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PODER JUDICIARIO JUSTICA FEDERAL 2* Vara Federal de Osasco/SP Process 0003408-24.2017.403. 6130 Agdo Penal Privada Querelante: JEAN WYLLYS DE MATOS SANTOS LEXANDRE FROTA ANDRADE Ministério Piiblico Federal TIPO D Querelad Registron. OFZ /2018 SENTENCA ‘Trata-se de queixa-crime proposta em 8 de junho de 2017 por JEAN WYLLYS DE MATOS SANTOS em face de ALEXANDRE FROTA ANDRADE, imputando ao querelado os delitos de difamagio e injuria, Segundo a inicial acusatéria, ALEXANDRE FROTA possui uma pagina registrada na internet que conta com mais de 430 mil seguidores. Aduz 0 querelante que ALEXANDRE promove varios ataques aos seus direitos da personalidade. Narra que em $ de abril de 2017, ALEXANDRE postou em sua pagina da internet uma foto com identificagio do sujeito - “Dep Federal: Jean Wyllys”, atribuindo a ele, JEAN WYLLIS, a seguinte frase: “A pedofilia & uma priitica normal em diversas espécies de animal, anormal é 0 seu preconceito”. Afirma o querelante que tal publicagio contou com mais de 9,6 mil compartilhamentos, 4,4 mil curtidas e mais de 2 mil comentarios. Consta, ainda, que em 16 de abril de 2017, ALEXANDRE publicou novamente a foto com a frase que 0 querelante afirma jamais ter dito. © querelante ressalta que é deputado federal combatente em relagao aos direitos das minorias, sem jamais ter se posicionado de forma favoravel & pedot em difamar a sua reputago, Assim resume 0 fato na queixa-crime: A frase atribuida a ele decorre tio somente da vontade de o querelado “ ‘Autos de n°, 0003408-24.2017.403,610 1 Frota, imbuido de clara intengdo difamatéria, fabricou uma mentira extremamente grave com 0 objetivo de difamar 0 querelante e macular a sua reputagdo, associando a sua imagem ao crime de pedofilic Consta, também, da inicial, que a publicag&o gerou asco social em relago a pessoas que acreditaram na veracidade da informago, tendo sido langadas manifestagdes de dio ¢ ameagas em relagdo ao querelante. Ressalta que ALEXANDRE curtia e comentava, com novas injérias, as manifestagdes dos visitantes de sua pagina na internet. Inicialmente proposta perante a Justiga Federal do Distrito Federal, houve declinio de competéncia para Osasco, com jurisdigo sobre o domicilio do querelado ALEXANDRE, a cidade de Cotia (fls. 31-33). Recebidos os autos, este juizo firmou sua competéncia para o julgamento do feito, tendo sido designada audiéneia prévia de conciliagio, que restou infrutifera (fls. 89/90). Em resposta 4 acusagdo, ALEXANDRE FROTA propugnou pelo no recebimento da queixa-crime ao argumento de népoia da inicial, qualificando-a de “verdadeiro frenesi acusatério”. Afirmou, em tese subsidiéria, a vontade de retratagdo cabal em relago as eventuais ofensas, o que geraria a extingio da punibilidade, independentemente da vontade do querelante. © querelante manifestou-se (fls, 123/129) sobre a audiéncia de conciliagio, pontuando 0 seguinte: que o suposto supedineo de ALEXANDRE, para atribuir a frase ja referida a JEAN WYLLYS (entrevista na CBN) nfo existe, conforme esclarecimento oficial da prépria CBN; que a afirmagio de ALEXANDRE, no sentido da retratagdo, foi inveridica porque, momentos antes da audiéncia, ALEXANDRE teria langado novas ofensas contra JEAN WYLLYS; ‘que mesmo apés a propositura da ago, ALEXANDRE FROTA langou publicagao atribuindo outra frase a JEAN WYLLYS, qual seja ‘Nos brasileiros temos que aceitar a tradigdo dos muculmanos de se casarem com meninas menores de 10 anos. Nao é pedofilia, é cultura Islémica”. O querelado afirmou que tal imputagdo € falsa, porquanto jamais se manifestou nesse sentido. Ademais, ressaltou que o querelado continua a escrever ¢ a proferir, em videos disponibilizados nas redes sociais, diversas expresses injuriosas em relago a ale. PODER JUDICIARIO SUSTICA FEDERAL tais como “putinha de Brasilia”, “merda”, “mulambo safado", “fresco”, “vagabundo”, “corrupto”, “falso moralista”, “viadinho”, “bicha louca do caratho”, dentre outras. © querelante, nessa mesma manifestagio, pediu o aditamento para incluir na acusagio o delito de catinia, ao argumento de que o querelado referiu- se a ele, publicamente, como “corrupto”. ALEXANDRE FROTA ANDRADE manifestou-se a fls. 146/150, pedindo © nao recebimento da queixa-crime. Argumentou que o dircito do 4querelante em relag2o aos videos jé caducou. Alegou ter ocorrido reniincia tacita em relagio aos delitos de injuria porque o querelante deixou de processar todas as pessoas que fizeram comentirios na pagina da internet em foco, © Ministério Publico Federal manifestou-se (fls. 154/158) pelo prosseguimento da ago; ressalvando, porém, a ocorréncia de decadéneia em relagio a0 aditamento da deniincia, no que diz respeito ao delito de caliinia, porque a prova do delito data de 13/12/2016, sendo que a emenda da inicial se deu em 05/04/2017; portanto, mais de seis meses apés a ciéneia do fato pelo querelante. Em decisdo de fs. 161/163, este juizo reconheceu a decadéncia em relagdio a imputagdo da calinia, rejeitando, nesse ponto, a inicial acusatéria, Recebeu a queixa-crime em relago aos delitos de injuria ¢ difamagao. Houve rejeig4o em relagao ao argumento do querelado, relative a uma suposta rentincia técita, caracterizada pelo fato de o querclante nao ter processado todas as pessoas que curtiram os comentérios ou que inseriram novos comentarios, porquanto se reconheceu a impossibilidade fisica de tal ato, ja que ndo haveria tempo habil para , dada a dificuldade tecnoligica envolvendo enderegos e dados cadastrais na internet. © querelado identificar todos os participes do del Em audiéncia de instrugo ¢ julgamento, colheram-se os depoimentos de ambas as partes. Em alegagSes finais, JEAN WILLYS pediu a condenagio de ALEXANDRE FROTA, nos termos do recebimento (injiria e difamagao). Autos de n*, 0003408-24,2017.403.6130 3 ALEXANDRE FROTA, em memoriais da defesa, disse da auséncia de justa causa, eis que ndo foi lavrada a ata notarial das ocorréncias verificadas na internet. No mérito, suscitou que JEAN WILLYS se utilizou do proceso como “palanque eleitoral”, néo tendo havido qualquer ago delituosa por parte do querelado. O Ministério Pablico Federal pediu a condenagiio de ALEXANDRE. FROTA, entendendo que ele, “imbuido de clara intengao difamatéria, fabricou ‘mentira extremamente grave com 0 objetivo de difamar o querelante e macular sua reputagdo, associando a sua imagem ao crime de pedofilia”. Argumentou ainda que no curso do processo ALEXANDRE publicou uma série de palavras, videos ¢ imagens que denotam a intengo renitente do querelado, em relag&o as ofensas irrogadas ao querelante. Relatei o necessari DECIDO. Nio caducou o direito ago porque 0 contetido das ofensas resta presente nas midias sociais. Ademais, as ofensas foram irrogadas em desfavor de Deputado Federal (0 cargo ocupado ¢ de relevo porque se imputam as falas a0 deputado e néo A pessoa de JEAN) ¢ assim a retratagdio toma-se juridicamente invidvel. ‘Tampouco hé falar-se em inépcia da dentincia, por certo que a exordial acusatéria traduz, de maneira bastante satisfatéria, as condutas e as implicagdes decorrentes relativas & apuragio da responsabilidade penal. Do modo em que posta, possibilitou a vestibular o exereicio do contraditério ¢ da ampla defesa nesta ago penal; condizente, pois, a pega, com os requisitos constitucionais implicitos, bem como os legais explicitados no artigo 41 do CPP. Como bem ressaltou o MPF a fis. 155 verso, @ ata notarial no & imprescindivel para a configuragdo do delito, eis fartamente demonstrada a materialidade do delito pelo conjunto probatério constante dos autos, Ademais, 0 préprio querelado, em audiéncia, nao negou que langara mesmo as manifestagdes tS PODER JUDICIARIO JUSTICA FEDERAL na rede, apenas apresentou explicagdes para os fatos, na tentativa de justificé-los como conformes ao ordenamento vigente. Analiso 0 mérito, que diz respeito aos limites da liberdade de expresso. A questio é saber: a) hé limites a liberdade de expresso garantida na Constituigéo Cidada? b) em caso positive, quais seriam os limites legitimos? ¢) ALEXANDRE FROTA ANDRADE, ao exercer sua manifestago de pensamento, excedeu esses limites, causando dano a outrem? d) esse excesso configura algum tipo penal? Para responder a essas questées analisamos, em primeiro lugar, o texto da Constituigdo Federal, Diz o artigo 5°, inserido no titulo TI, referente acs Direitos e Garantias Fundamentais, em sua literalidade: Art. 5* Todos sto iguais perante a lei, sem distingfo de qualquer natureza, tzarantindo-se aos brasileios ¢ aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade do direto a vide liberdade, a igualdade, & seguranca e & propriedade, nos termos seguintes: O IV - 6 livre ¢ manifestagdo do pensamento, sendo vedado © anonimato;, Ge IX - € livre a expresstio da atividade intelectual, artistica, cientifica e de ‘comunicagaio, independentemente de censura ou licenga; X - sido invioldveis a intimidade, a vida privada, a honra ¢ a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenizagio pelo dano material ou moral decorrente de sua violagio (..). Analisando o texto acima, no plano sintatico, percebe-se que 0 inciso IV, que diz da livre manifestago do pensamento, j4 conta com uma ressalva explicita: a vedagio do anonimato. Ainda no plano sintitico, percebe-se que a posigdo dos incisos nao faz intuir, pela organizago do artigo, nenhuma ordem de importincia ascendente dos incisos precedentes em relagdo aos posteriores. Assim, em casos de colisio de interesses, como deflui ao analisarmos © inciso IV em conjunto com o inciso X, ha necessidade de andlise no pl: ‘Autos de n°, 0003408-24.2017.403.6130 5 seméntico, com 0 escopo de analisar se a Constituigio da Repiblica quis privilegiar a liberdade de expresstio quando em confronto com a honra da pessoa. | E 0 plano seméntico comporta andlise historica e cultural, para situar 08 vetores axiolégicos do texto no caso conereto que ora se enfrenta. Cedigo que a Constituigao de 1988 surte num cendrio pés-ditadura, passando as liberdades piiblicas a ocupar lugar de destaque; juntamente, porém, com a elevagio do conceito de dignidade humana, Em relagéo a eventuais conflitos de normas de igual estirpe constitucional (texto origindrio), muito jd se falou sobre as técnicas de ponderagao de valores. Na obra “Midi@ e Poder Judiciério'”, hé um resumo preciso dessas ideias, sendo importante, para as finalidades dessa sentenga, os seguintes excertos: “(..) Um instrumento eficaz indispensvel para a solugao desse conflito entre normas constitucionais & 0 principio da proporcionalidade. Esse principio compatibiliza os contetdos em atrito, j& que se harmonizam na medida do possivel, dado 0 caso concreto. (...) O professor Edilson Pereira de Farias entende que a colisdo dos direitos fundamentais pode suceder de duas maneiras: (1) 0 exercicio de um direito fundamental colide com o exercicio de outro direito fundamental (colisdo entre os préprios direitos fundamentais): | (2) o exercicio de um direito fundamental colide com a necessidade de | preservagdo de um bem coletivo ou do Estado protegido constitucionalmente (colisdo entre direitos fundamentais e outros | valores constitucionais). Nos idos de 1980, 0 professor René Ariel Dotti jé ressaltava que ndo tem sido possivel a apresentagdo de formulas legislativas que, a um sé tempo, contemplem todas as ! situagies de conflito e proponham as solucdes adequadas. Daniel i Sarmento discorre sobre a Ponderagito de Interesses na Constituicaéo Federal. Em sua obra, esclarece que a ponderagio consiste no método utilizado para a resolugdo de eventuais colisdes entre principios constitucionais, sempre em relagio a situagées concretas. (...) Ressalte-se, novamente, 0 devastador efeito que noticias bombasticas € sensacionalistas pode causar na vida das pessoas envolvidas ¢ excessivamente expostas. A luz disso, o professor Luis Roberto Barroso lembra que a discussdo atual na doutrina é a extensdo do poder do Judiciério na matéria, especialmente no que diz respeito a possibilidade de impedir previamente o exercicio da liberdade de expressdo em deferéncia a intimidade e & vida privada de terceiros.” * ANDRADE, Fabio Martins de. Midi@ e Poder Judiciério. A Influéncia dos Orgdos da Midia no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 243-250. 5 PODER JUDICIARIO JUSTICA FEDERAL No plano internacional, as posi¢Ges a respeito do tema sto divergentes. Nos Estados Unidos, verifica-se clara preferéneia da Suprema Corte pela liberdade de expresso, incluida pela primeira emenda da Constituigio. Ao longo do tempo, aquela Corte tem decidido que a liberdade de expresséo inelui: 0 direito a néo se manifestar, como nfo saudar a bandeira americana — Wes 1 Virginia Board of Education v. Barnette, 319 U.S.624 (1943); 0 direito de usar Vestimentas pretas na escola em protesto contra a guerra — Tinker v. Des Moines, 319 U.S. 503 (1969); manifestagio abstrata do pensamento, sem correlagao direta de ameaga ou perigo aos possiveis ofendidos — Bradenburg v, Ohio, 395 U.S. (1969); 0 uso de certas palavras ofensivas com finalidade de transmitir mensagens de ordem politica — Cohen v. California, 403 U.S. 15 (1971); 0 direito de utilizagao de linguagem simbélica, como queimar a bandeira em piblico ~ Texas v. Johnson, 491 U.S. 397 (1989). Nos iiltimos tempos, a questo mais expressiva ¢ 443 2011), controversa se deu no julgamento do caso Snyder v. Pheps ~ 562 conforme se explica no texto abaixo: “(..) No caso Snyder v. Phelps, julgado pela Suprema Corte Americana em 02/03/2011, reafirmou-se, mais uma vez. a amplitude do principio. Eis os fatos: a0 longo dos ultimos 20 anos, a Congregagao Westboro Igreja Batista vinha realizando protestos em funerais militares, propagando mensagens no sentido de que Deus nfo tolera a homossexualidade no Ambito castrense. No caso conereto 0 fundador Fred Phelps viajou a Maryland com outros seis associados, para protestar durante o enterro de Snyder, morto em ago militar no Traque. © protesto consistiu na exibigo de cartazes com dizeres como: “obrigada, Senhor, pelos soldados mortos”, “padres estupram criangas”, “vocés irdo para o inferno”, dentre outros semelhantes. O pai do militar ingressou com ago contra os manifestantes, pleiteando indenizagao por danos morais. Na primeira instancia, 0 jiiri considerou abusiva a manifestagio, fato que levou a condenagdo de Westboro ao pagamento de milhdes de délares em danos. A congregagao apelou, invocando 0 direito a liberdade de expressio, garantido pela primeira emenda. A Corte Distrital reduziu a multa, mantendo a concluséo do juri. Em segunda instincia, o julgamento foi revertido em favor dos manifestantes. No mesmo sentidor julgamento da Suprema Corte, ‘Autos de n°, 0003408-24.2017.403.6130 7 © caso causou estranheza mesmo sociedade americana, ja acostumada a largueza do conceito de freedom of speech adotada pela Suprema Corte dos Estados Unidos. Antes do julgamento, a midia sinalizava que a Corte poderia restringir 0 direito, em juizo de ponderagio com outros direitos fundamentais, A Suprema Corte americana, porém, contrariando a suposta expectativa popular, entendeu que, no caso, nao houve intengfo de ‘ofensa a nenhum individuo particular, mas protesto genérico contra a existéncia de homossexuais em quadros militares. Entendeu, ainda, que a ocasido nao pode ser confundida com a personificaciio da ‘ofensa, vez que o intuito do grupo liderado por Phelps nfo era ofender ‘0s parentes do morto, mas de atrair a atengiio da sociedade para o reclamo””. No diteito europeu, a tendéncia é a de valorizagto da dignidade da pessoa humana, em detrimento da liberdade de expresso, principalmente na Alemanha’, Ingo Sarlet, em artigo recente publicado na Revista Consultor Juridico’, discorreu sobre a importdncia de norma alema aprovada em 01/09/2017, denominada Netzwerkdurchsetungsgezettz (German Network Enforcement Act — GNEA), cujo objetivo € reprimir e coibir discursos ofensivos, discriminatorios & que incitem a violencia na internet. Trata-se de norma destinadas a provedores da internet, determinando que scjam climinados ¢ bloqueados contetidos ilicitos (dentre os quais ofensa a direitos da personalidade, negagdo do holocausto, discurso de édio ete.) nas midias sociais destinatarias, sob pena de severas multas. Nesse mesmo artigo, o professor também elenca diversos instrumentos desenvolvidos para orientar a ética nas midias sociais, no Ambito europet * ZANETTI, Adriana Freisleben de. “O julgamento politico e a liberdade de expressio”. Acessivel em —_https://www.jabnacional.org.br imprensa/o-julgamento politica-e-a-liberdade-de- expressa " Anténio de Holanda Cavalcanti Segundo, em sua obra “Uma questo de opinido? Liberdade de ‘expresso e seu Ambito protetivo: da livre manifestago do pensamento ao HATE SPEECH", discorre, nas péginas 74 2 76, sobre os principais julgamentos do Tribunal Constitucional alemao a respeito. * SARLET, Ingo Wolfgang. Liberdade de expressdo, regulacdo e discurso de édio ~ 0 caso GNEA. Consultor Juridico. S50 Paulo, 23 de novembro de 2018. Disponivel_ em: lur.com.br/2018-nov-23/direitos-fund: s-llberdade-expressa0-regul discurso-odio-gnea. Acesso em 25 de novembro de 2018. PODER JUDICIARIO SUSTICA FEDERAL Relembre-se, nesse contexto, que embora ainda nfo exista uma diretiva ou regulamento especifico voltado ao combate do discurso do dio na Internet no Ambito da normativa da Unitio Europeia, jé foram criados alguns instrumentos e pardmetros para tal efeito, no sentido de que jé poderia se designar de uma espécie de soft law. Destacam-se aqui as medidas da Comissio para o combate do racismo e da intolerancia do Conselho da Europa, Estrasburgo, como é 0 caso de um cddigo de conduta emitido em 31.5.2016, em parceria com Facebook, Twitter, YouTube, Google e Microsoft e uma recomendagio sobre o tratamento dispensado a conteiidos ilegais na internet, de 26.04.2018. Voltando @ andlise da Constituigdo da Repiblica, agora no campo pragmético, podemos citar os casos Bllwanger (HC 84.424, Rel. Min, Presidente Mauricio Corréa, j. 17/09/2003, Plendrio, DJ 19/03/2004) e ADPF 187, conhecida como “marcha da maconha”. No primeiro caso, houve claro pendor do plendrio do STF para os direitos inerentes a dignidade humana. Apenas 0 Ministro Marco Aurllio, vencido, manifestou-se pela protegtio da liberdade de expresséo. Na ADPF 187 entendeu-se como legitimo o direito & manifestagao da legalizagdo da maconha. Importante assinalar que 0 contexto desse julgamento se insere em momento cultural em que varias nagdes jé descriminalizaram 0 uso recreativo da maconha. Assim, temos que a liberdade de expresso nfo foi a grande vencedora no caso, eis que dada a autorizagdo para posicionar-se sobre a maconha, ¢ nao sobre outra droga qualquer (cocaina, por exemplo) ‘Nessa toada, entendemos que o Supremo Tribunal Federal segue a tendéncia europeia, no sentido da equalizagdo entre liberdade de expressio direito a dignidade humana, do qual a incolumidade e a honra das pessoas constituem componentes importantes. Apés a andlise sintética, seméntica e pragmatica do artigo 5°, incisos IV e X, conclufmos que a Constituigdo da Republica garantiu a liberdade de expresso de forma ampla, Mas a amplitude no significa a auséncia de fronteiras no exercicio do direito, por certo que em um sistema ou ordenamento juridico, por vezes ha colidéncia entre direitos de igual estirpe. No caso concreto, temos, de um ‘Autos de n°, 0003408-24.2017.403.6130 9 lado, © direito a livre manifestagdo do pensamento; ¢, de outro, os direitos | inerentes dignidade humana. Logo, a resposta aos dois primeiros questionamentos dessa sentenga ¢ clara: Sim, hd limites 4 liberdade de express’, quando em confronto com a honra | ea dignidade humana, limite esse a ser aferido no caso concreto. | ALEXANDRE FROTA ANDRADE, ao exercer seu dit | manifestago do pensamento, claramente excedeu os limites constitucionais, ito a livre Porquanto atentou diretamente contra a honra a imagem do deputado federal JEAN WYLLYS. | Com efeito, restou comprovado nos autos que as frases atribuidas a JEAN WYLLYS por ALEXANDRE sio discursos jamais proferidos pelo deputado. A frase foi criada com a finalidade de difamar JEAN WYLLYS, causando na comunidade cibemética 0 sentimento de repidio por empatia emocional com as vitimas da pedofilia. ALEXANDRE forjou a fala imputada a | JEAN WYLLYS, posteriormente justficando-se a0 dizer que teria eonstruido 0 raciocinio de que o deputado tinha esse entendimento a partir de entrevista | concedida por JEAN WYLLYS 8 Radio CBN. Além disso, ALEXANDRE proferiu varias expressdes injuriosas a respeito da pessoa de JEAN WYLLYS, sempre criticando suas preferéncias | pessoais para atacar o papel por ele exercido como parlamentar da Repitblica. No ponto, cumpre destacar que a Constituigio de 05/10/88 recepcionou os tipos deseritos no artigo 139 e 140 do Cédigo Penal. Essa recepedo constitucional também reforga a ideia de limites a liberdade de expresséo do pensamento, eis que alga a esfera de ofensa penal os delitos de difamagao e injiria. Isso porque hé preocupago na defesa da honra do individu, honra essa tanto em seu viés objetivo (0 conceito que a comunidade tem do individuo) quanto em seu viés subjetivo (0 conceito que o proprio sujeito tem de si proprio). Também recepcionado pela Constituigao a causa de aumento prevista no artigo 141, IIL, eis que os delitos contra a honra, a serem propagados em No caso conereto, houve a SS meios difusos, aumentam sua potencialidade I 10 PODER JUDICIARIO JUSTICA FEDERAL divulgago das ofensas por meio da internet, cujo alcance e influxo revelam-se ilimitados. Nesse sentido: “Constatou-se que essa verdadeira revolugo na maneira de se ‘comunicar deriva de um fator essencial e bem caracterizado nas redes sociais na internet: a influéncia que tais redes sociais exercem sobre seus usudrios © 0 poder de persuaséo que as suas informagdes conseguem impor ao receptor da mensagem. (..) De outro lado, verificou-se também a influéncia que as redes sociais possuem, no que tange a fatores relacionados politica e a decisdes governamentais. Pereebe-se a repercussao de uma atitude politica de um parlamentar, por exemplo, em questies de segundos, pela andlise das postagens e compartilhamentos realizados em tais redes sociais™, Diante do exposto, conclui-se que ALEXANDRE FROTA ANDRADE incorreu nos delitos de difamagao e injaria, Nao havendo excludentes de ilivitude e presentes os elementos da culpabilidade (imputabilidade, potencial consciéncia da ilicitude do fato ¢ exigibilidade de conduta diversa), a condenagaio é medida que se impée. De acordo com o prescrito no art. 20, caput, do Decreto 4.657/42, ha necessidade de andlise das consequéneias priticas da decisio, sempre que houver de enfientarem-se valores juridicos abstratos. Embora 0 caso concreto nfo se relacione diretamente com essa hipétese, hd necessariamente viés abstrato na ponderagdo de valores constitucionais. Por isso, para evitar desconformidade normativa, tenho que a condenago de ALEXANDRE, na pritica, cumpre 203 desideratos penais da prevengiio geral ¢ especial. Do ponto de vista da prevengaio geral, essa sentenca confirmard que ha limites 4 liberdade de expresso, sempre que 0 pensamento externado afetar o direito de terceira pessoa a manter inclume sua honra ¢ imagem. As consequéncias priticas, no ponto de vista da prevengiio especial, inserem-se no campo da reprimenda a ser aplicada ao querelado, conforme se expord 5 MAIA, Daniel. Liberdade de Expressdio nas Redes Sociais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. ‘Autos de n*, 0003408-24,2017. 403.6130 MW DISPOSITIVO Condeno ALEXANDRE FROTA ANDRADE como incurso nas penas dos artigos 139 ¢ 140 c/c 141, III, na forma dos artigos 69 ¢ 71, todos do Cédigo Penal, Doso as reprimendas. Artigo 139 — Difamagio ALEXANDRE agiu com dolo intenso em desfavor do émulo politico. Forjou frase falsa e a atribuiu a JEAN WYLLYS com 0 escopo de atingir fortemente a honra objetiva do querelante. Assim, de rigor a exasperagdo da pena base, que fixo em 8 meses de detencdo e pagamento de 200 dias-multa. Incide a majorante do inciso III do artigo 141, montando a sangdio a 10 meses e 20 dias de detengio e pagamento de 266 dias-multa, Artigo 140 - Injaria ALEXANDRE atingiu, em diversas ocasides, a honra subjetiva de JEAN WYLLYS. Esse ponto, porém, seri considerado para a aplicagdo da benesse prevista no artigo 71 do CP. Em relagao ao dolo, verifica-se a intensidade, eis que ciente o querelado de que sua conduta implicaria sofrimento ¢ desgaste psicolégico a JEAN WYLLYS. Por isso, fixo 0 marco inicial da reprimenda em 8 meses de detengao e pagamento de 200 dias-multa. Incide a majorante do inciso III do artigo 141, montando a sango a 10 meses e 20 dias de detengdo e pagamento de 266 dias-multa. Por fim, aumento a reprimenda em 1/3, dada a abundante reiteragao da conduta, cometida nas mesmas circunstincias; por isso, a benesse prevista no artigo 71 do CP. Assim, a pena final a esse delito monta a 1 Ss ano, 2 meses ¢ 6 dias de detencio ¢ pagamento de 354 dias-multa. 12 PODER JUDICIARIO. JUSTICA FEDERAL Concurso materi: ALEXANDRE praticou de uma conduta delituosa causando resultados diversos, em termos de objetividade juridica. De rigor, pois, a soma das reprimendas dos delitos de injuiria ¢ magi, nos moldes do artigo 69 do CP. itiva de ALEXANDRE FROTA ANDRADE em 2 anos e 26 dias de detengio no regime inicial aberto e Assim, fixo a pena defi pagamento de 620 dias-multa, no valor de % salario minimo cada, por certo que ALEXANDRE tem condigées materiais de arcar com um Onus maior do que 0 trabalhador comum, cuja média salarial ndo ultrapassa um salério minimo mensal. ‘Atenta ao fato de a pena impingida ser inferior a 4 (quatro) anos e por entender medida socialmente recomendavel no caso em concreto, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito. A primeira consiste em prestagao de servigos & comunidade, pelo prazo da pena privativa de liberdade, preferencialmente junto a forum federal da subsegao da residéncia do condenado, em atividades auxiliares 4 gestdo documental, devendo ALEXANDRE trabalhar, por cinco horas diérias, no auxilio & destruigo/picotagem de papéis que nfo mais se fazem titeis aos autos. A segunda consiste em limitagiio de fim de semana, devendo ALEXANDRE permanecer, aos sébados e domingos, por cinco horas didrias em casa de albergado ou outro estabelecimento similar, sendo que, em relagdo a esta tiltima, na hipétese de impossibilidade material de cumprimento por falta de estabelecimento adequando no Estado, fica 0 juizo da execugio autorizado a substitui-la por outra pena restritiva de direito compativel com o caso. Pode apelar em liberdade. Transitada em julgado e mantida a condenagio, responder o condenado pelas custas e ter seu nome inserito no rol dos culpados (artigo 393, inciso Il, do Cédigo de Processo Penal). ‘Autos de n*. 0003408-24.2017.403.6130 13 Expegam-se 0s offcios de praxe, Oficie-se aos departamentos competentes para cuidar de estatistica e antecedentes criminais. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cigncia pessoal ao MPF. Cumpra-se. Osasco, 17 de dezembrf We 2018, ADRIANA FREIS DE ZANETTI Juiza Federal 14

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