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Os seus três principais artigos são: (i)"A Natureza da Firma" (The Nature of the
Firm), que data de 1937; (ii)"O Problema do Custo Social" (The Problem of
Social Cost), de 1960; e (iii)"O Farol na Economia" (The Lighthouse in
Economics), escrito em 1974.2
A Firma
O aluno perspicaz pode fazer a pergunta que Coase fez no seu artigo de 1937
(Coase [6]). Por que firmas? Por que empresários, gerentes e trabalhadores
escolhem se unir, em vez de comprar e vender os seus serviços como freelances,
individualmente e uns aos outros, em mercados à vista? A resposta -- que Coase
forneceu quando ainda era um estudante de graduação -- é que as transações
envolvem custos. As relações contratuais de longa duração entre empresários,
gerentes e trabalhadores se desenvolvem para reduzir esses custos e, portanto,
para aumentar o valor da produção, através da sua organização pela firma. Dentro
da firma, as barganhas individuais entre os vários fatores de produção em
cooperação são eliminadas (Coase[8] :16). Faz sentido, portanto, começar a
análise do comportamento dos produtores considerando a firma como a unidade
básica, entendida não como uma coleção de pessoas e máquinas, mas sim como
uma teia de contratos mutuamente vantajosos. Passados mais de cinquenta anos,
esse assunto volta à pesquisa recebendo um tratamento na direção sugerida por
Coase.3
Nova Abordagem
O que Coase está propondo é tratar esse problema a partir do mesmo esquema
conceitual empregado no estudo da firma: a abordagem do custo de
oportunidade5, comparando as receitas obtidas a partir de uma dada combinação
dos fatores de produção com os arranjos econômicos alternativos (Coase[8] :43).
Depois de Coase ter escrito o seu artigo de 1960, tornou-se usual dizer que existe
uma externalidade quando a ação do indivíduo A afeta os outros -- adversamente
ou positivamente -- e o indivíduo A não é forçado a pagar pelos efeitos adversos
de sua ação ou a ser reembolsado pelos seus efeitos positivos. Já que A não tem
que pagar a, nem ser pago por, aqueles que prejudica ou beneficia, o prejuízo ou
o benefício é "externo" a ele. Nesse caso, A não é forçado a levá-lo em
consideração quando toma as suas decisões: ele não "internaliza" o prejuízo ou o
benefício. Pelo fato de A não internalizar os efeitos prejudiciais de algumas de
suas ações, ele executa mais dessas ações do que o "socialmente ótimo". O
montante socialmente ótimo de qualquer ação a ser empreendida é aquela
quantidade que iguala o custo marginal da ação ao seu benefício marginal. 6 Como
o indivíduo A não considera todos os custos marginais -- para os outros e para si
mesmo -- ele executa muito daquela ação, escolhendo uma quantidade dela acima
da socialmente ótima.
Veja que, nesse caso, as transações voluntárias em que A participe podem não
resultar numa alocação ótima dos recursos. A economia de mercado não atinge,
na presença do fenômeno da externalidade, a situação que os economistas
batizaram de ótimo de Pareto, em que os recursos são utilizados de um modo que
é impossível que alguém melhore a sua situação sem que, com isso, outra pessoa
fique em situação pior. No ótimo de Pareto ocorre a eficiência econômica, em
que as transações voluntárias chegam a uma situação onde não há desperdício.
Diante das falhas do mercado, os economistas costumam sugerir a ação
governamental para consertar os defeitos provocados pelas externalidades.
Os Direitos de Propriedade
No seu texto de 1974, Coase mostrou que os faróis podem ser (e tipicamente
foram) um negócio lucrativo para as empresas privadas, alertando para o fato de
que muitos bens que são considerados públicos podem perfeitamente ser
fornecidos pelo setor privado, sendo questionável a automática entrada do
governo.
Coase não mais se encontra na ativa, mas o seu trabalho alimenta a recente
tendência antiintervencionista. Ele também deve ser considerado moderno se
contrastado com a crescente preocupação com o meio ambiente. Para esse
assunto, como veremos, a mensagem que se pode extrair do teorema de Coase é
que devemos ter cautela ao recorrer à intervenção governamental, uma vez que a
economia de mercado pode ser capaz de resolver, por si mesma, os problemas
ecológicos.
2.As Externalidades
Para entendermos mais acuradamente o fenômeno das externalidades, vamos
ilustrá-lo com alguns exemplos.
Desde que seja estabelecido o direito de propriedade sobre o trecho do rio, o seu
dono vai cobrar uma taxa para quem quiser pescar nele. Os pescadores aceitarão
pagá-la até o ponto em que a pesca marginal se iguale ao custo de oportunidade
de pescar. A pesca marginal é o montante em que aumenta a quantidade de peixes
pescados quando um pescador a mais vem para o rio. Ela será igual à pesca do
pescador que chegou por último menos a quantidade reduzida de peixes de todos
os outros pescadores. O custo de oportunidade de pescar é o único custo que o
pescador que chegou por último considera na ausência de direitos de propriedade
definidos, porém, com esses direitos estabelecidos, ele é forçado a considerar
também o seu efeito negativo sobre a pesca dos outros. Isso porque esse efeito é
medido pela taxa cobrada pelo dono do trecho do rio, que procura maximizar o
seu lucro.
Veja, portanto, que estabelecer direitos de propriedade funciona como uma forma
de obrigar os indivíduos, cujas ações prejudicam os demais, a internalizar o seu
efeito sobre os outros. No caso, a taxa cobrada pelo dono do trecho do rio ao
pescador que chega por último -- que corresponde à quantidade de peixes
equivalente ao ponto em que a pesca marginal se iguala ao custo de oportunidade
de pescar para cada pescador -- obriga-o a considerar não apenas o seu custo de
oportunidade de pescar, mas também a pagar a taxa que mede o seu efeito
prejudicial sobre os outros.
Um outro exemplo interessante fornecido por Densetz [11] 8 é o caso dos índios
norte-americanos, conhecidos como Montagnes, que habitavam as cercanias de
Quebec. Antes de trocarem peles com os brancos, os Montagnes caçavam para
obter carne e vestuário suficientes para a sua sobrevivência. Não havia direitos de
propriedade privada definidos para os territórios de caça. Qualquer indivíduo
poderia caçar, de modo intensivo, em qualquer área. Como no exemplo da pesca,
a lei dos rendimentos decrescentes deveria entrar em ação a partir de determinado
momento, já que a quantidade de terras disponíveis para a caça era fixa. Na
propriedade comunal, cada caçador individual não tinha qualquer motivo para
achar que a intensidade de sua caça afetava o sucesso da caça dos outros. O
fenômeno da externalidade se encontrava latente. 9
Abelhas e Laranjas
A visão tradicional anterior a Coase encontrou nesse exemplo um caso típico para
o governo intervir, corrigindo os preços relativos através de taxas e subsídios
apropriados, com o intuito de levar em conta os benefícios que tanto os criadores
de abelha quanto os plantadores de laranja não percebiam ou, pelo menos, não
podiam cobrar.
Vacas e Plantação
Um rancho de gado é separado de uma fazenda por uma faixa de terra onde os
direitos de propriedade não são definidos. Nessa circunstância, o fazendeiro
decide plantar na faixa de terra; em seguida, o gado do rancheiro vai pastar na
plantação. Surgida a contenda, se o juiz decidir em favor do fazendeiro, ele
determina que os direitos de uso da terra pertencem a este; se decidir em favor do
rancheiro, ele concede os direitos de propriedade a este último. Poder-se-ia
pensar que, uma vez concedido o ganho de causa ao rancheiro, por exemplo, a
faixa de terra seria efetivamente utilizada pelo gado. Porém, Coase demonstrou
que isso não necessariamente ocorre.
Perceba que, uma vez concedidos os direitos a algum indivíduo, aqueles podem
ser transacionados no mercado; se os custos de transação não inviabilizarem a
troca desses direitos, estes ficarão, em última instância, com o indivíduo que lhes
atribui o maior valor. Sendo assim, o teorema de Coase sugere que a economia
funciona de determinada maneira, a despeito das leis jurídicas. Isso coloca um
limite à crença de que é possível, aprovando leis, alterar o comportamento
econômico baseado no auto-interesse.
Esse exemplo ilustra bem a situação em que o sistema de preços funciona sem
qualquer rigidez -- isto é, opera sem custos -- e existem responsabilidades legais
pelos prejuízos causados. Com concorrência perfeita, a responsabilização legal
do prejuízo não modifica a alocação dos recursos envolvidos porque os
indivíduos transacionam, em seguida, o direito adquirido de sua utilização (Coase
[8] :6). A posição de equilíbrio de longo prazo será a mesma, independentemente
do fato de o criador de gado ser responsabilizado pelo suposto prejuízo causado
na plantação. Entretanto, é fundamental a concessão do direito a qualquer uma
das partes, uma vez que sem o estabelecimento dessa delimitação inicial do
direito não podem ocorrer as transações de mercado para transferi-lo. Embora o
juiz possa se utilizar de critérios extra-econômicos em qualquer que seja o seu
julgamento, o resultado prevalecente -- que maximiza o valor da produção global
-- será independente da posição legal, desde que o sistema de preços funcione
sem custos (Coase [8] :8).
Coase assim enuncia o que passou a ser conhecido como o seu teorema: "em
presença de transações de mercado sem custos, a decisão dos tribunais com
relação à responsabilidade pelos danos não teria efeito sobre a alocação dos
recursos" (Coase [8] :10). A decisão do juiz de conceder os direitos de
propriedade a uma das partes apenas seria efetiva em um caso: quando "os custos
para executar as transações de mercado necessárias excedessem o ganho que
poderia ser obtido por qualquer rearranjo dos direitos" (Coase [8] :10).
O Planejamento Urbano
A Poluição
Consideremos o caso de uma padaria cuja fumaça lançada por sua chaminé suja
um grande muro branco vizinho. Decidindo sobre essa questão, um juiz
preferencialmente recorrerá a argumentos extra-econômicos (ele não considerará
apenas como maximizar o valor da produção global) para responsabilizar o
indivíduo que ele considere estar causando o prejuízo. Entretanto, do ponto de
vista econômico é preciso considerar o que Coase chamou de "natureza recíproca
de toda a externalidade". A situação de incômodo pela fumaça é construída por
ambos, o dono da padaria e a pessoa que construiu o muro. Não teria havido essa
situação se não existisse o muro; ela também não existiria se não houvesse a
padaria. Ambos constroem a situação e, por isso, ambos deveriam incluir o
prejuízo causado pela fumaça em seus custos, ao decidir manter as suas
atividades. Havendo a possibilidade de transações de mercado, isso, de fato, seria
feito (Coase[8] :13).
Enfim, Coase enfatiza que todas as externalidades são recíprocas por natureza e,
portanto, podem ser internalizadas, desde que os custos de transacionar os
direitos de propriedade adquiridos sejam suficientemente baixos. Infelizmente,
muitos tipos de poluição são situações em que esses custos de transação são
desalentadoramente altos; contudo, o teorema de Coase ainda fornece a pista para
se tratar o problema de modo apropriado.
Vejamos o exemplo de uma fábrica que lança fumaça no ar. Aqui há duas
possíveis indicações do direito de uso do ar: ao dono da fábrica ou aos seus
vizinhos. Se o direito for concedido aos vizinhos da fábrica, o proprietário dela
pode medir o valor do ar poluído por meio de algum equipamento e se oferecer a
pagar esse valor aos seus vizinhos, comprando a permissão de poluir o ar. Se o
direito for concedido ao dono da fábrica, os seus vizinhos podem estimar o valor
que conferem ao ar puro e se oferecerem a pagar para que a fábrica não emita
fumaça, através da diminuição da sua produção ou da instalação de um
equipamento redutor de fumaça. Pelo teorema de Coase, se os custos de
transacionar o direito de ar puro não forem maiores do que a diferença entre o
valor da fumaça para o dono da fábrica e o valor que os vizinhos atribuem ao ar
puro, o resultado final -- isto é, a quantidade de fumaça -- será o mesmo, não
interessando a quem o direito de ar puro seja concedido.
Ocorre que, nesse caso, os custos para transacionar o direito de ar puro podem ser
proibitivamente altos. A negociação teria que envolver o dono da fábrica e, por
exemplo, numerosos vizinhos. Embora os vizinhos pudessem escolher
representantes para a negociação, eles ainda precisariam negociar entre si qual
seria o valor a ser proposto para o ar puro, uma vez que cada um deles lhe
confere diferentes valores sujetivos; por exemplo, um doente do pulmão lhe
atribui um valor maior.
A partir dos anos oitenta, a opinião pública mundial vem dando muita
importância aos problemas ambientais. Em termos do teorema de Coase isso
significa que, até então, as pessoas estavam atribuindo um valor aos bens
produzidos, cujo subproduto era a poluição, maior do que o valor do equilíbrio
ambiental. Ou seja, elas estavam deixando o direito de propriedade do meio
ambiente para os produtores de bens. Era como se escolhessem um determinado
montante de poluição, ou melhor, determinadas quantidades de bens cuja
produção vinha acompanhada da poluição. Recentemente, o custo da poluição
ultrapassou o benefício que as pessoas subjetivamente abribuíam aos produtos
que a geravam. Com isso, a opinião pública resolveu transferir a
responsabilidade dessa externalidade para os produtores de bens com efeitos
colaterais poluidores. As denúncias sobre o desequilíbrio ambiental funcionaram
como uma atribuição do direito de propriedade do meio ambiente às outras
pessoas que não os produtores de bens com efeitos externos prejudiciais. O
próprio mercado se encarregou de realizar uma transferência desse direito de
propriedade.12 Como consequência, os produtores internalizaram cada vez mais
os efeitos poluidores externos das suas ações produtivas: surgiram escapamentos
nos automóveis, máquinas mais silenciosas, redutores de fumaça, e assim por
diante.
As Proposições Básicas
Vimos que uma externalidade negativa faz com que o valor da produção global
fique abaixo do que ele seria sem essa externalidade. Vimos também que, uma
vez estabelecidos os direitos de propriedade privada pelo governo ou pelo
próprio mercado, o rearranjo dos direitos legais conduzido pelo mercado aumenta
o valor da produção global, desde que as transações desses direitos não
apresentem custos que as inviabilizem. Se esses custos não forem zero, ainda
pode ocorrer o rearranjo dos direitos, caso o aumento do valor da produção após
a transação dos direitos seja maior do que os custos envolvidos em realizar essa
transação (Coase[8] :15-16). Com isso, as externalidades seriam internalizadas e
as falhas do mercado, autocorrigíveis.
Observe com atenção que estamos implicitamente supondo que o indivíduo que
deixou de receber o direito não vai desistir da sua atividade produtiva pelo
simples fato de ter que arcar com os prejuízos do efeito danoso; em outras
palavras, estamos pressupondo que a decisão de alocação dos recursos dos
indivíduos não é influenciada pela distribuição da riqueza.
Coase, porém, no seu artigo de 1960, vai bem mais além do teorema de Coase,
concebido de modo estrito ou amplo. Ele reconhece que, para executar uma
transação de mercado, um indivíduo precisa descobrir quem deseja transacionar
com ele; informar à outra pessoa o seu desejo de transacionar e as suas
condições; conduzir as negociações; escrever o contrato; inspecionar o
cumprimento dos termos do contrato, e assim por diante. Isso tudo inclui
pagamentos de advogados e, talvez, entraves burocráticos e lentidão dos
tribunais. Por causa disso, Coase admite que algumas dessas operações possam
impedir as transações dos direitos de propriedade, ao contrário do que ocorreria
num sistema de preços sem rigidezes (Coase[8] :15). "Nessas condições, a
delimitação dos direitos legais afeta a eficiência em que o sistema econômico
opera" (Coase[8] :16). Portanto, se os custos de executar as transações dos
direitos forem maiores do que o aumento virtual no valor da produção global --
que seria possível se os direitos pudessem ser transacionados --, o valor máximo
da produção não seria atingido (Coase[8] :16).
Coase cita a poluição como um exemplo de efeito colateral que a firma não é
capaz de internalizar (Coase[8] :17). Sendo assim, a internalização, nesse caso,
teria que ser feita pela "superfirma": o governo (Coase[8] :17). Ele não visualiza
outras instituições, além da firma e do goveno, capazes de reduzir os custos de
transação. Como discutimos anteriormente, a opinião pública é uma instituição
privada que funciona como um tribunal, contribuindo para reduzir o custo de
transacionar o direito de propriedade do equilíbrio ambiental.
O governo é uma superfirma porque ele é capaz de influenciar o uso dos fatores
de produção por decisão administrativa. Mas ao contrário da firma comum, ele
não se expõe à concorrência das outras e também não permite, quando os custos
administrativos forem altos, a alternativa das transações dos direitos serem feitas
pelos próprios indivíduos. O governo é uma firma monopolista inexpugnável,
uma vez que, dispondo dos impostos e da polícia, pode fazer com que os
regulamentos sejam executados mesmo que os custos administrativos sejam
quase proibitivos.
Barras de Chocolate
Quando ligo o meu televisor, não subtraio a sua capacidade de assistir ao mesmo
programa, exatamente na mesma hora, em seu aparelho. Quando compro uma
assinatura de canal de TV a cabo e o consumo diariamente, não evito que você
compre e consuma precisamente a mesma programação diária. O mesmo ocorre
com a defesa nacional, que pode ser consumida por um indivíduo sem que isso
diminua o consumo de outro. Gostemos ou não, todos temos o mesmo nível de
proteção. Mas cada um de nós avalia diferentemente qualquer nível dado dessa
proteção. Na compra de uma unidade adicional de defesa nacional, um canhão
Urutu, por exemplo, a minha avaliação marginal dessa unidade pode ser um
preço menor do que o seu.
Note que, depois que um bem público foi produzido, o custo adicional que um
consumidor adicional do bem impõe sobre os outros consumidores é
efetivamente zero. O consumidor adicional pega uma carona às custas dos outros
que pagaram pelo bem público. Mesmo que fosse possível obrigar os caronistas a
pagar pelo bem público, isso seria economicamente ineficiente. Marginalmente,
se um bem pode ser fornecido sem custos, a eficiência exige que ele seja
fornecido gratuitamente.
Muitas atividades que geralmente são atribuídas ao governo não necessariamente
são bens públicos. Mesmo as atividades mais tradicionais, como alguns casos de
defesa nacional e a polícia, não necessariamente são bens públicos. A defesa
nacional deixa de ser um bem público no caso do Havaí e do Alasca, por
exemplo. Como esses estados estão geograficamente separados do restante dos
Estados Unidos, a alocação dos recursos de defesa nacinal para a proteção do
Havaí e do Alasca reduz a quantidade dos recursos disponíveis para a defesa no
restante dos Estados Unidos. Um federalismo extremado também pode tornar a
defesa nacional um bem privado.
Futebol e Cinema
Coase tocou nesse assunto no seu artigo de 1974 (Coase[9]), onde ele ilustrou
que o mercado privado tem uma longa história de tentativas empresariais para
converter os bens públicos em privados. Isso ocorre sempre que são construídos
muros ao redor de campos de futebol de várzea ou salas ao redor de telas que
exibem filmes. Graças a isso, as firmas podem fornecer o que não seria
fornecido, se alguns indivíduos não tivessem que pagar para assistir a um jogo de
futebol ou a um filme.
Os bens públicos geram recursos externos positivos pelos quais os indivíduos não
são obrigados a pagar, pois o custo marginal do fornecimento dessas
externalidades -- depois que o bem público já foi produzido -- é zero. Sendo
assim, por que os empresários privados entrariam no ramo dos bens públicos?
Para responder a essa questão, Coase, de modo ousado, tomou o exemplo de bem
público predileto dos intervencionistas: o dos faróis, para mostrar que esse bem
poderia ser -- e, na verdade, foi -- oferecido por empresas privadas.
Os Faróis
Uma vez construído o farol, o custo marginal dos serviços de fornecimento de luz
para os navios fica muito próximo de zero, parecendo impossível fazer com que
esses navios paguem pela utilização do farol, por causa das dificuldades de
identificá-los na sua utilização e de forçar-lhes o pagamento.
Mais Abelhas
No ano anterior à divulgação do seu trabalho sobre os faróis, Coase já havia tido
a boa notícia da publicação do artigo de Cheung [4], à época na Universidade de
Washington, intitulado "A Fábula das Abelhas".
Notas
1.Agradeço a Steve De Castro, UnB, pelas úteis discussões, e a Patricia Bonini, Unicamp, pelo suporte
logístico. Não os responsabilizo pelas minhas opiniões.
2.Para mais detalhes sobre a vida e o trabalho de Coase, consulte Cheung [5].
4.Anteriormente, Coase já havia considerado esse problema e exposto o seu ponto de vista num artigo de
1959 (Coase [7]) sobre a economia política da transmissão de rádio. Porém, apenas no seu artigo de 1960, ele
tratou a questão de modo mais geral (Coase [8] :1 n.1).
5.O custo de oportunidade é o valor que se perde com os recursos em seu melhor uso alternativo, isto é, uma
alternativa disponível que é sacrificada.
6."Marginal", ou seja, "na margem", refere-se à quantidade adicional obtida a partir do aumento de uma
unidade -- do insumo ou do bem -- ao total existente.
7.A lei dos rendimentos decrescentes assegura que, com uma tecnologia dada e todos os insumos com
exceção de um fixos, conforme são acrescentados incrementos daquele insumo (no caso, o aumento de
caçadores), a partir de um certo ponto a taxa de aumento do produto irá decrescer.
8.Veja Baird ([1] :219-20).
9.O fenômeno da externalidade, a lei dos rendimentos decrescentes, assim como muitos outros fenômenos
econômicos surgem independentemente do lugar ou do período histórico, isso porque o problema econômico
fundamental da escassez é universal e trans-histórico.
10.Observe que Coase dá conselhos, isto é, diz o que deve ser feito, contrariando a tendência dos anos
cinquenta e sessenta, quando os economistas separavam a economia positiva (o que é) da economia normativa
(o que deve ser). Recentemente, os economistas (mais especialmente, os macroeconomistas) rejeitaram essa
distinção, introduzindo os conselhos dos economistas como mais um fator de produção. O valor da produção
passa a ser influenciado por eles, embora o resultado não seja antecipadamente conhecido, isto é, o resultado
depende de um jogo entre o conselho e a reação dos indivíduos racionais a esse conselho.
11.Se cada pessoa pudesse ter um direito pré-estabelecido sobre o ar que a cerca, ela poderia excluir aquelas
outras pessoas que se beneficam dele sem ser obrigadas a pagar pelo seu uso: os caronistas. Sem custos de
transacionar o direito do ar, essa externalidade poderia ser internalizada. Outra abordagem prefere considerar
o ar puro como um bem público, já que é fisicamente impossível definir os direitos do ar para cada pessoa; e
esse bem público é que seria o fator causador da externalidade.
12.Em alguns casos, o próprio mercado pode estabelecer os direitos de propriedade privada sem os tribunais.
Lembre do exemplo dos índios Montagnes.
13.Para uma visão pessimista a respeito do teorema de Coase, veja Cooter [10].
15.Para uma discussão completa (e ainda introdutória) das externalidades técnicas, veja Miller [13]. Para
uma visão mais acurada de todo o problema da externalidade, consulte Buchanan & Stubblebine [3].
Referências
[1] BAIRD, Charles W. (1975). Prices and Markets: Microeconomics. St.Paul: West Publishing Co.
[2] BATOR, Francis M. (1958). The Anatomy of Market Failure. Quarterly Journal of Economics 72, 351-79
[3] BUCHANAN, James M. & W.C.STUBBLEBINE. (1962). Externality. Economica 29, November, 371-84
[4] CHEUNG, Steven N.S. (1973). The Fable of the Bees: An Economic Investigation. The Journal of Law
and Economics, April
[5] CHEUNG, Steven N.S. (1987). Ronald Harry Coase. in J.Eatwell, M.Milgate & P.Newman (eds.). The
New Palgrave. A Dictionary of Economics 1, London: Macmillan Press, 456-57
[6] COASE, Ronald H. (1937). The Nature of the Firm. Economica 4, November, 386-405
[7] _______________. (1959). The Federal Communications Commission. The Journal of Law and
Economics 2, October, 1-40
[8] _______________. (1960). The Problem of Social Cost. The Journal of Law and Economics 3, October, 1-
44
[9] _______________. (1974). The Lighthouse in Economics. The Journal of Law and Economics, 7(2),
October, 357-76
[10] COOTER, Robert D. (1987). Coase Theorem. in J.Eatwell, M.Milgate & P.Newman (eds.). The New
Palgrave. A Dictionary of Economics 1, London: Macmillan Press, 457-60
[11] DENSETZ, Harold. (1967). Toward a Theory of Property Rights. The American Economic Review, May
[12] KREPS, David M. (1990). A Course in Microeconomic Theory. Princeton: Princeton University Press
[13] MILLER, Roger L. (1978). Microeconomia: Teoria, Questões e Aplicações. S.Paulo: McGraw-Hill do
Brasil, 1981.
[14] PIGOU, Arthur C. (1932). The Economics of Welfare. London: Macmillan, 4th ed.