Você está na página 1de 7

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE LETRAS

Samba, literatura e história

Dandara Oliveira

Trabalho apresentado à disciplina de Fundamentos da Cultura Brasileira I como


exigência para obtenção de grau relativo ao 1o semestre de 2019.

Professor: Eleonora Ziller Camenietzki

Rio de Janeiro
2019
RESUMO

O objetivo deste trabalho é exemplificar a dicotomia narrativa que permeia


a história do Brasil, trazendo trechos de livros e samba-enredos como Porque
me ufano de meu país, Casa-Grande & Senzala, Na minha Pele, História Para
Ninar Gente Grande e Em Nome Do Pai, Do Filho e Dos Santos, A Vila Canta a
Cidade De Pedro. Tais textos têm cerca de 110 anos de diferença e, mesmo
assim, se conectam intrinsecamente, seja em oposição, seja em concordância.
O trabalho visa, além disso, criticar a escolha que os colégios fazem por ensinar
a história do país pela perspectiva européia, não ilustrando a importância dos
negros escravizados para a identidade cultural e populacional brasileira.

Palavras-chave: Brasil, literatura, dicotomia, escravidão, europeus,


colégio.

A história da escravidão no Brasil é cercada de controvérsias, visto que é


necessário fazer uma escolha para contá-la: ou fala-se pelo lado do Império, ou
fala-se pelo lado dos negros escravizados. Um exemplo de narrativa marcada
pela visão parcial é “Porque me ufano do meu país”, de Afonso Celso. O livro,
publicado em 1908, exalta a mestiçagem, como Gilberto Freyre posteriormente
também fez, além de defender a superioridade do Brasil. Em diversas passagens
o autor faz considerações que podem ser vistas como risíveis, como afirmar que
não existia racismo: “Contribuíram tantos serviços para que no Brasil jamais
houvesse preconceito de cor.” (CELSO, 1908(2002), p.74), e dizer que “O
mestiço brasileiro não denota inferioridade alguma física ou intelectual” (CELSO,
1908(2002), p.84), em uma tentativa de romantizar a mestiçagem.

Tal livro, repleto de conteúdo duvidoso, foi por muitos anos leitura
obrigatória nas escolas brasileiras, o que mostra o estabelecimento de uma
perspectiva dominante no ensino de história. Além disso, livros como Casa-
Grande & Senzala, obra com ar saudosista, escrita de uma perspectiva
aristocrática e senhorial, que explicava a miscigenação de forma um tanto quanto
fantasiosa, tiveram muito espaço no imaginário do povo brasileiro, fazendo com
que surgisse a teoria da democracia racial.

Tendo como expoente Gilberto Freyre, afirmava-se que o Brasil seria


uma sociedade na qual, em vez da discriminação e segregação raciais
absolutas, haveria miscigenação, e isso possibilitaria o convívio
harmonioso entre diferentes “raças”. Para a chamada democracia
racial, o fenômeno da mestiçagem era consequência da convivência
“salutar” e “democrática” entre pessoas de “raças” diferentes.

SILVA, Afrânio et al., 2013, p.120

Por muitos anos, a visão estabelecida com a publicação de Freyre foi


difundida pelo mundo, tendo como consequências o fortalecimento da crença de
que não havia racismo no Brasil e o financiamento de estudos sobre o caráter
positivo das relações raciais no Brasil pela UNESCO. Apenas em 1965 foi
desconstruída tal visão utópica, graças ao lançamento do livro de Florestan
Fernandes, A integração do negro na sociedade de classes, que afirmava que a
democracia racial era um mito. Apesar disso e dos crescentes movimentos
negros, o ensino escolar continuou a envernizar a história da escravidão, tendo
uma preferência pela narrativa focada nas conquistas européias, o que, portanto,
apaga as conquistas dos negros.
Os próprios professores das escolas foram ensinados dessa maneira,
vendo o negro apenas como força de trabalho. Ali me deparei com a
invisibilidade do negro na nossa história, nunca tratado como
protagonista.

RAMOS, Lázaro, 2017, p.34

No Carnaval Carioca de 2019, tivemos o desfile de duas escolas de


samba que ilustram a dicotomia ainda existente na história do Brasil. Com o
enredo “História pra Ninar Gente Grande”, a Estação Primeira de Mangueira fez
um espetáculo ao se propor contar a história do Brasil que foi apagada.

Brasil, meu dengo

A Mangueira chegou

Com versos que o livro apagou

Desde 1500

Tem mais invasão do que descobrimento

Tem sangue retinto pisado

Atrás do herói emoldurado

Mulheres, tamoios, mulatos

Eu quero um país que não está no retrato

Brasil, o teu nome é Dandara

Tua cara é de cariri

Não veio do céu

Nem das mãos de Isabel

A liberdade é um dragão no mar de Aracati

FIRMINO, Danilo et al., 2019

Enquanto isso, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Vila


Isabel veio com um desfile que vangloriava a Princesa Isabel, buscando exaltar
tanto a ela quanto ao período imperial e afirmando que a liberdade dos negros
escravizados ocorreu graças a ela. Temos, então, um claro exemplo da oposição
narrativa que permeia a realidade brasileira.

Viva a princesa e o tambor que não se cala

É o canto do povo mais fiel

Ecoa meu samba no alto da serra

Na passarela, os herdeiros de Isabel

(...)

Petrópolis nasce com ar de Versalhes

Adorna a imensidão

A luz assentou o dormente

Fez incandescente a imigração

No baile de cristal, o tom foi redentor

Em noite imortal, floresceu um novo dia

Liberdade, enfim, raiou

DINIZ, André et al., 2019

Fica claro que tal dualidade sempre esteve e continua presente no Brasil,
visto que foi feita uma pesquisa que abrange mais de 110 anos. Porém é um
absurdo que ela chegue até os colégios, pois é necessário oferecer uma
perspectiva imparcial sobre os acontecimentos, contemplando a história dos
escravos que é essencial para os alunos negros terem conhecimento de sua
ancestralidade. Muitos não sabem quem foi Zumbi e Dandara dos Palmares, que
André Rebouças, o maior engenheiro do Império, era negro e que Machado de
Assis, o maior nome da literatura brasileira, também era negro. Não é ensinado
que os negros foram de suma importância na Revolução Farroupilha. A realidade
é que nos é ensinado sobre a história dos países europeus, mas a nossa própria
história não é abordada de forma correta. E é necessário mudar esse panorama
histórico-social.

Observem que os imigrantes europeus geralmente sabem


descrever com detalhes suas histórias e erguem museus para
preservar a memória de seu povo. Onde estão a valorização e a
preservação da nossa?

RAMOS, Lázaro, 2017, p.20

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
MANGUEIRA – SAMBA-ENREDO 2019:
<https://www.letras.mus.br/sambas/mangueira-2019/> Acesso em: 23 de abril
de 2019

VILA ISABEL – SAMBA-ENREDO 2019:


<https://www.letras.mus.br/sambas/vila-isabel-2019/> Acesso em: 23 de abril de
2019

CELSO, Afonso (2012) Porque me ufano do meu país. Laemert & C. Livreiros

FREYRE, Gilberto (2003) Casa-Grande & Senzala. Global Editora

MELO, Afredo César (2009) Saudosismo e crítica social em Casa grande &
senzala: a articulação de uma política de memória e uma utopia

RAMOS, Lázaro (2017) Na minha pele. Editora Objetiva

Você também pode gostar