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O problema da origem do conhecimento

A epistemologia teve um máximo desenvolvimento nos séculos XVII e XVIII, uma vez que é nesta
altura que se formam algumas teorias, de forma a responderem a dois grandes problemas da
filosofia: um relacionado com a sua origem e com a possibilidade de este existir  «a origem,
certeza e extensão do conhecimento».

Problema da origem do conhecimento:

 A consciência cognoscente apoia-se na experiência ou no pensamento?


 De qual das duas fontes de conhecimento – experiência ou pensamento – tira ela os seus
conteúdos?
 Onde reside a origem do conhecimento?

O que separa os racionalistas dos empiristas são alguns instrumentos concetuais, entre os quais
estão presentes quatro distinções fundamentais e que alimentam a disputa.

A teoria racionalista

1. A origem do conhecimento é a razão.

O racionalismo, como o próprio nome nos diz, refere-se à explicação de caracter racional, ao
lógico e à razão (capacidade de entendimento), que são consideradas as fontes mais
importantes do conhecimento verdadeiro.
A partir da corrente racionalista, considera-se um conhecimento efetivo quando este é seguro e
rigoroso. Para poder ser seguro e rigoroso tem que estar passível de análise a partir da razão, da
lógica e se for universalmente válido, visto este ser constante para toda a Humanidade,
independentemente da experiência que possa existir.

Este tipo de conhecimento é dado pela matemática, que é válida universalmente e obriga-nos
à sua aceitação, com o risco de entrarmos numa contradição lógica – necessidade lógica e
universalidade. Pressupõe uma natureza dedutiva do saber – procura uma cadeia de razões onde
tudo o que é descoberto surge como consequência necessária do que já foi encontrado e
admitido como absolutamente verdadeiro.

Descartes (1596-1650) apresentou um modelo racionalista para o


conhecimento no qual refere que a razão possui ideias inatas, sendo estas claras e
distintas, postas por Deus no espírito do Homem. Esta sua corrente acaba por explicar
algumas ideias muito controversas na filosofia, como por exemplo, a existência de
Deus, explicada por Descartes pela razão. Através da dedução – a razão por si só - é
possível chegar ao verdadeiro conhecimento da realidade. Este tipo de racionalismo
é denominado de racionalismo cartesiano ou inatista.

O filósofo (Descartes) era um racionalista dogmático convicto que procurou combater os céticos
e reabilitar a razão. Este afirmava que só era possível superar os argumentos dos céticos para o
qual o conhecimento não é possível, se forem encontrados fundamentos metafísicos.

Então criou um método que tinha como objetivo a obtenção de uma verdade indiscutível,
combater o ceticismo e reabilitar a razão, e era inspirado na matemática visto que as suas
proposições vinham de origem racional. Foi através deste método racionalista que toda a sua
filosofia se assente. Este método cartesiano, segundo Descartes “ (…) entendo um conjunto de
regras certas e fáceis tais que, aquele que as cumprir corretamente, nunca tomará nada falso
por verdadeiro; sem qualquer desperdício de esforço mental e aumentando o seu conhecimento
passo a passo, chegará ao verdadeiro conhecimento ou entendimento de todas as coisas que
não ultrapassam a sua capacidade”.

Regras que integram o método:

1. A evidência – nunca aceitar qualquer coisa como totalmente verdadeira caso deixem
dúvidas;

2. A análise – simplificar cada problema para que fosse possível resolve-lo mais facilmente;

3. A síntese – estabelecer uma ordem crescente de complexidade, permitindo o alcance


do conhecimento mais complexo;

4. A enumeração – revisão geral e completa para a certificação de que nada era omisso.

Estas regras permitiam guiar a razão orientando de uma forma correta as operações
fundamentais do espírito, ou seja, a indução e a dedução. A indução é a apreensão direta e
imediata de noções simples, evidentes e indubitáveis. Já a dedução é o encadeamento das
induções, para que através dos princípios evidentes de pudesse cegar as consequências
necessárias.

Dentro do método cartesiano, destaca-se a dúvida, algo bastante importante porque é através
dela que é possível negar tudo aquilo que levanta alguma suspeita de incerteza, exceto às
verdades que estão ligadas com a fé e com o sobrenatural que não estão sujeitas a esta.

Três questões fundamentais caracterizam o racionalismo cartesiano:

1. Como procede o espirito para construir um conhecimento verdadeiro?


2. Qual o critério que permite identificar um conhecimento como verdadeiro?
3. Quem garante esse critério?

O espírito, na procura do conhecimento verdadeiro, deve proceder de forma metódica, de


modo a dissipar toda e qualquer dúvida que possa existir.

A dúvida cartesiana é metódica: é o meio utilizado para descobrir o absolutamente certo, é a


ferramenta da razão que permite evitar o erro. Sendo metódica, é também provisória, pois o
objetivo do filósofo é reconstruir o edifício do saber, descobrir certezas, evidencias que resistam à
dúvida e não permanecer na dúvida.

Descartes não é um cético, e pelo contrário, combate o ceticismo. A sua dúvida é, por isso, muito
distinta da dúvida dos céticos. Para ser eficaz, nada pode escapar à dúvida, que é universal, e a
dada altura, também hiperbólica.

O certo será apenas e só o indubitável, o que resistir


a uma dúvida que é preciso exercer
sistematicamente e sem reservas. O que não resistir
à dúvida, por ser falso ou duvidoso, deve ser
rejeitado.

Descartes aplicou o método da dúvida da seguinte forma, de forma a chegar a um primeiro


principio (algo que lhe resistia):

 Rejeitou a informação com base nos sentidos, pois eles são enganadores.
 Rejeitou o conhecimento racional, porque muitas vezes nos enganamos ao raciocinar.
 Rejeitou, finalmente, tudo que até aí havia entrado na sua mente, porque muitas vezes o
sonho se confunde com a vigília (=Quando sonhamos, pensamos e os nossos pensamentos são
falsos. Ninguém nos pode garantir que não estamos a sonhar agora mesmo).

O cogito

A existência do sujeito que duvida não gera dúvidas – a dúvida atua sobre todos os objetos do
conhecimento, mas não pode atuar sobre a existência do sujeito que assim duvida. Para duvidar,
é preciso pensar e para pensar, é preciso existir: PENSO, LOGO EXISTO. O cogito (o eu pensante)
é, pois, a primeira verdade que emerge do método cartesiano e constituir-se-á como pilar central
do conhecimento, sendo uma verdade clara e distinta e absolutamente a priori.
O Cogito é uma substância pensante, pois é uma unidade autónoma (independente do corpo)
que pensa, ou seja, cuja essência é pensar. É o 1º princípio para a construção de um
conhecimento seguro e como critério de todo o conhecimento verdadeiro.

Dúvida metódica vs Dúvida hiperbólica

São a mesma dúvida, mas aparecem em momentos diferentes e com objetivos distintos.

 Metódica – é a forma pela qual Descartes atinge o seu primeiro princípio – o cogito – de
forma clara e distinta;
 Hiperbólica – é a dúvida levada ao extremo – apresentando a possibilidade da existência
de um génio maligno -, no sentido de garantir que o seu primeiro princípio resiste a todas
as dúvidas.

A hipótese do génio maligno serve para provar que,


mesmo que tal ser existisse, a existência do cogito
continua a prevalecer. Deus, é para Descartes, o
garante do conhecimento absolutamente verdadeiro.
É Deus quem garante a verdade da clareza e distinção
do conhecimento.

O cogito é uma intuição racional – uma evidencia que se impõe ao espirito humano de forma
absolutamente clara e distinta.

 Uma verdade absolutamente e  Uma verdade estritamente racional;


primeira;  Uma verdade exclusivamente a priori;
 Uma verdade indubitável;  Uma verdade evidente, uma ideia
clara e distinta.

Qual o critério que permite identificar um conhecimento como verdadeiro?

Todo o conhecimento, para ser considerado verdadeiro, deve ser claro e distinto – ou seja,
evidente. Estabelecida a primeira verdade, Descartes procura saber o que fez resistir à dúvida,
encontrando na clareza e distinção das ideias o critério que permite identificar as crenças
verdadeiras.

Segundo Descartes, cada individuo possui 3 tipos


de ideias:

As ideias inatas são claras e distintas, ou seja, são


aquelas que se apresentam com tal evidência ao
espirito humano que não podemos duvidar da sua
verdade nem confundi-las com outras. São ideias
apreendidas intuitivamente e tem a sua fonte
exclusivamente na razão. As ideias inatas são,
segundo Descartes, as mais importantes.
Quem garante esse critério?

Deus garante que tudo o que é claro e distinto é verdadeiro.

 Pensar  Duvidar  Ser imperfeito

 Ser imperfeito  Tem ideia de perfeição

A ideia de perfeição não pode derivar de um ser imperfeito, logo existe um ser perfeito que dá
essa ideia de perfeição  Deus

 Criar Perfeição = Criar ideia de perfeição


 Ou seja  Ideia de Perfeição = Existência de Perfeição

Se Deus existe e é perfeito, não o pode querer enganar, o que garante a verdade das ideias claras e distintas.

Como Deus é garantia, Descartes pode deduzir outras verdades – a existência do mundo, por exemplo – e
construir, o conhecimento verdadeiro, pois se é certo que o nosso conhecimento provém da razão, a garantia
dessa verdade é dada por Deus.

O Cogito e Deus

São os principais pilares do sistema cartesiano. O cogito é


o primeiro conhecimento claro e distinto que encontra. O
segundo é a ideia de um Deus perfeito, omnipotente,
omnisciente e sumamente bom, que existe e garante que
sempre que encontrar algo mais com caráter de
evidência, pode aceitá-lo como conhecimento
verdadeiro.

Críticas ao racionalismo cartesiano

1. Exclusivista  A razão é a única fonte de conhecimento (a priori), visto que a experiência


(impressões sensíveis) não é fidedigna. Tendo em conta isto, Descartes afirma que pessoas
sem experiência nenhuma têm ponto de partida para o conhecimento, mas os seus
critérios defendem que não.
2. Dogmático  Aceita-se tudo depois de chegar à conclusão daquilo que acredita. Com
a razão pode-se conhecer tudo. Descartes pretende que a partir do cogito, seja possível
encontrar verdades universalmente validas e logicamente necessárias. As ideias claras e
distintas encontradas a partir do cogito, dizem respeito ao mundo físico, mas também à
metafísica.

3. Circular  É acusado de petição de princípio. Para saber que as ideias claras e distintas
são verdadeiras, Descartes tem de saber que Deus existe e é perfeito; para saber que
Deus existe e é perfeito, tem de saber que as ideias são claras e distintas.

4. Afirma a existência como predicado  Descartes deduz a sua existência a partir de Deus,
mas Kant considera este argumento falso, visto que a “existência” não é uma qualidade.
Ou seja, há uma passagem da ordem da lógica para a ontológica.

A teoria empirista (oposição ao racionalismo)

A origem do conhecimento é a experiencia.

Todo o conhecimento se baseias ou deriva da experiencia sensível, isto é da experiencia que tem
por base o funcionamento apropriado dos nossos sentidos.

A disciplina que inspira o empirismo são as ciências naturais, onde a observação e a


experimentação são determinantes.

 Locke, Berkeley e Hume.

Nada está na razão que não tenha estado previamente nos sentidos. A mente é uma tábua rasa,
uma folha em branco onde a experiencia escreve. Segundo os empiristas, a mente, à partida, é
vazia, despossuída de qualquer ideia inata. Todos os conhecimentos que apreendemos são
exclusivamente fruto da aprendizagem, através da experiência.
David Hume e o empirismo

O hábito é o grande guia da vida humana.

 Cético, empirista e naturalista;


 Todo o conhecimento deriva da experiencia;
 A mente é, à partida, uma tábua rasa.
 Não existem ideias inatas.

Três questões fundamentais:

1. De onde provém o conhecimento?


 Todo o conhecimento provém da experiência.

Os primeiros dados do conhecimento


são impressões sensíveis sob a forma
de representações ou perceções.
Estas correspondem a qualquer
conteúdo da experiência e ocorrem
quando o individuo observa, recorda,
sente, imagina.
Segundo Hume, existem dois tipos de
perceções, as impressões
(sensações) e as ideias (imagens ou
cópias):

Hume afirma que é impossível aos seres


humanos terem uma ideia de algo que não
tenham primeiro experimentado enquanto
impressão. As impressões sensíveis constituem,
assim, o material primitivo do nosso
conhecimento e a inexistência de impressão
origina a inexistência de vida.

2. Como procede o espírito ao racionar e construir o conhecimento? – Ver página 168


 O nosso raciocínio funciona por associação de ideias.

As inferências resultam da capacidade da imaginação permitir antecipar os


acontecimentos futuros. Mas esta faculdade não é arbitrária, existem leis que dirigem essa
combinação de ideias:
 Semelhança – Se dois objetos se assemelham, então a ideia de um conduz o pensamento
ao outro.
 Contiguidade no espaço e/ou tempo – Se dois objetos são contíguos espacialmente ou
temporalmente, a ideia de um leva facilmente à ideia de outro.
 Causa ou efeito – Pensamos os objetivos em função da relação de um com ou outro. A
causa traz-nos ao pensamento o efeito. O efeito transporta o pensamento para a causa.
Ao contrário dos racionalistas, a mente tem então, as suas próprias leis (imaginação e
associação de ideias) e não um raciocínio a priori.

3. Que tipo de conhecimento podemos obter?


 Podemos obter dois tipos de conhecimento: conhecimento de ideias (sobre relações de
ideias) e conhecimentos de factos (sobre questões de facto).

Hume defende que a crença na regularidade causal do mundo é um produto do costume/hábito.


É por este que somos levados a acreditar na relação causal entre fenómenos. Habituámo-nos a
ter a experiencia de sequências naturais que se repetem. Partimos de uma impressão – a visão
de uma chama, por exemplo – e supomos uma relação entre a chama (causa) e o calor (efeito).
É a experiencia repetida desta conjunção que nos leva a esperar que um se suceda ao outro – o
calor à chama.

 Contiguidade e sucessão no tempo e no espaço não são suficientes para se estabelecer


esta relação, só a observação repetida e a constatação de que a relação é preservada
em vários exemplos.
 O raciocínio envolvido é a indução, que levanta problemas.
 Se a relação entre objetos e acontecimentos distintos é sempre contingente, não
podemos estabelecer inferências necessárias do passado para o futuro. Que garantias
temos que o sol nasça amanhã? Nenhumas.
 Surge então o ceticismo. Hume é um cético moderado, coloca sempre algo em dúvida
e sublinha os limites da inteligência humana, mostrando que a parte mais considerável
do nosso saber se resolve nos termos de uma convicção que assenta apenas no costume
ou hábito. Afirma que não podemos considerar o conhecimento como absolutamente
verdadeiro, mas admite, a inda assim, a possibilidade conhecer o mundo exterior.

Críticas ao empirismo

1. É cético  Se a fonte do conhecimento é a experiência, o conhecimento fica desde logo


encerrado nos limites do mundo sensível. Assim, todo o conhecimento que supera a
perceção através dos sentidos, é impossível de alcançar.

2. É reducionista  Tal como Descartes… Todo o conhecimento tem origem na experiência.

* Ver esquema pág. 173 do Manual

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