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DIREITO CONSTITUCIONAL

A necessidade de repensar o Supremo Tribunal


Federal no Brasil
O poder e a competência isolada de um ministro do STF desafiam a vontade política do Congresso
e do Executivo

MARCELO FIGUEIREDO

06/09/2019 07:16

Sessão plenária do STF. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal foi criado a imagem da Suprema Corte norte-


americana sobretudo por influência de Rui Barbosa que admirava as
instituições norte-americanas e sua organização. Passados séculos de sua
criação, o Supremo distanciou-se muito de seu modelo inspirador. Aliás, se
Rui hoje estivesse vivo, provavelmente ficaria surpreendido com a
comparação das duas Cortes, a americana e a brasileira.
Poucas semelhanças constitucionais temos com os Estados Unidos que
desenvolveram um povo e uma constituição antes do Estado. No Brasil o
Estado precede ao povo e a organização social. Os americanos estruturam-
se como federação e fizeram questão que essa ficasse preservada em sua
Constituição sintética e principiológica.

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O Brasil, ao contrário, da noite para o dia passou de Monarquia à República


sem que os brasileiros tivessem percebido o que ocorreu. Pouca coisa
mudou além do nome do regime. Séculos se passaram para que o modelo
federativo encontrasse seu caminho. Lá os Estados realmente são
autônomos. Aqui a centralização da União marca a federação brasileira com
Estados e Municípios dependentes do poder central.

O Supremo Tribunal Federal brasileiro distancia-se muito de seu exemplo


histórico americano. Como se sabe, a Suprema Corte julga não mais que
duas a três dezenas de casos ao ano. O nosso, pressionado por uma
Constituição analítica e programática responde a toda e qualquer demanda
que direta ou indiretamente tenha na Constituição a afirmação de um direito
ou princípio supostamente violado.

Ademais, ao contrário dos EUA, nosso Supremo acumulou competências


recursais, originárias, penais, conflitos federativos, o que prejudica, e muito
sua vocação como Tribunal ou Corte Constitucional, a exemplo dos modelos
europeus.

Em 1988 ensaiou-se a mudança do Supremo para um modelo mais parecido


a um Tribunal ou Corte Constitucional, mas o lobby corporativo prevaleceu e
ficamos com o modelo híbrido que temos até hoje.

Finalmente o modelo instaurado pela Constituição de 1988 com as


sucessivas emendas constitucionais ampliou consideravelmente o controle
de constitucionalidade das leis no Supremo, permitindo um amplíssimo
controle junto àquela Corte de quase todas as matérias constitucionais, de
políticas públicas, matéria orçamentária, direitos fundamentais, direito das
minorias. Quase nada escapa da competência do Supremo em uma
interpretação constitucional.
Esse modelo de jurisdição concentrada e forte vêm sendo criticado por uns
e louvado por outros. O Congresso e o meio político combalido e
desgastado por sucessivos casos de corrupção aqui e em toda parte, sofre
um desgaste progressivo. A Democracia representativa está em crise em
toda a parte.

Tudo isso desagua no Judiciário e especialmente no Supremo Tribunal


Federal. A chamada “judicialização” do cotidiano leva ao Supremo todo o
tipo de conflito moral, político e social, situações que em princípio deveriam
ser resolvidas pelo Parlamento e pelo poder político.

O resultado de todo esse quadro resulta em um protagonismo do Supremo


Tribunal Federal a exigir dele e de seus membros uma postura prudente e
colegiada. Aqui outro problema. Ao contrário de vários modelos, o Supremo
não valoriza a colegialidade. Já se disse, com alguma razão que o Supremo
é composto de 11 ilhas, que não se comunicam. Os votos se superpõem
dificultando muitas vezes saber qual é efetivamente o entendimento do
Tribunal.

O poder e a competência isolada de um ministro do Supremo na prática


desafiam o consenso ou a vontade política de todo o Congresso Nacional ou
do Executivo. Uma decisão liminar monocrática pode suspender os efeitos
de uma lei por um simples despacho isolado de um Ministro da Corte.

Os últimos episódios envolvendo a instauração de inquéritos (censura do


Antagonista), suspensão de investigações (Coaf- sigilo), e outros, parecem
demonstrar que é momento de reforçar o caráter institucional do Supremo
Tribunal Federal e de seu Plenário, além de levarem o brasileiro e a classe
jurídica em especial, a repensar o modelo de jurisdição constitucional que
adotamos.

Nesse contexto ganham forças propostas que visem reduzir o poder


individual dos Ministros do Supremo. Neste sentido a PEC 82/2019 que
restringe a possibilidade de os ministros do STF e de outros tribunais
tomarem decisões de forma individual. O texto impõe ainda limites a
pedidos de vista e decisões cautelares monocráticas (liminares) no
Judiciário em alguns casos. Será uma boa mudança, se aprovada.
MARCELO FIGUEIREDO – Advogado, consultor jurídico e Professor Associado em Direito
Constitucional na PUC-SP

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