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BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Profª. Drª. Ilma Ferreira Machado
Orientadora
Departamento de Pedagogia – UNEMAT
___________________________________________
Profª Ms. Roseli Ferreira Lima
Membro
Departamento de Pedagogia – UNEMAT
___________________________________________
Profª Ms. Eulene Vieira Moraes
Membro
Departamento de Pedagogia – UNEMAT
Aprovado em: _______/_______/2017 Nota:__________ Agradeço a
Deus, por todas as bênçãos.
ABSTRACT
The present work of course conclusion deals with the identification of cultural traits of the
settlement of the Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), in the pedagogical
practice of Early Childhood Education of a rural school, considering that the struggle of the
Movement for the social rights of rural workers constituted a relevant factor for the
establishment of schools in the settlements. This research aims to analyze the influences of the
MST culture on the training of children in the Early Childhood Education of a rural school. At
the same time, it seeks to highlight the existence and importance of the reproduction of the
values of the Movement within the school, especially in the pedagogical practice in Early
Childhood Education. The locus of the research is the Escola Estadual Madre Cristina, in the
Assentamento Roseli Nunes, in the municipality of Mirassol D'Oeste-MT. For this purpose, a
qualitative research was carried out, through interviews with two educators and three family
members of children who attend or who have attended the kindergarten of said school. The
theoretical reference of this study is based on the authors Caldart, Bogo, Machado, Montessori,
among others. With this research we conclude that it is of great importance that the school of
the settlement has an organizational curriculum impregnated with cultural values proper to the
field and, in this case, proper to the Movement since Child Education, as a way of perpetuating
the culture of the rural people.
LISTA DE FIGURAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10
2.1 Educação do campo: breve histórico das conquistas sociais da população do campo ...... 25
2.2 Educação infantil no/do campo .......................................................................................... 29
2.2.1 A criança como ser social e cultural ............................................................................... 33
CONSIDERAÇÕES .............................................................................................................. 64
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 66
10
INTRODUÇÃO
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) tem desde o seu princípio a
preocupação em relação a escolarização das crianças das famílias acampadas ou assentadas.
Levando em consideração o cotidiano das famílias em locais de ocupação, e posteriormente (em
caso da conquista da terra), a organização do assentamento, o Movimento sempre lutou também
em prol ao direito dessas crianças receberem escolarização no interior dos próprios
acampamentos e assentamentos. Esta não foi uma tarefa simples, pois o caráter volátil da vida
em acampamento dificulta a implantação de prédios escolares. Tal fator ilustra que a luta pela
conquista da terra está longe de ser o único objetivo do Movimento.
As comunidades camponesas historicamente, e ainda hoje, são vistas com certo teor de
inferioridade em relação a população urbana. Dessa forma a necessidade de escolarização da
classe camponesa nunca antes (da luta do Movimento em prol a Educação do Campo) fora
levada em consideração. A organização das primeiras escolas em zonas rurais foi marcada pela
caracterização de extensão das escolas urbanas, não respeitando ou considerando quaisquer
especificidades da vida no campo. Assim instaurou-se a chamada Educação Rural, que apenas
veio a se tornar a Educação do Campo, após um período de reivindicações, sobretudo, do
próprio MST. Por esse motivo, não raramente se lê ou ouve que a Educação do Campo se
desenvolveu paralelamente ao Movimento.
Atualmente sabe-se que a criança é um sujeito histórico e de direitos, que assimila, mas
que também cria conhecimentos. Dessa forma, existe a preocupação em relação à escolarização
11
da criança desde a mais tenra idade. Então, a Educação Infantil, que corresponde a primeira
etapa da Educação Básica, conta com uma organização que visa o atendimento de crianças de
zero a cinco anos de idade1, se dividindo em duas etapas, creche (0 – 3 anos) e pré-escola (4 e
5 anos).
Assim, é válido ressaltar que as escolas do campo possuem suas especificidades, o que
pode parecer óbvio por se localizarem em realidades completamente diversas das escolas
urbanas, mas que levou um período extenso para ser reconhecida em aspectos diversos.
1
Cinco anos e onze meses, se considerarmos que a criança só pode ser matriculada no primeiro ano do Ensino
Fundamental com seis anos completos. A data base é 31 de março. Se até esta data a criança tiver completado seis
anos, então será matriculada no primeiro anos do Ensino Fundamental, caso contrário deverá ser matriculada na
Educação Infantil, pré-escola.
12
Buscando respostas para estas perguntas, fomos para uma instituição escolar criada e
localizada no interior de um assentamento do MST. Assim, realizamos a pesquisa na Escola
Estadual Madre Cristina, localizada no Assentamento Roseli Nunes, no município de Mirassol
D’Oeste. Ressaltamos que embora se trate de uma instituição estadual, a Educação Infantil é
oferecida pela rede municipal de educação de Mirassol D’Oeste, conforme legislação vigente.
A oferta de Educação Infantil é dever dos municípios, conforme estabelece a Constituição
Federal, e deve respeitar todas as especificidades das crianças atendidas, conforme estabelecem
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN nº 9394/96) e as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Resolução CNE/CEB nº 05/2009).
A justificativa para a realização desta pesquisa tem relação com minha trajetória de vida.
Nasci e vivi, até então, nos arredores ou dentro do município de Curvelândia, uma pequena
cidade à cerca de 60 km a noroeste de Cáceres. A maior parte do território desse município é
composta pela zona rural, geralmente pequenas propriedades, que garantem, por meio das
atividades agropecuárias, grande parte da economia do município curvelandense.
que prestava serviço voluntário na escola do assentamento. Assim, passei a ter um contato bem
próximo com a realidade do assentamento e da própria escola e, desde então alguns fatores me
despertaram a atenção, pois a escola do campo tem suas peculiaridades, seu charme. E, isso me
levou a pensar sobre as diferenças entre a tradicional escola no campo e a escola do campo nos
assentamentos, devido ao que podemos chamar de “influências do MST nas práticas
pedagógicas”.
Por fim, trazemos a análise de dados das entrevistas realizadas com educadoras e entes
familiares de crianças que frequentam a Educação Infantil da Escola pesquisada. Assim,
14
buscamos conhecer e compreender a visão das famílias e das educadoras sobre a influência da
cultura do MST na educação das crianças da Educação Infantil. Os resultados da pesquisa
indicam a importância do reconhecimento e da valorização da cultura camponesa pela criança,
uma vez que estas crianças nasceram e estão crescendo diante da realidade de luta do
Assentamento. Indicam, também, que a Educação Infantil no/do campo enfrenta problemas em
relação às políticas públicas.
15
CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO E CULTURA NO MST: UMA ABORDAGEM SÓCIO HISTÓRICA
Neste capítulo abordaremos o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST,
como eixo central, visando apresentar um perfil sócio histórico do surgimento e
desenvolvimento, além das principais proposições e conquistas em relação a educação e à
cultura, questões articuladas à dimensão da luta pela Reforma Agrária. Dessa forma busca-se
evidenciar o MST como um dos precursores da educação no campo no Brasil.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) teve sua gênese marcada no
início da década de 1980, durante o período da ditadura militar. Porém, muito antes deste
período a luta pela terra e pelos direitos do pequeno produtor rural, que constituem o ideal do
Movimento, já existia. “A semente para o surgimento do MST talvez já existia quando os
primeiros indígenas se levantaram contra a mercantilização e apropriação pelos invasores
portugueses do que era comum e coletivo: a terra, bem da natureza” (MST, 2014, p. 1).
É importante ressaltar que os ideais da Reforma Agrária, assim como os do MST, são
defendidos pela Constituição Federal de 1988, sobretudo no Artigo 184 onde afirma que
“Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de Reforma Agrária, o imóvel
rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos
da dívida agrária” (BRASIL, 1988, p. 64). Cabe considerar que a função social da terra está
definida no Artigo 186, e seus incisos, da mesma Constituição.
A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente,
segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores
(BRASIL, 1988, p. 64).
A luta pela Reforma Agrária desencadeada pelo MST está articulada a um projeto de
sociedade diferente, de igualdade e justiça social, de relações solidárias de trabalho e não
16
Diante disso, considera-se a luta do Movimento não apenas como uma batalha em busca
de um pedaço de chão, mas sim em busca de qualidade de vida, de liberdade e de
sustentabilidade. Dessa forma, não há como deixar de considerar a importância da educação
para o desenvolvimento do próprio MST e da sociedade de forma geral, levando em conta a
importância da Reforma Agrária para o país.
A Reforma Agrária compreende um processo amplo e complexo que vai além da
conquista da terra. O acesso à terra, na prática, constitui apenas o primeiro passo da
Reforma; é necessário, em sequência ao passo inicial, viabilizar as conquistas que
garantam o bem-estar social dos assentados e que possibilitem o seu desenvolvimento
econômico (SERRA; SOBRINHO, 2013, p. 143).
A partir de então deu-se início à discussão sobre a idealização de uma escola do campo
que fosse voltada ao campo, e não apenas uma instituição educacional com a mesma estrutura,
organização e currículo das instituições urbanas, visto que diante das especificidades do
campo, em relação à cidade, fica clara a necessidade de se pensar uma instituição escolar que
respeite e valorize a vida no/do campo.
A partir do momento em que a educação passa a fazer parte da luta pela Reforma
Agrária, surgem reflexões direcionadas à concepção de uma escola do campo voltada,
de fato, para o campo, sem estar pautada nos valores urbanos. No final dos anos 1980,
pouco tempo depois da fundação do MST (o Movimento foi fundado em 1984), as
discussões passam a girar em torno de uma proposta educacional que contemplasse os
anseios, os valores, a cultura, os aspectos físicos e econômicos do meio rural e que
proporcionasse às pessoas que vivem no e do campo condições para sua valorização
pessoal (SERRA; SOBRINHO, 2013, p. 146).
Diante de uma realidade onde nem sempre os acampados do MST obtêm êxito na luta
pela terra, fica claro que a vivência movimentada dificulta a escolarização das crianças dessas
famílias. Além disso, mesmo onde se obtém êxito, existe um intervalo de tempo entre a
ocupação do terreno e a organização do assentamento. E um período maior ainda entre a
ocupação e a construção de escolas, ou mesmo o acesso às escolas mais próximas, que em
determinadas situações ficam em cidades há muitos quilômetros de distância.
Assim sendo, diante da preocupação com a educação de suas crianças, os próprios pais
e mães acampados passam a organizar atividades pedagógicas com intuito de iniciar ou dar
continuidade ao processo de alfabetização. No início, os acampados e as acampadas que
dominam um pouco mais o processo de leitura e escrita assumem essa tarefa de instrução das
crianças. É também, com essa preocupação que o Movimento criou a escola itinerante.
Escola itinerante é um modelo de escola que acompanha a comunidade por onde ela for,
e se instala rapidamente nos acampamentos a fim de otimizar o tempo e o aprendizado das
crianças. De acordo com o Movimento “é uma escola que está voltada para toda a população
18
acampada, o barraco da escola itinerante é construído antes do barraco de moradia e tem também
a função de se converter em um centro de encontros de toda comunidade acampada” (MST,
2014, p. 1).
A escola itinerante foi pensada como forma de diminuir o fracasso escolar e garantir o
direito à escolarização das crianças de famílias acampadas. Levando em consideração que os
acampamentos são organizações sujeitas a mudanças de localização, e, dessa forma, a
escolarização das crianças ficava completamente comprometida. Desse modo a escola itinerante
é uma proposta que foi colocada em debate no Movimento desde as primeiras ocupações, na
década de 1980, sendo originalmente chamada de “escola de acampamento”.
2
Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária, que é vinculado ao MST. Tem sua sede atual
no município de Veranópolis, Rio Grande do Sul.
19
Todos ao trabalho; a criança deve, desde cedo, aprender o valor do trabalho, pois “é
trabalhando que se aprende a trabalhar. É trabalhando que se pega amor e gosto pelo trabalho”
(MST, 1999, p. 12). Assim, a escola também deve ser local de trabalho, onde as crianças podem
começar com a arrumação e limpeza das próprias salas de aula.
Todos participando; visto que a escolarização visa sempre a inclusão de todos, assim “a
escola é também um lugar para aprender democracia. Este aprendizado não se faz estudando
sobre o que é democracia. A democracia se aprende no relacionamento diário” (MST, 1999, p.
15).
Ensinar a ler, escrever e calcular a realidade: “elas (as crianças) devem aprender a ler,
escrever e calcular a realidade do Assentamento e de toda a sociedade” (MST, 1999, p. 6).
Ensinar fazendo, isto é, pela prática; “a gente aprende a capinar, capinando. Só explicar
não chega. É preciso fazer” (MST, 1999, p. 7).
Construir o novo; “a escola deve ajudar a construir a nova mulher e o novo homem. Isto
só é possível se ajudar a superar os hábitos negativos” (MST, 1999, p. 8).
20
Preparar igualmente para o trabalho manual e intelectual; “pegar na enxada vale tanto
quanto pegar na caneta. É falso achar que o trabalho intelectual vale mais do que o trabalho
manual” (MST, 1999, p. 9).
Gerar sujeitos da história; “a Escola deve gerar pessoas que sejam sujeitos, com
capacidade e consciência organizativa. Pessoas capazes de decidir sua vida e os rumos a
caminhada coletiva” (MST, 1999, p. 10).
Preocupar-se com a pessoa integral; “a criança tem sentimentos, corpo, tem cultura. Ela
deve poder desenvolver todas estas dimensões [...] A Escola deve cultivar, enfim, a alegria
coletiva de revolucionar a vida por inteiro” (MST, 1999, p. 11).
Dessa forma, percebe-se que a cultura não é inanimada, pelo contrário, é algo vivo e em
constante transformação. A cultura de determinado grupo não é exatamente idêntica à cultura
do mesmo grupo de gerações atrás. Isso fica esclarecido pelo fato de que novos conhecimentos
são criados ou assimilados, e assim também os costumes, tomando o lugar de conhecimentos e
costumes mais antigos.
Ao ser transformada, a cultura transforma também seus sujeitos fazendo assim, com que
os traços mudem/evoluam ao serem repassados de geração para geração. “De certa forma as
gerações seguintes sempre nascem e se forjam com o esforço das gerações passadas, tendo que
levar consigo como castigo ou como recompensa as impressões digitais das mãos que moldaram
a realidade” (BOGO, 2000, p. 15). Ainda assim, a geração que se apropria da cultura repassada
pelas gerações anteriores, dará também suas “contribuições” e, ao repassá-las, para as próximas,
o mesmo acontecerá de forma que caracteriza um ciclo ininterrupto e permanente de mudanças.
Conforme afirma Bogo,
Essa herança cultural, produzida e repassada aos seres individuais e sociais, não se
limita apenas às descobertas e invenções, nem tampouco as futuras gerações se
acomodarão em torno do que as antigas gerações descobriram. Haverá alterações
permanentes. Cada geração acrescenta nesta interligação de gerações, suas próprias
características, formando sua identidade, sempre com a responsabilidade de preparar
o ambiente onde viverão as gerações posteriores (2000, p. 14).
A história da cultura do MST é uma prova concreta de que a cultura não se transforma
de forma isolada das demais, pelo contrário, assimila traços de culturas próximas. No caso
específico do Movimento, fica clara a importância da assimilação cultural, onde um grupo com
cultura própria é capaz de acolher sujeitos de culturas diferenciadas, pois um aspecto principal
22
Essa é a luta dos sujeitos do MST, buscando intervir na realidade imposta pela sociedade
que, geralmente, exclui o que tem menos tirando-lhe quaisquer condições de auto constituição
como cidadão. Assim, a expressão ‘sem-terra’ ganha um novo sentido e “deixa de ser categoria
social para tornar-se nome próprio quando identifica um grupo social que decidiu ser sujeito
para mudar de condição social através da organização política, forjando daí sua própria
identidade, com ideologia e valores” (BOGO, 2000, p. 22 – grifo nosso). Aspecto que fica claro
ao identificar-se o quão comum é referir-se ou ouvir referências a famílias de assentamentos
como famílias sem-terra. Ou seja, sem-terra não é mais só aquele que não possui terras, mas
sim aquele que que se engajou nessa luta em busca da superação da realidade socialmente
imposta.
Falar da cultura do MST, é falar de valores como terra, luta, trabalho, embelezamento,
vida, estudo, solidariedade e participação – conforme descreve a obra Pra soletrar a liberdade,
n 1, intitulado “Nossos Valores” (MST, 2000). Assim, discorreremos brevemente sobre cada
um destes valores de acordo com o movimento.
Terra; a valorização da terra como forma de se conquistar o pão de cada dia, e mais que
isso, de conquistar a cidadania. Assim, o Movimento prega o cuidado, a valorização e o amor
pela terra. “Hoje em dia muitos exploram a terra ou a danificam com queimadas [...] Não
podemos ser senhores do ambiente. Apenas administradores, encarregados de cuidar” (MST,
2000, p. 7).
23
A luta pela Reforma Agrária nos ajuda a entender que o trabalho gera vida” (MST, 2000, p. 13).
Vale ressaltar que o trabalho, no movimento, é visto de forma coletiva, pois “no trabalho
coletivo não se trabalha menos: se trabalha diferente” (MST, 2000, p. 15).
Vida; não apenas como existência, mas principalmente como ser sujeito ativo, pronto
para enfrentar desafios e se indignar contra as desigualdades. “Estar vivo não é apenas respirar.
Ter vida é sentir-se vivo. Estar vivo é conquistar vida digna. Vida digna para todos” (MST,
2000, p. 20).
Solidariedade; é um dos pilares que sustentam a vida do/no assentamento. Ser solidário
é uma característica comum aos sujeitos dos assentamentos. A ajuda, a doação, etc., são fatos
corriqueiros e que devem sempre ser valorizados pela comunidade do Movimento. “No coração
da sociedade deve pulsar a alegria de ver seus filhos e filhas sendo gerados pela solidariedade
e pela paixão de construir um novo país” (MST, 2000, p. 30).
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2.1 Educação do campo: breve histórico das conquistas sociais da população do campo
A Educação do Campo, até a década de 90, era considerada apenas como uma extensão
da educação urbana, e chegava a pouquíssimas comunidades, deixando milhares de crianças e
jovens fora da escola. Foi apenas em 1996, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
3
Termo utilizado para expor que não se trata de uma conquista que se deu de forma aleatória, mas fruto de todo
um histórico de reivindicações da sociedade. Assim ter um capítulo da Constituição Federal voltado à educação é,
sim, uma grande vitória.
26
Nacional (LDBEN) nº 9394/96, que a Educação do Campo, até então denominada de “educação
rural”4 passou a receber um tipo de referência, e a resguardar a necessidade de um tratamento
diferenciado no atendimento aos estudantes do campo, voltado à vida da comunidade
circundante, conforme o Artigo 28, que estabelece o seguinte:
Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino
promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural
e de cada região, especialmente:
I conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e
interesses dos alunos da zona rural;
II organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do
ciclo agrícola e às condições climáticas;
III adequação à natureza do trabalho na zona rural (BRASIL, 1996, p. 9).
4
A chamada educação rural não levava em conta os aspectos característicos ou culturais das populações do campo,
ou seja, não dialoga com a vida do campo, sendo assim reduzida apenas à uma extensão da educação urbana.
Enquanto isso, a Educação do Campo leva em consideração as especificidades desses povos, tendo seus
fundamentos estabelecidos por legislação específica, conforme citado no texto. A evolução da educação rural para
Educação do Campo é fruto de um extenso histórico de reivindicações populares.
27
No artigo citado acima, podemos observar que a palavra ‘adaptação’ – que figura no
artigo 28 da LDBEN, foi substituída pelo termo ‘adequação’, reforçando a ideia de que sejam
respeitadas as características próprias do campo na organização educativo-pedagógica da
instituição escolar nesse contexto. O Artigo 35 da Resolução 04/2010, reproduz, integralmente,
os incisos I, II e III do artigo 28 da LDBEN, por isso, consideramos desnecessários transcrevêlos
aqui, uma vez que estão registrados no início desse tópico.
uma instituição uma escola do campo não é apenas o local onde está localizada, mas sim o
público que a mesma recebe/atende, conforme estabelece o inciso II, parágrafo 1º do Artigo 1º:
“escola do campo: aquela situada em área rural, conforme definida pela Fundação Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou aquela situada em área urbana, desde que atenda
predominantemente a populações do campo” (BRASIL, 2010, p. 1). Dessa forma, nem sempre
a escola do campo é a escola no campo, e nem sempre uma escola no campo é uma escola do
campo. Ou seja, a escola do campo é a instituição que atende a população do campo e volta-se
para essa realidade, independentemente de estar ou não localizada na zona rural.
Assim, a escola do campo fica caracterizada por seu público e não por sua localização e
deve estar organizada de forma a vincular-se à vida no campo.
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes
à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes,
na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível
na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as
soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país
(BRASIL, 2002, p. 3 – grifo nosso).
bem como flexibilidade na organização escolar” (BRASIL, 2010, p. 1); busca-se, dessa forma,
atingir o sucesso do processo de ensino aprendizagem, partindo dos saberes que o aluno já
possui e acrescentando sempre elementos comuns à vivência e aos interesses/expectativas deles
como seres pertencentes a uma coletividade. Assim os conteúdos devem, também, ser
formulados e apresentados de maneira que respeitem as especificidades e as necessidades dos
alunos do campo, sem descuidar dos conhecimentos científicos das diversas áreas do
conhecimento.
No tópico seguinte traremos alguns elementos para discussão sobre a Educação Infantil
do campo, considerando a importância e as especificidades desta etapa da escolarização na
formação dos sujeitos.
Assim, apenas no final do século XX, a Educação Infantil começou a ganhar o destaque
necessário,
Na década de 1980 dá-se um avanço em relação a Educação Infantil. Estudos e
pesquisas foram realizados com objetivo de discutir a função da creche/pré-escola.
Foi concluído que, independente da classe social, a educação da criança pequena é
extremamente importante e que todas deveriam ter acesso a ela (DOURADO, 2012,
p. 1).
Portanto, as DCNEI’s apresentam a criança como sujeito histórico e social e que tem
direitos sociais, tais como segurança e convívio familiar, saúde, educação, etc. Além disso, essa
resolução apresenta, em seu artigo 5º, a definição para a Educação Infantil como sendo:
31
“A escola de Educação Infantil – como uma das instituições que oferecem traços
identificatórios para as crianças - precisa estabelecer o diálogo da cultura local com a cultura
universal” (BARBOSA; FERNANDES, 2013, p. 307), de forma que se leve em consideração a
32
realidade da criança, o contexto social em que essa criança está inserida e, a partir daí, apresente
novos saberes. Este é um fator importante para a aprendizagem significativa, onde o ponto de
partida é sempre o conhecimento que o sujeito já possui, e então os novos saberes são
apresentados sempre a partir de fatores e aspectos comuns à vivência da criança. Levando
sempre em consideração que as crianças do campo são caracterizadas pelo contato direto com
a natureza, pelo “brincar com o pé no chão”5.
E ainda, essas crianças, têm desde a mais tenra idade o contato com o trabalho, ainda
que doméstico. Por vezes, o ato de varrer o quintal ou a casa, por exemplo, transforma-se numa
brincadeira, principalmente quando há mais de uma criança envolvida. Estes são fatores a serem
levados em conta na organização de uma Educação Infantil do campo que vise a formação do
sujeito crítico,
[...] neste projeto (do MST), as crianças assumem um papel ativo, criativo e
empreendedor na construção de sua cidadania. Seus valores, interesses e participação
são reconhecidos e valorizados, rompendo com o individualismo, a ordem, a
autoridade e a submissão, que coloca o Brasil como um país de grandes contrastes e
como parâmetro de desigualdades sociais (SODRÉ, 2005, p. 182).
5
Brincar com o pé no chão, no sentido de que as crianças do campo têm um contato direto com a natureza em suas
brincadeiras. Geralmente brincadeiras já esquecidas pelas crianças das cidades, como: pega-pega, escondeesconde,
etc., em muitos casos, como estes, as brincadeiras dispensam brinquedos.
33
6
O termo “escolarização convencional” é utilizado para ilustrar as função exercida pela escola tradicional, que por
vezes fazia das salas de aula da Educação Infantil verdadeiros depósitos de crianças. Além disso, ressalta-se que
não é função da Educação Infantil alfabetizar crianças, mas este processo se inicia na fase pré-escolar (4 e 5 anos)
e continua para os anos iniciais do Ensino Fundamental.
34
Maria Montessori, uma precursora da Educação Infantil, afirmou que “a criança é dotada
de poderes desconhecidos, que podem levar a um futuro luminoso. Se pretendemos realmente
alcançar uma reconstrução, o desenvolvimento das potencialidades humanas deve ser o objetivo
da educação” (MONTESSORI, 1949, p. 12). Assim, um dos maiores desafios enfrentados em
relação aos direitos da criança, foi o próprio reconhecimento da criança enquanto sujeito. Visto
que na visão medieval a criança era apenas uma miniatura do adulto e, dessa forma, o período
da infância não era reconhecido, e necessidade (ou direito) a educação não era respeitada.
Porém, com o passar dos anos a sociedade, pouco a pouco, passou a ver suas crianças
de uma outra forma. E através dessa nova visão em relação à criança, passamos a considerar
cada vez mais suas especificidades e necessidades educacionais, daí a evolução em relação à
Educação Infantil. De acordo com Montessori “uma reflexão banalíssima demonstra que a
criança não caminha, como o adulto, rumo à morte; ela avança na direção da vida, pois seu
objetivo é a construção do homem na sua plenitude de força e de vida” (1949, p. 42).
A partir dessa nova visão em relação à criança deve-se destacar os cuidados necessários
aos educadores e familiares responsáveis pela orientação dessa criança, principalmente nos
primeiros anos de vida.
Aquele que se propuser a ajudar o desenvolvimento psíquico humano deve partir do
fato de que a mente absorvente da criança se orienta na direção do ambiente; e,
especialmente, no início da vida, deve tomar cuidados especiais para que o ambiente
ofereça interesse e atrativos para esta mente que se deve dele nutrir para a própria
construção (MONTESSORI, 1949, p. 113).
Assim, passamos a considerar não mais a criança como um adulto em miniatura ou como
um cidadão do futuro, mas como um cidadão do presente, um sujeito atuante, à sua maneira.
A criança atuante é aquela que tem um papel ativo na constituição das relações sociais
em que se engaja, não sendo, portanto, passiva na incorporação de papéis e
comportamentos sociais. Reconhecê-lo é assumir que ela não é um “adulto em
miniatura”, ou alguém que treina para a vida adulta. É entender que, onde quer que
esteja, ela interage ativamente com os adultos e as outras crianças, com o mundo,
sendo parte importante na consolidação dos papéis que assume e de suas relações.
(COHN, 2005, p. 17).
35
Porém, essa transmissão e constituição de traços culturais se dá, não apenas no contexto
escolar, mas também no convívio informal das crianças, umas com as outras.
É verdade que muitos estudos têm mostrado a importância da transmissão cultural
entre crianças. Isso acontece, por exemplo, com brincadeiras infantis, aprendidas não
com os adultos, mas com outras crianças. Acontece mesmo na escola, nas brincadeiras
no pátio, fora das salas de aulas, em que canções e brincadeiras — às vezes
desconhecidas dos adultos que com elas convivem - se fazem e refazem (COHN,
2005, p. 21).
7
Expressão utilizada para ilustrar uma visão tradicional que considera que a aprendizagem se dá em um lugar
especifico: a escola; e em um tempo determinado: o horário de aula. Dessa forma busca-se quebrar esse paradigma
e expressar que a aprendizagem é contínua, e acontece independentemente do local e do tempo, assim mais
importante do que o quando e onde se aprende, é o que se aprende.
36
Como visto anteriormente, a escola do campo nos assentamentos tem um papel social
muito importante frente à comunidade. Ela é o centro dos acontecimentos, onde ocorrem as
reuniões e eventos diversos. Assim, ela tem também o papel de disseminador da cultura da
comunidade que a circunda. E essa disseminação se dá também com o público infantil, de forma
que as crianças tenham acesso aos traços culturais que complementarão os aspectos já trazidos
de casa, da vivência e do aprendizado com a família.
3.1 Metodologia
Dessa forma, esta pesquisa se enquadra como qualitativa pelo fato de que não se busca
dados quantitativos, mas a percepção em relação ao tema. Assim busca-se compreender
determinado fenômeno social, que é a presença de traços culturais do MST implícitos na prática
pedagógica da Educação Infantil. De acordo com Oliveira e Lima (2012, p. 17) abordagem
qualitativa é a mais utilizada na área da educação, sendo que os tipos de pesquisas desta
abordagem são:
[...] voltadas para o entendimento de fenômenos humanos, cujo objetivo é alcançar
uma visão detalhada da forma como os informantes os apreendem. Os princípios que
caracterizam a abordagem qualitativa é a descrição, a interpretação, a procura dos
significados para os fenômenos estudados. Deve-se tecer uma descrição e
interpretação minuciosa dos dados coletados de forma crítica e consistente
(OLIVEIRA; LIMA, 2012, p. 17).
Para Gil (2008, p. 28) “As pesquisas deste tipo têm como objetivo primordial a descrição
das características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações
entre variáveis”. O mesmo autor salienta em outra obra que a pesquisa descritiva pode
assemelhar-se a outros tipos de pesquisa dependendo de sua natureza e objetivos, assim:
Algumas pesquisas descritivas vão além da simples identificação da existência de
relações entre variáveis, e pretendem determinar a natureza dessa relação. Nesse caso,
tem-se uma pesquisa descritiva que se aproxima da explicativa. Há, porém, pesquisas
que, embora definidas como descritivas com base em seus objetivos, acabam servindo
mais para proporcionar uma nova visão do problema, o que as aproxima das pesquisas
exploratórias (GIL, 2002, p. 42).
A entrevista também foi realizada com três entes familiares de crianças que frequentam
a Educação Infantil da Escola, duas mães e um pai. Para tal atividade, os familiares foram
escolhidos levando em consideração alguns aspectos como: disponibilidade, disposição em
participar, acessibilidade, e, claro, ter atualmente ou no passado filho(s) frequentando a
Educação Infantil da Escola. Aqui, o objetivo foi apreender e buscar entender a visão dos pais
acerca da importância da Educação Infantil na Escola e a valorização do fato de essas crianças
frequentarem uma escola do campo, assim como conhecer a visão deles acerca da influência da
cultura do MST na formação das crianças. Buscando, dessa forma, visualizar a identidade
própria do sujeito da/na comunidade.
Nunes, em território rural do município de Mirassol D’Oeste, conforme imagem abaixo: Figura
1
41
Trata-se de uma instituição pública que, como o nome esclarece, é mantida pelo Estado
de Mato Grosso através da Secretaria de Estado de Educação (SEDUC-MT), e oferece
atendimento nos três turnos diários: matutino, vespertino e noturno. A instituição “mantém o
curso de Ensino Fundamental Ciclado (séries iniciais), seriado nas séries finais e Ensino Médio
Regular, multi-seriada, (EJA - educação de jovens e adultos)” (E. E. MADRE CRISTINA,
2016, p. 2).
O público atendido pela Escola é composto pelos filhos das famílias assentadas, e pelos
próprios pais e mães (na modalidade EJA), além de famílias de agricultores próximos ao
Assentamento.
O início do Assentamento Roseli Nunes foi marcado pela ocupação da Fazenda Facão
no município de Cáceres, em 17 de março de 1997. De princípio eram 600 famílias, porém com
o passar dos dias esse número dobrou, tornando-se 1200 famílias provenientes de várias regiões
do estado e do país. Dessa forma houve a necessidade de dividir-se em núcleos para melhor
organizar o espaço. Assim, formaram-se 38 núcleos de famílias, levando em consideração
fatores como afinidade, regiões de origem e outros aspectos. “Os setores, também, foram se
formando como: saúde; segurança; higiene; finanças; animação; educação; esporte; organização
da juventude; formação; comunicação; cultura, etc.” (E. E. MADRE CRISTINA, 2016, p. 4).
8
Comodato é um modelo de empréstimo de algo que não pode ser substituído por outro da mesma espécie. Para
fins de nomenclatura, a parte que empresta é chamada “comodante”, e a parte que recebe o objeto do empréstimo
é chamado “comodatário”. (Definição dada pelo site www.normaslegais.com.br, disponível em:
<http://www.normaslegais.com.br/guia/clientes/comodato.htm> Acesso em: 27 mai. 2017).
9
Existem algumas dúvidas sobre o munícipio de Curvelândia na data do estabelecimento do comodato da Fazenda
Prata, abril de 1998, já que as suas primeiras eleições municipais foram disputadas em 2000. Dessa forma alguns
acreditam que a emancipação se tenha dado também em 2000, assim o então criado Assentamento Roseli Nunes
estaria situado apenas em território dos municípios de Mirassol D’Oeste e São José dos Quatro Marcos em sua
origem. Mas, na realidade Curvelândia conquistou emancipação no dia 28 de janeiro de 1998 através da LEI nº
10
.981 que a desmembrou dos municípios de Cáceres, Mirassol D’Oeste e Lambari D'Oeste, a lei foi publicada
no mesmo dia pelo Diário Oficial do Estado de Mato Grosso.
43
Figura 2
O nome dado ao Assentamento é uma homenagem feita à Roseli Nunes, uma das
precursoras do MST. Rose, como ficou conhecida, participou da primeira grande ocupação
organizada pelo Movimento: a ocupação da fazenda Annoni, localizada no município de Pontão
(Rio Grande do Sul), em 29 de outubro de 1985. Roseli Nunes faleceu vítima de atropelamento
em 1987, quando um caminhão foi jogado sobre uma multidão de integrantes do MST que
realizavam uma manifestação, resultando em três mortes. Porém, antes de sua morte, Rose
proferiu a frase que seria eternizada pelo Movimento na luta pela Reforma Agrária: “Prefiro
morrer lutando a morrer de fome”.
Essa união entre os indivíduos foi responsável pela implantação da escola, já que dificuldades
e desafios não faltavam.
A implantação da escola foi gradativa e cheia de dificuldades. No início era feita de
coqueiro, coberta de lona e só tinha até a 6ª série (1999), depois foi feita com tábuas
e telhas usadas, e foi implantada 7ª e 8ª série (2000/2001).
O ano de 2002 foi muito difícil no setor de educação do assentamento. Devido ao
parcelamento da área, as famílias a partir de julho de 2002 começaram a ir para seus
lotes. A maioria delas ficou longe da escola e sem estradas, principalmente na
comunidade Conquista da Fronteira onde foi criada a extensão, houve muitas evasões,
devido à distância é a falta de condições de frequentar as aulas (E. E. MADRE
CRISTINA, 2016, p. 7).
também pelas matrizes do Movimento, além, é claro, das orientações pedagógicas da Secretaria
de Estado de Educação (SEDUC-MT) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s).
Conforme esclarecido no capítulo III, a escolha dos entes familiares se deu de acordo
com a disponibilidade, disposição em participar, acessibilidade, e, claro, ter atualmente ou no
passado filho(s) frequentando a Educação Infantil da Escola Estadual Madre Cristina.
Ed1 – educadora das primeiras turmas de Educação Infantil da Escola Estadual Madre
Cristina (atuou a partir de 2008), reside na zona rural, mas fora do Assentamento;
Destaca-se ainda que as entrevistas foram realizadas no mês de junho de 2017, e que as
datas foram escolhidas de acordo com a disponibilidade dos entrevistados.
De acordo com o que foi explicitado acima, a entrevista foi realizada com duas
educadoras da Educação Infantil. Sendo que uma (Ed1) atuou em outra época, com turmas
passadas, e a outra (Ed2) atua hoje. A entrevista foi composta por nove perguntas, conforme
segue:
Que vínculos você possui com o Assentamento Roseli Nunes e com a Escola Estadual
Madre Cristina?
Quais são os maiores benefícios da Educação Infantil oferecida pela Escola Estadual
Madre Cristina para a formação de sujeitos?
Você considera importante uma formação docente voltada à Educação no Campo? Por
que?
Ed1 – Sim. No caso, aqui nessa Escola Madre Cristina o que é mais focado é, assim, valorizar
a luta que os pais tiveram para conquistar a terra. Então, assim, desde o começo, então já
começa assim, trabalhando com os alunos na mística, que é uma questão de luta pra eles
valorizarem a terra.
Ed2 – Sim, existe diferença. A Escola Madre Cristina é uma escola do campo pertencente ao
Movimento, então as práticas, elas são mais coletivas, as pedagogias né, elas têm essa visão
de campo.
A experiência vivida nas escolas do campo aproxima as crianças da natureza, da vida
campesina. Desde o primeiro contato com a escolarização, a criança do campo, que já possui
um vínculo com a terra, está próxima aos elementos rurais, como: a plantação, o contato com
certas espécies de animais e com a terra (literalmente). Porém, no caso das escolas em
assentamentos do MST, essa diferença não para por aí.
As escolas dos assentamentos ligados ao MST possuem características próprias que vão
desde o seu surgimento até os objetivos a serem alcançados, conforme segue:
As escolas dos assentamentos do MST devem ser um lugar que [...] Mostre a realidade
do povo trabalhador, da roça e da cidade. Mostre o porquê de toda a exploração, o
sofrimento e a miséria da maioria. Mostre o porquê do enriquecimento de alguns.
Mostre o caminho de como transformar a sociedade (MST, 1999, p. 5).
Fica claro na resposta das educadoras que a escola do Assentamento Roseli Nunes é
engajada na luta do Movimento, em prol dos direitos sociais.
Conforme Caldart,
A escola do MST se insere nesta discussão, onde, então, certos detalhes começam a
ser bastante valorizados na proposta: a presença da bandeira do MST na escola, o tipo
de canções que acompanham as brincadeiras das crianças, a resposta que costumam
dar á pergunta: você é Sem-Terra? Emerge, pois, com força uma nova dimensão da
proposta: a preocupação com o cultivo da identidade histórica do Movimento e de
seus objetivos (1999, p. 170).
49
Ed1 – Trabalha muito com as visitas nas famílias [...] Quais são as atividades que o pai
desenvolve pra ter a renda familiar, e além dos outros conteúdos que são obrigatórios, tem
mais estes pra complementar.
Ed2 – A gente visa as atividades não só dentro de sala, como atividades que possibilitam a
coordenação motora, mas todos os dias em contato com a natureza, as brincadeiras externas,
os momentos em que se faz a coordenação do corpo, a coordenação através dos espaços em
que a gente está. Isso é possibilitado por ser no campo.
Dessa forma a escola do/no Movimento deve contar com uma organização pedagógica
que impregne em seus alunos os valores da vida e da luta no campo.
Ed1 – [...] a partir da escola você conhece a família, você vai conquistando a família através
dos alunos e conquista os pais também, eu acho que esse é o vínculo que eu tenho: a amizade,
o carinho, o respeito.
50
Ed2 – Eu sou assentada, sou camponesa, filha de camponeses, e sempre tive esse vínculo com
a terra [...] Então, assim, é aqui que eu me sinto bem, é aqui eu tenho meus laços, minhas
convivências né, as minhas ideologias estão vinculadas ao campo.
Aqui temos duas realidades um pouco diferentes, Ed1 destaca ainda que reside no
campo, mas fora do Assentamento Roseli Nunes, enquanto que Ed2 explica que é de origem
camponesa, no próprio assentamento. Ainda assim, há de se destacar a importância que ambas
dão à Escola, sendo que os vínculos com a instituição extrapolam a esfera profissional.
Ed1 – [...] todo ano tem uma atividade que é desenvolvida com as crianças, acho que de cinco,
pegam até uma faixa etária né, cada ano muda, às vezes até sete ou oito; que é o encontro de
Sem-Terrinha, que eu acho engraçado que aí, assim, é trabalhado com eles e ali trabalha
valores [...] Então assim, é uma atividade interessante que desde pequeno eles já vão
entendendo a forma como que eles tem pra reivindicar seus direitos.
Ed2 destaca ainda a presença das místicas no cotidiano escolar; são muito comuns nas
escolas vinculadas ao MST, mas pouco conhecidas em outras realidades educacionais. Lage
argumenta que,
Mística, é outra palavra muito utilizada pelos Sem-Terra. Traz intrínseco um conjunto
de significados que vai muito além da perspectiva religiosa, geralmente atribuída a
este termo. A mística parece ser o sentimento que une as pessoas em prol de uma causa
comum e na vontade ativa de construir um caminho coletivo, que leve uma melhor
condição de vida a todos os Sem-Terra. A mística pode ser também entendida pela
vertente da solidariedade e da fraternidade, que os fazem partilhar da mesma luta,
colocando-os num novo patamar de dignidade nunca experimentado pela grande
maioria dos Sem-Terra; a mística é este novo que ocupa a possibilidade um futuro
viável (LAGE, 2008, p. 502-503).
A visão em relação ao que a Escola tem feito para cultivar os valores do Movimento é
reforçada nas respostas ao questionamento (questão 5) que fizemos sobre a identificação da
criança com cultura do Movimento e que fatores as aproximam da cultura do MST.
Ed1 – A Escola tenta passar através do Hino né, que aí eles cantam Hino. Eu acho engraçado
que no começo eles [...] até nós também, a gente levantava o braço direito né, e é o braço
esquerdo. Então, aí eles ficam observando, tem vez que levantam o bracinho direito, aí eles
veem que não é e levanta o bracinho esquerdo. Então, eu acho que a mística e o Hino do
Movimento, eu acho que faz com que as crianças identifiquem bem a cultura do MST.
Ed2 – Aqui no Assentamento a gente tem muitas famílias que vieram desse processo de luta, da
lona, mas também tem muitas famílias que chegaram depois através da compra do lote. A gente
tem famílias que, apesar da luta que veio, também não estão tão aderidas à militância no MST.
E tem outras famílias que chegaram depois, pela compra, e que estão bem aderidas nesse
processo de militância. Então a gente tem criança de todo tipo, tem criança que se vê, que se
identifica com a cultura, que conhece, que sabe o que é uma mística; e tem outra que não [...]
e o fator assim, que identifica, que aproxima que eu vejo assim, é aqui na escola, as crianças
menores vendo as crianças maiores apresentando as místicas, elas mesmas apresentando,
conhecendo a bandeira, conhecendo o símbolo do movimento né, e dentro dos seminários que
acontecem. Então são todos esses momentos que vão trazendo essa identidade camponesa como
militante do MST.
52
Portanto nota-se que as manifestações culturais, por estarem sempre presentes, são as
principais responsáveis pela transmissão dos traços culturais do Movimento. Sobre estes
aspectos sempre presentes, Machado afirma que,
[...] a educação no MST não pode ser analisada separadamente do contexto social de
luta pela reforma agrária. A experiência vivida nas ações de ocupação, acampamento
e assentamento devem ser compreendidas como um processo histórico e pedagógico,
que contribui significativamente para a formação do sem-terra como sujeito social
(2011, p. 2).
Ed1 – Bom, eu acho que o problema que tem todo ano é em relação ao município [...] demora
pra liberar a sala, entendeu, esse ano mesmo acho que foi com um mês de atraso. Então eu
acho que o problema, assim [...] é mais o município.
Ed2 – Sim, muitos. Muitos problemas! Todo ano é uma luta pra que ele consiga abrir a sala, é
a primeira luta. Desde quando iniciou, que foi, assim, uma luta, vinha uma luta ferrenha porque
não tinha Educação Infantil. Conseguiu abrir já depois das férias do meio do ano. E de lá pra
cá, todo ano é uma luta constante. Esse ano, por exemplo, a gente conseguiu abrir a Educação
Infantil depois de um mês de começado as aulas, porque tem essa parceria com a Prefeitura.
Então é a Prefeitura que paga o professor, é a Prefeitura que manda a alimentação através de
uma verba [...]que viabiliza os materiais pedagógicos. Só que esse diálogo não é bem feito!
[...] Pra você ter uma ideia [...]tem uma sala ali, que foi construída pela prefeitura, são as
professoras que estão limpando, porque eles não viabilizaram uma pessoa pra limpar. Então
você faz o que? Você tem que trabalhar, você sabe da necessidade da comunidade e você acaba
assumindo responsabilidade que não é sua. Até o mês passado, além da gente limpar, a gente
estava trazendo material de limpeza de casa: sabão em pó, detergente, pano, rodo. Porque a
gente também não vai ficar na sujeira e deixar as crianças na sujeira. Até pra vir limpar o pátio
da sala lá, tivemos uma briga lá com a prefeita e a secretária de educação.
Aqui, vale ressaltar e esclarecer que: embora a Escola Estadual Madre Cristina seja
estadual, a Educação Infantil é oferecida pelo município, através da Secretaria Municipal de
53
Educação, conforme estabelece a LDBEN nº 9394/96 em seu “Art. 11. Os Municípios incumbir-
se-ão de [...] oferecer a Educação Infantil em creches e pré-escolas” (BRASIL, 1996, p. 4).
Dessa forma a Prefeitura Municipal de Mirassol D’Oeste construiu uma sala para a Educação
Infantil, em frente ao prédio da Escola estadual madre Cristina, porém por vezes nega-se a
prestar a assistência necessária. Na fala de Ed2 fica claro o descaso do órgão em relação à
assistência básica.
Ed1 – Pelo que eu tenho observado as crianças, principalmente nesse horário de recreação,
eles têm, assim, afinidade um com o outro, quase não tem, assim, o problema de briguinha, de
bater um no outro. Porque, às vezes, na cidade é muita briga né! Gente, é reclamação de pais
todo dia na escola
Ed2 – as crianças aqui, elas têm esse maior contato coma natureza, então ela vê o assentamento
por um outro prisma. Na cidade, por exemplo, você tem criança que, mesmo sendo em Mirassol,
que não conhece as diferenças dos alimentos, de onde eles vem, e, e aqui não, aqui elas já estão
engajadas nessa luta do dia-a-dia, do trabalho do pai, do trabalho da mãe.
Esclarece-se que o público infantil da Escola Estadual Madre Cristina é composto por
crianças que tem uma relação direta com a natureza e o campo. São crianças que desde a mais
tenra idade conhecem o valor do trabalho. São crianças cujas próprias brincadeiras são mais
voltadas ao que é natural. Além disso possuem um vínculo de respeito maior em relação aos
outros.
Assim, esse contato direto com o ambiente, com a natureza e com o outro, constitui
elemento essencial para a formação do sujeito. Conforme Pasuch e Santos,
É a partir desta perspectiva que analisamos a importância e a responsabilidade da
Educação como um todo, e da Educação Infantil de maneira especial, para as crianças
do campo, filhos e filhas de trabalhadores/ as, agricultores/as familiares,
assalariados/as rurais, sem-terras, extrativistas, ribeirinhos, pescadores, quilombolas,
indígenas, dentre outros que, a partir de seus saberes e práticas vivenciadas e
compartilhadas, constroem identidades próprias e coletivas (2012, p. 114).
54
Ed2 – O nosso objetivo, pelo menos o meu objetivo enquanto educadora, é formar um sujeito
que conheça seus direitos, que lute pela sua classe, que se entenda como uma pessoa que quer
aquilo que te faz feliz. Eu não vou impregnar nos meus alunos, por exemplo, a ideia de ele tem
que ser camponês a vida inteira, ou a ideia de que ele tem que estudar pra sair do campo. Então
as propostas e os objetivos, é que ela entenda todo o processo e ela faça essa opção como
cidadão, desde que ela se sinta bem, que ela se sinta feliz.
Ed1 – Eu acho que seria importante né, porque, assim, até a gente que trabalha aqui, a gente
vai se aperfeiçoando com a convivência né, com a escola, com o pessoal que já vieram de luta.
Ed2 – Sim. A maioria dos educadores não vê esse processo de formação docente no campo nas
universidades [...] Porque é uma especificidade que tem que ter esse aparato da universidade.
55
Não é simplesmente só um professor que vai fazer uma Pedagogia da Terra que conhecer a
especificidade do campo, toda formação tinha que ter isso [...] eu fiz um regular porque eu não
podia fazer o outro né, mas eu vim pro campo, eu me identifico com o campo, eu quero ficar
no campo. Então tinha que ter tido isso na faculdade.
A entrevista foi composta por seis perguntas, conforme apresentado logo abaixo:
56
Você acha que a Escola Estadual Madre Cristina deve introduzir em seus conteúdos os
valores defendidos pelo Movimento?
Sabendo que seu(sua) filho(a) está na Escola, e que a Escola é fruto da luta coletiva,
qual a importância de seu filho conhecer a história de lutas do Assentamento Roseli Nunes?
Quais os benefícios de ter filhos estudando em uma escola do campo? Quais os possíveis
prejuízos de ter filhos estudando em uma escola do campo?
Que formação você espera que a Escola Estadual Madre Cristina proporcione a seu (sua)
filho(a)?
Como deve ser a formação dos professores que atuam na Educação Infantil em uma
escola do campo? Você considera importante uma formação voltada à Educação no Campo?
Por que?
A primeira pergunta feita questionava qual a visão dos pais sobre a introdução de traços
culturais do MST na prática pedagógica:
Mãe1 – Bom, eu acho assim, que como aqui é um assentamento movido pelo MST né. Então eu
acho que numa parte sim, porque tá valorizando a cultura do assentamento deles né! Então eu
acho que sim, numa parte né.
Mãe2 - Sim. Porque através de interagir a luta né, os nossos filhos, valores, ele vai também
valorizando a nossa terra, a escola, então, os benefícios que o Movimento traz para nós. Então,
eu acho que é importante né, para isso, para eles também poder valorizar
Pai – Ah, com certeza, né! Porque eu acho que... Acho não, tenho certeza, porque desde lá da
Educação Infantil que elas também tem que entender o processo no qual elas também estão
constituídas enquanto sujeitos de uma história de luta e de resistência, de uma organização
que pra gente é muito importante e fundamental pra continuidade das família no campo.
Nessas falas fica clara a importância que as famílias dão aos valores defendidos pelo
MST, mesmo porque são esses os valores pelos quais lutaram e ainda lutam em prol à seus
direitos. Nota-se que Mãe1, no trecho “a cultura do assentamento deles né!” deixa a impressão
de se ver fora desse contexto. Isso ocorre, possivelmente, pelo fato de o sujeito não ter
participado da origem, da ocupação da terra e, portanto, não ter participado de muitos momentos
57
significativos da luta dos assentados. Ainda assim, destaca a importância e o respeito que tem
pela organização do Movimento, pela comunidade e pela escola.
Mãe1 – Aqui não conseguiu sem ter um fundador lá atrás né, teve que ter uma pessoa lá atrás.
Então isso aí a pessoa tem que, né, saber a criança tem que saber.
Pai – Acontece sim, a gente vê, de vez enquanto eles participam das atividades que tem, e é
importante né. Eu acho que sem trabalhar essa questão da pertença, deles enquanto
criancinha, mas que ele pertence a uma organização de luta, eu acho que isso é fundamental.
E nas místicas fica bem visível isso.
Essa visão é complementada pelos pais quando questionamos sobre a importância dada
pelas famílias ao fato de a história do assentamento ser repassada para as crianças da
Educação Infantil da Escola Estadual Madre Cristina.
Mãe1 – Nessa parte aí está certo, ele tem que conhecer, porque né, é um pessoal que lutou
muito pra chegar até onde estão né. Então eles lutou muito pra chegar até aqui, então eu acho
que sim, a criança tem que aprender porque não pode deixar morrer também história de quem
lutou lá atrás
Mãe2 – [...] acho importante eles saberem o processo todinho, debaixo de barraco, o que nós
passamos, o que não passou, como que conseguiu construir a escola, como que conseguiu
construir a casa no sítio. Então eu acho importante.
Pai – A importância disso é que mesmo que a gente num processo de luta, quando a escola
trabalha isso também, como história mesmo, como história de luta e resistência, essa criança,
ela, começa a criar por si só a sua própria identidade, né [...] E saber que pra gente conquistar
alguma coisa, a gente tem que lutar né. Então desde pequeno a gente tem começar a luta e
entender como que é o processo de luta. Então eu acho fundamental isso!
58
Dessa forma podemos notar a importância que as famílias dão aos aspectos
característicos da cultura do Movimento, que são repassados na escola, implícitos na proposta
pedagógica da instituição.
[...] tal proposta pedagógica tem como finalidade formar o ser humano, educá-lo,
humanizá-lo, de forma que o aprendizado possa dar a ele condições de superação das
suas necessidades fundamentais, podendo ser capaz de transformá-lo integralmente,
produzindo um sujeito consciente dos seus direitos e da necessidade de lutar contra as
injustiças sociais e a favor da reforma agrária. Além disso, a pedagogia que o MST
propõe, daria condições a esse indivíduo de produzir a sua própria história,
transformando-a, de modo que essa transformação seria a condição fundamental para
a conquista da cidadania e de uma vida melhor (MACHADO, 2011, p. 18-19).
Diante disso, as famílias entendem que, para uma formação integral das crianças
enquanto sujeitos, é de extrema importância que saibam sobre o histórico de lutas e conquistas
do Movimento. Assim as crianças das famílias assentadas podem crescer já valorizando o
contexto social no qual estão inseridas. Ou seja, reconhecendo a comunidade como fruto de
luta, e se reconhecendo como membro dessa comunidade.
A condição de poder estudar numa escola do campo é valorizada pelos entes familiares
entrevistados e isso ficou evidente quando questionamos sobre os benefícios e possíveis
prejuízos de se estudar no campo.
Mãe1 – Numa parte é bom, mas só que o aprendizado daqui é totalmente diferente do
aprendizado da rua. Aqui, as vezes, é aquilo que já falei, eles envolvem muito com místicas
Mãe2 – A parte boa é que está dentro do assentamento né, local onde a gente mora, está sempre
presente. Pra mim não existe parte ruim!
Pai – Eu, no meu ponto de vista eu consigo ver mais a parte boa né. Porque ruim, eu acho que
poderia ser ruim se eles não tivessem a possibilidade de estudar aqui no campo. Isso pra mim
seria ruim, então eu quero dizer que pra mim é importante. Porque, primeiro eles estudando
aqui tem maior possibilidade deles permanecerem aqui no campo né. E também, esse campo,
pra eles também, ser trabalhado na escola não como um campo excluído igual, às vezes, a
grande mídia coloca. Mas que é um campo permeado de vida, um campo bom de se viver, um
campo livre de várias contradições que às vezes ele pode encontrar lá na cidade e aqui é um
campo repleto de vida né. E eu acho que eles estudarem aqui é só maravilha né, eu não consigo
ver malefício em relação a isso. Então, pra mim eu acho que é um orgulho até enquanto pai,
ter meus filhos estudando em uma escola do campo. Pra mim é bom demais.
59
Essa exigência busca evitar a necessidade de transporte com ônibus escolares, por um
trecho e período muito prolongados, pois geralmente as distâncias são grandes e as estradas, de
terra na grande maioria das vezes, não oferecem boas condições para a locomoção. Além disso
trata-se de crianças, e o cuidado deve ser redobrado. Assim evita-se o distanciamento entre a
criança e sua família, sua comunidade.
Porém, embora a localização seja um fator a ser destacado, não é o mais importante. A
oferta de Educação Infantil dentro do assentamento do MST proporciona à criança um
conhecimento acerca de sua realidade. Traz para o cotidiano da sala de aula elementos comuns
do campo, propiciando que uma criança camponesa possa reconhecer o valor da vida e das
conquistas da comunidade.
Com base nos depoimentos dos entes familiares, podemos afirmar que a partir da
conquista que representa ter uma escola dentro do assentamento, pode se visualizar um futuro
promissor em relação ao futuro da comunidade e da cultura camponesa.
O futuro da cultura camponesa passa pelo tipo de formação que a Escola Estadual Madre
Cristina proporciona às crianças. Por isso, procuramos saber dos pais que tipo de formação eles
esperam para seus filhos.
O sujeito Mãe1 fez a seguinte afirmação “[...] eu acho assim, que o professor na sala
de aula é o segundo pai do filho da gente!”, deixando claro a importância do educador para o
desenvolvimento da criança.
60
Nas falas de Mãe2 e Pai, que seguem descritas abaixo, podemos identificar a
preocupação em relação a uma formação libertadora, que dê autonomia ao educando.
Mãe2 – A formação do aluno vai muito dele, você entendeu? não adianta a gente, tem hora,
bater com uma coisa que ele não queira. Tem que ensinar sim né, então a formação mais
humana, que aí ele busque mais pra frente conteúdo que ele quer né, agregar.
Pai – Oh, é uma escola voltada pra vida né! Uma escola que, ela, forma o sujeito pra viver
intervir dentro da sociedade. Uma formação que dá autonomia, uma educação que dá visão de
mundo, não aquele tipo de educação que coloca um taipa na criança que tem que falar lá que
Pedro Álvares descobriu o Brasil. Então uma formação que dê a ela condições dela poder
dialogar em qualquer instância da sociedade.
Talvez pareça prematuro falar em formação como sujeito quando tratamos de crianças,
não é, a Educação Infantil é o primeiro contato que a criança tem com a escola e merece especial
atenção. De acordo com Pasuch e Santos, as crianças “[...] existem no tempo presente e não
apenas como promessas de futuro. A criança é criança hoje, no futuro será adolescente, jovem,
adulta... Ela é ativa, criativa, protagonista de sua história” (2012, p. 115-16). Ou seja, nunca é
cedo para proporcionar uma formação crítica à criança. Se a escola pretende formar um sujeito
crítico, livre e autônomo, é com a criança que essa formação deve começar. Assim deve-se
considerar o fato de que se a criança não é mais um adulto em miniatura, como a visão de
outrora, tampouco a criança é apenas um sujeito do futuro. A criança é um sujeito do presente
que, com suas especificidades, “constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina,
fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a
natureza e a sociedade, produzindo cultura” (BRASIL, 2010, p. 12).
Procuramos, também, conhecer a visão dos pais sobre a formação dos educadores da
Educação Infantil no campo: como deve ser, se é importante uma formação voltada à Educação
no Campo, e por que.
61
O sujeito Mãe1 destacou que “Sim!”, e fez alguns relatos sobre a dificuldade de quem
vem de fora do assentamento, de fora da vida no campo: “Quando eu mudei para cá meus filhos
estudavam na rua. Quando chegou aqui eles (professores) mandaram meus meninos fazerem
uma pesquisa sobre plantação, sobre um monte de coisas, sabe, meus meninos não sabiam nada
disso e, nem tampouco eu, não sabia”. Dessa forma o sujeito concorda que existe dificuldade
para quem vem de fora da realidade do campo e, por isso, faz-se necessário uma preparação
melhor.
Pai – Não dá pra você trabalhar... Estar no campo e querer trabalhar as mesmas coisa que lá
da rua, porque é uma contradição né [...] Então eu creio que é importante sim a formação
voltada pro campo, porque assim, até o Miguel Arroyo tem um lançamento do livro dele que
fala assim oh “novos sujeitos, novas pedagogias”, então se a escola não pensar que a
formação, ela parte de uma processo cultural, eu acho que não tem sentido essa formação [...]
Porque você vai conseguir deparar com as dificuldades daqui e você vai fazer uma relação,
um diálogo, com as outras, com o oposto que é o campo e a cidade.
Lembramos que pergunta parecida foi feita às educadoras, mas também é importante
conhecer a opinião das famílias em relação aos profissionais educadores. E, conforme
explicitado acima, as famílias dão muita importância ao fato de o educador ter conhecimento e
introduzir-se na realidade da comunidade, visto que assim poderá abordar com maior segurança
os traços culturais dos assentados do MST, dos trabalhadores do campo. Além disso essa
proximidade do educador com a vida do campo facilita na própria vivência do educador com a
comunidade, uma vez que o profissional assimile também traços dessa identidade camponesa,
como ocorre na Escola Estadual Madre Cristina.
De acordo com as falas dos sujeitos que participaram das entrevistas, entes familiares e
educadoras, podemos notar com certa clareza a proximidade entre a instituição e a comunidade
do assentamento. Destaca-se o fato de a escola ser o centro do assentamento, o local onde
ocorrem eventos, manifestações culturais, etc. Assim podemos vislumbrar que a organização
do assentamento em si, passa pela organização da própria escola. Não podendo então, deixar de
considerar a importância da instituição escolar para as famílias assentadas, e não apenas as
famílias de alunos, mas todas que de uma forma ou outra buscam viver e compartilhar as
experiências vividas.
Assim, não é difícil compreender a importância que as famílias dão aos profissionais
que atuam na escola, de tal forma que estes são acolhidos, não só pela instituição, mas pela
comunidade em geral. Porém, ressalta-se que para que esse vínculo seja criado o próprio
educador deve ter consciência de que, ao atuar em uma escola do campo, e mais que isso, uma
escola de assentamento, estará participando de uma realidade completamente diferente da
realidade urbana. Importante também destacar, que esse acolhimento em momento algum deve
ser visto ou considerado uma forma de exaltação ao educador como superior aos sujeitos da
comunidade, mas sim como maneira de torná-lo um sujeito igual aos demais desta comunidade.
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Assim, como sujeito da comunidade camponesa, o educador exerce uma função extremamente
importante dentro e fora da sala de aula, instruindo, participando, criando junto aos alunos e
comunidade, etc.
Podemos notar um certo distanciamento na fala de Mãe1, em relação aos traços culturais
do Movimento. Isso se dá, como afirmado anteriormente, pelo fato de o sujeito não ter
participado da conquista da terra através da ocupação e das lutas do Movimento. Além disso, o
sujeito ao adquirir a terra através da compra, encontrou uma comunidade organizada, e de cuja
organização este não participou desde o início. Vale destacar que em momento algum buscamos
desmerecer quaisquer sujeitos do assentamento em relação ao restante da comunidade, apenas
destaca-se o fato da compra como forma de explicar o distanciamento entre o indivíduo e a
ideologia do Movimento; pois, mesmo as famílias que chegaram ao assentamento através da
compra, são oriundas de lutas contra a exploração das classes superiores.
Fica evidenciada a visão positiva dos sujeitos em relação à inclusão dos traços culturais
do Movimento nas práticas pedagógicas da Educação Infantil como forma de perpetuar a cultura
camponesa e o espírito de luta, valores defendidos pela comunidade e pelo movimento. Nota-
se a preocupação em não se deixar perder de vista a história do assentamento, os valores que
levaram à conquista do espaço onde vivem, e o reconhecimento da importância da luta em prol
a superação da exploração e autonomia frente a sociedade.
É importante ressaltar que as famílias têm cada vez mais a consciência de que suas
crianças são sujeito históricos que possuem capacidades de criação e assimilação de
conhecimento, de cultura. Assim, a Educação Infantil exerce um papel ainda mais importante
frente a estas famílias, que passam também a lutar pelo direito à Educação Infantil.
Um ponto negativo que merece ser problematizado, mas que infelizmente não
surpreende em nenhuma instituição pública do país, são as políticas públicas ineficazes, que
tiram dos órgãos ‘competentes’ certas responsabilidades e as repassam para a comunidade e
para os profissionais. Fica claro na fala das educadoras as dificuldades encontradas ao lidar com
a Secretaria Municipal de Educação e a Prefeitura Municipal de Mirassol D’Oeste, que são
responsáveis pelo oferecimento da Educação Infantil no Assentamento Roseli Nunes. Não
buscamos aqui fazer juízo de valor ou sobrepor uma profissão à outra, mas se educadoras
precisam disponibilizar tempo e materiais para assumir o papel que seria da equipe de
manutenção de infraestrutura (limpeza) o prejuízo é da própria Educação Infantil, pois este
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mesmo tempo seria empregado na organização e planejamento de atividades, e este valor (gasto
na compra de materiais) poderia ser utilizado na aquisição de materiais pedagógicos.
CONSIDERAÇÕES
A escolarização de crianças de zero a cinco anos é uma fase delicada e que exige um
cuidado máximo do educador, pois se trata do primeiro contato da criança com a escola, e
principalmente, uma etapa da vida onde a criança se encontra em pleno desenvolvimento de
suas capacidades. Portanto, se trata de um período em que a criança está aberta a experimentar,
criar e também a assimilar conhecimentos e influências. Diante disso visualizamos, através da
pesquisa, a existência de traços culturais do MST presentes na prática pedagógica da Educação
Infantil.
Estes fatores estão presentes também nas escolas, e por elas são disseminados. Mesmo
porque as escolas de assentamentos representam, sempre, o coração da organização da
comunidade assentada. É um espaço educativo institucionalizado, mas que rompe as barreiras
da educação formal. É na escola do assentamento que são realizadas reuniões da comunidade,
eventos beneficentes, esportivos e culturais.
Há um dito popular que diz “Educação vem de berço” e é lá mesmo que a educação
deve começar. A criança por mais jovem que seja, sente e percebe o mundo à sua volta. É com
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esta consciência que a Escola Estadual Madre Cristina expõe a cultura do Movimento a suas
crianças, para que esta possa ser vivida e percebida desde cedo. Assim alguns questionamentos
podem surgir em relação a introdução dos traços culturais do MST na escolarização. Porém,
antes de assimilar e considerar determinados discursos, há de se raciocinar sobre as intenções,
a origem e a finalidade de certas falas.
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