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Estava no horário de almoço, não muito feliz com a comida, mas o restaurante era

cômodo a minha atual rotina. De uns anos para cá havia me acostumado com ritmo monótono
dos meus afazeres, sem me dar conta, tudo tinha se tornado cíclico e vazio.

Tendo terminado meu almoço, sai do restaurante após pagar a conta. Andando pela
calçada chequei meu relógio de bolso, presente do meu finado pai, e vi que ainda me restavam
alguns bons minutos. Levantando novamente o olhar para continuar com o meu andar, notei o
meu reflexo no vidro de uma loja. Minha camisa de botão branca estava um pouco amassada,
o blazer já tinha visto dias melhores, o cabelo de fios escuros, um tanto quanto bagunçados, e
a gravata, bem... Uma jovem, ao notar que eu havia parado na frente da loja, perguntou se eu
gostaria de entrar, acho que só em uma situação como está era possível ver alguém
perguntando se eu desejava algo, apenas levantei a mão com sutileza em sinal negativo
enquanto continuava o meu andar. Não sei bem quando deixei que tudo chegasse a esse
ponto.

Enquanto caminhava, retirei um cigarro do maço que havia no meu bolso e o acendi. Resolvi
nesse momento que, com os bons minutos que ainda tinha, iria ao pub que ficava de frente
para a orla da cidade.

Chegando à entrada do pub vi a usual placa informando o horário de funcionamento,


apenas passei direto por ela e entrei. La dentro, ouvi uma voz calma, solitária, e audível de
alguém que se comprazia em executar a atividade que realizava, dizendo: - volte daqui a três
horas, garanto que será melhor aten... Sua voz parou e vi o seu sorriso enquanto caminhava
em minha direção. – Puxa vida, faz algumas semanas que não te vejo, como tem estado? Esta
com uma cara péssima. O que vai beber, o uísque escocês como de costume? Sente-se ai
enquanto coloco para você, é por conta da casa!

Conversamos por algumas horas sobre os velhos tempos, esbocei alguns sorrisos. Em
meio à conversa olhei por vezes o relógio de parede que ficava atrás do balcão acima do
painel de bebidas, já não tinha mais ânimo para retornar ao trabalho naquele dia. Me despedi
do meu velho amigo sorridente, e ao abrir porta do pub recebi no rosto a brisa salgada que
vinha do mar.

Era quase final de tarde, havia um banco de pedra na calçada onde resolvi parar e
observar o final daquele dia. Acendi novamente um cigarro enquanto olhava o sol se esconder
sob o mar.
Em meio à letargia provocada por todo aquele cenário, fui tomado de meus
pensamentos, que só me diziam o quanto qualquer coisa valia mais do que a minha vida, por
uma espécie de som agudo. Olhei ao redor e notei que todos ignoravam o som e seguiam com
seus passos. Caminhando em direção ao som, notava que o mesmo se assemelhava cada vez
mais a um grito feminino e, ao perceber isso, fui cada vez mais rápido a origem dele.

Estava certo, espreitando pelo beco daquela rua, vi o rosto de uma mulher assustada
enquanto era ameaçada por um homem que aparentava ter pouco mais de vinte e cinco anos.
Nessa situação, apenas uma coisa passou pela minha cabeça, se minha vida tinha perdido seu
brilho nada me impedia de arriscar-me, ao menos eu poderia dar mais alguns anos de vida a
alguém. Por um momento imaginei que aquilo era uma clara tentativa de suicídio, e que
“bancar o herói” acabaria matando nós dois. Tirei essa ultima ideia da cabeça e comecei a
agir, como nos tempos em que eu ainda via algum sentido nas coisas. Olhei ao meu redor,
peguei uma das pedras que estavam no chão e lancei-a a uma altura que fosse capaz de distrair
o olhar do agressor e, no mesmo instante, disparei beco adentro em sua direção. Derrubei-o
fazendo sua arma cair sobre o chão pedregoso do beco. Sem hesitar, direcionei diversos socos
em sua face até apaga-lo completamente.

Com o coração e respiração acelerados após ter imobilizado o homem, voltei o meu
olhar para a mulher, que agora estava sentada no chão com um olhar que era um misto de
desespero, surpresa e atordoamento. Me afastei do corpo e fui em direção a arma. Removi o
cartucho e notei que a mesma não havia sido engatilhada. Guardando-a, me voltei para a
figura assustada ao meu lado, ofereci ajuda para que ela pudesse levantar. e coloquei meu
blazer sobre seus ombros. Após sairmos daquele local, liguei para a polícia local informando
o ocorrido e dando as informações necessárias. Tendo feito isso, perguntei se ela gostaria de ir
a delegacia naquele instante, ela, ainda em choque com o ocorrido, apenas mexeu a cabeça em
sinal afirmativo com lagrimas escorrendo sob os olhos.

Tendo cumprido com todo o protocolo que me cabia a uma situação como aquela,
fiquei sentado na sala de espera da delegacia enquanto a moça fazia o registro da ocorrência.
Resolvi então sair e acender um cigarro e pensar em tudo o que tinha acontecido.

Enquanto olhava para a paisagem daquele final de tarde e o sol se pôr de uma maneira
inesperada, percebi o movimento da porta da delegacia atrás de mim e dela vi sair a moça que,
ainda um pouco desnorteada, veio em minha direção. Quando ela ficou a poucos passos de
distância, ouvi sua voz, ainda trêmula, dizer:
– E... ei, senhor.. Obrigado por ter me ajudado.

- Tudo bem, não foi nada. Respondi em tom calmo.

Ela fez um movimento na intenção de retirar o meu blazer e devolvê-lo a mim. De


imediato e, gentilmente, disse a ela que não precisava. Pois, o tempo estava começando a ficar
um pouco frio, com a chegada da noite, e seria melhor que ela ficasse com ele naquele
momento.

Com aquele “obrigado” pude notar que poderia eu mesmo não ver sentido na minha
própria vida, mas que outros poderiam ser agradecidos por ela. Talvez eu não tivesse me
perdido completamente, muito mais provável que eu só tenha tropeçado em algum momento e
o “obrigado” daquela mulher soou como um sino dentro de mim.

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