento decorre, no jornalismo moderno, por causa das matérias
investigativas e por meio do senso comum de que o profissional de comunicação deve se
comportar como defensor do interesse público.

Entretanto, isso ignora o fato de os veículos de comunicação servirem a interesses


políticos que não ficam limitados a uma editoria específica. Mas a relação de dependência
dos políticos em relação aos jornalistas da área política é maior do que em outras áreas.
Primeiro porque os políticos lidam com quem cobre a área de atuação deles gerando uma
maior proximidade; segundo, porque é nas editorias de política que ele se comunica
diretamente com o público.

Outra questão fundamental do jornalismo político é o caráter interpretativo que


está relacionado a essa área. As matérias não se restringem às frases proferidas pelos
homens públicos nem pela descrição das decisões do Governo e do Judiciário. Seja com
as informações de bastidores ou com a própria sagacidade do profissional de
comunicação, é possível explicar o que está por trás de cada decisão. Não se faz
jornalismo político sem contextualização. Coutinho (op. cit., pp. 87 e 88) acrescenta que
há um envolvimento entre os jornalistas e as fontes de informação que influencia no
noticiário político.
43

Tem-se, portanto, que o ritmo acelerado do jornalismo e o envolvimento entre


fontes e jornalistas do meio político é um assunto delicado e um elemento de
extrema importância de análise das relações entre mídia e política. Outro
aspecto fundamental, estreitamente ligado aos dois anteriores, é o poder da
mídia em divulgar ou não determinado fato político. Além da repercussão
(amplitude e intensidade) que consegue alcançar, um determinado veículo de
comunicação pode ajudar a legitimar política e socialmente determinado
acontecimento político ou não.

A mídia possui o poder de publicizar ou silenciar, influenciando nos fatos


políticos. Atendendo a uma linha editorial sob o prisma da política, o silêncio total ou
parcial de um veículo de comunicação sobre um determinado fato é decisivo do ponto de
vista estratégico para grupos políticos. É sob esse ponto de vista estratégico que a mídia
agenda temas, produz imagens sociais e constrói cenários políticos agindo como um local
de disputa de poder. Isso faz a mídia ir além de uma mera mediadora entre políticos e
eleitores. Por isso, gera um dos grandes questionamentos éticos que se faz sobre a mídia:
há manipulação? A influência política entra nesse aspecto. Abramo (op. cit., pp. 23 e 24)
explica como isso acontece:

O principal efeito dessa manipulação é que os órgãos de imprensa não refletem


a realidade. A maior parte do material que a imprensa oferece ao público tem
algum tipo de relação com a realidade. Mas essa relação é indireta. É uma
referência indireta à realidade, mas que distorce a realidade. Tudo se passa
como se a imprensa se referisse à realidade apenas para apresentar outra
realidade, irreal, que é a contrafação da realidade real. É uma realidade
artificial, não real, irreal, criada e desenvolvida pela imprensa e apresentada no
lugar da realidade real. A relação entre a imprensa e a realidade é parecida com
aquela do espelho deformado de um objeto que ele aparentemente reflete: a
imagem do espelho tem algo a ver com o objeto, mas não é o objeto como
também não é a sua imagem; é a imagem de outro objeto que não corresponde
ao objeto real.

O próprio Abramo estabelece padrões de manipulações da mídia. Ele tipificou em


cinco: ocultação, fragmentação, inversão, indução, padrão global (específico do
jornalismo de TV). Dentro do jornalismo político, um que possui um significado
estratégico é o da ocultação, o qual Abramo (op. cit., pp. 25 e 26) conceitua assim:

É o padrão que se refere à ausência e à presença dos fatos reais na produção da


imprensa. Não se trata, evidentemente, de fruto de desconhecimento, e nem
mesmo de mera omissão diante do real. É, ao contrário, um deliberado silêncio
militante sobre determinados fatos da realidade. Esse é um padrão que opera
antecedentes, nas preliminares da busca da informação, isto é, no “momento”
das decisões de planejamento da edição, da programação ou da matéria
particular daquilo que a imprensa chama de pauta. A ocultação do real está
intimamente ligada àquilo que frequentemente se chama de fato jornalístico. A
concepção predominante – mesmo quando não explícita – entre empresários e
empregados de órgãos de comunicação sobre o tema é a de que existem fatos
jornalísticos e não-jornalísticos e que, portanto, à imprensa cabe cobrir os fatos
jornalísticos e deixar de lado os não-jornalísticos. Evidentemente, essa
concepção acaba por funcionar na prática, como uma racionalização a
posteriori do padrão de ocultação na manipulação do real.
44

Em outras palavras, o autor coloca um critério subjetivo e de interesse dos veículos


de comunicação para definir o que deve ou não ser notícia, reforçando as teses de outros
autores já apresentadas neste trabalho. Melo (op. cit., p. 74) tem um posicionamento um
pouco mais condescendente com a maneira de se noticiar um fato, explicando que os
veículos de comunicação, mesmo sob influência política, não necessariamente distorcem
a realidade.

Atividade eminentemente política, o jornalismo não exclui a reprodução


verdadeira dos acontecimentos, seja qual for a orientação ideológica da
instituição ou de seus profissionais. Mas a medida da veracidade é uma
consequência da disponibilidade de fontes de difusão jornalística que permitem
à coletividade a confrontação dos fatos e de suas versões. Quando essa
disponibilidade inexiste, a sociedade encontra seus próprios mecanismos para
acercar da realidade... No sentido de preservar a confiabilidade em relação ao
público, elo fundamental para que o processo jornalístico se concretize, as
instituições ordenam suas mensagens segundo as categorias já indicadas
anteriormente.

Essas questões passam pela linha editorial do veículo de comunicação, o qual


sofre influências políticas e econômicas, mas também da visão do jornalista que vai
redigir a matéria. O jornalismo sofre influência direta de todas essas questões. A realidade
começa a ser manipulada através dos interesses políticos da fonte de informação, da forma
como o profissional de comunicação interpreta os fatos e faz o encaixe dos aspectos
anteriores com a linha editorial do veículo de comunicação. Abramo (op. cit., p. 46), ao
explicar que a mídia é um órgão de poder que recria a realidade para exercer esse poder,
faz uma analogia entre os veículos de comunicação e os partidos políticos.

Se os órgãos de comunicação não são partidos políticos na acepção rigorosa


do termo, são, pelo menos, agentes partidários, entidades parapartidárias,
únicas, sui generis. Comportam-se e agem como partidos políticos. Deixam de
ser instituições da sociedade civil para se tornar instituições da sociedade
política. Procuram representar – mesmo sem mandato real ou delegação
explicita e consciente – valores e interesses de segmentos da sociedade.
Tentam fazer a intermediação entre sociedade civil e o Estado, o poder.

Os meios de comunicação disputam entre si uma supremacia perante o público tal


qual os partidos políticos, impondo seus valores políticos e os próprios interesses
econômicos. O jornalismo político exerce uma função importante nesse processo, atuando
como meio de apresentação de um discurso pró ou contra um acontecimento,
determinando a pauta de assuntos que serão discutidos pela sociedade e mostrando ao
público ou omitindo o que acontece nas vísceras do poder.
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2 LIGAÇÕES DOS ROSADOS COM MOSSORÓ E O USO DA


MÍDIA: UMA RELAÇÃO CORONELISTA

Os Rosados dominaram a política de Mossoró durante mais de 60 anos. Essa


hegemonia não foi construída apenas pela força do convencimento na conquista de votos.
Para chegar ao poder, foi necessário montar todo um aparato na cidade, o que inclui a
utilização da mídia. A história da relação entre Mossoró e a família Rosado começa em
1890, quando o farmacêutico paraibano Jerônimo Rosado se muda para Mossoró a
convite do médico e líder político Francisco Pinheiro de Almeida Castro. Embora tenha
ocupado o cargo de chefe da intendência (equivalente ao de prefeito nos dias atuais) entre
os anos de 1917 e 1919, Jerônimo Rosado nunca chegou a ser um líder político da cidade.
Seguia a orientação política de Almeida Castro. Jerônimo é tratado na historiografia como
o modelo de homem perfeito, quase infalível. Como Cascudo (1999, p. 23) relata:

Em 1919, sendo presidente do Conselho Municipal, correspondendo a prefeito,


“sêo” Rosado foi ao Rio de Janeiro na batalha pela linha ferroviária.
Regressando, abriu a mala, rodeado pelos filhos, ansiosos pelas “lembranças”
da Capital Federal. Retirou, já do fundo, um livrinho de receitas culinárias,
comprado por mil réis, dando-o a Seize, numa explicação ao auditório
decepcionado: “A única coisa que trouxe foi este livro para Seize, que é a
caçula... sou prefeito e quero sair limpo, portanto o presente aos outros filhos
é o exemplo da minha conduta!”

A descrição de Jerônimo como exemplo de austeridade feita por Cascudo mostra


que no processo de legitimação do poder, os Rosados sempre souberam e se utilizaram
também da comunicação. Ao colocá-lo como um homem infalível, como descrito na obra
“Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província”, Câmara Cascudo ajudou a
fomentar a mística da missão da família para com Mossoró, colocando a oligarquia como
a única capaz de manter a cidade em seu processo de desenvolvimento. A propaganda
servia para mostrar que os filhos seguiam o exemplo do pai na condução dos destinos da
cidade.

Mas há um diferencial em relação a Jerônimo e seus descendentes e as outras


oligarquias. É que os Rosados nunca foram grandes proprietários de terra. Sempre foram
da área urbana, sendo profissionais liberais ligados a grandes comerciantes. Esse
fenômeno é intrínseco à política mossoroense pela característica da cidade que surgiu e
se desenvolveu como um entreposto comercial, tirando proveito da localização
privilegiada entre Natal e Fortaleza e servindo de parada obrigatória para quem se
deslocava da Paraíba e de Pernambuco rumo ao Ceará.
46

Foi assim que o farmacêutico Jerônimo Rosado ascendeu politicamente, sendo


intendente (cargo equivalente ao de vereador) entre 1908 e 1010 e se tornando chefe do
conselho de intendentes (cargo equivalente ao de prefeito) entre 1917 e 1919.

De acordo com Lucas (2001, p. 53), o fenômeno rosadista se encaixou com o perfil
de Mossoró: uma cidade de caráter urbano, comercial e industrializada precocemente. A
despeito do ufanismo e das descrições dos historiadores apologistas, a autora reconhece
um perfil diferenciado dos Rosados em relação aos conceitos do coronelismo clássico.

Os chefes políticos da família Rosado realmente se diferenciam dos chefes do


coronelismo denominado clássico, porque contrariam todo o arcabouço teórico
dos que tratam do coronelismo como sistema político, segundo o qual, o poder
político encontrava-se nas mãos dos grandes proprietários de terras, mas essa
liderança de profissionais liberais foi possível graças ao perfil econômico da
cidade de Mossoró. As características da cidade foram responsáveis pelo
surgimento e consolidação do fenômeno rosadista.

O patriarca dos Rosados, que nunca chegou ser um líder político, faleceu em 1930.
Sem ele, a família seguiu a orientação política dos Fernandes, cuja maior liderança era
Rafael Fernandes Gurjão, o qual assumiu o comando das ações políticas em Mossoró após
a morte de Almeida Castro, o mentor de Jerônimo. Lucas (op. cit., pp. 60 e 61) explica
como era o posicionamento de Jerônimo Rosado na política local.

Conforme enunciamos, Dr. Almeida Castro era um dos chefes políticos na


cidade e Seu Rosado era um dos seus seguidores. No ano de 1921 aquele
homem ausenta-se da cidade para exercer o mandato de deputado geral e
apresenta como seus substitutos para o comando da política local, Jerônimo
Rosado, Rafael Fernandes e Camilo Figueiredo. No ano seguinte, no entanto,
morre o Dr. Almeida Castro e Rafael Fernandes o substitui à frente do Partido
Republicano Federal e assume seu lugar como deputado. Rafael Fernandes era
agora o principal representante de Mossoró na política estadual, ou seja, todas
as articulações políticas em nível estadual era (sic) realizada por ele. Ficando
Jerônimo Rosado responsável pela articulação política local e no comando da
chefia política local. Dessa época até o ano de sua morte conseguiu consolidar
uma liderança na cidade e deixar como herança para seus filhos a fama de
batalhador pelas causas da cidade. Embora analisando a historiografia da
política local tenhamos percebido que ele era apenas uma espécie de cabo
eleitoral, vinculado a uma estrutura maior de poder, uma pequena peça de
engrenagem e não sua força motriz.

Isso contraria a tese formatada por seus descentes de que Jerônimo era um herói
mítico, empreendedor e chefe de um clã político. A família Rosado só surge como
oligarquia anos após a sua morte. Até a década de 1940, a família ficou acéfala
politicamente. Apenas dois genros de Jerônimo, Aldo Fernandes e Lavoisier Maia,
mantiveram alguma atuação política sem obter sucesso. Seus descendentes só entraram
para o cenário político em 1936, quando o farmacêutico Lahyre Rosado se elegeu
47

vereador, exercendo o cargo por pouco tempo porque a Câmara Municipal fechou as
portas após o Golpe do Estado Novo, em 1937. A força política da família vinha dos
negócios sempre voltados para o comércio e a exploração de gipsita e dos laços familiares
constituídos pelos descendentes de Jerônimo. Bem diferente do coronelismo clássico que
era exercido por proprietários de terras. Lima (2006, pp. 64 e 65) explica isso:

A partir da sequência genealógica da família Rosado, depreende-se um quadro


de parentela que caracterizou uma das bases de sustentação do seu domínio em
Mossoró. A família, que se constituiu primariamente do casamento entre
Jerônimo Rosado com uma Maia, foi se ampliando em casamentos com
membros de outras famílias tradicionais da região, como os Fernandes e os
Escóssia, por exemplo, fortalecendo os laços de domínio sobre o município e
o Estado.

Esses laços foram importantes para fincar as raízes da família Rosado em


Mossoró. Os Rosados, não se constituindo uma oligarquia tradicional, com o seu poder
econômico, não era vinculado à terra, portanto, urbano, sua influência política foi o
resultado de diversos fatores: uma família com o legado de um profissional liberal, o
oportunismo partidário, o clientelismo, o empreguismo e, sobretudo, a insistência numa
estratégia simbólica de atrelar a história da cidade à da família.

A influência econômica dos Rosados, com a indústria de gipsita e a aliança com


os Fernandes, que exerciam poder em Mossoró, na década de 30 e 40 - vide árvore
genealógica dos Rosados - a aliança conjugal entre Aldo Raposo Fernandes Melo e
Laurentina Onzième Rosado Maia e, após o falecimento desta, com sua irmã Sétima,
foram fundamentais para o reaparecimento da família na política local. A família Rosado
só entrou em cena para assumir o comando da política local após o final do Estado Novo,
em 1945.

Os primeiros mandatos conquistados após a redemocratização foram os de Dix-


huit Rosado para a Assembleia Legislativa, em 1945, e de Vingt Rosado como vereador,
em 1946. A consolidação da ascensão política vem com Dix-sept Rosado, em 1948,
quando ele se elegeu prefeito, e dois anos depois, governador do Rio Grande do Norte,
num mandato que durou apenas sete meses, por conta de um acidente aéreo no Rio do
Sal, em Sergipe. A estratégia de fortalecimento político para chegar ao comando dos
executivos estadual e municipal era a de transitar entre as elites e também junto à classe
trabalhadora, como bem explica Silva (2004, p. 103):

É neste contexto que os comunistas seriam cooptados para votarem no


candidato da UDN, não pelo partido, mas pelo candidato. Foi fácil para Dix-
48

sept Rosado pôr em prática o seu populismo. É nesse momento que Dix-sept
incorpora também o populismo de Vargas e se apresenta como defensor da
classe operária, e isso não vai ocorrer só na campanha de 1948: na campanha
de 1950, na qual se elegeu governador, a estratégia usada com a classe operária
seria a mesma: discurso de mudanças, populismo, cooptação e a velha prática
do assistencialismo. Dix-sept foi um que se prontificou muito, e disse se o
Ministério do Trabalho fechasse a sede ele arranjaria um local para os
trabalhadores se reunirem, nem que fosse debaixo das árvores. Ele queria era
estar com o povo, ao lado do povo.

Com a morte de Dix-sept, abriu-se um novo vácuo na liderança política da família,


a qual demorou quase duas décadas para encontrar o sucessor de Jerônimo. Coube a Vingt
Rosado assumir esse papel em dupla com Dix-huit Rosado. O primeiro reunia a função
de líder com a de articulador político; o segundo, funcionou como o político que
inflamava as massas, chegando a ser prefeito três vezes e senador. A parceria entre Vingt
e Dix-huit era vista como intransponível. Era como se fosse uma única entidade política.
Em 50 anos de vida política, os dois só estiveram separados numa disputa nas eleições de
1988. Uniram-se em 1992 para vencer o pleito e em seguida romperam novamente.
Morreram (Vingt, em 1995, e Dix-huit, em 1996) rompidos politicamente.

Os Rosados sempre se utilizaram do discurso das mudanças como forma de


seguirem no poder. Essa prática foi se repetindo ao longo das décadas seguintes, quando
ou conquistaram a Prefeitura de Mossoró ou apoiaram o prefeito eleito. Entre 1948 e
2012, os Rosados só perderam uma única vez: em 1968, quando Antônio Rodrigues de
Carvalho, com o apoio de Aluízio Alves, derrotou Vingt-un Rosado por apenas 98 votos
de maioria. Curiosamente, o próprio Antônio Rodrigues chegara à Prefeitura de Mossoró
dez anos antes com o apoio da própria família Rosado.

Da família Rosado comandaram a Prefeitura de Mossoró Vingt Rosado (1953-


58), Dix-huit Rosado (1973-77, 1983-89 e 1993-96), Rosalba Ciarlini Rosado (1989-93,
1997-2001 e 2001-2005), Sandra Maria da Escóssia Rosado (1996) e Maria de Fátima
Rosado Nogueira (2005-09 e 2009-13). Eles ainda deram apoio a Jorge de Albuquerque
Pinto (vice que terminou o mandato de Dix-sept, que se elegera governador – 1950-51),
Francisco Vicente de Miranda Mota (1951-53), Joaquim Felício de Moura (1956-57 – em
substituição temporária do titular Vingt Rosado), Raimundo Soares de Souza (1963-68),
Joaquim da Silveira Borges Filho (1968-69), João Newton da Escóssia (1977-82) e
Alcides Fernandes da Silva (1982/83).

Dominando a Prefeitura de Mossoró apenas com o hiato entre 1969-73, os


Rosados sempre se mantiveram afinados aos Governos Federal e Estadual. A oligarquia
49

sempre mostrou grande capacidade de adaptação. Quando caiu o Estado Novo, em 1945,
os filhos de Jerônimo Rosado estrearam na política sob o discurso da democracia e da
renovação pelo voto. Quando caiu a democracia, com o golpe militar de 1964, lá estavam
os Rosados apoiando a “Revolução”; quando caiu o Regime Militar, em 1985, os Rosados
se dividiram politicamente num longo processo o qual, mais à frente, iremos detalhar
neste trabalho. Silva (op. cit., p. 122) explica que esse domínio se dá com a força da
Coleção Mossoroense, que edita livros e provoca um imaginário que confunde a história
de Mossoró com a da família Rosado, a utilização de velhos mecanismos das oligarquias
(empreguismo, clientelismo, nepotismo, cooptação e até mesmo coerção) e a capacidade
da oligarquia de se adaptar à conjuntura nacional:

Outra característica da família Rosado é sempre buscar uma acomodação em


relação à conjuntura nacional, estar ao lado do Governo Federal e garantir à
família o mando sobre a cidade de Mossoró. Os membros da família justificam
essa postura como sendo uma preocupação do grupo com a cidade, chegam a
assumir a postura conservadora com a frase de que tudo vale por Mossoró.

De fato, durante toda a segunda metade do Século XX, os Rosados estiveram ao


lado do presidente da República, seja em momentos de democracia ou de autoritarismo.
Mesmo divididos, as duas alas estiveram convergindo em Brasília, apoiando os Governos
de José Sarney, Fernando Collor (unindo-se também para votar a favor do impeachment),
Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva. Esse
comportamento também contraria a lógica do coronelismo clássico em que o poder era
exercido aliando força em âmbito local e em âmbito estadual. Os Rosados sempre
superaram essa barreira, tendo contato direto com o poder central. Silva (op. cit., p. 116)
explica muito bem como alinhar-se ao poder central ajudava os Rosados:

O grupo agiu sempre em conformidade com o Governo Federal, buscou


sempre estar ao lado do Governo mesmo que, para isso, fosse preciso mudar
de partido, como já havia ocorrido em outras ocasiões. Os acordos que levaram
à vitória de Dix-sept em 1950 são um exemplo, assim como o apoio a Getúlio
Vargas no mesmo ano. Portanto, o partido não tinha importância, afinal de
contas, a política do Rio Grande do Norte não caracterizava-se por posições
ideológicas, e, sim, por disputas entre grupos familiares pelo poder, dividindo
o Estado em zonas de atuação e aliando-se todas as vezes que se sentiam
ameaçados. Esta relação entre a família e o poder central pode ser vista através
da apropriação de repartições públicas federais no município, onde exercem
total influência na nomeação dos cargos em diversos escalões, fortalecendo,
assim, a prática do empreguismo. Dessa forma, o emprego público vira
mercadoria valiosa em época de eleição e coloca nas mãos da família uma
poderosa arma contra aqueles que pretendem um dia chegar ao comando do
município.

Essa lógica de estar alinhado ao poder central em comunicação direta sem


intermédio da esfera estadual foi muito importante durante a ditadura militar, que contou
50

com o apoio integral dos Rosados. A partir de 1974, os militares fortaleceram os Maias
como forma de implantar uma nova oligarquia no Rio Grande do Norte. Isso aconteceu
com a chegada de Tarcísio Maia ao poder após ser escolhido indiretamente para o cargo
naquele ano.

Primo dos Rosados (que também são Maias), ele acabou rompendo politicamente
com a família Rosado, que ficou 12 anos afastada do poder estadual.

No entanto, a força política em Mossoró sempre fora preservada numa junção do


poder político nas esferas municipal e federal. Durante os governos Tarcísio Maia
(1975/79), Lavoisier Maia (1979/83) e José Agripino (1983/86), somente este último foi
eleito pelo voto popular, em 1982, cujo pleito favoreceu os que eram alinhados ao regime
militar por meio do voto vinculado. Mesmo em crise com os Maias e adversários
ferrenhos dos Alves, os Rosados conseguiram vencer as duas eleições para prefeito de
Mossoró ocorridas nesses 12 anos. Foi assim em 1976, com João Newton da Escóssia
(cunhado de Vingt), e em 1982, com Dix-huit Rosado.

Na divisão do poder político dos alinhados ao regime havia uma delimitação de


espaços dentro da Arena. O comando estadual permanecia sob as bênçãos de Tarcísio
Maia com Vingt ocupando a função de secretário-geral. Em âmbito municipal, o comando
do partido que sustentava o regime permanecia sempre com um apadrinhado de Vingt.
Esse quadro se repetiu em 1980, quando foi implantado o pluripartidarismo e a Arena se
tornou PDS (Partido Democrático Social).

2.1 COLEÇÃO MOSSOROENSE: O MEIO DE CONSOLIDAÇÃO DO


MANDO ROSADISTA

A Coleção Mossoroense foi fundada em 1948 por Jerônimo Vingt-un Rosado com
o objetivo de fomentar a produção cultural da cidade de Mossoró. Conhecida como a
maior responsável pela publicação de livros do país, o órgão é mantido pela Fundação
Vingt-un Rosado.
51

A Coleção Mossoroense é vista como importante indutora da cultura de Mossoró


pelo papel que desempenha desde a sua origem. No entanto, ela exerceu um trabalho
fundamental para a consolidação do poder da família Rosado. No ano de sua criação, a
oligarquia já estava com os espaços devidamente ocupados na política. Tinha o prefeito
Dix-sept Rosado, o deputado estadual Dix-huit Rosado e o vereador Vingt Rosado. Os
herdeiros políticos de Jerônimo Rosado estavam dentro da política.

Mas era preciso trabalhar o imaginário do povo de Mossoró. Era necessário


evidenciar isso e fazer da coleção uma força indutora da cultura, mas também da
“ideologia rosadista”. Antes da Coleção Mossoroense, Vingt-un ajudou a criar a
Biblioteca Municipal e o Museu Municipal, que se tornaram frutos do que convencionou
chamar de “Batalha da Cultura”. Lima (op. cit., p. 87) explica que a soma dessas ações à
Coleção Mossoroense como frutos colhidos da “Batalha da Cutlura” ajudou a moldar o
discurso em torno da família Rosado.

As intervenções de Vingt-un Rosado, no campo intelectual, através da Criação


da Biblioteca Pública Municipal, do Museu Municipal e da Coleção
Mossoroense foram tomadas como um movimento: a “Batalha pela Cultura”.
Essa “batalha pela cultura” transformou-se no mote para elaboração de um
discurso que elevou à família Rosado ao panteão dos heróis-civilizadores de
Mossoró. Vingt-un foi o principal responsável pela memória de Mossoró e, ao
fazer isso, tornou-se também a peça central na construção de uma mitologia
política, recompondo personagens no cenário local.

A Coleção Mossoroense começou atuando na arrecadação de livros para a


Biblioteca Municipal, depois passou a editar publicações que eram divididas por séries
“A”, “B” e “C”. Entre 1974 e 1994, a Coleção Mossoroense foi mantida pela Fundação
Guimarães Duque, ligada à Escola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM), que
depois viria a se tornar Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA). Felipe
(op. cit., p. 109) explica que a Coleção Mossoroense foi fundamental para a construção
de um imaginário em torno da família Rosado.

A Coleção Mossoroense tornou-se, ao longo da sua existência, no instrumento


político vital para a reprodução do poder do grupo familiar. Pois ela serve para
a fabricação da imortalidade dos Rosados e, principalmente, para, através da
história local/regional, narradas nos seus diversos títulos, inventarem a sua
cultura particular, na qual os fragmentos do passado comparecem para nortear
as experiências do presente e a construção do futuro.

No entanto, o autor (op. cit., p. 109) alerta na sequência que é preciso entender
que os autores que colaboraram com a Coleção Mossoroense não inventaram nada:

A história narrada nas páginas das publicações da Coleção Mossoroense não


são inventadas, baseiam-se em imagens, textos, movimentos, arquivos, rastros
52

e rugosidades deixadas por todas as gerações que passaram. Só que essa


história é esculpida por novos historiadores, que criam uma nova trama, que
incorpora ao novo texto outros pressupostos e problemas que não existiam nos
movimentos originais. Esse texto produzido para o presente carrega na
imaginação, nas alegorias e nas metáforas, para narrativa ganhar um
significado novo, onde os narradores trazem o passado para o presente, ficam
íntimos dos ancestrais e das suas ações que se tornam elementos norteadores
do momento atual.

Fica bem claro que ao recontar a história de Mossoró, foi feito um trabalho para
dar um ar de “heroísmo” aos Rosados e assim fomentar a imagem da missão civilizadora
que tanto caracteriza o discurso em torno dessa oligarquia. Fernandes (2014, p. 125) relata
que tudo que era publicado na Coleção Mossoroense passava pelo crivo de Vingt-un.

Como editor da Coleção Mossoroense, Vingt-un acabava por selecionar o que


seria produzido ou não em sua editora. E, por meio do seu processo de seleção,
indicava e apresentava os autores e os assuntos que deveriam ser lidos. Nesse
exercício de escolha, Vingt-un também se colocava como um intelectual, pois,
foi o seu olhar que filtrou o que era interessante ou não. E ao fazer isso, ele
criava o seu lugar dentro da academia e dentro da cidade de Mossoró e aos
poucos ia sendo construído o seu lugar de intelectual preocupado com a ciência
e com a cidade de Mossoró .

Esse trabalho para fomentar no imaginário dos mossoroenses a sensação do papel


civilizador e do compromisso da família Rosado com Mossoró era reproduzido também
na mídia, principalmente nos jornais, que são peça fundamental na documentação do
presente para o estudo das sociedades no futuro. O discurso em torno dos Rosados, além
de repetir o que já era mostrado pelos livros da Coleção Mossoroense, também terminava
por manter o padrão para estudos futuros.

2.2 OS ROSADOS E A IMPRENSA MOSSOROENSE

A imprensa, já abordado no começo deste trabalho, tem profundas relações com


o poder político desde a sua origem. Mas de uma forma ou de outra, ela cumpre um papel
importante na documentação histórica. A comunicação em suas diferentes vertentes
expressa-se como a propagadora de informações do presente, mas os registros do dia se
tornam valiosas fontes no futuro, inclusive no resgate da memória de algo esquecido.
Barbosa (2008, p. 94) acrescenta que o passado pode ser reutilizado.

Ao se reconstruir no presente, a partir dos rastros que o passado deixou como


marca, coloca-se também em cena a questão memorável. Haverá sempre algo
esquecido e algo lembrado nesse passado reutilizado. Mais do que a questão
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do objeto memorável, há que se pensar, pois, na dimensão do esquecimento


que essas emissões evocam.
A lembrança é sempre uma espécie de imagem que se produz sobre o passado,
completada pela imaginação que remonta formar que escapam nessas imagens.
Lembrar é sempre atualizar, vivenciar uma imagem. O que leva o passado é o
que se imagina como imagem desse passado no presente (Ricouer, 2000).
Aqui se coloca uma questão fundamental quando se articula a reutilização do
passado com o fato de ser produzida por um meio que é governado pela lógica
imagética.

A construção de uma memória sobre a história de um local se encaixa


perfeitamente nisso que Barbosa analisa. Aí se encaixa a Coleção Mossoroense, cuja
marca é a da construção de uma imagem positiva dos Rosados. A imprensa também
possuía papel decisivo para fortalecer a sensação de que a oligarquia sempre agia em prol
de Mossoró. A editora que produziu centenas de obras apologéticas construiu um discurso
que era reproduzido pela imprensa.

As relações entre os Rosados e a mídia sempre foi de mando. Assim, o


agrupamento sempre exerceu forte influência sobre os veículos de comunicação. Quando
os Rosados ascenderam ao poder, O Mossoroense era o único jornal em circulação no
município. O veículo de comunicação pertencia à família Escóssia, que por meio de
casamentos (um deles entre Vingt Rosado e Lourdes Escóssia), estava ligado aos
Rosados.

Só em 7 de setembro de 1950 a cidade ganha seu primeiro prefixo de rádio. A


Difusora era inaugurada sob o comando do jornalista e então deputado federal Aluízio
Alves, naquele momento um aliado dos Rosados. Ele viria a ter um afastamento político
em 1960 e, a partir de então, a Difusora passaria a ser desalinhada com os Rosados,
posição que manteria por mais de 20 anos.

A segunda emissora da cidade seria a Rádio Tapuyo, de propriedade dos irmãos


Rosados, fundada em 1º de maio de 1955, já durante a gestão de Vingt Rosado à frente
da Prefeitura de Mossoró. A terceira emissora foi a Rádio Rural, em 2 de abril de 1963.
A quarta AM só viria a ser inaugurada em 30 de setembro de 1983, com o nome de
Libertadora AM. As três emissoras mais antigas cumpriram um papel importante no
período de construção da imagem da oligarquia Rosado. Era através de seus programas
jornalísticos que as questões da cidade eram debatidas.

Ainda nos anos 1960, com a saída de circulação de O Mossoroense, cuja última
edição seria em 7 de julho de 1963, a cidade ainda contou com o jornal Diário de Mossoró,
54

de propriedade de Dix-huit Rosado, que na época era senador. O periódico supriu a


ausência de O Mossoroense nas bancas e defendia os interesses da oligarquia.

Voltando ao impresso, O Mossoroense voltaria a circular em 20 de dezembro de


1970, sob a orientação de Lauro da Escóssia e Lauro da Escóssia Filho. O periódico, pela
primeira vez, manteve uma linha independente em relação aos Rosados, defendendo a
chapa Lauro da Escóssia Filho/Emery Costa, que seria derrotado na disputa pela
Prefeitura de Mossoró por Dix-huit Rosado/Canindé Queiroz nas eleições de 1972.

O jornal só deixaria o controle acionário dos Escóssias em 1975, quando Jerônimo


Rosado Cantídio, integrante do grupo de Vingt Rosado, passou a ter o controle acionário
do jornal, o qual passaria a ser novamente alinhado aos Rosados. Augusto (2000, p. 179)
explica como se deu essa transição e o resultado prático dela:

Lauro da Escóssia reabriu o jornal em 1970 e o comandou até a venda, em


1975, quando o controle acionário passou a ser do médico Jerônimo Rosado
Cantídio, ligado ao grupo do deputado federal Jerônimo Vingt Rosado Maia,
adversário político dos Lauros (pai e filho), abrindo a 4ª fase. O jornal manteve
linha noticiosa, mas ampliou a militância política e o espaço para opinião .

Assim, seguia o único jornal da cidade sendo alinhado aos Rosados e tendo
atuação importante ao influenciar a opinião pública nas eleições de 1976, vencida por
João Newton da Escóssia, cunhado de Vingt Rosado.

Em 30 de abril de 1977, entra em cena a Gazeta do Oeste, jornal criado por


Canindé Queiroz, em um momento em que os Rosados estavam afastados do então
governador Tarcísio Maia, assunto que será abordado mais à frente neste trabalho.

O novo impresso nasceria ligado aos Maias, que disputavam espaços políticos em
Mossoró. Era um tempo em que os Rosados estavam apartados das duas oligarquias que
disputavam o poder estadual: os Maias e os Alves.

Gerson (2005, p. 20) explica que a Gazeta do Oeste surgiu em meio a uma crise
no único impresso da cidade. “A crise de O Mossoroense desperta Canindé Queiroz. Em
abril de 77 surge o jornal, no governo Tarcísio Maia. Num primeiro momento o periódico
foi semanário”.

O Gazeta do Oeste nasceu com ligação econômica com o governador Tarcísio


Maia. A própria dona do jornal, Maria Emília Lopes Pereira, esposa do fundador Canindé
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Queiroz, reconhece isso em depoimento a Gerson (op. cit., pp. 22 e 23), ao comentar
sobre o período de crescimento do jornal no final dos anos 1970:

Esse período marca a ascensão do jornal, devido a boa relação de Canindé


Queiroz com assessores de imprensa Paulo Tarcísio Cavalcanti, João Batista
Machado, dentre outros. Uma das coisas que também possibilitaram o
crescimento do periódico foi a falta de burocracia para a publicidade
governamental. “Eles nos mandavam publicar e nós íamos publicando. Houve
o fato de Tarcísio Maia realizar muitas obras no Oeste, principalmente as
estradas asfaltadas. Ele tinha muitas obras para mostrar e o jornal para mostrar
era a Gazeta do Oeste”.

Assim estava delineado o posicionamento dos jornais que passariam décadas


disputando a preferência dos leitores/eleitores mossoroenses, quase sempre atuando em
campos políticos antagônicos.

Ainda no processo de divisão política dos Rosados, surgiu na Rádio Tapuyo, em


1980, o programa Observador Político, apresentado em sua primeira formação pelo então
vereador e radialista Evaristo Nogueira, pelo então presidente do PSD e médico Laíre
Rosado, que na época já era preparado para herdar a liderança política da família.

O programa nasceu com o objetivo de se tornar uma trincheira em defesa dos


interesses políticos dos Rosados, bem como exercer forte combate à oligarquia Maia e
servir de ponte para uma reaproximação com os Alves, que estava em curso.

À medida que os Alves ganhavam espaço no Observador Político (o mais longevo


programa político do Estado, com 36 anos de existência), os Rosados ganhavam espaço
na programação jornalística da Difusora.

Em meio a esse ambiente hostil na radiofonia, os Maias fundaram a Rádio


Libertadora, que foi ao ar em 30 de setembro de 1983. A emissora, além de rebater as
outras duas, ainda serviu de trincheira para o então deputado estadual Carlos Augusto
Rosado se manifestar durante o período de afastamento do grupo político o qual integrava.

Até o período em que os Rosados começaram a se dividir, pode-se destacar dois


momentos:

1) 1948-60: os Rosados possuíam hegemonia nos órgãos de


comunicação;
56

2) 1960-80: os Rosados ainda possuíam força na comunicação, mas


passaram a ser contestados pela Rádio Difusora, O Mossoroense (entre 1970-75)
e pela Gazeta do Oeste a partir de 1977.

Já no fim dos anos 1980, Mossoró passou a contar com duas rádios FMs. A
primeira é a Santa Clara (105 FM), ligada à Igreja Católica, e a FM Resistência, de
propriedade do deputado federal Vingt Rosado. Ambas foram implantadas em 1988,
sendo a primeira em 18 de maio e a segunda em 13 de junho.

Com a força sobre os veículos de comunicação, os Rosados tiveram como


fomentar o imaginário em torno da oligarquia, como Felipe (op. cit., p. 121) relembra:

Os Rosados conseguem através dos seus instrumentos de comunicação, o


jornal diário “O Mossoroense”, 2 emissoras de rádio – Tapuyo de Mossoró e
Tapuyo de Alexandria e uma FM – a FM Resistência de Mossoró – juntamente
com a Coleção Mossoroense, patentear todos os eventos e instituições
importantes da cidade em seu nome, mesmo aqueles construídos e organizados
por outros sujeitos.

Durante o processo de divisão política da família, os veículos de comunicação


ganharam ainda mais importância e peso enquanto agentes mediadores entre políticos e
sociedade. Nascimento (2008, p. 16) mostra que a realidade imposta pela divisão política
dos Rosados nos anos 1980 provocou mudanças profundas no comportamento da
imprensa local.

Com isso, queremos mostrar que o discurso do profissionalismo e as mudanças


que ocorrem na imprensa local não são fruto apenas do crescimento de um
mercado consumidor de notícias locais em Mossoró. A força desse mercado é
colocada em xeque pelos próprios jornalistas. O surgimento de novos jornais
– e consequentemente de novos postos de trabalho na área – está associado ao
rearranjo das forças políticas locais que ocorrem a partir do fim dos anos 1980.

Esse rearranjo político é mostrado como algo que aconteceu em fins dos anos
1980, mas na verdade essas mudanças transcorreram a partir de um longo processo e já
estava consumada na metade da década de 1980. Nascimento (op. cit., pp. 11 e 12)
identifica que, ao se dividirem, cada uma das duas alas precisou marcar posição junto ao
público consumidor de informações:

Para este estudo, três pontos são importantes dessa breve análise sobre a
história política do município: a importância dada pela família Rosado ao uso
de instituições de cunho “cultural” como estratégia de consolidação de
domínio político; o processo de “ruptura” que ocorre entre as lideranças
políticas da família no fim dos anos 1980; e a ideia de ressignificação do poder
local associada à noção de ideologia do profissionalismo, que aparece nos
discursos dos jornalistas locais quando se referem a sua prática profissional.
57

A estratégia de uso de instituições “culturais” levou a família a investir em


meios de comunicação, inicialmente no rádio e depois em jornais diários. Já a
“ruptura” levou cada ala a ter um jornal mais “simpático” às suas posições, o
que possibilitou uma polarização política do jornalismo local. E o discurso do
profissionalismo, aliado ao processo de crescimento e modernização da
imprensa do município, aparece como uma nova forma de encarar a prática
jornalística em Mossoró. No entanto, a interpretação dada pelos jornalistas
disso está associada às posições nas quais os mesmos se encontram no
jornalismo da cidade.

O alinhamento político dos meios de comunicação da cidade sempre dependeu


exclusivamente do relacionamento deles e os Rosados. Favoráveis ou não. A convivência
estava relacionada a questões econômicas. O que denota que as relações de clientelismo,
empreguismo e coronelismo utilizadas pelos Rosados na esfera das repartições públicas
era reproduzida também em relação aos meios de comunicação.

Basta observar o caso de O Mossoroense. Durante todo o século XX entre


fechamentos e reaberturas, o jornal só esteve desalinhado com os Rosados por cinco anos,
e no final terminou sendo adquirido por membros da família quando esta ainda era um
bloco político monolítico, alinhando-se definitivamente em 1975.

A Gazeta do Oeste não surgiu por acaso. O jornal de Canindé Queiroz nasceu
vinculado ao então governador Tarcísio Maia e fazia a linha governista em âmbito
estadual e oposicionista, ainda que de maneira leve nos primeiros anos, em âmbito
municipal. Logo que os Rosados se dividiram, a ala que se opôs ao deputado federal Vingt
Rosado encontrou morada dentro da Gazeta.

Pode-se afirmar que a relação da mídia mossoroense sempre passou diretamente


pela família Rosado Se não estava a favor, encontrava-se contra. Estando a favor era
necessário ter o alinhamento econômico com a publicidade institucional. Quem se
posicionava contra também contava com um aporte financeiro do Governo do Estado. Foi
assim a partir da ascensão de Tarcísio Maia ao Governo do Estado, em 1974. Quando o
processo de ruptura se consolidou, a ala dissidente se alinhou a Tarcísio, recebendo o
respaldo midiático dos que já lhe davam suporte. Havia de parte a parte uma troca de
manipulações atendendo claramente a interesses políticos no noticiário envolvendo O
Mossoroense e Gazeta do Oeste, num jogo que se encaixa dentro do conceito de
Charadeau (2006) de que a instância midiática é um manipulador manipulado.
58

Para que haja manipulação, é preciso alguém (ou uma instância) que tenha a
intenção de fazer crer a outro alguém (ou uma outra instância) alguma coisa
(que não é necessariamente verdadeira), para fazê-lo pensar (ou agir) num
sentido que traga proveito ao primeiro; além disso, é preciso que esse outro
entre no jogo sem que o perceba. Toda manipulação se acompanha então de
uma enganação cuja vítima é o manipulado. Ora, não se pode dizer que as
coisas acontecem exatamente assim entre as mídias e os cidadãos. Nem se pode
dizer que os primeiros tenham a vontade de enganar os demais, nem que estes
engulam todas as informações que lhes são dadas sem nenhum espírito crítico.
A coisa é bem mais sutil, e diremos, para encurtar, que as mídias manipulam
de uma maneira que nem sempre é proposital, ao se autoproclamarem, e,
muitas vezes, são elas próprias vítimas de manipulações de instâncias
superiores.

No caso específico da Mossoró da década de 1980, “as instâncias superiores” a


que se refere Charadeau estão inseridas na classe política. A manipulação sobre os
veículos de comunicação vinha da necessidade das lideranças políticas de impor as suas
versões dos fatos. As digitais do coronelismo rosadista estão impressas na mídia
mossoroense, que assim como os eleitores, estava atrelada ao jogo político e discursivo
da oligarquia que praticava uma espécie de “coronelismo midiático”, utilizando a força
das verbas de publicidade para obter apoio político dos veículos de comunicação. Quem
se livrava desse jugo logo era incorporado pelo sistema oponente, e, no caso do período
estudado neste trabalho, estava automaticamente encaixado no esquema político do
Governo do Estado, tendo condições de se sustentar financeiramente e contrariar os
interesses rosadistas. Essa é uma realidade que mostra a fragilização da mídia que
permanece até os dias atuais sem fazer qualquer distinção.
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3 ANTECEDENTES DA RUPTURA DOS ROSADOS

3.1 O PESO DA ESCOLHA DOS GOVERNADORES DURANTE O


CICLO BIÔNICO

O processo de separação dos Rosados não foi simples nem muito menos fruto de
uma conjuntura momentânea de fatores. Foi uma sucessão de fatores que antecedem até
mesmo o período utilizado nesta pesquisa, que foca o período entre 1980 e 1988.

A divisão dos Rosados sofreu influência da conjuntura nacional dos anos 1970,
quando o Brasil vivia o auge da ditadura militar, a qual durou entre 1964 e 1985. Como
atores políticos, os Rosados estavam sofrendo influência disso.

Após encerrar o mandato de senador no início de 1967, Dix-huit Rosado assumiu


o comando do Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural (INDA), aproximou-se dos
militares e passou a trabalhar a indicação dele para o cargo de governador a partir de
1970, durante o ciclo biônico (governadores escolhidos pelo presidente militar e
referendados pela Assembleia Legislativa). Na primeira tentativa, Dix-huit disputou a
indicação com Cortez Pereira. O político mossoroense levava vantagem. Afinal de contas,
tinha sido senador e comandava o INDA, o qual tinha status de ministério. Machado
(1995, p. 22) relata como tudo transcorreu nos bastidores:

O governador Walfredo Gurgel, integrante da chamada “Arena Verde”, com a


cassação do deputado Aluízio Alves, não tinha acesso ao Planalto a ponto de
indicar o seu sucessor nem influir na sucessão. Já o senador Dinarte Mariz, ao
contrário, era o delegado do movimento militar de 31 de março no Rio Grande
do Norte, além de desfrutar de prestígio nacional junto às lideranças do
movimento. Tudo indicava que o candidato que tivesse o apoio de Dinarte seria
o escolhido. O ex-senador Dix-huit tinha esse apoio ostensivo e ainda
presidente do poderoso INDA – Instituto Nacional de Desenvolvimento
Agrário – chegava a ter status de ministério tal a sua importância na década de
1970.

No entanto, Dix-huit acabou sendo vetado, como explica mais adiante Machado
(op. cit., p. 22):

A Câmara Municipal de Natal, de expressiva maioria oposicionista, tendo à


frente o seu presidente – Érico Hackradt -, pediu audiência a Rondon Pacheco
e entregou um documento assinado por todos os vereadores apoiando o nome
de Cortez Pereira. O manifesto obteve eco no Planalto. A maioria das
lideranças consultadas fazia restrições ao nome de Dix-huit mas não fazia ao
60

de Cortez. E a missão Rondon Pacheco concluía que Cortez era o melhor nome
porque não sofria restrições ou vetos de ninguém.

Essa seria a primeira das três tentativas de Dix-huit Rosado chegar ao Governo do
Estado com apoio dos militares. Até 1974, os Maias eram inexpressivos no Rio Grande
do Norte. O máximo conseguido foi uma eleição de Tarcísio Maia para deputado federal,
com apadrinhamento político dos Rosados nas eleições de 1970. Antes, ele tentara se
eleger em 1955 sem sucesso, sendo acomodado como secretário estadual de educação no
governo de Dinarte Mariz (1955-60). Em 1962, tentou ser reeleito sem sucesso, mas
assumiu uma vaga na Câmara dos Deputados algumas vezes na condição de suplente. De
primo/agregado dos Rosados, Tarcísio Maia alçou o posto de governador do Rio Grande
do Norte num raro lance de sorte política.

Na sucessão de Cortez Pereira, mais uma vez estava lá Dix-huit Rosado cotado
para assumir o cargo de governador. Novamente, ele contava com o endosso de Dinarte
Mariz, que dessa vez tinha como alternativa Moacir Duarte. A lista ainda contava com
Osmundo Faria, um dinartista histórico, empresário e presidente do Banco de
Desenvolvimento do Rio Grande do Norte (BDRN). Por meio de um parente, Gustavo
Faria, sobrinho do ministro do Exército Dale Coutinho, foi feito o lobby em favor de
Osmundo.

De azarão, Osmundo se tornara o favorito, e quando tudo estava acertado para sua
indicação, falece Dale Coutinho, que tinha recebido o compromisso do presidente Ernesto
Geisel. Machado (op. cit., p. 45) resume bem a situação: “A morte do general sepultou as
chances de Osmundo e a lista sêxtupla foi para o cesto...”.

É aí que entra em cena um dos pivôs da separação dos Rosados na década seguinte:
Tarcísio Maia, que estava fora da vida pública havia quase dez anos reaparecia numa
articulação que contou com o apoio de Dinarte Mariz sob aos auspícios do senador
Petrônio Portela, o qual foi encarregado pelo Palácio do Planalto de sondar os políticos
potiguares sobre a sucessão de Cortez Pereira. Ele entra na disputa na condição de azarão,
e num momento em que Dix-huit já estava enfraquecido. Machado (op. cit., p. 52) relata:

Depois de conversar com Cortez, Petrônio Portela já tinha no bolso do colete


o nome para ser anunciado como futuro governador. Tarcísio, ausente da
política do Estado, surpreendia os meios políticos e, como autêntica zebra,
atropelava mais uma vez o ex-senador Dix-huit Rosado que, pela segunda vez,
disputava o governo sem êxito .
61

Os Rosados não aceitaram mais um veto a Dix-huit, ainda mais beneficiando um


primo que estava há quase uma década fora da política e acabou ocupando o espaço que
eles consideravam da família. Machado (op. cit., p. 54) relata que Tarcísio, logo no
começo do governo, tentou acalmar os ânimos na Aliança Renovadora Nacional
(ARENA).

Tarcísio, então, começava a aplainar o terreno das divergências internas de seu


partido, a Arena - Aliança Renovadora Nacional - após a sua escolha,
principalmente os Rosados Maia, de Mossoró – insatisfeitos com o segundo
veto do Planalto ao ex-senador Dix-huit Rosado, depois da insistente luta do
senador Dinarte Mariz para fazê-lo governador.
Para acalmar o descontentamento dos Rosados, convidou o médico Ernani
Rosado para ser secretário de saúde. Ele chegou a aceitar o convite mas o
condicionou à aceitação dos seus parentes em Mossoró. E foi dado o sinal
vermelho. Tarcísio então compreendeu que a convivência com os familiares
não seria fácil. O primeiro gesto, de mão estendida, não foi compreendido. E a
convivência difícil foi assim até o fim do seu mandato.

Nascia ali uma convivência difícil entre os Rosados e os Maias, que perduraria até
a década seguinte, quando uma ala da oligarquia se comporia com os Maias. Adversários
dos Maias e dos Alves, distantes do senador Dinarte Mariz, durante o governo Tarcísio
Maia, os Rosados viveram um período de isolamento político em âmbito estadual. A
situação não era pior porque haviam retomado o comando da Prefeitura de Mossoró com
a vitória de Dix-huit Rosado, em 1972.

Em 1976, o cunhado de Vingt Rosado, João Newton da Escóssia, vencia a corrida


ao Palácio da Resistência com 20.165 votos contra 10.840 do aluizista Leodécio
Fernandes Néo (MDB 1), que veio seguido por Assis Amorim (MDB 2): 6.970 e, por
último, o candidato da Arena de Tarcísio Maia, o ex-prefeito Antonio Rodrigues de
Carvalho (Arena 2): 1.327 votos, que oito anos antes surpreendia ao derrotar por apenas
98 votos de diferença o Vingt-un Rosado nas eleições de 1968.

Dentro de Mossoró, os Rosados mostravam forças contra os candidatos apoiados


pelos grupos externos. Mesmo assim o quadro de isolamento político permaneceu até
1978, quando Dinarte Mariz não aceitou a aliança entre Aluízio Alves e Tarcísio Maia,
na chamada “paz pública”, que garantiu a eleição de Jessé Freire ao Senado. Mariz se
juntou aos Rosados no apoio à candidatura de Radir Pereira. Foi a partir do pleito de 1978
que surgiu o segundo personagem decisivo no processo de divisão do rosadismo: Carlos
Augusto Rosado.
62

Nas eleições daquele ano. Carlos deixou a Secretaria Municipal de Serviços


Urbanos para ser candidato a deputado estadual com o beneplácito dos tios Vingt e Dix-
huit. Após Dix-huit mais uma vez ser preterido para a indicação dos militares para o
Governo do Estado. Dessa vez, para os Rosados era imperdoável. Machado (op. cit., p.
63) relata que a bancada federal (deputados e senadores) do Rio Grande do Norte
encaminhou ao governador Tarcísio Maia o pedido para que apenas o nome de Dix-huit
Rosado fosse levado ao Palácio do Planalto. O governador insistiu em levar uma lista
sêxtupla, mesmo havendo um consenso entre a classe política.

Assim, após acalorados debates da elite política potiguar, foi montada uma lista
sêxtupla composta por Dix-huit, Jessé Freire, Antônio Florêncio, Genibaldo Barros,
Lavoisier Maia e Ulisses Potiguar. O sexteto logo se tornou o trio Dix-huit, Jessé e
Lavoisier.

Em um momento de acirramento entre Rosados e Maias, foi feita uma tentativa


de consenso em torno de Jessé Freire, o qual acabou sendo deslocado para o Senado em
outro consenso, dessa vez entre Maias e Alves na “Paz Pública”. O acordo entre Tarcísio
Maia e Aluízio Alves garantiu Lavoisier Maia no governo com Aluízio indicando Geraldo
Melo como vice-governador.

O acordo tirou os Rosados do isolamento na política estadual passando a um


alinhamento político com Dinarte Mariz – até então alinhado aos Alves/Maias, o que lhe
garantiu eleição como senador biônico – que não aceitou pela terceira vez tentar sem
sucesso levar Dix-huit Rosado ao Governo do Estado pela via indireta.

Os Rosados e Dinarte Mariz apoiaram Radir Pereira, candidato do Movimento


Democrático Brasileiro (MDB), enquanto Alves e Maias ficaram com Jessé Freire, que
terminou vitorioso.

A eleição de 1978 deixaria muitas feridas abertas entre Rosados e Maias, o que
mais à frente teria um peso decisivo na divisão da oligarquia mossoroense.

Vingt Rosado terminou eleito deputado federal e Carlos Augusto Rosado estreava
em disputas eleitorais, sendo eleito deputado estadual após uma passagem na Secretaria
Municipal de obras entre as gestões de Dix-huit Rosado e João Newton da Escóssia.
Àquela altura, o filho de Dix-sept Rosado era visto como o nome a ser preparado para
63

suceder os tios na década seguinte. Costa (2012, p. 83) explica que a frustração de 1978
foi a mais sentida das três tentativas de levar Dix-huit ao Governo do Estado.

Aliado de Dinarte, Dix-huit Rosado havia sido indicado pelo senador para o
Executivo estadual em 1970 e 1974. No processo de escolha de 1978, mais
uma vez Dinarte insistira no nome de Dix-huit, que mais uma vez teve seu
nome preterido.
Sobre os Rosados pesava a imagem de revanchistas e radicais em matéria de
política. Contava também o fato de serem adversários e, até então, inimigos
pessoais de Aluízio Alves, que possuía influência nos altos escalões da cúpula
militar e não queria ter adversários tão ferrenhos no comando do poder
estadual.
Entretanto, com base na linha de raciocínio que tem orientado a descrição do
processo, o representante da família Rosado estava destituído da possibilidade
de comandar o Governo do Estado pelo fato de representar exatamente o tipo
de liderança tradicional que a inteligência militar, se não podia eliminar, pelo
peso eleitoral que representava, procurou manter afastada do comando político
das máquinas estaduais.
Dessa forma, a terceira derrota em 1978 fora especialmente dura para o grupo
mossoroense pelo fato de que o então governador, criado em Mossoró, tinha
vínculos com o grupo Rosado, com a cidade e com a região .

No entanto, as rejeições de Dix-huit não passam apenas pelo fato de os Maias não
o aceitarem no Governo do Estado. Havia também consultas ao ex-governador Aluízio
Alves que, embora com os direitos políticos cassados, tinha forte atuação nos bastidores.

Além de Aluízio, havia um plano dos militares de apostar em novos nomes para
governar os Estados, afastando o poder das oligarquias, e o que aconteceu com os
Rosados no Rio Grande do Norte se repetiu em outras unidades da federação com as elites
políticas tradicionais atendidas pelo Governo Federal, mas alijadas do poder de mando
nos governos estaduais, fazendo surgir novas forças dentro da política de “descompressão
do regime” adotada por Ernesto Geisel.

Esses fatores convergiram para que os Rosados não chegassem ao poder, mas
conseguissem enquanto bloco monolítico proteger seus espaços na Assembleia
Legislativa, Câmara dos Deputados e, principalmente, a Prefeitura de Mossoró.
64

3.2 A DIVISÃO DOS ROSADOS COMEÇA A SER TEMA NOS


JORNAIS

O governador Lavoisier Maia tomou posse em março de 1979 e governou com


estabilidade graças à “paz pública”. Com o retorno do pluripartidarismo, a estrutura da
Arena no Estado foi automaticamente reproduzida no Partido Democrático Social (PDS),
que se torna o novo partido alinhado ao regime. No Estado, o comando seguia sob
influência de Tarcísio Maia, tendo Vingt Rosado como secretário-geral do partido. Em
Mossoró, o diretório municipal do PDS tinha o mesmo presidente da extinta ARENA:
Laíre Rosado, genro de Vingt Rosado, e o outro nome trabalhado para ser o sucessor no
comando da oligarquia.

Foi nesse quadro que se iniciou o ano de 1980, quando começaram a surgir os
primeiros rumores de aproximação dos Rosados e Alves, e na mesma época surgem ainda
que discretamente as primeiras informações de que a oligarquia mossoroense poderia se
dividir. É nesse contexto que entram em cena os dois jornais da cidade: O Mossoroense
e Gazeta do Oeste, que, ao seu modo, cada um ajudou a documentar a história que definiu
os rumos da segunda maior cidade do Rio Grande do Norte.

Os primeiros rumores do alinhamento político que mudaria os rumos da política


potiguar e, em especial, da mossoroense, começam a ganhar contornos na edição de 23
de fevereiro de 1980, no Jornal O Mossoroense – que circulava de quarta-feira a domingo
– quando numa matéria de capa começam as especulações sobre uma aproximação
política entre Vingt Rosado e Aluízio Alves. Isso cinco anos antes de a aliança se
concretizar.

A notícia é praticamente uma resposta à adesão do aluizista Leodécio Néo ao


grupo de Tarcísio Maia, que buscava um nome capaz de fazer frente aos Rosados. No
entanto, Leodécio vinha de derrotas consecutivas para prefeito de Mossoró (1976) e
deputado federal (1978). Ainda não era o nome de que Tarcísio Maia precisava. Naquele
princípio de 1980, o Jornal O Mossoroense tratava Leodécio como um novo aliado de
Vingt, mas logo ele viria a ser encarado mesmo como um adversário e acusado de ser um
“adesista” do “Grupo Maia”.
65

Nesse período, Vingt Rosado organizava o PDS na região Oeste. Mesmo com a
autonomia para esse trabalho na região, as notas nas colunas dos jornalistas Jaime
Hipólito Dantas, Luís Fausto e Dorian Jorge Freire, em O Mossoroense, deixam claro o
distanciamento político entre Rosados e Maias.

As especulações da aproximação entre Aluízio e Vingt ganham espaço em O


Mossoroense na coluna Cota Zero, assinada por Dorian Jorge Freire. Na ocasião, ele
especula as chapas para as eleições de 1982 numa aliança incluindo os Rosados em bloco
monolítico dentro do sistema aluizista. Para vice de Aluízio Alves na disputa pelo
Governo, cogita-se o então prefeito João Newton da Escóssia ou então o vice-reitor da
então UERN, Genivan Josué Batista; para Senado, Vingt ou Dix-huit; para prefeito, Laíre
Rosado ou Carlos Augusto Rosado. A divisão dos Rosados sequer é cogitada.

Na outra ponta, a Gazeta do Oeste, de circulação semanal àquela altura, relatou,


na edição cuja data é de 12 a 18 de janeiro, a criação do PDS. Na oportunidade, Laíre
Rosado afirma que os Rosados ficarão com a maioria do partido.

Num primeiro momento (edição de 19 a 25 de janeiro), a Gazeta do Oeste tenta


diminuir o tamanho da crise entre Rosados e Maias, afirmando que o fato de ambos dentro
de um único partido seria “normal” como não fosse um problema que persistisse desde
1974. O periódico tentava minimizar o problema numa clara demonstração de que não
interessava aos Maias propagar que existia uma crise interna no recém-criado PDS em
um momento em que estava havendo mudanças significativas no cenário político
nacional. Mas na edição de 26 de janeiro a 2 de fevereiro, a coluna do jornalista Kleber
Barros, “O Homem e a Notícia”, aborda de forma mais clara o distanciamento entre Maias
e Rosados, que mais à frente provocaria a cisão política da família Rosado. O jornalista
crava que a união entre as duas oligarquias não aconteceria, como de fato não aconteceu,
pelo menos entre Vingt/Dix-huit Rosado e Tarcísio Maia. Na verdade, já não havia
entendimento político desde 1974, como já relatado no começo deste capítulo. Mas havia
uma tentativa de não tornar o assunto tema do noticiário.

E por que não interessava a exposição dessa questão? Tanto os Rosados como os
Maias estavam bem acomodados dentro do Regime Militar. Logo não tinha necessidade
de fomentar o conflito, principalmente pelo lado dos Maias, que tinham o controle do
Governo do Estado através da imposição do Regime Militar. Já os Rosados tentavam
enfraquecer o poder dos Maias e usavam bem a imprensa nesse quesito, bem como
66

trabalhavam a questão política municipal, onde os Maias tentavam penetrar lançando


nomes para enfrentar a oligarquia. O papel dos jornais em Mossoró se encaixa dentro do
conceito de Charaudeau (op. cit., p. 256) de que as mídias também são manipuladas pelo
poder político.

A ação manipuladora das mídias, entretanto, é limitada. Pode-se mesmo dizer


que a própria instância midiática é manipulada de duas maneiras: por uma
pressão externa e por uma pressão interna. Por uma pressão externa, acima da
máquina midiática, por três fatores: a atualidade, o poder político e a
concorrência.

Sobre o caso específico de Gazeta do Oeste e O Mossoroense naquela


“atualidade”, exclui-se o fator da atualidade. A concorrência existia no sentido de impor
uma ideia aos leitores e não no sentido jornalístico de informar melhor e com isso atrair
mais atenção do público. Muito menos em cima de questões mercadológicas. Os jornais
escancaravam que dependiam das questões políticas para manter a própria saúde
financeira. A Gazeta do Oeste estava sob a égide do poder estadual; o Mossoroense, junto
com a Prefeitura de Mossoró. O poder político era a influência externa nas ações.

Convivendo as turras dentro do PDS e tentando conciliar as divergências para não


se distanciarem do Regime Militar, Maias e Rosados não achariam ruim se pudessem, em
algum momento, se separar a partir da implantação do pluripartidarismo que estava em
curso em 1980. Tanto que na edição 2 a 8 de fevereiro da Gazeta do Oeste, Canindé
Queiroz escreve na coluna “Penso, Logo...” uma especulação sobre a ida dos Rosados
para o PTB por não conseguirem conviver politicamente com Tarcísio Maia. Na edição
de 8 a 15 de fevereiro, Kleber Barros noticia que o então deputado estadual Carlos
Augusto Rosado tenta assumir o comando do PTB. A nota não informa se ele age em
sintonia com os tios. Na mesma nota, Carlos vê o PMDB como uma alternativa por
considerá-lo um partido da mais alta credibilidade. Enquanto isso, Vingt Rosado já
organizava o PDS na região, conforme noticiário de O Mossoroense.

A Gazeta do Oeste, por seguir a orientação da oligarquia Maia, tentava mostrar


que os Rosados queriam mudar de partido, deixando a legenda que sustentava o Regime
Militar. Era um trabalho que visava a enfraquecer a liderança do deputado Vingt Rosado,
gerando desconfiança em Brasília. Já o Mossoroense seguia mostrando exatamente o
contrário. Não se tratava de meramente informar, mas de uma ação de propaganda e
contrapropaganda.
67

Sobre a questão da divisão política dos Rosados nas páginas dos dois jornais, é
preciso entender que ela passa pela crise de relacionamento com os Maias, que já em 1980
trabalhavam para atrair o jovem deputado estadual Carlos Augusto Rosado para o lado
deles. Era um trabalho que, ao mesmo tempo os fortalecia e criava problemas internos na
oligarquia adversária. Carlos Augusto, àquela época, já mostrava sinais de que buscava
autonomia em relação aos tios Vingt e Dix-huit. Carlos Augusto já tinha o discurso
pronto: o da coerência. Ele não aceitaria fazer política junto aos Alves. Na construção
dessa narrativa, Canindé Queiroz (edição de 16 a 22 de fevereiro) especula uma aliança
entre os Rosados e Aluízio. Na edição de 23 a 29 de fevereiro, Kleber Barros, em sua
coluna na Gazeta do Oeste, prevê uma ruptura – sem dizer qual seria – provocada pela
aliança entre Rosados e Alves. Mas por enquanto essa insatisfação seria provocada pelos
aliados de Aluízio em Mossoró, como o então vereador Manoel Mário. Na mesma edição,
Canindé Queiroz especula a união entre Rosados e Alves. Para ele, o entendimento é
viável. Na edição de 1º de março a 7 de março, Kleber Barros analisa os rumos que os
grupos políticos podem tomar a partir do pluripartidarismo. Na edição de 29 de março a
4 de abril, Canindé Queiroz mostra que a maioria nas vitórias dos Rosados para a
Prefeitura de Mossoró diminuiu entre 1972 e 1976 e que o surgimento do
pluripartidarismo provocaria o aparecimento de novas forças, e isso provocaria uma nova
recomposição política, palavras proféticas. Enquanto isso, as relações entre Maias e
Rosados cada vez se desgastavam mais e a oligarquia que comandava o Governo do
Estado sentia a necessidade de enfraquecer Vingt e Dix-huit por meio da cooptação de
aliados. Assim foi feito quando a vereadora Raimunda do Couto Nogueira, a “Dodoca
Nogueira”, deixou o rosadismo para integrar o sistema maísta. O Mossoroense deu amplo
destaque ao assunto nas edições de 2 e 3 de abril com as notícias sobre a tentativa de
cooptação da vereadora “Dodoca Nogueira” para o lado do governador Lavoisier Maia
Sobrinho. O jornal deixa bem claro que, mesmo estando dentro do mesmo partido,
Rosados e Maias são adversários.

Naquela mesma época, a Gazeta do Oeste (edição de 5 a 11 de abril), na coluna


“O Homem e a Notícia”, assinada pelo jornalista Kleber Barros, especula os efeitos da
aliança entre Rosados e Alves. Em nenhum momento se cogita que isso dividiria
politicamente a família Rosado. Enquanto isso, Canindé Queiroz, na coluna “Penso,
Logo...”, especula o nome de Carlos Augusto para a Prefeitura de Mossoró. O trabalho
de desagregação dos Rosados ainda não chegara à mídia de forma escancarada.
68

Em meio à crise interna do PDS entre Maias e Rosados, Kleber Barros (edição de
19 a 25 de abril) traz declarações enigmáticas de Carlos Augusto. O jovem parlamentar
defende a união do PDS e lembra o compromisso que os dois grupos têm com o presidente
da República, o então presidente João Figueiredo. As declarações são reforçadas na
coluna de Canindé Queiroz. Carlos afirma também que o objetivo dele é ser reeleito
deputado estadual em 1982. Mas nas entrelinhas fica o comportamento diferente dos tios
que conversavam politicamente com os Alves. Carlos, mais à frente, se manifestaria
contra essa aliança.

Na edição de 26 de abril a 2 de maio, a Gazeta do Oeste segue movimentando o


noticiário, trazendo declarações do vice-prefeito Alcides Belo, afirmando que a união
entre Alves e Rosados é fato consumado. Em outra notícia registrada, a eleição de
Tarcísio Maia para presidir o PDS. Na coluna de Kleber Barros, é descartada a
possibilidade de Dix-huit abrir mão da candidatura a prefeito em nome de Carlos
Augusto. Informa-se que essa hipótese é desmentida por ambos. Naquela mesma edição,
a Gazeta traz longa reportagem sobre a possibilidade de aliança Alves-Rosados. Várias
lideranças locais são ouvidas. Parte das pessoas ouvidas afirma que àquela altura os
Rosados não se apartariam dos Maias porque ambos estão no partido do Governo Federal,
o PDS. A aliança entre Rosados e Alves é algo visto como possível mais à frente, o que
acabou se confirmando. Entre as lideranças ouvidas, Laíre Rosado, que declarou que as
dificuldades começaram no momento em que Dix-huit foi preterido para o Governo em
1978 e por um trabalho para impedir a reeleição de Vingt naquele ano. Na verdade, os
problemas já começaram em 1974, como já explicado no segundo capítulo deste trabalho.

Na mesma edição, Canindé Queiroz, na coluna “Penso, Logo...”, analisa a


possibilidade de acordo afirmando e que da parte dos Alves o negócio é para valer. Para
ele, os Rosados utilizam a possibilidade como forma de se valorizar junto ao Governo do
Estado. Em 7 de maio, o Jornal O Mossoroense noticia uma aparente pacificação no PDS.
Vingt Rosado, já anunciado no mês anterior como secretário geral do partido no Estado,
também indicaria Laíre Rosado para a presidência e teria a maioria do diretório. Fica clara
a existência de um acordo para que os Maias fiquem com o comando estadual em âmbito
estadual e os Rosados, no municipal.

Na edição de 10 de maio, O Mossoroense traz na coluna “Plantão Político” – sem


assinatura do responsável –,informações sobre a agenda da Carlos Augusto Rosado e o
69

classifica como o deputado mais assediado da Assembleia Legislativa, indicando que o


deputado estadual já era, àquela altura, procurado pelos adversários dos Rosados. Nas
edições de 27 e 28 de maio, O Mossoroense trazia na coluna “Plantão Político” a
informação de que os correligionários de Vingt seguiam sendo maltratados pelo
governador Lavoisier Maia. Seguia o “desgaste” entre as oligarquias. Na edição de 29 de
maio, a coluna “Plantão Político” revela os planos de Tarcísio Maia, os quais se
confirmariam mais à frente: se Vingt se aliasse a Aluízio, Mossoró (leia-se oligarquia
Rosado) seria dividida em duas. Carlos Augusto aparece na lista dos que seriam contra
uma aliança Rosados-Alves. Mas ele evitava declarações públicas para se preservar
politicamente, porque o momento exigia cautela e ele não poderia dizer algo que tivesse
que negar. Os recados eram sempre mandados pela Gazeta do Oeste, o que indicava que
não havia censura quanto à divulgação do posicionamento. Orlandi (op. cit., p. 82) explica
como funciona a estratégia do não dito numa circunstância como essa.

Desse modo distinguimos o silêncio fundador (que como dissemos, faz com
que o dizer signifique) e o silêncio ou a política do silêncio que, por sua vez,
se divide em: silêncio constitutivo, pois uma palavra apaga as outras palavras
(para dizer é preciso não-dizer: se digo “sem medo” não digo com “coragem”)
e o silêncio local, que é a censura, aquilo que é proibido dizer em uma certa
conjuntura (é o que faz com que o sujeito não diga o que poderia dizer: numa
ditadura não se diz a palavra ditadura não porque não saiba mas porque não se
pode dizê-lo).

Em paralelo às disputas com os Maias, os Rosados tinham suas disputas internas


em 1980. Estava em jogo a sucessão do comando do clã que passava pela eleição de 1982.
Dois anos antes, o quadro entre os postulantes a assumir o comando da família era
equilibrado. Se Carlos Augusto Rosado era deputado estadual, Laíre Rosado detinha o
comando do diretório municipal do PDS, função que já exercera quando a agremiação
ainda era a ARENA. A Gazeta do Oeste (edição de 24 a 30 de maio) traz na coluna de
Kleber Barros um questionamento sobre se Dix-huit, pela idade avançada, teria condições
de entrar numa disputa para prefeito. Sugere que o nome natural seria Carlos Augusto.
Mas diz ter informações de que Dix-huit só abriria mão da disputa se fosse para Laíre
Rosado, indicando que Carlos não teria respaldo político dos tios para voos maiores. Essa
disputa interna na família seria decisiva para o afastamento que se concretizaria nos anos
posteriores. Para manter a família unida, Dix-huit terminaria candidato e eleito prefeito,
mas essa união se manteria em bases muito frágeis.

As disputas entre Maias e Rosados seguiria dando o tom naquele ano. O


Mossoroense (edição de 3 de julho) traz na coluna “Plantão Político” a informação de que
70

Tarcísio e Lavoisier procuraram Vingt Rosado para um entendimento, e o deputado


federal exigiu apenas “respeito”. Esse entendimento seria improvável, e o Jornal O
Mossoroense fazia questão de expor isso em suas páginas, como na edição de 6 de julho,
quando a capa do jornal escancara a mágoa de Vingt com os Maias: “Lavoisier e Tarcísio
me tomaram 5 anos de vida”. Não havia clima para esse entendimento político, tanto que
Vingt e Tarcísio morreriam adversários.

Na edição de 22 de agosto, a coluna “Plantão Político” retruca especulações de


bastidores de que Carlos Augusto Rosado e Vingt Rosado estariam se afastando. Afirma
que ambos são como um “samba de uma nota só”. A coluna também desmente que Carlos
teria vetado um entendimento entre Alves e Rosados. Dias antes, Carlos tinha recusado a
liderança do PDS na Assembleia Legislativa. É a primeira vez que a possibilidade de
cisão entre os Rosados aparece no noticiário. O assunto não caíra no esquecimento, como
registra a edição de 24 daquele mesmo mês, quando Vingt analisa as declarações de
Carlos Augusto à Rádio Tapuyo que renderam especulações sobre divergências entre os
Rosados. O deputado federal afirma que o sobrinho, como qualquer pessoa, “pode ficar
desinformado”. Na coluna “Conversa de Domingo”, Jaime Hipólito Dantas questiona as
declarações de Carlos Augusto, criticando um possível entendimento entre Rosados e os
Alves. Ele ainda lembra as razões dos Rosados para o afastamento dos Maias, lembrando
as três vezes em que Dinarte Mariz/Maias atrapalharam a ascensão de Dix-huit ao
Governo do Estado. Registre-se que a análise de Jaime Hipólito contraria o registro
histórico de Machado (op. cit. 92) sobre os apoios de Dinarte Mariz a Dix-huit Rosado
na luta para chegar ao Governo do Estado. Ele afirma que Mariz teria trabalhado contra
Dix-huit.

A partir de então ganharam força as especulações de que Carlos Augusto poderia


abrir uma dissidência dentro da família Rosado, e O Mossoroense assumiria o papel de
tentar minimizar as informações sobre o assunto, como registrado na edição de 3 de
setembro, ocasião em que a capa do jornal traz a informação de que Carlos Augusto segue
firme sob orientação de Vingt Rosado. Na coluna “Plantão Político” uma resposta às
especulações de que Carlos seria líder de uma ala dentro do “esquema de Vingt”. A coluna
garante que tio e sobrinho não vão se separar. Na coluna “Cota Zero”, Dorian Jorge Freire
afirma que quem tenta afastar Vingt e Carlos Augusto trabalha inutilmente.
71

É preciso observar que à medida que os Rosados se aproximavam dos Alves estes
se apartavam da “Paz Pública” firmada com os Maias, e no meio disso, Carlos Augusto
era assediado pelo grupo de Tarcísio Maia e ia se afastando aos poucos dos tios, abrindo
uma dissidência.

Até o fim de 1980, O Mossoroense não abordaria mais a questão. Já a Gazeta do


Oeste voltou a aquecer o noticiário a partir da edição de 11 a 17 de outubro. Na
oportunidade, Canindé Queiroz afirma que Carlos Augusto Rosado tem aversão a um
entendimento com os Alves, reforçando a tese de que o jovem deputado preferiu seguir
um caminho ao lado dos Maias. Na edição de 18 a 24 de outubro, mais uma vez Canindé
Queiroz registra, em nota sobre a posse do senador Zezito Martins, que Carlos Augusto é
o único Rosado que não rompe com os Maias. É preciso entender que o jornalista, ao
afirmar que Maias e Rosados estavam aliados deveria referir-se ao fato de ambos estarem
no mesmo partido, até porque o rompimento de fato já existia desde 1974. O ano de 1980
se encerra com um quadro de aproximação entre Rosados e Alves e com uma clara
inclinação de que mais à frente Carlos Augusto Rosado estaria num palanque diferente
do restante da família.

A cobertura dos jornais sobre os fatos políticos no início de 1981 começa a


esquentar em O Mossoroense na edição de de 6 de janeiro. Na coluna “Cota Zero”, Dorian
Jorge Freire afirma que a primeira opção dos Rosados para a Prefeitura de Mossoró em
1982 é Dix-huit. Carlos Augusto seria o “plano b”. Já na reta final do primeiro mês
daquele ano, a possibilidade de divisão dos Rosados volta a ser pauta, mas O
Mossoroense, na edição de 24 de janeiro, volta a afastar a possibilidade na coluna
“Plantão Político” com a garantia de que apostar na divisão dos Rosados ou dos Alves é
tolice. A Gazeta do Oeste (edição de 31 de janeiro a 6 de fevereiro) traz uma entrevista
do então prefeito João Newton da Escóssia, em que ele se lança candidato a deputado
estadual em 1982. A mesma edição também traz a informação de que o ex-prefeito Jorge
Ivan Cascudo Rodrigues também estaria se lançando para deputado estadual. As duas
iniciativas dentro do grupo de Vingt colocaria a reeleição de Carlos Augusto em risco.
Mas especula-se que o então deputado estadual seria o nome do grupo para prefeito de
Mossoró. Mas na edição de 7 a 13 de fevereiro, Canindé Queiroz traz declaração de Carlos
Augusto afirmando que está disposto a sacrificar a carreira política dele em nome do
grupo Rosado, afastando as especulações de afastamento familiar. A postura altruísta do
deputado desaparece dias depois (edição de 14 a 20 de fevereiro da Gazeta do Oeste).
72

Canindé Queiroz traz a informação de que Carlos Augusto reclama da falta de prestígio
junto à Prefeitura de Mossoró, em mais um episódio que mostra as dificuldades internas
da oligarquia Rosado.

Se ele reclamava de desprestígio com os Rosados, não poderia dizer o mesmo em


relação ao grupo Maia, que lhe deu apoio maciço para se tornar presidente da Assembleia
Legislativa, como Canindé Queiroz (edição de 27 de fevereiro a 7 de março) registra: a
eleição de Carlos Augusto Rosado para a presidência da Assembleia Legislativa com o
apoio de todos os grupos políticos do Estado. Isso mostra que o deputado estava alheio à
crise dos tios com os Maias, que tinha interesse em atraí-lo para seu grupo. Vingt e Dix-
huit não possuíam muita margem de manobra para colaborar para essa vitória de Carlos,
tendo em vista que ele já era o representante da família na casa. Diferente dos Maias, que
detinham a maioria das cadeiras no parlamento e a força política para escolher quem
comandaria a Assembleia Legislativa. O apoio a Carlos Augusto era um gesto de simpatia
para afastá-lo ainda mais do seio da família Rosado.

Por isso, a possibilidade de divisão dos Rosados seguiria sendo tema de


especulações, e cada vez mais surgiam informações acerca de desentendimentos entre
Laíre Rosado e Carlos Augusto Rosado. As especulações ora eram relativas à sucessão
do comando da oligarquia, ora sobre quem seria o candidato do grupo a prefeito de
Mossoró e até mesmo quem seria indicado vice-governador pelo grupo nas eleições de
1982.

A situação interna nos Rosados era muito difícil para manter o grupo como um
bloco monolítico diante da falta de espaços para acomodar todos e com os constantes
assédios de Tarcísio Maia sobre Carlos Augusto Rosado. Curiosamente, O Mossoroense
traz em 10 de junho uma declaração de Tarcísio Maia em tom de recado para Ving: “Se
ele apoiar Aluízio Alves para o Governo em Mossoró surgirá uma situação nova”. O
posicionamento se encaixa politicamente com o posicionamento externado em 1980 por
Carlos Augusto de que não seguiria o grupo em uma eventual aliança com os Alves, e
mostra que Tarcísio estava na espreita, esperando a aliança se concretizar para mudar o
status quo da política mossoroense. Já Carlos Augusto tinha o discurso pronto para
justificar a decisão de não seguir a família em caso de formalização da aliança. Miguel
(op. cit., p. 62) explica que a política é um espetáculo e que a encenação ajuda a justificar
as decisões.
73

O espetáculo existe em função da disputa de interesses. O político entra no


palco porque espera galgar posições de autoridade que sejam favoráveis aos
interesses que defende. Se o seu ponto de vista de partida é o espetáculo, se
sua motivação inicial é o poder e suas luzes, dá na mesma: assim que alcançar
aquela posição, será envolvido na disputa de interesses. Por outro lado, o
público não é indiferente ao que ocorre nos bastidores, nem estes são
impermeáveis à sua curiosidade. Muitas vezes, uma “revelação dos bastidores
é o momento mais espetacular da política enquanto espetáculo”.

Esse espetáculo da revelação dos bastidores não interessava a Carlos Augusto,


mas as especulações sobre o assunto, sim. A Gazeta do Oeste seguia abordando o assunto,
e O Mossoroense ia cumprindo o papel de “bombeiro”, como na edição de 13 de junho
em que a coluna “Plantão Político” afirma que querer jogar Carlos Augusto Rosados
contra os tios é “tolice”. É a segunda vez naquele ano que a mesma coluna, cujo autor
não assina, se manifesta. O espetáculo em curso na política mossoroense era como um
jogo de esconde-esconde em que um jornal buscava expor uma crise e o outro tentava
encobri-la, tanto que na edição de 11 a 17 de julho, a Gazeta do Oeste traz manchete sobre
uma possível crise no grupo Rosado. O prefeito João Newton teria vetado Dix-huit num
evento social. A notícia mostra que o grupo político/familiar não era tão unido assim. Já
na edição de 18 a 24 de julho, a Gazeta relata a aliança entre Vingt, Dinarte e Geraldo
Melo para evitar a candidatura de José Agripino ao Governo do Estado. O nome dessa
união apareceu pela primeira vez no noticiário impresso de Mossoró na edição de 26 de
julho, quando O Mossoroense registra o surgimento do “Pacto de Solidão” firmado por
Dinarte Mariz (senador), Vingt Rosado, Geraldo Melo e Fernando Bezerra, então
presidente da FIERN e candidato do grupo ao Governo do RN pelo PDS. Essa união,
embora não tivesse tido êxito na definição do candidato ao governo pelo PDS, teve
impacto no episódio do “Voto Camarão”, o qual será abordado mais à frente.

Na edição de 25 a 31 de julho, a Gazeta noticia a disputa entre Carlos Augusto


Rosado e João Newton da Escóssia para ver quem vai nomear o interventor do recém-
criado município de Baraúna. Carlos Augusto levaria a melhor por ter mais proximidade
com o governador Lavoisier Maia. Mais um fato que mostra como, diferentemente do
restante da família, Carlos não estava rompido com os Maias e atuava de forma
independente. Carlos seguia batendo de frente com o grupo, e mesmo com a Gazeta do
Oeste expondo o tema, ele preferia seguir em silêncio.

Com Carlos Augusto cada vez mais ligado aos Maias, e por consequência a união
da família Rosado cada vez mais em risco, seria necessário um fato que estremecesse as
relações do deputado estadual com o grupo que comandava o poder estadual. E o “Pacto
74

Solidão” encontrou esse caminho, conforme noticiou O Mossoroense (edição de 22 de


agosto de 1981), cuja manchete traz um veto de Tarcísio Maia a uma candidatura de
Carlos Augusto ao Governo do Rio Grande do Norte pelo PDS. O então deputado tinha
sido apontado como nome de consenso entre Maias e o “Pacto Solidão” em várias análises
publicadas no jornal. Como os planos de Tarcísio Maia eram colocar o prefeito de Natal,
José Agripino Maia, na disputa pelo Governo do Estado em 1982, estava clara uma jogada
política para afastar Carlos Augusto dos Maias. Não por acaso, o surgimento do “Pacto
Solidão” foi praticamente ignorado pela Gazeta do Oeste, que preferia mostrar a ascensão
de Carlos Augusto Rosado sem esconder o alinhamento político dele com os Maias. Foi
assim na edição de 1º a 7 de agosto. Kléber Barros escreve nota enigmática sobre o
comportamento de Carlos Augusto no jogo político do RN. Afirma que o deputado não
tem oferecido aos oponentes a menor chance de desgastá-lo.

Dentro do intricado jogo da sucessão estadual, o deputado Carlos Augusto


Rosado, presidente da Assembleia Legislativa, parece estar fazendo sua parte
de maneira bastante meticulosa, milimetricamente estudada, não oferecendo
ao observador mais atento da cena política do Rio Grande do Norte a menor
chance de desgastá-lo, sequer em termos sutis. Em política, como diria
Maquiavel, sai fortalecido quem joga certo, coloca as pedrinhas nos devidos
lugares, fazendo desse difícil tabuleiro uma cartada mais do que decisiva. E
Carlos Augusto vem promovendo exatamente esse brilhante jogo de cintura. E
com muita competência.

Está claro pelo contexto do cenário político que o texto faz referência ao fato de
Carlos manter-se alinhado aos tios Vingt e Dix-huit sem se afastar politicamente dos
Maias. Na edição de 19 a 25 de setembro, a coluna “O Que se Diz” assinada pelo jornalista
Crispiniano Neto, aborda a existência de duas alas dentro do grupo Rosado: uma
favorável a Carlos Augusto e outra a Laíre na sucessão de Vingt.

Hoje já se consegue definir claramente dois polos dentro do grupo Rosado. Há


uma ala da família que pretende fazer o médico Laíre Rosado o sucessor de
Vingt e a outra ala já reconhece Carlos Augusto com esta condição, visto que
o deputado em pouco tempo de mandato conseguiu uma repercussão em todo
o Estado que a família só teve quando seu pai era governador. De modo que
há um bloco dentro do rosadismo que gira em torno do deputado Vingt Rosado
e outro bloco que se define claramente em torno de Carlos Augusto. O bloco
que defende Laíre como sucessor de Vingt é o mesmo que defende o acordo
Alves-Rosados

Canindé Queiroz, na mesma edição, afirma que a ascensão de Carlos Augusto na


política estadual tem incomodado os setores da família Rosado.

Aqui tem que se entender o quadro mossoroense. Setores do sistema Rosado


estão deglutindo muito mal a rápida ascensão do presidente da Assembleia no
panorama estadual. Muitos não veem com bons olhos a simples hipótese de
Carlos Augusto ter surgido como candidato a governador. Para os que
75

conhecem muito bem os caboclos da aldeia, é facílimo constatar que até pouco
tempo sempre que se falava num candidato a governador da família Rosado o
nome era o do ex-senador Dix-huit Rosado. Agora fala-se em Carlos Augusto
e nas entranhas do sistema alguns pequenos cataclismas então poderão estar
ocorrendo. Sintetizando: a rápida evolução do presidente Carlos se tornando
em pouco mais de dois anos em um nome estadual não é aceito por ponderáveis
e poderosos setores da estrutura Rosado. Sua resistência a um possível acordo
Alves-Rosado também o coloca na mira desses segmentos não sem influência
naquele sistema político. Neste enfoque se encontra uma das razões
ponderáveis da resistência ao nome do jovem parlamentar e embora porta-
vozes do grupo digam em contrário, é para inglês ver e não para quem
acompanha e conhece a política da aldeia.

Na edição de 26 a 29 de setembro, a Gazeta do Oeste traz ampla reportagem sobre


o quadro sucessório para 1982. O texto, cujo título é “82, ano da luta pelo poder”, traz um
trecho com a informação de que Carlos Augusto tem boas relações comerciais e política
com os Maias e segue sendo um entrave no grupo Rosado a uma aliança com os Alves.

CARLOS AUGUSTO
A única coisa que se sabe ao certo é que o deputado e presidente da Assembleia
Legislativa conseguiu se fortalecer e se espelhar. Seu nome tem sido cogitado
para todos os cargos. Pode ser candidato a prefeito, a governador (numa
sublegenda) ou a senador. Suas relações com o Governo do Estado são bastante
amistosas. Tem ligações comerciais com o grupo Maia e tem se posicionado
contra o acordo Rosados/Alves. Tem tomado posições incômodas ao grupo e
a família e já começa a se divisar em torno do seu nome, um polo que escuta
mais a ele que o deputado Vingt.

O mesmo texto ainda coloca Laíre Rosado como o sucessor de Vingt e o nome
para a Prefeitura de Mossoró, caso Dix-huit seja colocado numa chapa majoritária para o
Governo do Estado. O jornal tentava mostrar que os planos do rosadismo eram por Dix-
huit numa disputa pelo Governo do Estado ou Senado, deixando, nesse caso, a Prefeitura
de Mossoró. Nas páginas da Gazeta, Carlos Augusto sempre seria um nome a ser
excluído.

Por outro lado, O Mossoroense (edição de 9 de outubro) faz o trabalho inverso,


como fica patente na coluna “Plantão Político”, que informa que metade da bancada do
PDS na Assembleia Legislativa quer Carlos Augusto Rosado candidato ao Governo do
Estado. Àquela altura, a candidatura praticamente definida no partido era a de José
Agripino. Mais uma vez tenta se criar uma atmosfera política em que Carlos Augusto
esteja sendo preterido pelos Maias.

Enquanto isso, a Gazeta do Oeste (edição de 17 a 23 de outubro) traz uma


manchete de capa dando conta de que o acordo entre Alves e Rosados estaria fechado.
Numa longa matéria aparece no corpo do texto que Carlos Augusto estaria disposto a
romper com a família para seguir com os Maias. É a primeira vez que a divisão política
76

dos Rosados é noticiada como uma possibilidade concreta. A apartação política ganha
força no noticiário, e Carlos Augusto segue dando margem para especulações ao não
assinar a carta do “Pacto Solidão”. Para conter o noticiário, O Mossoroense (edição de 25
de outubro) apresenta uma declaração atribuída a Carlos Augusto Rosado em que ele se
manifesta sobre o “Pacto da Solidão”, afirmando que a assinatura dele na carta do grupo
está representada na de Vingt Rosado de quem se diz representado. O parlamentar evita
declarações contra a candidatura de José Agripino ao Governo do Estado.

Com a posição dúbia, ele deu uma satisfação ao grupo Rosado e mostrou-se ainda
liderado de Vingt Rosado. Por outro lado, ele manteve-se firme no acordo de bastidores
com os Maias. Ele se escondeu atrás do discurso da legitimidade e da identidade política
ao repassar ao tio a procuração para endossar o “Pacto Solidão”. Charadeau (op. cit., p.
64) explica como essa encenação funciona:

O campo político é encenado de forma que os diversos atores representam as


comédias, os dramas ou as tragédias do poder mediante relações de
legitimidade, de credibilidade e cooptação. Mas qual é a natureza da identidade
desses atores?
O ser da palavra, quer se queira, quer não, é sempre duplo. Uma parte dele
mesmo se refugia em sua legitimidade de ser social, outra se quer construída
pelo que diz seu discurso. Qual das duas é verdadeira? A segunda não faria
senão esconder a primeira? Não, pois esta não poderia existir sem aquela; ela
não adquire sentido a não ser em relação à primeira, da qual é tributária.

A avaliação do autor resumiu bem. No teatro político, o posicionamento de Carlos


Augusto envolveu três aspectos abordados na questão do poder, que envolve
legitimidade, credibilidade e cooptação. Os dois primeiros aspectos estavam expostos. O
terceiro, implícito.

Após a crise do “Pacto Solidão”, a crise dos Rosados volta a ter mais um episódio
registrado na Gazeta do Oeste (edição de 7 a 13 de novembro), que especula um possível
confronto interno no PDS entre Carlos Augusto e Laíre para saber qual dos dois seria o
candidato dos Rosados a prefeito de Mossoró. Na matéria publicada na página 15, Laíre
é apontado por Vingt como o sucessor dele na liderança do grupo, enquanto Carlos reage
afirmando ser o sucessor natural. Em matéria publicada na edição de 26 de dezembro de
1981 a 1º de janeiro de 1982, Carlos Augusto defende um entendimento no PDS, e ao ser
questionado sobre o futuro político, repete um mantra de outras entrevistas: “Estou
cuidando da minha reeleição”.
77

O ano de 1981 se encerrou com a Gazeta do Oeste mostrando as entranhas de uma


crise política no sistema Rosado provocada pela aproximação entre Carlos Augusto e os
Maias. O Mossoroense sempre procurou impedir que qualquer especulação ganhasse
maiores dimensões, mas estava claro que havia uma crise interna que mais à frente
fragmentaria a família politicamente.

3.3 O VOTO CAMARÃO: O DIVISOR DE ÁGUAS NA RUPTURA DOS


ROSADOS

Em 1982, tivemos um pleito totalmente atípico, que funcionou quase que como
uma eleição geral. O eleitor votou para vereador, prefeito, deputado estadual, deputado
federal, senador e governador. Menos para presidente da República, cujo mandato só se
encerraria em 1985. A regra era um escudo da ditadura militar para coibir o crescimento
da oposição e manter-se forte nos grotões do país.

Após 16 anos, o Rio Grande do Norte voltaria a ter eleições diretas para
governador. O embate seria entre José Agripino Maia, que venceu uma forte resistência
dos Rosados e do senador Dinarte Mariz dentro do PSD, e o ex-governador Aluízio Alves,
que era unanimidade dentro do PMDB. Em Mossoró, Dix-huit era favorito para vencer a
Prefeitura de Mossoró e foi o candidato que acalmou um possível embate entre Laíre
Rosado e Carlos Augusto Rosado. O primeiro, inclusive, abortou qualquer tipo de projeto
político para manter a frágil unidade rosadista. Os principais adversários dos Rosados
eram João Batista Machado, que era o nome do PMDB, e o jornalista Canindé Queiroz,
que fora inscrito candidato pelo PDS graças ao artifício da sublegenda. Ele tinha o apoio
dos Maias e era o dono da Gazeta do Oeste.

Com o eleitor obrigado a votar em candidatos de um mesmo partido de vereador


a governador, instalou-se um quadro complicado em Mossoró. Vingt Rosado se recusava
a votar em José Agripino e tinha o desejo de apoiar Aluízio Alves. Mas ele tinha uma
difícil decisão e a tomou: anulou o voto para governador e senador e orientou seu eleitor
a fazer o mesmo.
78

Na outra ponta do PDS, Tarcísio Maia amargava o fracasso da tentativa de tornar


Leodécio Fernandes Néo um nome capaz de fazer frente aos Rosados. Isso fez o deputado
estadual Carlos Augusto Rosado se tornar bastante assediado pelos Maias. Foi assim que
ele chegou, de forma consensual dentro do PDS, ao comando da Assembleia Legislativa.

Já próximo de uma aliança com Aluízio Alves, a qual só não se consumou


oficialmente por causa do voto vinculado, os Rosados estavam em situação difícil, porque
tentaram lançar o então presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte
(FIERN), Fernando Bezerra, candidato ao Governo do Estado no chamado “Pacto
Solidão”, que levou esse nome por ter sido celebrado na Fazenda Solidão, de propriedade
de Dinarte Mariz. O senador e os Rosados contaram ainda com o apoio do então vice-
governador Geraldo Melo. No entanto, no final acabou prevalecendo o nome do então
prefeito de Natal, José Agripino, que fora nomeado para o cargo em 1979 pelo
primo/governador Lavoisier Maia. Os Rosados, ainda ressentidos com as três tentativas
de levar Dix-huit ao poder, decidiram boicotar a candidatura de José Agripino e apostar
no chamado “Voto Camarão”. Aluízio Alves (1999, pp. 5 e 6) relatou como a ideia surgiu
nas eleições daquele ano:

Sem qualquer entendimento prévio, anunciei um comício, e de nada preveni


nem os meus correligionários, muito menos os adversários, num risco enorme
de um fracasso para o que iria propor em praça pública.
E lá, surpresa geral, disse:
- Quero falar, hoje, em primeiro lugar, aos adversários, sobretudo, na pessoa
de seu líder Vingt Rosado. Temos sido adversários através de decênios. Mas,
agora, estamos ambos na mesma posição: na planície, nós, pela perseguição do
Governo, eles pela traição do Governo.
- Seria um enorme erro, se continuássemos separados, déssemos a vitória total
e fácil ao Governo.
- Então, não venho pedir voto para mim, candidato a Governador, que eles não
podem sufragar porque têm os candidatos a deputado, a prefeitos e vereadores,
com a vinculação de legenda.
- Venho pedir que votem em seus candidatos, e votem em branco para
Governador.
O que eu ganharia com isso? Perguntavam depois, sem entender, indignados
pela surpresa, alguns correligionários nossos.
A resposta era a mais sincera:
- Não ganhamos os votos, mas dividimos, mas dividimos os adversários e
conquistamos um aliado inevitável para o futuro.
E foi o que ocorreu. Tarcísio e Lavoisier levaram até Mossoró o presidente da
República João Figueiredo, para ameaçar seus próprios correligionários, que
ameaçavam o voto “camarão”, a chapa com todos os candidatos, menos o
nome da cabeça, o candidato a governador.
Mas Vingt, com sua coragem e seu espírito de luta, enfrentou o governo do
Estado e governo Federal, e criou o voto “camarão”, símbolo de protesto e
intrepidez.
A partir daí fomos correligionários e desse reencontro só tenho afetivas e
inesquecíveis lembranças.
79

O “Voto Camarão” é tratado pelos memorialistas como um gesto de resistência


dos Rosados ao regime militar. No entanto, essa interpretação é equivocada e recheada
de descontextualização. Os Rosados sempre tiveram contato direto com os
generais/presidentes. Não contavam com o intermédio do Governo do Estado, cujo
distanciamento só se dilatava ao longo do ciclo biônico.

Mesmo nesse clima, os Rosados não deixaram o PDS imediatamente. A mudança


partidária só ocorreria em outubro de 1985, quando o regime já tinha terminado.

Em Mossoró, o “Voto Camarão” gerou consequências que culminaram com a


divisão política dos Rosados. Discretamente, Carlos Augusto Rosado não acompanhou
o “Voto Camarão”, mantendo os votos em Vingt e Dix-huit, respectivamente para
deputado federal e prefeito, mas sufragando o nome do candidato ao governo vencedor
nas urnas, José Agripino.

O processo de divisão dos Rosados já estava em curso desde que a oligarquia se


aproximara dos Alves. Carlos Augusto resistia a essa ideia e, de forma independente,
mantinha alinhamento aos Maias. Após as eleições de 1982, era questão de tempo o
afastamento político entre tio e sobrinhos se consumar.

Nos jornais, o ano de 1982 começou movimentando o noticiário em torno da


formação das chapas para as eleições municipais e estaduais. No primeiro trimestre, as
notícias em O Mossoroense giraram em torno da formação das chapas para as eleições de
1982, com destaque na atuação do “Pacto da Solidão”, que provocou o “Voto Camarão”
dos Rosados, que mais à frente contribuiu para a divisão da oligarquia. Nesse trimestre,
a atuação de Carlos Augusto Rosado como presidente da Assembleia foi bastante elogiada
no periódico.

Na Gazeta do Oeste não foi diferente. Destaque para a coluna de Canindé Queiroz
(edição de 2 a 8 de janeiro), que crava como certa a candidatura de José Agripino ao
Governo do Estado pelo PDS e afirma que os integrantes do “Pacto Solidão”, no qual um
dos integrantes era o deputado Vingt Rosado, serão prejudicados. Na mesma edição, uma
matéria que mostra uma possível disputa entre Laíre e Carlos Augusto para ser candidato
do PDS à Prefeitura de Mossoró caso Dix-huit não entrasse na disputa. Estava claro que
os primos disputavam internamente o posto de líder do rosadismo, com clara predileção
de Vingt pelo genro, Laíre. Esse posicionamento é explicitado por Canindé Queiroz
80

(edição de 26 de fevereiro a 5 de março), quando ele afirma que Laíre Rosado se credencia
para disputar a Prefeitura de Mossoró pela atuação como porta-voz de Vingt Rosado.

Por isso, Canindé Queiroz seguia mostrando o que viria a acontecer dentro da
família Rosado nos anos seguintes. Na edição de 13 a 14 de março, ele informa que uma
ala dos Rosados não acompanharia Vingt Rosado na recusa em apoiar José Agripino. Já
na edição de 15 a 19 de março, Canindé Queiroz avalia a rejeição do rosadismo a José
Agripino como nociva à reeleição de Carlos Augusto Rosado à Assembleia Legislativa.
Isso desenhava o cenário favorável ao afastamento de Carlos Augusto e os tios já a partir
do pleito de 1982.

As disputas nos bastidores eram tensas, e isso emerge para o público quando O
Mossoroense anuncia que está declarada nova guerra entre Vingt e os Maias. Na edição
de 25 de abril, a manchete dá conta de um plano da oligarquia para derrotar o parlamentar
mossoroense nas eleições. A manchete é “Maias começam guerra para derrotar Vingt”.
O texto aponta uma articulação para tirar apoios do deputado federal em Mossoró e região
em prol do candidato Jessé Freire Filho. Carlos Augusto, com que ainda se colocava como
um liderado de Vingt, não é citado. Um trecho da matéria afirma que o mesmo foi feito
sem sucesso quatro anos antes. “Trata-se de uma repetição do acontecido em 1978,
quando os dois Maia, Tarcísio e Lavoisier, procuraram de todas as formas impedir a
reeleição do único deputado federal de Mossoró.”

A crise entre os Maias e os Rosados estava apenas tendo mais um episódio àquela
altura do processo eleitoral de 1982. A Gazeta do Oeste, na edição de 9 a 16 de abril, traz
uma análise que explica bem como Rosados e os Maias se mantinham no mesmo partido
mesmo com tantas divergências. Os Rosados, mesmo rompidos com os Maias, contavam
com a estrutura do Governo Federal. Vingt tinha no ministro da Justiça, Ibrahim Abi-
Ackel, um interlocutor no governo de João Figueiredo. Mas isso era insuficiente para
manter os Rosados unidos por muito tempo. As informações sobre o afastamento de
Carlos Augusto Rosado sempre surgiram no noticiário, levando os articulistas de O
Mossoroense a se posicionarem descartando a cisão. Foi assim na edição de 13 de junho,
Diran Amaral relata na coluna dele uma conversa com Carlos Augusto Rosado. Afirma
que quem tentar intrigar o deputado estadual com Vingt perderá tempo. Carlos teria
declarado que o grupo Rosado é “indivisível”.
81

Conversei demoradamente com o deputado Carlos Augusto. Estou


absolutamente convencido de que se há alguém interessado em intrigá-lo com
o deputado Vingt Rosado, perderá um tempo preciosíssimo. Inteiramente
solidário com o deputado Vingt. Não aposte no contrário. Você perderá.
Quando dias atrás declarou que o grupo era indivisível quis afirmar com uma
palavra o indiscutível. Quem viver verá.

A oligarquia Rosado só não era divisível naquele período que antecedia as


eleições de 1982 como estava fragilizada em relação aos grupos estaduais, carecendo se
alinhar a uma das famílias que disputavam o poder estadual: Alves e Maia. A ala de Vingt
Rosado estava completamente afinada a Aluízio Alves, enquanto Carlos Augusto Rosado
estava cada vez mais perto de Tarcísio Maia.

Não por acaso, na edição de 19 a 25 de junho, Canindé Queiroz afirma que o


“Voto Camarão” tem dificuldades de ser imposto pelo rosadismo. O jornalista sabia que
Carlos não seguiria os tios. O jovem parlamentar adotara cautela em relação ao “Voto
Camarão”. Na mídia, as informações de que o gesto traria sérias consequências.

Por isso, Canindé Queiroz (edição de 17 a 23 de julho) especula as consequências


da “rebeldia” dos Rosados, mas não cogita a possibilidade de divisão política na família.

Mas a possibilidade era real, como O Mossoroense mostra na edição de 28 de


julho em uma reportagem que registra “dobradinha” política de Vingt e João Newton da
Escóssia em Ceará-Mirim. Os dois teriam o apoio do vice-governador Geraldo Melo,
principal liderança política naquele município. Carlos é excluído.

Porém, ele ainda estava na cota rosadista de candidatos, como apresenta O


Mossoroense na edição de 13 de agosto, numa reportagem que cogita a possibilidade de
Mossoró eleger seis deputados, sendo cinco estaduais. Pelo sistema de Vingt, são citados
João Newton, Carlos Augusto e Anchieta Fernandes.

Na edição de 24 de setembro, O Mossoroense reproduz uma reportagem da


Tribuna do Norte em que Laíre Rosado, presidente municipal do PDS, rebate boatos de
que a família Rosado estaria dividida nas eleições de 1982. A especulação envolvia Carlos
Augusto Rosado e uma das irmãs de Vingt e Diz-huit, Trezieme Rosado. Sobre o assunto,
segue trecho da reportagem:

Chegando a rir quando lembrou a criação de nomes desconhecidos na família


“um tal de Nilton”, Laíre ressaltou as posições defendidas por Carlos Augusto
Rosado, dizendo que até aqui ninguém no Rio Grande do Norte viu e ouviu o
filho do ex-governador Dix-sept Rosado pedir votos para os candidatos ao
82

Governo e ao Senado. Tampouco a viúva do ex-governador, Adalgisa, chegou


em qualquer momento a prestar declarações políticas. A ninguém.
As próprias declarações da senhora Trezieme Rosado servem como
desmentido formal da existência de qualquer possibilidade de racha na família,
uma família que tem mantido as suas posições e a sua liderança, exatamente
por conta da união de seus membros.

Enquanto se fomentavam especulações sobre a divisão dos Rosados, O


Mossoroense seguia a linha de afastar a possibilidade. A Gazeta do Oeste, de forma
discreta, abordava o assunto. Mas o jornal, que era ligado aos Maias, provocou uma
situação curiosa: no pleito de 1982 o único Rosado a veicular “santinhos” nas páginas da
folha de Canindé Queiroz, que fora candidato a prefeito de Mossoró sob as bênçãos de
Tarcísio Maia, foi Carlos Augusto.

Sobre esse quesito, O Mossoroense aponta uma situação curiosa: na edição de 23


de outubro de 1982, a capa do jornal traz uma cédula eleitoral orientando o “Voto
Camarão” com Vingt para deputado federal, Dix-huit para prefeito e Carlos Augusto para
deputado estadual (excluindo João Newton e Anchieta Fernandes da indicação). Para
vereador, qualquer candidato do grupo de Vingt. Nas edições seguintes, foram publicadas
cédulas com os outros dois candidatos sendo indicados e na edição de 13 de novembro
foram três na capa, cada uma com um estadual diferente, indicando tratamento igualitário.
Se Carlos não era o preferido, ao menos não podia reclamar de ser preterido.

Os jornais, ao final do processo eleitoral, estamparam as suas vitórias. O


Mossoroense registrava o sucesso do “Voto Camarão”; a Gazeta, a vitória de José
Agripino para o Governo do Estado. De fato, o “Voto Camarão” foi vitorioso. Basta
cruzar os dados das votações em Mossoró:

Gráfico 1 – Votação para Governo em Mossoró


83

Votação para Governo em Mossoró


1.357
3.466

11.098 21.037
56

487
17.571

Aluízio Alves (PMDB José Agripino (PDS)


Rubens Lemos (PT) Vicente Cabral (PTB)
Voto camarão (não votando para governador) Maioria de Aluízio
Nulos

FONTE: Jornal O Mossoroense.

Gráfico 2 – Votação para Senado em Mossoró

Votação para a Senado em Mossoró


1.527

15.277
14.206

54
411 11.767

468
873

Carlos Alberto (PDS) Roberto Furtado (PMDB)


Ulisses Potiguar (PDS – Sublegenda) Eliezel
Olavo Duda
Camarões Nulos

FONTE: O Mossoroense.
84

Basta observar que o “Voto Camarão” seria o terceiro em Mossoró para o Governo
do Estado e o segundo para o Senado. Como nesse pleito Vingt Rosado obteve 17.483
votos, fica evidente que mais da metade dos eleitores dele seguiu a orientação. O resultado
das eleições de 1982 mudaria para sempre os destinos da família Rosado, que estava
fadada à divisão política.

4 A RUPTURA POLÍTICA DOS ROSADOS E O PAPEL DOS


JORNAIS O MOSSOROENSE E GAZETA DO OESTE

4.1 CONSEQUÊNCIAS DAS ELEIÇÕES DE 1982

Após as eleições de 1982 e o “Voto Camarão”, a política de Mossoró nunca mais


foi a mesma. Os Rosados já não estavam tão alinhados como antes. Havia um foco de
dissidência personificado na figura do deputado estadual Carlos Augusto Rosado. Mas
nos anos de 1983 e 1984, o noticiário esteve num tom mais ameno nos dois jornais. O
quadro começa a se alterar a partir de 1985.

A partir de 1983, começaram a surgir nas colunas dos jornais a informação de que
Carlos Augusto já se apartara dos tios Vingt e Dix-huit Rosado. O assunto era sempre
tratado em nível de especulação e informações de bastidores sem nunca se tornar
manchete de objeto de análises mais aprofundadas. O noticiário em O Mossoroense em
janeiro de 1983 só retomou na segunda quinzena daquele mês por conta da mudança de
sede do impresso. O jornal passaria o primeiro semestre inteiro, praticamente, sem
abordar assuntos relacionados aos Rosados, que seguiam em beligerância com os Maias.
Somente na edição de 12 de junho, Diran Amaral cobra o retorno de Carlos Augusto
Rosado ao noticiário. Reclama do silêncio do parlamentar. Àquela altura, Vingt seguia
em beligerância em relação a José Agripino.

O deputado Carlos Augusto, que anda sumido após ter feito seu sucessor, está
sendo solicitado pelos inúmeros amigos a voltar ao palco dos acontecimentos
políticos estadual. Afinal seu prestígio foi posto à prova nas últimas eleições e
saiu-se brilhantemente com a excelente votação conseguida. Não há motivo,
portanto, para se ausentar do tabuleiro, numa hora em que os homens de seu
nível muito poderão fazer em benefício do nosso Estado. Fica o convite de um
dos seus amigos. E sincero.
85

A nota mostra que, pelo menos dentro da Redação de O Mossoroense, ainda


existia um clima amistoso para Carlos Augusto. Já na Gazeta do Oeste, o noticiário
político seguia mais em alta. Logo nas primeiras semanas de janeiro de 1983, Canindé
Queiroz mostrava em números que a maioria dos eleitores mossoroenses queria
mudanças. Ele apontava que a soma dos eleitores que votaram em outros candidatos mais
os brancos e nulos era maior que os 21.510 votos de Dix-huit Rosado. Foram 28.475
eleitores que deixaram de votar no prefeito eleito. Era o indício de que poderiam surgir
novas forças. Na edição de 19 a 25 de fevereiro de 1983, Canindé Queiroz relata o
discurso de posse em que Dix-huit se compara ao prefeito da Calais, cidade tomada pelos
franceses após uma divisão política dos ingleses. Canindé timidamente especula que isso
seria um sinal de divisão entre os Rosados.

Na edição de 20 a 27 de maio de 1983, na coluna de Paulo Tarcísio Cavalcanti


(Brasília Confidencial), há a informação de que numa visita do presidente Figueiredo,
Carlos Augusto Rosado e Tarcísio Maia se isolaram e tiveram uma longa conversa. Estava
cada vez mais escancarado que no dia que tivesse que escolher entre manter a unidade da
oligarquia Rosado e um alinhamento à família Maia, o jovem Carlos Augusto seguiria
um caminho próprio. Tanto que na edição de 13 de julho, a Gazeta informa que o grupo
Rosado está enfraquecido politicamente dentro do PDS, não ocupando mais nenhum
posto relevante no partido. Isso seria consequência dos posicionamentos em 1978 e 1982.
Além das baixas votações de Vingt Rosado.

Ao longo das edições de junho e julho, Canindé Queiroz observa com constância
a ausência de Carlos Augusto Rosado do noticiário. Na edição de 20 de julho, Canindé
afirma que os Rosados devem lançar no máximo duas candidaturas a deputado estadual
em 1986. Seriam o ex-prefeito João Newton da Escóssia e Carlos Augusto. Canindé
afirma que os planos de Carlos são voltados para a Prefeitura de Mossoró “se Laíre não
atropelar os planos”. Não se cogita a divisão dos Rosados nesse momento. Na edição de
26 de julho, Canindé afirma que existe uma disputa velada pela hegemonia futura do
sistema Rosado. Não cita Carlos Augusto, mas afirma que Laíre leva grande vantagem
para ser deputado estadual e prefeito em 1988. Na edição de 30 de julho, Canindé declara
que se saírem três candidaturas a deputado estadual no sistema rosadista a prioridade é
para Laíre Rosado. Sobraria João Newton ou Carlos Augusto.
86

Na edição de 6 de agosto, Canindé registra uma resposta de João Newton a um


questionamento sobre a possibilidade de quatro candidaturas a deputado estadual dentro
do rosadismo: a dele, a de Anchieta Fernandes, Laíre e Carlos Augusto. A resposta: “Ué,
e Carlos é do sistema Rosado?”. Pela primeira vez, em 1983, é posta em dúvida a condição
de bloco monolítico da família Rosado e o assunto volta a ser tema na coluna do dia 10
de agosto, Canindé traz informações de que Vingt Rosado não pretende apoiar a reeleição
de Carlos Augusto e o classifica como “apenas um sobrinho”, dando a entender que não
há mais relação política entre eles.

Está clara nessa notícia que os Rosados estavam juntos apenas do ponto de vista
formal, mas não interessava tornar isso público naquele momento. E O Mossoroense
seguia fazendo o trabalho de manter as aparências. No entanto, o próprio jornal deixava
escapar que havia algo que não caminhava bem dentro da oligarquia, como na edição de
24 de agosto de 1983, quando reproduziu matéria do Semanário Dois Pontos, que
circulava em Natal, cujo assunto é o reforço da liderança de Vingt na família Rosado e
afirma que não será Carlos Augusto Rosado o sucessor dele na Câmara dos Deputados,
mas Laíre Rosado. O título da matéria é “Vingt Rosado continua liderando grupo e
reeleição é certa”. A publicação da matéria soou como um recado a Carlos Augusto, que
estava cada vez mais próximo de um entendimento com os Maias.

De fato, havia um clima de muitas incertezas em relação à real condição política


da família Rosado. Basta comparar que na edição de 19 de agosto, Canindé afirma que
Carlos Augusto e Laíre são as alternativas do rosadismo em 1988 e que o grupo de
Tarcísio Maia não tem candidato; enquanto na edição de 30 de agosto, Canindé afirma
que Carlos Augusto é visto como “dissidente” e aposta num afastamento gradativo de
Carlos e Vingt. Havia um desencontro de informações, mas não restava dúvida de que
àquela altura havia, sim, um processo de afastamento político que poderia ou não vingar.
Dependeria muito das circunstâncias. Tanto que na edição de 7 de setembro de 1983,
Jaime Hipólito repercute matéria de O Poti, cuja manchete é “Carlos Augusto Rosado
prepara-se para assumir a liderança do sistema político dominante no município de
Mossoró”. Jaime explica que Carlos Augusto estaria tentando convencer Vingt Rosado a
dar um crédito de confiança ao governador José Agripino. No entanto, ele insinua
mecanismos para o deputado afastar-se do tio e declarar-se líder. Mas Carlos teria
reafirmado ser um liderado de Vingt. Abaixo um trecho do texto:
87

Segundo “O Poti” de domingo, o deputado Carlos Augusto Rosado “prepara-


se para assumir a liderança do sistema político dominante no município de
Mossoró”. O jornal adianta que, de saída, pretende Carlos Augusto “convencer
o deputado Vingt Rosado a depositar um crédito de confiança no atual
governador José Agripino”. Não é uma tarefa que pareça tão fácil de executar.
Depois, a matéria de “O Poti”, se por um lado pretende ensinar o deputado
Carlos Augusto a dar o pulo do gato, colocando-o numa posição de confronto
com Vingt Rosado, por outro lado acentua a questão que faz o mesmo Carlos
“de reiterar sua fidelidade política ao deputado Vingt Rosado”. Quem reafirma
fidelidade política a uma determinada liderança não mostra que está tão na
iminência de assumir uma posição de líder. Ainda bem que não há indício, na
matéria de “O Poti”, de haver o nosso Carlos proclamado: “Na hora que o povo
me elegeu deputado, elegeu um líder”. Quem enfatizou coisa parecida foi o
José Agripino quando se viu governador.

A nota deixa também claro que àquela altura o próprio Carlos Augusto não tinha
interesse em expor qualquer rusga com a família. Seguia oficialmente integrando a
oligarquia que lhe pôs na política. Quem fazia o trabalho de expor a crise na família
Rosado era a Gazeta do Oeste, que seguia mostrando que Carlos estava cada vez integrado
aos Maias e Vingt organizava uma aliança com Aluízio Alves. Vide edição de 2 de
setembro, quando a Gazeta do Oeste traz manchete apontando que os vereadores do
PMDB passam a seguir a orientação de Vingt Rosado, que está cada vez mais próximo
de migrar para o aluizismo. Na edição de 6 de setembro, Canindé volta a especular para
1986. Ele informa que Carlos Augusto está excluído dos planos de Vingt, que deixa
patente a ruptura dos laços políticos. Uma candidatura de Carlos em faixa própria e sob
apoio do grupo de Tarcísio Maia.

Na edição de 22 de setembro, Canindé afirma que Carlos Augusto faz movimentos


pendulares entre os familiares e o Governo do Estado, leia-se os Maias. Essa última
colocação mostra uma situação que se mostra dentro da realidade daquele momento.
Carlos não estava, em 1983, rompido com os tios. Havia um distanciamento, mas não um
afastamento político consumado. Por isso, ele oscilava entre os dois grupos rivais.

De fato, havia uma disputa interna pela sucessão de Vingt Rosado na liderança da
família. O prefeito Dix-huit Rosado não se manifestava sobre o assunto. Estava claro que
o sobrinho/genro Laíre Rosado era o preferido do deputado federal. Se havia predileção
do prefeito por Carlos Augusto, esse assunto não chegou aos jornais.

Prova da disputa interna é exposta em O Mossoroense – que seguia no trabalho de


minimizar o assunto – na coluna de Diran Amaral, publicada em 23 de outubro de 1983.
O articulista afirma que a entrada de Laíre Rosado na política não enfraquece Carlos
88

Augusto, mas pode ser uma forma de reforçar o grupo político. Ele afirma que se não
houver esse entendimento, cada um deve buscar outras alternativas.

Muitos amigos indagando como encaro o espaço no grupo Rosado, do


deputado Carlos Augusto, com o surgimento da candidatura do médico Laíre
Rosado, de acordo com uma nota que dei domingo passado, nesta coluna.
Muito simples a resposta: a candidatura de Laíre, do médico, não surge como
disputa de espaço com o deputado. Este já tem o seu espaço conquistado
através de duas eleições, recebendo consagradora votação. Laíre procurará ser
mais uma opção se ambos entenderem que podem perfeitamente ser eleitos e
aumentar o cacife político do grupo ao qual pertencem, estarão apenas usando
do talento e da inteligência em benefício de todos. Se o entendimento não
houver, cada um procurará dentro dos limites de suas possibilidades, encontrar
uma solução alternativa.

Carlos poderia ir embora do grupo familiar, mas poderia continuar. Tudo


dependeria dos próximos acontecimentos políticos. Isso fica muito claro quando Canindé
Queiroz escreve na edição de 30 de novembro afirmando que Carlos Augusto não está
totalmente fora do sistema familiar. O tempo era de incertezas e o rosadismo ainda
poderia se acertar com o grupo de Tarcísio Maia em âmbito estadual. Tudo dependerá da
definição do próximo presidente da República. Assim entendeu o jornalista que nas
entrelinhas deixava claro que a prioridade do deputado era seguir com os Maias. Foi assim
que se encerrou o ano de 1983. Eram muitas incertezas, deixando o mês de dezembro sem
grandes novidades políticas nos dois jornais.

O ano de 1984 começa com a notícia de que O Mossoroense deixaria de circular.


Existem apenas alguns exemplares publicados entre janeiro e março daquele ano, quando
o jornal interrompeu a circulação.

O noticiário impresso acabou sendo monopolizado pela Gazeta do Oeste, que na


edição de 26 de janeiro, traz texto de Canindé Queiroz revelando uma conversa com uma
fonte do rosadismo que informou que Laíre seria o preferido do grupo em 1986 e que
Carlos Augusto não era merecedor do apoio do grupo naquele pleito. Na edição de 4 de
fevereiro, Canindé Queiroz afirma ter informações de que se Laíre Rosado for eleito
deputado estadual em 1986, estará consumada a ascensão dele como líder da família
Rosado, porque naquele pleito seria a última campanha de Vingt Rosado, o que de fato
aconteceu.

Eleito o médico Laíre Rosado deputado estadual, estará consumada a sucessão


política na família Rosado. O presidente do PDS municipal conseguiu levar a
melhor sobre seu parente, o deputado Carlos Augusto. Com um assento na
Assembleia Legislativa, o Dr. Laíre aguardará apenas a aposentadoria do líder
do sistema, Vingt Rosado. Informações filtradas junto a pessoas muito bem
89

posicionadas no esquema indicam que o candidato irá concorrer pela última


vez no pleito próximo, ou seja, 1986. Daí o doutor Laíre postulará uma vaga
no Congresso Nacional. Outras variantes poderão ocorrer em virtude da
extrema dinâmica da política e quem sabe poderá concorrer a outros cargos nas
futuras composições para a sucessão estadual. O que importa é tornar claro ser
Laíre é aquela peça do acampamento rosadista para maiores voos futuros.

Uma questão importante sobre esses acontecimentos é que os personagens


envolvidos não declaravam rompimento, havia uma cortina de fumaça em torno das
oligarquias e muita informação desencontrada. O período de transição política exigia
cautela e ninguém queria dizer algo para depois ter que voltar atrás. Charadeau (op. cit.,
p. 105) reforça esse entendimento da necessidade de o político precisar se milimétrico em
seus posicionamentos, principalmente em temas delicados.

Todo político sabe que lhe é impossível dizer tudo a todo momento e dizer
todas as coisas exatamente como ele as pensa ou as percebe. Pois não é preciso
que suas palavras entravem sua ação. A ação política desenvolve-se no tempo
e no momento em que o político pronuncia suas promessas ou seus
compromissos; ele não sabe de quais meios disporá nem quais serão os
obstáculos que se oporão à sua ação.

Mas a partir do fim do primeiro semestre de 1984, o quadro começa a se modificar.


À medida que as eleições presidenciais se aproximavam, chegava a hora de se definir
uma posição. O jogo de aparências estava cada vez mais insustentável na oligarquia
Rosado, tanto que na edição de 16 de junho de 1984, Diran Amaral, que passava a integrar
a Gazeta do Oeste, relata especulações de que Carlos Augusto estaria temporariamente
afastado do grupo Rosado e que está cotado para ser o representante do Governo do
Estado em Mossoró, e nega que a crise tenha sido motivada pela candidatura de Laíre,
em 1986. Ele ainda questiona até onde é real o interesse do governador José Agripino de
se aliar ao deputado estadual.

Especula-se nos meios políticos do Estado que o deputado Carlos Augusto será
mesmo o representante político do Palácio Potengi aqui na região,
especialmente em Mossoró. Condições não lhe faltam, porém temos que
considerar alguns aspectos de maior importância. O primeiro é se saber o
porque (sic) do “rompimento” do ex-governador Tarcísio Maia, com o atual
governador, isso porque enquanto for proprietário da Fazenda São João, o
“homem” do governo aqui será o próprio. Segundo porque o afastamento
(temporário) do deputado do grupo Rosado não é em decorrência da
candidatura, vitoriosa pois não, do seu primo Laíre Rosado, logo seu espaço
continua existindo, por ter passado suficiente para se manter. Terceiro tem que
se aferir o posicionamento das forças tarcisistas locais, considerando-se que
ninguém tem condições de transferir voto do deputado Vingt Rosado, por mais
prestígio que possa ter. Onde finalmente, a veracidade desta especulação e do
real interesse do Sr. José Agripino, pelo ilustre deputado?

Já em 11 de agosto, Jaime Hipólito Dantas, que também passara a escrever na


Gazeta do Oeste, resume a situação de Carlos Augusto dentro do contexto político pós-
90

eleições de 1982. Ele ainda faz parte do grupo de Vingt Rosado, mas ao contrário do tio
mantém um bom relacionamento com Tarcísio Maia. Na coluna de 16 de agosto, Canindé
Queiroz informa que Carlos Augusto caminha para voltar a ser presidente da Assembleia
Legislativa com apoio de Maias, Alves e Rosados. No entanto, o jornalista pondera que
a relação do deputado com o tio não é das melhores.

Na coluna de 18 de agosto, Rafael Negreiros analisa a eleição de delegados do


PDS que votariam para presidente da República e mostra que Carlos Augusto está cada
vez mais próximo dos Maias e distante dos tios. Na mesma edição, numa nota de
bastidores, Canindé afirma que Carlos teria confidenciado a um amigo que acredita que,
num embate com Vingt, o tio sairia perdendo.

Ouvido de um expectador da cena política. O deputado Carlos Augusto numa


conversa com alguns amigos teria dito que durante muito tempo o deputado
Vingt Rosado havia insinuado dividir os votos dele e do próprio Carlos. Agora
Carlos Augusto considera chegada a hora do teste e acredita o líder da ala
rosadista sairia perdendo.

Na edição de 21 de agosto, Jaime Hipólito inclui Carlos Augusto na lista de


deputados que seguiriam com Agripino para a frente liberal. Na mesma edição, Canindé
explica que os posicionamentos de Vingt e Carlos Augusto no Colégio Eleitoral em 15
de janeiro de 1985 serão o divisor de águas. Ele também escreve que Carlos caminha para
voos mais altos na política. O articulista não aposta em uma divisão da família Rosado.
A coluna de Canindé traz um retrato da situação política da oligarquia e o que a mantinha
dentro do PDS, além de mostrar as consequências de divergências no Colégio Eleitoral
em 1985, que terminaria elegendo Tancredo Neves:

POLÍTICA EM MOSSORÓ
A sucessão presidencial, como seria de se esperar, vem trazendo no seu bojo
uma profunda transformação política desde altos escalões decisórios do país
até o mais insignificante município. Obviamente Mossoró não está imune a
este fenômeno perfeitamente natural. Aqui os posicionamentos dos deputados
Vingt Rosado e Carlos Augusto dirão bastante o comportamento futuro de
nossa política interna afetada que está sendo pelos fatos a nível nacional e
estadual. Pelo que é dado a traduzir do noticiário na imprensa, o líder do
sistema Rosado estaria de marcha batida para a candidatura de Paulo Maluf.
No meu entender, existe um açodamento neste ponto de vista. Para se ter uma
ideia do comportamento de Vingt Rosado, torna-se vital conhecer bastante o
panorama de Mossoró e a trajetória deste segmento político nos últimos anos.
II
O acampamento rosadista sobreviveu nos últimos anos em função de sua
estrutura local constituída de trincheiras como a Prefeitura Municipal, Escola
Superior de Agricultura, Universidade Regional, sem esquecer a forte máquina
instalada na Previdência. Num primeiro momento pode-se concluir com toda
facilidade que estes suportes dependem para sua manutenção no Governo
Federal e, efetivamente, assim ocorreu quando principalmente o ministro Abi-
Ackel serviu de ponte entre o rosadismo e os ministérios da república. Daí ser
91

meridianamente claro que o parlamentar mossoroense, por tática, assuma logo


agora a postura malufista como armadura capaz de resguardá-lo junto ao
governo central que, de uma maneira ou de outra, está engajado na candidatura
do deputado paulista.
III
Seria temerário um posicionamento noutro sentido, pois até o dia D do Colégio
Eleitoral medeiam cinco meses e neste espaço de tempo o acampamento
Rosado não pretende ficar exposto temerariamente e vulnerável a ataques que
poderiam desmontar sua retaguarda. Um enfoque porém não pode passar
desapercebido para quem ousa enveredar pela árdua tarefa de fazer análise
política. Cada folhinha arrancada ao calendário torna mais fraco o poder de
pressão da máquina oficial de Brasília e quando nascer o sol de 15 de janeiro
ele inexiste por completo, pois logo em março a faixa presidencial será
entregue ao novo habitante do Planalto. Aí sim, eu pergunto se o malufismo
do deputado Vingt Rosado permaneceria intacto. Pode ser que sim, mas não
deve ser excluída uma tancredisse súbita e nisto nenhuma crítica e explico o
porque (sic) de tal assertiva.
IV
Nestes cinco meses o deputado manterá uma cômoda posição recebendo o
pouco que pode ser ofertado pelo governo ao apagar das luzes e dos cofres
vazios. Entretanto em que pese a extrema dificuldade de, a priori, se cantar o
resultado de uma escolha praticada por um restrito colegiado, bem é possível
nos primeiros dias do novo ano detectar com razoável certeza quem será o
vencedor e sob este prisma e num gesto do mais puro pragmatismo o deputado
fará a sua escolha. Afirmar o contrário é exercício arriscadíssimo e pode
conduzir a erros grosseiros e de funestas consequências.
V
E quanto ao deputado Carlos Augusto? Evidente seu crescimento quando se
tornou um dos eleitores no Colégio Eleitoral. Em termos de hoje até 15 de
janeiro, pesa igualzinho a qualquer parlamentar federal. Sua tática é claríssima
e segue no rumo do seu retorno à presidência da Assembleia Legislativa. Se
efetivamente houver uma nova escolha da bancada em função do regulamento
a ser aprovado para o Colégio, que escolherá o presidente, e Carlos repetir a
votação primeira, seu caminho está atapetado e limpo para lavrar um tento
formidável voltando a presidir o legislativo estadual. Político no segundo
mandato mas disposto a assumir riscos e ocupar espaços vazios quando as
situações atípicas afloram, ele se prepara habilidosamente para os embates
futuros dentro do seu próprio agrupamento, mas desta feita contando com
pesada artilharia capaz de provocar sérias retaliações ou quem sabe fissuras
insanáveis no até agora monolítico bloco rosadista.

A análise é longa, mas mostra o tamanho do peso da votação no Colégio Eleitoral


em relação ao futuro da oligarquia Rosado. O distanciamento era evidente, mas nenhum
jornalista ousava tratá-lo como fato consumado. Nem mesmo os personagens dessa
história, como é relatado na edição de 25 de agosto da Gazeta do Oeste, quando Canindé
Queiroz afirma que Carlos Augusto já entendeu que o sucessor de Vingt será Laíre
Rosado. Canindé questiona se o deputado estadual vai seguir novos rumos e aposta que a
ruptura poderá acontecer no colégio eleitoral, quando Vingt tende a votar em Maluf e
Carlos – que fora um dos delegados indicados pela Assembleia Legislativa, seguindo a
orientação de Agripino votando em Tancredo.
92

Na edição de 28 de agosto, Canindé Queiroz afirma que Carlos Augusto não


esconde mais o alinhamento integral com Agripino e que o posicionamento entre tio e
sobrinho no colégio eleitoral significará que eles não estarão mais juntos em 1986. Na
mesma coluna, Canindé relembra a informação da suposta divisão dos votos sugerida por
Vingt a Carlos Augusto. O jornalista afirma não ter certeza do significado da proposta:

Carlos Augusto teria afirmado numa roda que em 1982 o líder do rosadismo
teria sugerido uma divisão de votos e acredita ser o futuro pleito o momento
apropriado. Não há como bem analisar o pensamento do ex-presidente da
Assembleia. Dividir votos significa não apoiar Vingt para deputado federal,
estruturando sua reeleição para Assembleia sedimentada em outros esquemas
ou pode ser traduzido como uma disputa de votos para deputado federal entre
ambos?

A proposta de divisão dos votos tanto pode referendar o censo comum de que os
Rosados se dividiram para evitar o surgimento de novas forças políticas como pode ter o
significado de aumentar a ocupação de espaços políticos da família. É preciso lembrar
que o contexto em 1982 era diferente do de 1984, quando a informação emergiu na mídia
como notícia de bastidores. Essa é a única menção a uma eventual combinação familiar
na análise sobre os jornais em toda a pesquisa. A nota não deixa claro em que termos
ocorreria essa divisão dos votos e como seria.

Em 30 de agosto, Canindé Queiroz afirma que Laíre respondeu apenas com um


sorriso ao ser perguntado sobre a possibilidade de Carlos Augusto romper com Vingt. O
médico esperava o rompimento se consumar para herdar o espólio político do deputado
federal já a partir das eleições de 1986. Na edição de 1º de setembro, Canindé Queiroz
escreve que, se Carlos Augusto formalizar o rompimento com Vingt Rosado, um dos dois
ficará enfraquecido porque o outro se fortalecerá. Canindé não aposta numa formação de
dois grupos dentro da oligarquia. Na edição de 5 de setembro, Canindé relata a conversa
com um membro do rosadismo o qual afirma que se Carlos desejasse romper com a
família ele o teria feito em 1982. Os passos que estão sendo dados têm o objetivo de se
capitalizar para presidir a Assembleia Legislativa novamente.

As informações seguiam desencontradas. Ora davam conta de um rompimento em


curso, ora tratavam a possibilidade de ruptura política como uma estratégia para comandar
o Legislativo estadual ou manter cargo no Governo do Estado. Tanto que na edição de 18
de setembro, Laíre Rosado nega vetos a nomes que desejem disputar a Assembleia
Legislativa e inclui Carlos Augusto numa lista de seis nomes que o grupo de Vingt quer
eleger para o parlamento estadual. Mas na edição de 4 de outubro, Helder Heronildes, na
93

condição de interino de Jaime Hipólito Dantas, analisa o noticiário em Natal que coloca
Carlos Augusto como tendo que reagir as invasões de Laíre às bases do deputado. Dias
depois, Canindé Queiroz (edição de 6 de outubro) escreve que a dissidência de Carlos
Augusto está armada e que ele levaria consigo pelo menos três vereadores. Ele afirma que
é questão de tempo uma erupção.

Na edição 9 de outubro, Canindé Queiroz repercute uma entrevista de Vingt à


edição de domingo (7 de outubro) da Tribuna do Norte. Finalmente, o rompimento fica
claro. O deputado federal explica que seis anos antes (1978) Carlos quis aderir aos Maias
e não foi aceito. Canindé afirma que isso consumou o rompimento formal dos Rosados.
No entanto, ele pondera que até aquele momento não existe uma declaração oficial de
Carlos Augusto, mas ele estaria alinhado ao governador José Agripino. A Gazeta não trata
de divisão política dos Rosados, mas de uma dissidência de Carlos Augusto em relação à
família. Em nenhum momento a Gazeta do Oeste noticia o rompimento com matéria
jornalística. O assunto fica restrito às colunas e à repercussão dos jornais de Natal. Isso
acontece na edição 26 de outubro, quando o assunto segue restrito à coluna de Canindé
Queiroz, que relata na conversa com Carlos Augusto em que ele garante que a decisão de
romper é irreversível. Na mesma edição, Helder Heronildes, na condição de interino de
Jaime Hipólito, declara que não resta mais dúvida a respeito do posicionamento político
de Carlos Augusto. Na edição de 1º de novembro, na matéria “JA: compromisso com o
povo”, na capa do jornal a aproximação com Carlos Augusto é colocada em segundo
plano, apesar de uma foto do deputado ao lado do governador José Agripino que, pela
primeira vez, tinha uma agenda conjunta com o deputado em Mossoró. No meio do texto,
Agripino afirma que o deputado é um “porta-voz” de Mossoró que lhe visita 50 vezes por
dia, coisa que o prefeito Dix-huit Rosado não faz. A Gazeta do Oeste fez uma cobertura
discreta e fragmentada sobre o assunto. Nada além de comentários em colunas. O assunto
não foi manchete de capa ou alvo de alguma reportagem. Era como se existisse um
interesse em deixar o tema em segundo plano. Da parte dos personagens faltou uma
satisfação a ser dada nas páginas do jornal. Nem Vingt, nem Dix-huit, nem muito menos
Carlos Augusto se preocuparam em dar qualquer satisfação. Charadeau (op. cit., p. 126)
explica que o ato de ter que se explicar é uma faca de dois gumes para os políticos.

No campo político, a credibilidade dos atores é frequentemente afetada tanto


por fatos que contradizem as intenções declaradas, quanto, como afirmado por
adversários que não se furtam em questioná-la.
94

O político é, então, levado a produzir um discurso de justificação de seus atos


ou emitir declarações para se inocentar das críticas ou das acusações que lhe
são dirigidas. Isso pode ser feito a priori, por antecipação, a posteriori.
Entretanto essa atitude não é muito confortável e a escolha do tipo de
justificação não é fácil. De fato, o sujeito que se justifica reconhece assim a
existência da crítica ou da acusação – se não, porque responder? – e do mesmo
modo reconhece o adversário que o critica.

Não havia necessidade, pelo menos do ponto de vista político, de Carlos Augusto
ou os tios darem satisfação sobre o tema. A imprensa não estava criticando a ruptura, a
repercussão era discretíssima e a imprensa ainda oscilava entre a confirmação da ruptura
política e o entendimento de que se tratava de algo temporário. As edições seguintes da
Gazeta do Oeste confirmam essa interpretação confusa, como em 6 de novembro, quando
Jaime Hipólito afirma que Carlos Augusto está se distanciando de Vingt, enquanto se
engaja no projeto do governador José Agripino. Repare no termo “distanciando”. É como
se ainda estivesse um processo em curso e não uma decisão tomada, como anunciado em
outubro de 1984. Na mesma edição, Canindé traz uma interpretação oposta e mais dentro
da realidade daquele contexto político, quando afirma que é mais fácil J. Belmont, então
deputado estadual, estar na mesma chapa que Carlos Augusto do que com Laíre e o
primo/deputado. Os Rosados estavam unidos apenas pela formalidade de estarem no
mesmo partido. No segundo semestre de 1984, o rompimento político estava consumado.

Os destinos da oligarquia e da dissidência estavam definidos. Carlos Augusto se


alinhara aos Maias e Vingt Rosado assumiria a bandeira do aluizismo em Mossoró. Era
questão de tempo, como registra Canindé Queiroz (edição de 14 de novembro) ao
questionar quem enfrentaria o acordo Rosados/Alves que estaria prestes a ser implantado
dentro do PMDB. Ele ignora Carlos Augusto como possibilidade de ser o adversário.

O rompimento político dos Rosados se consuma em 1984 sem anúncio formal


nem manchete de jornal. O Mossoroense estava sem circular, e a Gazeta do Oeste tratou
o assunto com discrição. Os próximos passos da política mostrarão como o assunto foi
interpretado nos jornais até 1988, quando a divisão política da família se torna notória.
95

4.2 A SEPARAÇÃO PARTIDÁRIA NAS PÁGINAS DE O


MOSSOROENSE E GAZETA DO OESTE

O ano de 1985 é marcado por um novo momento na política brasileira. Em janeiro,


o Colégio Eleitoral elege Tancredo Neves presidente da República com o apoio da ala do
PDS intitulada Frente Liberal, que contava com Carlos Augusto Rosado e o então
governador José Agripino. No segundo semestre daquele ano, o agrupamento se tornaria
o Partido da Frente Liberal.

A redemocratização traria um novo momento na política mossoroense. O PDS


esfacela-se no Rio Grande do Norte e em especial em Mossoró. A legenda que reunira a
família Rosado num bloco monolítico ficaria acéfala na cidade a partir de outubro daquele
ano. Enquanto Carlos Augusto Rosado ajudava José Agripino a organizar o PFL, a aliança
entre Vingt Rosado e Aluízio Alves, a qual existia na prática desde 1980, se concretiza
com a ida de Vingt para o PMDB. Àquela altura, com a morte de Tancredo Neves antes
mesmo de tomar posse, o presidente do Brasil era José Sarney, que se filiara ao PMDB
após uma longa história na ARENA/PDS. Os Rosados estavam separados formalmente
por não conviverem mais em uma mesma agremiação partidária, mas seguiam dentro do
mesmo campo político e na base do Governo Federal.

Durante todo o primeiro semestre de 1985, o Jornal O Mossoroense seguiu sem


circular nas bancas de Mossoró. Os meses que antecederam a separação formal dos
Rosados tiveram apenas o registro da Gazeta do Oeste. O jornal seguia relatando os
acontecimentos. Na coluna de 6 de fevereiro de 1985, Canindé Queiroz relata a revolta
de Dix-huit Rosado que, num jantar da Associação Comercial e Industrial de Mossoró
(ACIM) e da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), teria se referido a Carlos Augusto
excluindo o sobrenome Rosado. O comportamento do então prefeito mostra que a família
estava rompida não só politicamente, mas também enquanto família. A exclusão do
sobrenome “Rosado” no discurso é uma clara tentativa de mostrar que a oligarquia não
se dividiu. Carlos “deixara de ser parente”. Na mesma coluna, Canindé registra que os
espaços do deputado estadual na Prefeitura de Mossoró agora são de Laíre Rosado.

Ao renegar Carlos Augusto, omitindo o sobrenome Rosado propositalmente, Dix-


huit tentava fazer da mágoa um instrumento que lhe colocasse na posição de vítima de
96

um ingrato. Afinal de contas, foi por meio de um convite para ser secretário de Serviços
Urbanos na década de 1970 que Dix-huit Rosado deu a Carlos Augusto a chance de entrar
na política. O gesto evoca o esforço da Coleção Mossoroense citado no capítulo 2 deste
trabalho voltado para criar a imagem do comprometimento dos Rosados com Mossoró.
Ao adotar esse “método do apagamento”, Dix-huit tentara excluir o sobrinho desse
legado, era como ele tivesse deixado de ter um compromisso com a cidade. Charadeau
(op. cit., p. 214) explica que o imaginário de tradição pode servir para fortalecer
argumentos.

Esse imaginário de tradição pode servir para justificar ações violentas de


eliminação do outro, que maculam a pureza identitária (maneira negativa de
resolver os problemas devidos à presença devidos à presença do outro em um
território), quanto para temperar os efeitos nefastos da fuga para adiante que
os progressismos cegos representariam. De uma maneira ou de outra, o
imaginário de tradição supõe “um operador simbólico que, mediante a filiação,
remete a uma paternidade primordial, arquetípica, que confere uma
legitimidade em decorrência da origem”.

E não demorou muito para ter o primeiro embate entre Carlos Augusto e Vingt
Rosado. O sobrinho levou a melhor sobre o tio na eleição de presidente da Câmara
Municipal de Mossoró. Está estampado na manchete da Gazeta do Oeste de 1º de março.
Contando com cinco vereadores na Frente Liberal – que ainda era um bloco dentro do
PDS –, Carlos ajudou o PMDB a eleger Janúncio Soares, que não era o nome preferido
de Vingt Rosado.

Após esse episódio, a Gazeta do Oeste seguiu dedicando o noticiário à formação


do Partido da Frente Liberal (PFL), a morte do presidente Tancredo Neves, a formação
do governo de José Sarney e as eleições em Natal. O Mossoroense só voltaria a circular
em 5 de julho.

Mas o fato que formalizou a ruptura da família Rosado só aconteceria em outubro.


Na edição de 4 de outubro, a Gazeta do Oeste traz em suas manchetes principal e
secundária de capa respectivamente as informações de que Carlos Augusto Rosado
estrutura o PFL na região e de que Janúncio Soares (presidente da Câmara Municipal)
recebe “os Rosados com muita alegria”, numa matéria que trata da chegada da oligarquia
ao partido e que estava prestes a se concretizar. Detalhe é que o jornal de forma recorrente
trata “Os Rosados” ainda como um único agrupamento político/familiar. Em sua coluna,
em 5 de outubro, Kleber Barros explica que Mossoró passará por mudanças profundas
97

em sua configuração política com o advento da Nova República (redemocratização) e


cobra que os políticos da cidade exteriorizem seus planos.

O processo político de Mossoró deverá passar por profundas modificações a


partir de agora, por conta das transformações introduzidas após o advento da
Nova República. Os próximos meses mostrarão os reflexos dessas inevitáveis
mudanças. Seria bom, ótimo até, que a classe política mossoroense se
conscientizasse do momento verdadeiramente histórico. Sobretudo através da
exteriorização de outras atitudes que, na realidade, comprovem que estamos
diante diferentes tempos no campo da política.

As mudanças destacadas por Kleber se concretizariam em poucos dias em


Mossoró. Nas entrelinhas, ele cobrava da classe política local um posicionamento claro
sobre o que de fato estava acontecendo nos bastidores e a real situação da família Rosado,
que se manteria quase que um tabu nos dois jornais da cidade. O ato formal que apontou
para a separação dos Rosados foi registrado no Jornal O Mossoroense (edição de 10 de
outubro), quando foi dado amplo destaque à chegada de Vingt Rosado e seu grupo ao
PMDB, com a manchete de capa “Vingt desliga-se do PDS e vai para o PMDB”. Ele é
sempre apontado como líder do grupo Rosado. No dia seguinte, a Gazeta do Oeste noticia
(Edição de11 de outubro) que a chegada dos Rosados pode afastar históricos do PMDB.

Na edição de 29 de outubro, O Mossoroense traz o discurso histórico de Dix-huit


Rosado, o qual também é reproduzido na coluna “Pinga Fogo” de Fabiano Santos. Num
raro momento em que um Rosado falou sobre a divisão da oligarquia, o prefeito afirma
que tiraram da família o “elo mais fraco”. Naquela ocasião, a maioria dos Rosados estava
com Vingt e Dix-huit, e os dois tinham em torno de si o argumento de vitimização, a
posição de traídos pelo sobrinho “ingrato”. Com a vantagem discursiva, Dix-huit
construía uma narrativa de desvalorização do ex-aliado utilizando-se do recurso retórico
da emoção.

Somente na coluna de 5 de dezembro da Gazeta do Oeste, Canindé Queiroz cobra


uma manifestação de Vingt Rosado em relação à saída de Carlos Augusto do grupo
rosadista. Em nenhum momento ele trata o assunto como uma divisão familiar nem afirma
que Carlos Augusto forma um novo grupo. Ele especula um confronto entre o rosadismo
e Carlos. Essa especulação passa a ser recorrente nas análises jornalísticas após a
formalização da divisão política dos Rosados com Vingt e Dix-huit migrando para o
PMDB e Carlos Augusto fundando o PFL.
98

Mas Vingt já tinha abordado o assunto em uma entrevista reproduzida em O


Mossoroense (edição de 6 de novembro). Na oportunidade, ele analisa a formação de um
bloco “anti-Rosado” após a redemocratização. Ele o classifica como um grupo de
empregados do Governo do Estado.

Na edição de 5 de dezembro, O Mossoroense reproduz uma coluna de Vicente


Serejo (Diário de Natal) em que ele analisa o quadro em Mossoró para 1986. Ele afirma
que o voto anti-Rosado não migrará para Carlos Augusto. Note-se que o jornalista
natalense reproduz o discurso dos jornais de Mossoró.

Na coluna de 8 de dezembro (Gazeta do Oeste), Diran Amaral analisa o quadro


político local e pela primeira vez alguém utiliza o termo “dividir” em relação à família
Rosado. O jornalista afirma que essa é uma estratégia dos Maias que remonta a 1978. A
finalidade era enfraquecer o grupo que, segundo ele, mesmo com a saída de Carlos está
unido. Note-se que mesmo o verbo “dividir” aparecendo, o jornalista não encara a família
como dividida politicamente. Segue trecho da coluna:

CARLOS II
O ex-governador Tarcísio Maia, sentindo o desejo de Carlos em aderir ao seu
grupo e na sua tradicional tentativa de dividir os Rosados em Mossoró, para
poder vencê-los, sentiu naquele desejo do deputado, a oportunidade esperada.
Abriu então seu grupo para o recém-chegado, sob a promessa de dar-lhe os
instrumentos necessários para a consecução de seus objetivos.

O articulista fez um relato do que tem sido constatado nessa pesquisa. Carlos
Augusto, durante todo o processo, esteve oscilando entre as oligarquias Maia e Rosado,
até que, chegada a redemocratização, ele teve que se definir.

Na edição de 24 de dezembro, O Mossoroense reproduz uma coluna de Vicente


Serejo em que ele rememora a história de resistência política de Mossoró personificada,
segundo ele, nos Rosados, e classifica Carlos Augusto como “traidor”. Essa imagem
acompanharia Carlos Augusto por um bom tempo nos meios políticos de Mossoró.
99

4.3 O PRIMEIRO CONFRONTO ROSADO X ROSADO EM 1986

O ano de 1986 começa pronto para ser marcado como o primeiro da história de
Mossoró em que os Rosados se enfrentariam entre si. Ainda não foi um confronto direto
como numa chapa majoritária, mas seriam dados os rumos da família na política
mossoroense na virada para o Século XXI.

De um lado estava Vingt e Dix-huit Rosado apoiando a entrada de Laíre Rosado


na política. Ele seria candidato a deputado estadual pelo PMDB e era tratado como o
herdeiro político do clã. Na outra ponta se encontrava Carlos Augusto Rosado, sob a tutela
da família Maia e visto como um dissidente da família que poderia a qualquer momento
retornar ao seio familiar.

Nas páginas da Gazeta do Oeste e O Mossoroense, o noticiário estava voltado para


a formação das chapas majoritárias para o Governo do Estado e Senado.

As disputas locais ficariam em segundo plano durante todo o primeiro semestre


daquele ano. No máximo, um registro de Candindé Queiroz (edição de 15 de abril) de
uma descortesia praticada pelo prefeito Dix-huit Rosado na abertura da Convenção
Lojista. Ele não citara Carlos Augusto que estava presente ao evento.

A calmaria no noticiário político indica que o grupo Rosado não queria confronto
com o dissidente. Em O Mossoroense, um pequeno traço de como Carlos Augusto era
tratado pelos familiares: na edição de 31 de julho, começam a ser publicados os
“santinhos” dos candidatos Vingt e Laíre Rosado. O slogan de Laíre é “Lealdade e
Renovação”. Carlos era visto como um traidor da família e a mensagem era clara nesse
sentido.

Ao longo do período da disputa eleitoral, as colunas de Walter Fonseca e Fabiano


Santos mandaram algumas indiretas sem citar nomes de que “um deputado que tenta
voltar à Assembleia e vendeu um mandato dado pelo povo estaria comprando votos”.

Na edição de 20 de novembro, O Mossoronse traz uma tabela com a previsão de


votação final para o deputado estadual Carlos Augusto, que aparece na lista como “Carlos
Augusto de Souza”, excluindo o sobrenome “Rosado”.
100

Na edição de 23 de novembro, Diran Amaral analisa a vitória de Laíre e aponta


que a votação comprovou que ele era o sucessor natural de Vingt e Dix-huit na família
Rosado.

Já na edição de 5 de dezembro de 1986 da Gazeta do Oeste, Canindé Queiroz


especula sobre as eleições de 1988. Ele descarta uma eventual candidatura de Laíre pelo
fato de o recém-eleito deputado já ter afirmado que seu projeto é ser deputado federal em
1990. Para ele, isso abre espaço para um nome de confiança da família Rosado ou o
próprio Carlos Augusto ser o candidato da família, mas a legislação da época obrigaria o
prefeito Dix-huit Rosado a se desincompatibilizar do cargo. A desunião não era vista
como um fato consumado.

Já no dia 10 de dezembro, Canindé explica que Carlos Augusto não pretende


disputar a presidência da Assembleia Legislativa em 1987, preferindo concentrar forças
para se tornar a maior liderança do PFL na região Oeste, bem como fazer oposição aos
tios Vingt e Dix-huit e Laíre Rosado. De acordo com Canindé, Carlos descarta ser o “anti-
Rosado” porque é um membro da família. A porta ainda estava aberta para um futuro
entendimento.

O ano de 1986 foi marcado pelas eleições, as primeiras para governador sem voto
vinculado e fidelidade partidária. Para Mossoró, foi o primeiro embate entre as duas alas
da família Rosado que se dividiram oficialmente um ano antes.

De um lado, o chamado grupo “Rosado”, liderado por Vingt Rosado e pelo


prefeito Dix-huit, cujo herdeiro era Laíre Rosado, que disputava junto com Carlos
Augusto uma das vagas na Assembleia Legislativa. O grupo “Rosado” apoiando a
candidatura de Geraldo Melo ao Governo do Estado e faixa própria. Carlos Augusto ao
lado de José Agripino defendendo a candidatura de João Faustino.

Nos jornais, o clima de confronto entre as duas alas foi morno. O Mossoroense
fazia campanha aberta a favor de Vingt, Laíre e Geraldo Melo. A Gazeta do Oeste teve
um comportamento mais distanciado do pleito. Era favorável a João Faustino e,
principalmente, à candidatura de José Agripino ao Senado. Pelo menos em um primeiro
momento. Depois o jornal ficou mais neutro.

Não houve troca de ataques diretos entre os grupos nem nos jornais. Era como se
fosse um cessar fogo sem interromper a guerra. Ficou clara uma estratégia de um combate
101

político sem ataques de lado a lado. No máximo, algumas insinuações de que candidatos
do PFL estariam comprando votos sem indicar quem seriam os responsáveis.

Na primeira disputa política dos Rosados divididos não houve confronto direito
nem troca de ataques. O radicalismo passou longe, pelo menos na cobertura dos jornais
que passaram a sensação de que não havia dois grupos políticos na mesma família.

Nas urnas, Laíre Rosado foi mais votado que Carlos Augusto, tanto no Estado
como em Mossoró. O genro de Vingt foi o deputado mais votado do Rio Grande do Norte,
com 24.702 sufrágios. Já Carlos Augusto foi o oitavo, com 19.051. Em Mossoró, Laíre
recebeu 14.213 sufrágios contra 10.670 de Carlos. Aparentemente, o dissidente ainda não
era uma ameaça real, tendo em vista que os candidatos votados pelo restante da família
foram os mais votados em Mossoró, como mostra a tabela abaixo:

Tabela 1 – Votação

Candidato Cargo Apoio em Mossoró Votação em


Mossoró
Geraldo Melo Governador Vingt/Dix-huit/Laíre 32.497
(PMDB)
Martins Filho Senador Vingt/Dix-huit/Laíre 30.895
(PMDB)
Wanderley Mariz Senador Vingt/Dix-huit/Laíre 30.270
(PMDB)
José Agripino Senador Carlos Augusto Rosado 30.150
(PFL)
Lavoisier Maia Senador Carlos Augusto Rosado 25.665
(PDS)
João Faustino Governador Carlos Augusto Rosado 27.200

FONTE: O Mossoroense.

Os dados mostram que no primeiro embate a estratégia de cooptar um membro da


família Rosado para a oligarquia Maia ainda não surtiria o efeito esperado por Tarcísio
Maia, que aguardaria o pleito de 1988 para analisar o novo embate.
102

4.4 O processo eleitoral de 1988 e a divisão escancarada

Acabada a disputa de 1986, Mossoró – em termos políticos – centra as atenções


para o pleito de 1988, que escancararia a divisão política dos Rosados e traria novos
contornos para a história da cidade, bem como a conclusão do processo de divisão da
oligarquia. Tanto Gazeta do Oeste como O Mossoroense mostram nesse processo político
o que de fato seria a interpretação da época sobre o que seria a divisão política da
oligarquia. Apesar do embate de 1986, os analistas políticos colocavam o grupo como um
só em algumas ocasiões. Chama à atenção a inversão do comportamento dos jornais em
relação ao fato histórico.

O Mossoroense passaria a tratar a divisão dos Rosados como um fato consumado,


mas não no sentido literal. Carlos Augusto era visto como um dissidente alinhado à
oligarquia Maia. Um exemplo ocorre na eleição para presidente da Assembleia
Legislativa, ao ser analisada por Fabiano Santos, em 5 de fevereiro de 1987, com o
entendimento de que a derrota de Carlos Augusto Rosado para Nelson Freire foi boa para
o PMDB e principalmente para os Rosados. Carlos Augusto é apontado pelo articulista
como “hostil ao rosadismo” e “fiel seguidor do “maísmo”.

Já na Gazeta do Oeste, a possibilidade de reunificação da família não era uma


hipótese descartada, embora considerada remota. Na edição de 13 de janeiro, Canindé
Queiroz analisa o quadro para 1988. Ele descarta uma candidatura de Laíre a prefeito de
Mossoró e aponta que no Grupo Rosado existem três vertentes políticas. Ele avalia a
possibilidade, mesmo considerando-a remota, de Carlos Augusto reatar politicamente
com os tios. Mas os acontecimentos posteriores mostravam que não seria fácil esse
entendimento. Na coluna de 14 de janeiro, Canindé Queiroz afirma que a candidatura de
Frederico Rosado a deputado estadual em 1990 sepulta uma reaproximação entre Carlos
e os tios. Exatamente um mês depois, em 14 de fevereiro, Canindé Queiroz registra que
Laíre Rosado não escondeu a felicidade de ver Carlos Augusto derrotado na eleição de
presidente da Assembleia Legislativa. As duas bandas dos Rosados ficaram em lados
opostos nas disputas pela Assembleia e Câmara Municipal de Mossoró.

Na edição de 14 de maio, Canindé Queiroz, ao especular a possibilidade de Tasso


Rosado ser o candidato do rosadismo a prefeito de Mossoró, faz um alerta de que a
103

possibilidade não vingue por conta da “síndrome de Carlos Augusto”. Na prática, ele
alertou a possibilidade de um sobrinho no poder provocar uma nova cisão. Dois dias
depois (edição 16 de maio), pela primeira vez a médica Rosalba Ciarlini Rosado – esposa
de Carlos Augusto Rosado - é citada como uma possível candidata numa especulação
feita por Dorian Jorge Freire de que, se Dix-huit se desincompatibilizar para Noguchi
Rosado ser o candidato do grupo – a regra eleitoral da época impedia candidaturas de
sobrinhos para suceder tios prefeitos ou governadores que estavam no exercício do
mandato –, Carlos Augusto ou a esposa Rosalba Ciarlini se lança candidato. Na edição
de 10 de junho, Dorian Jorge Freire afirma que se Noguchi Rosado ou qualquer membro
da família for lançado no sistema rosadista, Carlos Augusto ou Rosalba Ciarlini
disputarão a Prefeitura de Mossoró. A possibilidade de Tasso ou Noguchi, filhos de Dix-
neuf Rosado –irmão de Vingt e Dix-huit – serem candidatos a prefeito é levantada com
frequência ao longo de 1987. Mas sempre é seguida de um recuo com base na história
que envolve Carlos Augusto, à época considerado um traidor.

Na edição de 21 de junho, Canindé Queiroz faz uma análise sobre a situação da


família Rosado na política. Para ele, a família manteve-se politicamente coesa mesmo
com o afastamento político de Carlos Augusto. Até mesmo a Gazeta do Oeste colocava
Carlos Augusto Rosado como se ele não fosse da família ou não tivesse formado o próprio
grupo dele. Na edição de 30 de junho, Canindé Queiroz traz o resultado de uma conversa
com Carlos Augusto Rosado. Ele nega uma candidatura da esposa Rosalba Ciarlini, diz
que no grupo dele o candidato “não será Rosado nem Maia” e que não acredita em
aproximação política com os tios pelos 20 anos posteriores. Essa projeção de fato se
concretizou. Nas duas décadas seguintes, os Rosados mantiveram-se divididos
politicamente.

Na edição de oito de julho, pela primeira vez desde o rompimento, se especula a


possibilidade de um confronto entre os Rosados. Quem o diz é Dorian Jorge Freire,
levantando a possibilidade de uma disputa entre Noguchi Rosado e Rosalba Rosado. É
preciso lembrar que nesse processo os jornais não avaliaram a possibilidade em um
confronto entre os dois ramos da família. Até mesmo em 1986 não houve qualquer
comentário nos jornais a respeito de quem teria se saído melhor no primeiro embate
direto.
104

Mas é a partir do segundo semestre de 1987 que começam a surgir as notícias dos
acontecimentos que dariam o norte das eleições de 1988 e que culminaram com a
consolidação da divisão política da família Rosado. Cada vez mais surgem especulações
de que a médica Rosalba Ciarlini seria candidata, mas ela negava, como na capa da edição
de 11 de outubro (Gazeta do Oeste), numa matéria que mostra a negativa de Rosalba
Ciarlini em disputar a eleição municipal. O texto cita a mobilização dela a partir das
eleições de 1986, o que lhe credenciaria para a disputa. Mas a reação dela não poderia ser
diferente, o quadro não permitia se expor num momento em que a Assembleia Nacional
Constituinte estava se formando e não era possível saber quais seriam as regras para o
pleito.

Em 20 de outubro, um fato curioso: a Gazeta do Oeste registra uma notícia


envolvendo uma querela entre Carlos Augusto e Dix-huit Rosado. O sobrinho acusa o tio
de usar as máquinas da Prefeitura de Mossoró para perfurar poços de terrenos de terceiros.
O tio responde que tem essa prerrogativa para autorizar os serviços e que fizera em terras
dele e da mãe. É a primeira vez desde a ruptura política entre os familiares que se registra
um confronto direto entre eles em um dos jornais da cidade. Na edição de 21 de outubro,
ele desafia a gestão de Dix-huit a provar que ele usou material da prefeitura para perfurar
poços nas terras dele e da mãe. Carlos convoca o tio a se unir a ele e lutar pela refinaria e
melhorar a vida dos moradores da periferia.

Mesmo assim, na edição de 13 de novembro, Canindé Queiroz aposta que o


“rosadismo” sai unido nas eleições de 1988, mas aponta que há um grupo de Laíre e outro
de Dix-huit. Isso seria fundamental para consolidar a divisão familiar. Ele entendia que
só se poderia falar em divisão dos Rosados se houvesse um afastamento entre as alas de
Dix-huit e Vingt. Percebe-se que os dois irmãos já não eram mais uma única entidade
política.

Já na edição de 15 de novembro, Dix-huit afirma, em matéria de capa, que Sílvio


Mendes, o vice-prefeito, é o candidato dele ao Palácio da Resistência. Numa matéria
secundária, o título “Grupo Rosado sem divisão”, em que Dix-huit afirma que a família
permanecerá unida. Seria a rejeição ao nome de Sílvio Mendes como candidato a prefeito
por parte de Vingt Rosado que levaria a oligarquia a expor os próprios problemas nos
jornais. Isso seria inevitável no ano de 1988. Somente no fim de 1987 que o afastamento
105

entre Dix-huit e Vingt começa a ser debatido nos jornais, com outro grupo já formado,
Carlos Augusto acompanhava silenciosamente o desenrolar dos fatos.

O ano eleitoral de 1988 começa frio em O Mossoroense. O jornal foi discreto na


cobertura do processo de formação dos palanques durante o primeiro trimestre. Já o
noticiário político da Gazeta do Oeste durante o trimestre girou em torno das especulações
sobre quem seriam os candidatos das duas alas da família Rosado. No PMDB, o nome
mais cotado era o do vice-prefeito Sílvio Mendes, que conta com o apoio do prefeito Dix-
huit Rosado. Laíre Rosado, então deputado estadual, discretamente é apontado como a
outra alternativa. Em menor destaque, o empresário Manoel Barreto.

No agrupamento liderado por Carlos Augusto Rosado, ele próprio é especulado,


bem como o empresário Dehuel Vieira Diniz. Mas o nome mais especulado é o da médica
Rosalba Ciarlini Rosado. Trata-se de um período de indefinições políticas que coincidiu
com decisões importantes da constituinte como a manutenção do sistema presidencialista.

Algo de destaque em O Mossoroense só surge na edição de 12 de abril de 1988,


quando Emery Costa destaca que um PHD – sem citara a fonte - em família Rosado falou
“que quem apostar na ruptura política da família vai perder o seu dinheiro”. Mais uma
interpretação de que a família permanecia unida mesmo com Carlos Augusto atuando em
outra banda da política da cidade.

Na coluna de 20 de abril (O Mossoroense), Diran Amaral faz uma longa defesa


de Laíre Rosado e à candidatura dele a prefeito. Ele demonstra uma reação a críticas feitas
no programa Observador Político transmitido na Rádio Tapuyo (atual RPC). Àquela
altura já estava armada uma cisão entre Vingt e Dix-huit por causa de divergências na
formação das chapas para o pleito daquele ano. A partir de então, os jornais esgrimam
num jogo de informação e contrainformação. Impossível aferir quem mentia ou falava a
verdade, mas avaliar como cada jornal se posiciona e o porquê é perfeitamente viável.
Hernandes (2006, p. 28) afirma que ao se observar um texto jornalístico mais importante
do que avaliar se se trata de uma verdade ou um mentira é preciso observar o que
influenciou na construção daquela informação.

Do ponto de vista analítico, mais relevante do que discutir se um texto disse


ou não a verdade é notar que cada elemento do jornal foi pensado com uma
missão: a de fazer o parecer real ser sentido como real. O leitor, o ouvinte,
telespectador ou o internauta não devem desconfiar do que certos aspectos da
realidade são silenciados na triagem ideológica para que a “densidade de
outros” seja ressaltada. O resultado final apresentado pelos jornais deve ser
106

sentido pelo público-alvo como a própria realidade, e não como uma versão
dela. Isso acontece geralmente – vamos reforçar mais uma vez – quando o
jornalista e público, por exemplo, partilham dos mesmos valores. E também,
obviamente, quando o texto foi bem sucedido na maneira de apresentar
argumentos que sustentam determinada tese.

A impressão que se tem ao se ler a Gazeta do Oeste e o Jornal O Mossoroense


naquelas edições de 1988 era a de que os jornais estavam postos para cumprir missões e
não necessariamente para informar ou fazer reflexões sobre o processo político em curso.
Eram dois posicionamentos muito claros. No meio disso, um público que não era
necessariamente ligado a nenhuma das alas da família Rosado que se formava àquela
altura como dois grupos distintos.

Durante o mês de abril, tanto Canindé Queiroz como Dorian Jorge Freire cravaram
que a chapa do PMDB estaria fechada. Seria formada por Laíre Rosado e Rose Cantídio
(o que de fato se confirmou). A partir daí, Canindé Queiroz passou a especular uma
separação política entre Dix-huit e Vingt Rosado. Ele aponta que o “maior eleitor” da
cidade estaria sendo dispensado pelo “lairismo”. Na outra frente, destaque para as
declarações do senador Lavoisier Maia, que lançou Rosalba Ciarlini candidata a prefeito
de Mossoró, provocando reação de Carlos Augusto Rosado, que seguia negando o
projeto.

Enquanto isso, na Gazeta do Oeste, tanto Dorian Jorge Freire como Canindé
Queiroz fizeram relatos de que na tentativa de acalmar os ânimos de Dix-huit, Vingt teria
prometido apoio a uma candidatura de deputado federal de Mário Rosado em troca do
apoio para Laíre se eleger prefeito. O próprio Mário chegou a declarar na Gazeta que não
aceitaria a proposta nem o pai deixaria a vida pública, indicando que o convite teve
endereço errado.

Mas a separação entre Vingt e Dix-huit estava sacramentada e começou a ser


exposta na área da comunicação com a saída do ar do programa Observador Político,
transmitido desde 1980 na rádio Tapuyo de Dix-huit Rosado. O programa passaria um
curto período sendo transmitido na Difusora e depois na FM Resistência, que seria
fundada em junho daquele ano.

Na edição de 1º de maio, O Mossoroense publica pesquisa realizada no fim de


abril por um instituto não identificado com a seguinte configuração:

Gráfico 1 – Pesquisa publicada em O Mossoroense


107

Pesquisa Publicada em abril

19,90%

2,50%
43,30%
3,50%
6,90%

8,50%

15,40%

Laíre Rosado Carlos Augusto Rosado Rosalba Ciarlini Sandra Rosado


Jota Belmont Sílvio Mendes Outros

Fonte: O Mossoroense

Na edição de 2 de maio, Diran Amaral relata que Laíre só entrou para a política
por causa da “defecção” de Carlos Augusto Rosado, que seguia sendo tratado como um
dissidente. Enquanto isso, a Gazeta do Oeste (edição de 4 de maio) segue mostrando a
crise dos Rosados. Canindé Queiroz comenta que Carlos Augusto começa a ser absolvido
da decisão de ter rompido com a família por conta dos episódios envolvendo Dix-huit
Rosado e Vingt.

DE ABSOLVENDO
Ouvi de várias pessoas que o deputado Carlos Augusto está sendo entendido
agora por seu gesto em romper com o sistema familiar. Este segmento que
antes condenava o parlamentar está crente agora que se ele não cometesse o
gesto da época teria sido liquidado politicamente. Este novo posicionamento
surgiu após os últimos episódios onde o prefeito Dix-huit Rosado vem sendo
hostilizado abertamente por frações importantes do rosadismo que deseja
expurgá-lo da vida pública.

Estava claro que havia uma disputa de sucessão no comando da oligarquia e que
isso possibilitou a sua cisão.

O Mossoroense (edição de 5 de maio) traz uma matéria de capa com o título


“Vingt vai a Sarney e entrega três reivindicações para Mossoró” acompanhada de três
fotos (Vingt, Sarney e Dix-huit) como legendas separadas por reticências que, ajuntadas,
formam a frase “Vingt vai a Sarney e intercede por Dix-huit”. Com o clima de
acirramento e a possibilidade de uma nova cisão cada vez mais real, o jornal tentava
minimizar a crise.
108

A capa da mesma edição traz abaixo um artigo assinado por Laíre Rosado, cujo
título é “Combatendo a intriga – I: respeitem Vingt e Dix-huit”, em que ele relata que
“forças exógenas” tentam provocar uma nova fissura na família partindo o “elo fraco”. É
a primeira vez que um membro dos Rosados fala abertamente sobre o assunto ainda que
de forma indireta. O silêncio se rompera após três anos de divisão política. Já na edição
de 6 de maio, aparece a segunda parte do artigo “Combatendo a intriga – II: “lairismo e
rosadismo”. Mais uma vez Laíre, ao negar o termo “lairismo”, que na interpretação dele
foi criado para provocar divisões no grupo Rosado, afirma esperar que tenha sido um dia
único a data em que foi quebrado o “elo mais fraco” da família pela malícia dos que ele
classificou como prepotentes. No dia 7 de maio, a terceira e última parte do artigo
“Combatendo a intriga – III: o homem que esta terra não esquecerá”, em que Laíre Rosado
presta uma homenagem a Dix-huit. Desta vez o “elo fraco” não é citado. Na edição de 10
de maio, em uma entrevista exclusiva a O Mossoroense, o presidente estadual do PMDB,
Paulo de Tarso, descarta a possibilidade de divisão dos Rosados.

Havia um claro esforço do jornal de reproduzir o discurso de interesse de Vingt


Rosado em um momento delicado da história política. Era feito um trabalho para tentar
transpor para o eleitorado rosadista que Dix-huit estaria se deixando levar pelas intrigas.
Havia um esforço para ter a conquista da opinião pública local e o trabalho, naquele
momento, para que isso mantivesse Dix-huit dentro do projeto de construção da
candidatura de Laíre Rosado. Charaudeau (2016, p. 68) explica que o discurso
manipulador, ao ser reproduzido, pode levar um indivíduo a mudar de opinião.

Num sentido particular, é possível considerar que, à incitação que procura fazer
surgir uma opinião ou fazer com que o interlocutor mude de opinião
acrescentam-se outras características. Uma é que o manipulador não revela sua
intenção ou seu projeto, e o disfarça sob um discurso contrário ou sob um outro
projeto apresentado como favorável ao manipulado.

O trabalho para tentar mostrar tanto para Dix-huit quanto para a opinião pública
que o melhor caminho para o rosadismo, e por consequência para Mossoró, conforme os
discursos apologéticos, seguia e alguns elementos nessa manipulação surgiam. Um deles
pode ser percebido na edição de 12 de maio de 1988 de O Mossoroense, cuja notícia
principal é que o vice-prefeito Sílvio Mendes estaria inelegível porque assumiu a
titularidade do cargo em virtude de uma viagem de Dix-huit, o que seria proibido na
legislação eleitoral da época. Já na edição de 13 de maio, nota na coluna de Roberto
Guedes e matéria de capa (baseada em análise do colunista) negam que a viagem de Dix-
109

huit seja para fortalecer o nome de Sílvio Mendes, e na página três, uma matéria informa
que Henrique Alves não crê em divisão. O Mossoroense fazia um esforço para manter as
aparências de que Vingt e Dix-huit Rosado permaneciam unidos, alternando com
demonstrações de que havia uma crise que precisava ser tratada com menos impacto. Mas
à medida que os irmãos entravam em conflito, Dix-huit se aproximava do sobrinho que
hostilizara no passado. Isso é demonstrado por Canindé Queiroz (edição de 14 de junho
da Gazeta do Oeste). Ele informa que a distância entre Dix-huit e Carlos Augusto tem
diminuído desde que o prefeito entrou em atrito com Vingt Rosado.

Na edição de 16 de julho, O Mossoroense traz declarações do então diretor de


crédito geral do BNB, Agnelo Alves, dizendo não crer em uma “divisão” da família
Rosado. Na edição do dia 17, O Mossoroense reproduz matéria do Diário de Natal em
que Laíre Rosado pede apoio a Dix-huit e relembra que Carlos Augusto chegou a
radicalizar contra o tio. Já em 19 de julho, Dix-huit anuncia que está fora da campanha
para prefeito de Mossoró por conta de problemas cardíacos. O “velho alcaide” subia no
muro. No dia seguinte, o jornal traz matéria em que Laíre Rosado lamenta a ausência de
Dix-huit. O jornalista Roberto Guedes tenta associar uma eventual vitória de Laíre ao
governo de Dix-huit. Na edição de 21 de julho, dessa vez é a coluna Observador Político
(O Mossoroense) que lamenta a ausência de Dix-huit Rosado na campanha e mostra
críticas de Rosalba ao prefeito, declarando que “praça não enche a barriga do povo”.

Na Gazeta do Oeste (edição de 26 de julho), Canindé Queiroz segue esquentando


o debate político analisando que o grupo de Vingt Rosado comete um erro ao aceitar a
tese de que Dix-huit ficará fora do pleito de 1988 por causa de problemas de saúde. Na
verdade, argumenta Canindé, a ausência se motiva pela insistência na candidatura de
Laíre Rosado. Curiosamente, naquele mesmo dia, O Mossoroense publica na coluna do
jornalista Roberto Guedes o registro de uma audiência concedida por Dix-huit a Rosalba
Ciarlini e Carlos Augusto. Para o articulista, o prefeito retribuíra as críticas recebendo o
casal para uma audiência. Na verdade, a reaproximação entre Dix-huit e Carlos Augusto
Rosado estava consumada porque ele se afastava de Vingt.

Na edição de 5 de agosto, Dorian Jorge Freire registra na Gazeta do Oeste que as


campanhas de Rosalba e Laíre serão coordenadas por dois Rosados: Carlos Augusto e
Vingt. Já na edição de 6 de agosto, Canindé Queiroz registra que não avançaram os
entendimentos entre Vingt e Dix-huit. O prefeito continua com postura de neutralidade.
110

Na edição de 20 de agosto de O Mossoroense, o grupo de Vingt segue se empenhando


para manter-se unido ao prefeito Dix-huit. Na oportunidade, Laíre aproveita-se de críticas
feitas na Câmara Municipal pelo líder do PFL, Antonio Duarte, de que o prefeito estava
fazendo doações com fins eleitoreiros. Laíre saiu em defesa do tio. O grupo de Vingt
ainda tentava manter as aparências de que estava ao lado de Dix-huit.

O Mossoroense (edição 25 de agosto de 1988) publica resultado de pesquisa


realizada pela Rádio Difusora com o seguinte quadro:

Gráfico 2 – Pesquisa publicada em agosto de 1988

Pesquisa publicada em Agosto de 1988

45,98%

54,01%

Laíre Rosado (PMDB) Rosalba Ciarlini (PDT)

FONTE: O Mossoroense.

Registrava-se ali um quadro de maior equilíbrio na disputa pela Prefeitura de


Mossoró com grande crescimento da médica Rosalba Ciarlini. Tanto que na edição de 3
de setembro, Canindé relata na Gazeta do Oeste um apelo dramático de Laíre Rosado e
Tasso Rosado para que Dix-huit participasse da campanha. Além de ouvirem a resposta
negativa, eles ouviram uma ameaça do prefeito de ir para o palanque de Rosalba. Na
edição de 6 de setembro, O Mossoroense reproduz uma entrevista de Laíre à Tribuna do
Norte em que ele nega ter atrapalhado o projeto de Dix-huit lançar Sílvio Mendes
candidato a prefeito e nega que a família Rosado esteja dividida. Ele afirma que os Maias
cooptaram apenas o “elo fraco”. Estava claro que na ótica do grupo de Vingt, o
111

posicionamento de Dix-huit daria os rumos das eleições e ainda tentava manter a


aparência de que não havia ruptura.

Na edição de 10 de setembro (O Mossoroense), Roberto Guedes registra que no


debate da TV Cabugi Rosalba rechaçou a ter uma disputa Rosados x Rosados, alegando
ser apenas casada com um parente de Laíre. Para o articulista, ela se colocou alinhada ao
projeto político do grupo Maia. A candidata trabalhava para conquistar o voto dos “anti-
Rosados” enquanto o articulista tentava associar a imagem dela aos Maias, adversários
da oligarquia que vinha acumulando derrotas em Mossoró desde os anos 1970.

Na edição de 13 de setembro da Gazeta do Oeste, Canindé relata um discurso de


Vingt Rosado em que o deputado federal muda o tom em relação a Dix-huit, destacando
o momento em que ele fala da família sem citar o prefeito. O quadro estava
completamente modificado com o embate aberto entre os irmãos. Duas edições depois
(15 de setembro), Canindé faz uma longa análise mostrando que Vingt consumou
publicamente o rompimento com Dix-huit. Estava desenhado o cenário para que o
prefeito externasse o apoio à esposa do sobrinho, Carlos Augusto.

Na edição de 14 de setembro, Roberto Guedes traz os números da Difusora nas


eleições de 1988:

Gráfico 3 – Pesquisa publicada em setembro de 1988

Pesquisa publicada em setembro de 1988

Laíre Rosado (PMDB) Rosalba Ciarlini (PDT) Chagas Silva

FONTE: O Mossoroense
112

Com o quadro acirrando-se, o apoio de Dix-huit Rosado passou a ser


imprescindível para as duas alas da família. O grupo de Vingt Rosado não desistia, como
foi registrado na edição de 16 de setembro da Gazeta do Oeste. A coluna de Dorian Jorge
Freire relata uma conversa entre Dix-huit e Geraldo Melo em que foram feitos apelos para
que o prefeito apoiasse Laíre. O diálogo fora interrompido por uma ligação do presidente
Sarney, que fez igual apelo. O “Velho Alcaide” estava irredutível, tanto que na edição de
17 de setembro, Canindé Queiroz cita a célebre declaração que Dix-huit deu ao Diário de
Natal afirmando que estava lendo “O Nome da Rosa”. A oficialização do apoio era
questão de tempo.

Sem Dix-huit, que estava prestes a anunciar apoio a Rosalba, O Mossoroense


passa a publicar enquetes realizadas pela Rádio Difusora. Na edição de 2 de outubro, mais
uma enquete da Rádio Difusora sondando os eleitores mossoroenses:

Gráfico 4 – Enquete publicada em 2 de outubro de 1988

Pesquisa publicada em 02 outubro de 1988

18%

2,40%

43,80%

35,80%

Laíre Rosado (PMDB) Rosalba Ciarlini (PDT) Chagas Silva (PT) Indecisos

FONTE: O Mossoroense

Na edição de 9 de outubro, nova sondagem da Difusora:

Gráfico 6 – Pesquisa Publicada em 9 de outubro de 1988.


113

Pesquisa publicada em 09 de outubro de 1988

21,40%

1% 44,30%

33,30%

Laíre Rosado (PMDB) Rosalba Ciarlini (PDT) Chagas Silva (PT) Indecisos

FONTE: O Mossoroense

Na edição de 14 de outubro de O Mossoroense, outra sondagem da Difusora:

Gráfico 7 – Pesquisa publicada em 14 de outubro de 1988

Pesquisa publicada em 14 de outubro de 1988

20,30%

2,10%
43,80%

33,80%

Laíre Rosado (PMDB) Rosalba Ciarlini (PDT) Chagas Silva (PT) Indecisos

FONTE: O Mossoroense

O mês de outubro foi marcado em O Mossoroense pela radicalização da


campanha. Muitas acusações de compra de votos contra Rosalba Ciarlini, várias notícias
114

de apoiadores de Laíre demitidos por Dix-huit Rosado, os quais declararam apoio à


candidata do PDT e críticas contra as dificuldades de Rosalba com a oratória. Na edição
de 29 de outubro foi reproduzida uma entrevista concedida por Dix-huit ao Jornal Dois
Pontos, de Natal, em 1986. Na oportunidade, o prefeito classificava os Maias como
“cangaceiros” e negava a divisão dos Rosados, tratando a ida de Carlos Augusto como
um apêndice que extirpado do organismo não faz qualquer falta. A reprodução da
entrevista tinha o claro viés de colocar o “Velho Alcaide” em contradição. Por seguidas
vezes o jornalista Roberto Guedes avaliava o comportamento de Dix-huit, acusando-o de
contraditório e dizendo que ele se tornara liderado de Tarcísio Maia e Carlos Augusto
Rosado.

Já na Gazeta do Oeste, o quadro era de alternação entre pesquisas, e o fato mais


relevante da disputa foi registrado na edição de 4 de outubro da Gazeta do Oeste, que traz
na capa a notícia de que Dix-huit Rosado estava deixando o PMDB porque a agremiação
não o ouviu nem a Sílvio Mendes na hora de definir o candidato a prefeito de Mossoró.
Na página 3, o jornal publicou um discurso de 15 minutos feito pelo prefeito no estúdio
da Rádio Tapuyo para outras doze estações. Na edição de 5 de outubro, a Gazeta traz
como manchete principal as declarações de Dix-huit no primeiro comício ao lado de
Rosalba. Na coluna de Canindé Queiroz, o jornalista detalha o discurso afirmando que o
prefeito se sentia traído. O jornal fez o trabalho de espetacularização da notícia como
forma de fazer daquela decisão o “fato novo” da campanha em sua reta final. No teatro
da política, Dix-huit marcava posição num confronto com as elites políticas de Mossoró,
com um aprofundamento da divisão política. Miguel (op. cit., p. 61) explica que o
espetáculo faz parte do discurso político e que ganha ainda mais força num ambiente
oligárquico como o de Mossoró.

O ponto de partida, aqui, é uma visão da democracia representativa inspirada


na teoria competitiva, esboçada em primeiro lugar por Joseph Schumpeter,
segundo a qual não há participação popular na condução do governo, mas
apenas o direito de escolher entre as diversas elites concorrentes.
É uma descrição correta do funcionamento da maioria das “democracias
realmente existentes” na maior parte do tempo, mas se esquece de dizer que a
mera competição oligárquica não é a realização “possível” do ideal
democrático, mas sua traição. E os teóricos da política-espetáculo vão além,
retirando da opção entre os competidores qualquer efetividade. Assim, a
eleição é reduzida a um ritual de coesão social: ato de votar é a “aceitação pelos
votantes do sistema político e do seu papel no interior desse sistema”, ou,
ainda, da “impotência intrínseca dos espectadores políticos”.

Diante de um quadro em que seu grupo estava acuado, era necessária uma resposta
de Vingt, e ela veio no Observador Político. Canindé Queiroz (edição de 8 de outubro)
115

informou que o deputado retribuiu a alcunha de “traidor” a Dix-huit. Vingt disse que
Sílvio Mendes não contou com seu apoio porque não tinha respaldo popular.

Dias depois, a avaliação da sociedade sobre o radicalismo instaurado no debate


político veio na edição de 14 de outubro. A Gazeta de Oeste revelou os números de duas
pesquisas Ibope realizadas. A primeira teria sido realizada entre os dias 7 e 9 de maio:

Gráfico 8 – Pesquisa 1 realizada pelo Ibope em maio

Pesquisa 1 realizada pelo Ibope realizada em maio

14%

8% 40%
2%

28%
8%

1%

Laíre Rosado (PMDB) Rosalba Ciarlini (na época ainda inscrita no PFL)
Chagas Silva (PT) Outros
Brancos/Nulos Nenhum
Não opinaram

FONTE: Gazeta do Oeste

Na rodada realizada nos dias 24 e 25 de setembro, o quadro era diferente e já


apontava vitória de Rosalba:

Gráfico 9 – Pesquisa 2 realizada pelo Ibope em setembro


116

Pesquisa 2 realizada pelo Ibope realizada em setembro

8,60%
6,70%

7% 39%

38%

Rosalba Ciarlini (PTD) Laíre Rosado (PMDB) Chagas Silva (PT) Branco/Nulo Não opinaram

FONTE: Gazeta do Oeste

A cobertura da Gazeta durante o mês de outubro foi marcada pelo radicalismo,


mas com um detalhe: o jornal trabalhou para sempre colocar o prefeito Dix-huit no papel
de vítima. O mês decisivo da campanha e para o futuro da oligarquia Rosado foi
novembro. As últimas pesquisas estavam no centro das atenções, como na edição de 6 de
novembro da Gazeta do Oeste, que publica sondagem do IBOPE realizada entre os dias
27 e 28 de outubro:

Gráfico 10 – Pesquisa 3 realizada pelo Ibope em outubro


117

Pesquisa 3 realizada pelo Ibope em outubro


1,20%
4%
7,50%

6,50%
45%

35,80%

Rosalba Ciarlini (PDT) Laíre Rosado (PMDB) Chagas Silva (PT)


Brancos/Nulos Não opinaram Não sabem

FONTE: Gazeta do Oeste

Ao longo de novembro, mês das eleições realizadas no dia 15, a Gazeta diminuiu
o radicalismo, passando a concentrar as notícias em torno das agendas dos candidatos.
Bem possível que por influência dos resultados da pesquisa IBOPE. Na edição de 12 de
novembro, O Mossoroense publica a última pesquisa sem citar o nome do instituto. O
quadro era o seguinte:

Gráfico 11 – Pesquisa publicada em 12 de novembro

Pesquisa realizada em 12 de novembro

5,19% 8,66%

48,06%

38,09%

Laíre Rosado (PMDB) Rosalba Ciarlini (PDT) Chagas Silva (PT) Indecisos
118

FONTE: Gazeta do Oeste

A sondagem foi realizada nos dias 7 e 8 de novembro, exclusivamente na zona


urbana da cidade. Durante o mês de novembro, o radicalismo subiu ainda mais de tom
em O Mossoroense, principalmente nas colunas escritas por Roberto Guedes. No final da
apuração dos votos da eleição de 15 de novembro, Rosalba Ciarlini vence a eleição com
o seguinte resultado:

Tabela 2 – Resultado da eleição

Candidato Votação

Rosalba Ciarlini (PDT) 37.307 (49,7%)

Laíre Rosados (PMDB) 30.226 (40,2%)

Chagas Silva (PT) 2.507 (3,3%)

Brancos 3.594 (4,8%)

Nulos 1.503 (2%)

Votantes 75.137

FONTE: Gazeta do Oeste.

O chamado “elo fraco” mostrou que tinha força e venceu a eleição. A presença de
Dix-huit foi importante na campanha de Rosalba Ciarlini, mas quando ele anunciou o
apoio o quadro já estava favorável a ela. Estavam formados dois blocos, o de Vingt, ainda
com a maior parte da família Rosado, e o de Dix-huit, que tinha se unido a Carlos
Augusto.

Depois do pleito, a cobertura girou em torno da formação da equipe de governo


de Rosalba, e a única análise pós-eleição sobre o futuro da oligarquia Rosado na condição
de dividida foi feita na edição de 16 de dezembro. A Gazeta traz uma reportagem
119

colocando Laíre, recém-indicado para a Secretaria Estadual de Habitação, como o futuro


do “grupo Rosado”, combalido pela derrota em 1988. Interessante que o texto utiliza o
termo “rosadismo” como se a outra ala (vencedora no pleito) também não ostentasse o
sobrenome Rosado.
120

CONCLUSÃO

A divisão política da família Rosado recebeu uma cobertura discreta dos jornais
O Mossoroense e Gazeta do Oeste. Os fatos ficaram muito mais registrados nas colunas
do que nas manchetes das respectivas publicações. As informações eram muito mais
tratadas como sendo notícias de bastidores e limitando-se muitas vezes ao campo da
especulação e das conjecturas.

Ligada aos Maias, a Gazeta do Oeste cumpriu um papel de mostrar que havia uma
crise interna, principalmente nas colunas de Canindé Queiroz, proprietário do jornal.
Mesmo assim, ele o fazia dando repercussões aos veículos de comunicação de Natal e
trazendo informações de bastidores sempre nas colunas e nunca nos espaços considerados
mais nobres, como as capas. Já O Mossoroense sempre fazia o papel inverso: o de
minimizar a possibilidade de cisão familiar. O jornal sempre buscava mostrar que a
oligarquia estava coesa e não seria dividida. Estava claro que a família Maia utilizava-se
da Gazeta para fomentar a divisão política dos Rosados, e o Jornal O Mossoroense
cumpria o papel de passar a imagem de que não havia discórdia.

Do ponto de vista discursivo, os jornais só passaram a tratar a oligarquia como


dividida após o rompimento entre Dix-huit e Vingt Rosado no processo de formação dos
palanques para a eleição de 1988. Até então, o deputado estadual Carlos Augusto Rosado
era retratado como um “dissidente”. Essa interpretação se justifica pela dualidade na
liderança dos Rosados. O comando era exercido a quatro mãos entre os irmãos Vingt e
Dix-huit. Carlos Augusto era tido como um liderado que se rebelou.

No entanto, essa interpretação possui equívocos pelo fato de Carlos Augusto, ao


romper com os tios, ter se tornado uma outra liderança do clã, provocando de fato uma
divisão política do rosadismo com uma ala que se aliara aos Maias. Sem contar que ele
formaria o próprio grupo dele.

Quanto ao processo de divisão política dos Rosados, é preciso compreender, e os


jornais mostram isso, que foi fruto de um processo que se encaixa dentro de uma
conjuntura histórica. A divisão ocorreu dentro de um contexto de transição entre a
ditadura militar e a democracia. Sem contar a nova realidade do pluripartidarismo a partir
de 1980.
121

Também não se pode tratar de divisão política dos Rosados sem levar em
consideração o contexto político estadual e a relação com a oligarquia Maia, que nos anos
1970 fez a indicação de dois governadores consecutivos em ocasiões em que Dix-huit
Rosado despontava como o nome a ser escolhido. Os Rosados não perdoaram os revezes
de 1974 e 1978 e romperam com os Maias. A convivência partidária dentro da Aliança
Renovadora Nacional (ARENA) e posteriormente no Partido Democrático Social (PDS)
se deu por mera conveniência política em um contexto de ditadura militar e da
necessidade dos Rosados de se manterem alinhados ao poder central.

A partir de 1980, os Rosados iniciaram o processo de aproximação com os Alves


que se concluiria em 1985, com o país já redemocratizado. A maioria dos Rosados se
mantinha convivendo partidariamente com os Maias por mera necessidade política.
Enquanto isso, Carlos Augusto Rosado, cada vez mais se aproximava dos Maias, que
necessitavam de uma liderança forte em Mossoró. Após tentar, sem sucesso, colocar
Leodécio Fernandes Néo como “anti-Rosado”, eles investiram no jornalista Canindé
Queiroz, sem conseguir bons resultados.

O processo de cooptação de Carlos Augusto foi gradativo. Os Maias o ajudaram


a se eleger presidente da Assembleia Legislativa em 1981, gerando um quadro de
alinhamento político que levou o parlamentar a divergir de Vingt Rosado nas eleições de
1982. Apesar de votar em Vingt, Carlos não se absteve ao votar para governador e
senador. Ele não expos a divergência publicamente nem fez campanha aberta para José
Agripino e Carlos Alberto de Souza. Mesmo assim, o gesto de votar orientado pelos
Maias foi o motivo para que se acelerasse o afastamento político do restante da família.

Somente no fim de 1984 as coisas ficaram mais claras, quando Carlos Augusto
passou a acompanhar as agendas do governador José Agripino em Mossoró e seguiu a
orientação do governador de votar (na condição de delegado indicado pela Assembleia
Legislativa) em Tancredo Neves no colégio eleitoral. Vingt seguiu votando em Paulo
Maluf.

O segundo semestre de 1984 pode ser visto como o período de divisão política da
oligarquia, embora os jornais não tenham precisado uma data. Do ponto de vista formal,
a data correta seria 8 de outubro, quando Vingt Rosado e Dix-huit deixaram o PDS e
migraram para o PMDB (notícia em O Mossoroense, na edição de 9 de outubro). Naquele
momento, Carlos Augusto organizava o PFL, que viria a ser fundado na sequência. Foi
122

nesse momento que a família Rosado se apartou do ponto de vista partidário. Só naquele
momento, cada um seguiu seu rumo político de forma independente.

Apesar desse quadro, as hostilidades foram raras nas eleições de 1986. O clima de
acirramento só aumentou no pleito de 1988 e ganhou ares de consolidação quando Dix-
huit deixou o grupo de Vingt Rosado, fato que foi interpretado como a verdadeira divisão
familiar pelos jornais da época.

Porém, Dix-huit nunca formou um grupo próprio, como Carlos Augusto o fez ao
se afastar do tio. Ele oscilou entre o chamado rosalbismo (grupo de Carlos Augusto) e o
rosadismo (grupo de Vingt, que foi herdado por Laíre Rosado) com quem se realinhou
em 1992, e tendo a sobrinha Sandra Rosado (filha de Vingt) como vice derrotou o grupo
de Carlos. Ele morreu prefeito em 1996, rompido com as duas alas da família.

A formação dos dois blocos deu o tom da política mossoroense nos anos seguintes.
A ramificação de Dix-sept Rosado representada por Carlos Augusto manteve-se alinhada
à família Maia e o ramo de Vingt Rosado seguiu a política dos Alves no Estado.

Fala-se que os Rosados “se dividiram para somar”, evitando o surgimento de


novas lideranças, indicando que as cisões foram combinadas. Confunde-se causa com
efeito. De fato, a divisão dos Rosados dificultou o surgimento de novas lideranças
políticas em Mossoró. No entanto, é impossível afirmar que isso foi planejado e
combinado. Confunde-se causa e efeito nessa interpretação. A maioria dos elementos
encontrados nessa pesquisa aponta que a divisão se deu por três fatores:

1) A necessidade da oligarquia Maia de ter um aliado forte em


Mossoró e que resultou na cooptação de Carlos Augusto Rosado;
2) O contexto político da transição democrática que implantou o
pluripartidarismo, colocando uma nova realidade política em Mossoró com a
fragmentação do PDS;
3) A sucessão na liderança familiar. Carlos Augusto estava se
preparando para suceder os tios no comando da oligarquia, mas percebeu que esse
espaço estava reservado para Laíre Rosado.

A família Rosado não se dividiu pensando em manter-se no poder num


revezamento à frente da Prefeitura de Mossoró. As eleições posteriores mostram que isso
123

não aconteceu justamente porque o ramo de Dix-sept manteve-se hegemônico, vencendo


seis das sete eleições realizadas entre 1988 e 2012.
124

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