Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Em 1124, Bernardo escreveu Apología a Guillermo, uma forte crítica ao que ele
considerava os excessos da ordem de Cluny. Neste escrito, Bernardo reprendió
duramente a escultura, a pintura, os adornos e as dimensões excessivas das igrejas
dos cluniacenses. Partindo do espírito cisterciense de pobreza e ascetismo rigoroso,
chegou à conclusão de que os monges, que tinham renunciado às bondades do
mundo, não precisavam de nada disto para reflexionar na lei de Deus.
A abadia cisterciense
Lendas
Zona de monges Zona de conversos
Em 1098 três monges, dirigidos por Roberto, abade de Molesmes, trocaram a pompa e circunstância
próprias de Cluny, as suas glórias, riquezas e poder terrenos por uma vida de recolhimento mais
condizente com o Evangelho, criando em Citêaux, na Borgonha, a 1ª abadia daquela que será a partir
desse momento conhecida como a Ordem de Cister, a qual chegará a possuir por toda a Europa
Ocidental cerca de 750 mosteiros.
Neste sentido, a Cluny, que adoptou uma espiritualidade em que o essencial é o serviço de Deus, o opus
dei, a que os monges podem dedicar-se graças ao rebanho de servos, opõem-se os adeptos (dentre os
quais Cister) de uma mística que una a oração e o trabalho manual praticado pelos monges juntamente
com os conversos ou irmãos leigos; aos religiosos cuja espiritualidade se alimenta do esplendor das
igrejas do brilhantismo da liturgia e da pompa dos ofícios religiosos opõem-se aqueles apaixonados pela
simplicidade da vida e pelas linhas puras e sem ornamentos contra o barroco românico que se compraz
nos sumptuosos revestimentos, nos caprichos de uma ornamentação atormentada e nas vestes de seda;
Cister acolhe um estilo novo, quer espiritual quer material, mais rigoroso e mais bem ordenado que
despreza o pormenor em favor do essencial.
Portanto: maior exigência na vida monástica, humildade e austeridade; busca do lugar isolado e calmo;
empenhamento na oração pessoal e sobrevivência através do trabalho manual; flexibilidade na relação
hierárquica entre a abadia-mãe e as abadias-filhas no respeito pela autonomia, pela responsabilização
individual e autonomia económica. Uma única imposição: a “visitação” efectuada pelo Abade da casa-
mãe o qual regularmente verificava a fidelidade à regra de S. Bento e a manutenção dos bons usos e
costumes; mesmo Citeâux era visitada colegialmente pelos 4 abades dos mosteiros a que tinha dado
origem.
A fundação de um novo mosteiro era morosa e formal: assim que a casa-mãe tivesse e pudesse sustentar
60 monges deveria desmembrar-se e criar uma nova fundação (1 Abade e 12 monges). O local de
implantação da nova abadia devia ser relativamente isolado, possuir água e ser auto-suficiente; os
membros deviam declarar respeitar a regra e a Carta de Caridade, consagrar-se à protecção da Virgem
Maria, evitar a ingerência dos senhores laicos ou eclesiásticos, garantir, logo de início, a posse plena do
território em que se implantava e por fim submeter-se à aprovação do Capítulo Geral. No entanto, será
a filiação de comunidades beneditinas ou eremíticas pré-existentes e aderentes à observância de Cister
que darão origem à maior parte dos mosteiros da Ordem.
A união do trabalho no campo com o papel de usufrutuário irá conduzir à melhoria da produção e ao
surgimento de inovações nas suas propriedade devido sobretudo à conjugação do conhecimento prático,
capacidade económica e entreajuda entre os mosteiros.
Nem todos possuem granjas, as quais necessitam de uma série de requisitos para serem criadas. A maior
parte das propriedades será constituída por pequenas propriedades sujeitas à actividade agro-pecuária
com uma especialização produtiva da mesma. Outro factor importante de desenvolvimento era a posse
de unidades de transformação, nomeadamente moinhos, as quais se encontravam mais perto dos
mosteiros para melhor controle. Através desses meios era possível aceder ao numerário quer colocando
no mercado excedentes transformados quer cobrando pelo uso dos mesmos. Outra forma de aceder ao
dinheiro era através da posse de bens urbanos e da cobrança de rendas sobre os mesmos.
Esta situação não era imune às criticas; Walter Map, cortesão inglês lançou em 1180 um ataque
vitríoloco contra o que chamou a hipocrisia dos monges que, sendo estritamente vegetarianos criavam
alegremente milhares de galinhas e porcos, que talvez comessem em segredo, e contra os
arroteamentos extensivos que chegavam a destruir aldeias e igrejas para se poderem implantar num
“deserto” isolado como a sua regra impunha, mas nunca tão isolado que não acedessem às vias
principais de escoamento dos produtos e a sua colocação nos melhores mercados.
Em termos artísticos, Cister nega toda a ostentação, visa despojar-se do acessório e buscar a
essencialidade em oposição ao simbolismo cluniacense. Renúncia à escultura colocando-se dentro de
uma corrente essencialista presente no mundo cristão em movimentos iconoclastas quer na igreja do
oriente ou em determinada arquitectura moçárabe, quer no primeiro românico e também na reforma
carmelita; as ordens mendicantes postularam a simplicidade na arte e na mesma altura o movimento
almoáda apregoa para a arte islâmica a mesma sobriedade expressiva. Em oposição a uma outra frente
que defende os excessos arquitectónicos, artísticos, figurativos ou decorativos como manifestação na
terra de Deus no céu.
Como novidades, a difusão do arco em ogiva que já tinha aparecido em algumas igrejas românicas,
nomeadamente em Inglaterra, e a abóboda sobre cruzamento de ogivas acabando com o arco de meio
ponto românico o que permite maior altura e mais luminosidade. A linha recta é desviada no alto pelos
arcos de ogiva, a ábside é recta ou poligonal acabando com a referência simbólica à rotundidade celeste
sugerida pelos arcos, abóbodas e ábsides românicas; muros limpos, arcos angulares com o seu ponto de
encontro perdido nas alturas, vãos perfurados sem aditamentos em grandes superfícies murais, perfeito
esquadriamento e pulidez. A pedra é pura, exibida com toda a sua força e nudez, a pedra imutável,
eterna, sobre a qual passam lentamente luzes e sombras ao longo do dia e nada mais; é a sobriedade
cisterciense da essencialidade do inacessível que dispõe o espírito em direcção a Deus.
A luz é essencial, é ela que vitaliza a imobilidade e a nudez da pedra e que lhe confere um movimento
sereno, tal como o criador dá a vida às suas criaturas, adquirindo por isso um simbolismo de primeira
grandeza na arquitectura cisterciense, mas os vitrais não são mais que simples vidraças rasgadas na
parede.
A sonoridade joga aqui o outro papel essencial: com um domínio da acústica sem precedentes os
construtores souberam dispor os seus limpos muros, colunas, arcos e abóbodas para que reflectissem
uma sonoridade única, como um primado da audição sobre a visão: “Só o ouvido entende a verdade pois
que percebe o Verbo” - S. Bernardo.
As igrejas cistercienses foram construídas para reverberar com o canto monódico envolvendo quem
escuta o canto sagrado, sendo necessário encontrar o intervalo da ressonância justa próprio de cada
igreja, cada nota puramente entoada cria o seu próprio universo sonoro e harmónico, a pedra vibra com
o coro e o templo é um imenso instrumento de música em que o canto é ritmado pelo alento do homem.
A arte cisterciense plasma um ideal luminoso em que Deus é o fim absoluto da vida do homem, num
mundo em evolução pelo progresso das cidades e de uma burguesia poderosa e extrovertida, um mundo
em transição, de regresso à Natureza.
*
Esta ruptura face à ostentação do românico cluniacense é uma resposta no âmbito monástico e visa
levar o rigor a todos os aspectos da vida do monge; corta, poda e purifica, renegando o que corrompeu o
monaquismo ocidental sem perder o respeito pelo passado e pelas fontes antigas, das novidades
aproveita só o que lhe poderá ser útil.
Não deixando de poder ser classificado como um românico despojado e sem poder deixar de estar
comprometido com o gótico, principalmente após a morte de Bernardo, seguirá de perto o seu
pensamento.
Como S. Bernardo aproveitará inovações, de que foi por vezes pioneira, como a arquitectura hidráulica
e novas formas de pensamento espiritual com especial relevo para a teoria da luz e modificações quer
litúrgicas quer simbólicas que terão consequências técnicas ao nível da divisão do espaço e da sua
elevação, e neste sentido Cister terá um papel importante na difusão do gótico.
Como ele, irá renegar a grandiosidade do gótico, a sua mundaneidade ligada às urbes e as construções
do pensamento escolástico que, nas nascentes universidades falavam já da razão e da lógica. O estilo
cisterciense é obra de e para espirituais e perfeitos, ou seja, para monges, é uma estética da
frugalidade que busca a beleza interior oposta à beleza da ostentação.
Nascido em Núrsia, no seio de uma família importante, abandona a escola romana e refugia-se como
eremita em Subiaco onde a fama de asceta lhe granjeia inúmeros discípulos; posteriormente instala-se,
segundo a tradição, em 529 no Monte Cassino. A sua vida só é conhecida de forma lendária e ainda hoje
se discute se será ele o autor da célebre regra monástica que tem o seu nome e se ela será anterior a
uma outra, próxima, mas mais formalista conhecida como a Regra do Mestre.
O essencial é que, num momento em que o monaquismo ocidental passava pela necessidade de se
organizar, a regra de S. Bento impôs-se rapidamente devido ao equilíbrio que criava entre a austeridade
e a moderação, à autoridade do abade e ao respeito pelos monges - bem como pelas práticas pias e pela
actividade económica (trabalho manual) e intelectual (cópia e leitura de manuscritos).
Afastada do extremismo ascético do monaquismo oriental ou irlandês, esta regra contribuiu para a
formação de uma certa tradição ocidental sob o lema Ora et Labora.
Por outro lado, tinha um grande sentido militante e militarista da afirmação da religião e da ortodoxia
religiosa. Era um polémico mordaz e o monge mais poderoso do séc. XII, entendia o monaquismo como
uma vida de rigorosa obediência e de abnegação extrema. Espírito missionário, imiscuía-se em todo o
lado onde se fizesse sentir a severidade e concentração necessárias à vida religiosa e agiu firmemente
contra os dissidentes teológicos. As ligações políticas que estabelece, ao ponto de “fazer” o Papa
Inocêncio II, vão dar-lhe um poder decisivo na Europa de então dominada pela Igreja, foi conselheiro
espiritual de Papas, soberanos e prelados, tendo, inclusivamente, ajudado à fundação de Portugal. Uma
imensa obra intelectual que lhe valeu o título de Doutor de Igreja. O Papa Pio XII apelidou-o de “o
último dos Padres da Igreja, e não o menor”.