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Meditagoes sobre um Cavalinho de Pau ou as Ratzes da Forma Artistica Oo tema deste artigo € um eavalinho de pau bastante comum. Ngo & metaférico, nem puramente imagingrio, pelo menos nio mais do que o cabo de vassoura sobre 0 qual Swift escreveu suas meditagbes. Geralmente se contents em ocupar sea lugar no canto do quarto de crianca e nfo nutre ambighes estéticas. Na verdade, detes- ta afetagSes. Mostra-sesatisfeito com seu corpo de madeira ¢ sua cabeca talhada tos- camente, que assinala apenas a extremidade superior ¢ serve para prender as rédeas. Como devemos referirnos a ele? Devemos descrevé-lo como 2 “imagem de um cava- Jo"? Dificilmente os compiladores do Pocket Oxford Dictionary teriam concordado com isso. Eles definem imagem como “a imitagio da forma exterior de um objeto”, € certamente forma exterio® de um eavalo néo 6 “imitads? aqui. Tanto pios, poder amos dizer, para a “forma exterior”, esse fugidio resquicio da tradigo filos6fiea grega ‘que dominou por tanto tempo nossa linguagem estétes. Felizmente, 0 Dictionary regista uma outta palavra que talver se revele mais apropriada: fepresentacio) Repre- sentar,lettos ali, pode ser usada no sentido de “invocar mediante descrigio ou retrato ou imaginagio, figura, simular na mente ou pelos sentidos,servir de ov ser tido por aparéncia de, estar para, ser espécime de, ocupar o lugar de, ser substituto de”. ‘retrato de um cavalo? Certamente que nio. O substituto para um cavalo? Sim, é isso. ‘Talvez haja nessa formula mais do que 0 olho pode ver. 1 Primeiramente lancemos nosso coreel de madeira 3 batalha contra uma multidgo de fantasmas que ainda obsedam o jargio da critica de arte. Podemos até encontrar um. deles entrincheirado no Oxford Dictionary. O que sua definigho de imagem implica & «que o artista “imita” a “forma exterior” do objevo que est& sua frente, ¢ o espectador, por seu turmo, reconhece por essa “forma” o “assunto” da obra de arte. E isso 0 que se ppoderia chamar a concepsio tradicional da representagio. Seu corolirio & 0 fato de ‘uma obra de arte ou ser uma c6piafiel, na verdade uma réplica perfeita, do objeto re- presentado, ou envolveralgum grau de Fabstracio™. Lemos que o artista abstrai a “fos- ma” do objeto que ele vé. O escultor, usualmente,abstrai a forma tridimensional, ¢ abstr da cor; 0 pintor abstrai contornos ¢ cores, ¢ da terceira dimensio. Nesse con- texto, ouve-se dizer que a linha do desenhista constitui um “tremendo feito de abstra- 0”, porque “no ocorre na naturcza*. Pode-se elogiar ou censurar um moderno Este ensto fi escrito orginariamente como contribuigio obra de LL, Whyte (ed), pects of Form, ‘A Symposium on Formin Nacureand Art, London, 1951 2 Meditagoes sobre som Cavalinho de Pau cseultor da estirpe de Brancusi por “levar a abstragio a seu extremo légico”. Finalmen- te, 0 rétulo ce “arte abstrata” aposto 8 criagfo de formas “putas” traz em si uma impli- cagio semethante. Nao obstante,basta-nos olhar para o nosso cavalinho de pau para perceber que a prépria iéia de abstragio enquanto ato mental complexo nos langa em curinsos absurdos. Exste uma vetha piada de botequim na qual se conta que um beba- do tirava polidamente 0 chapéu diante de cada poste por que passava. Seria 0 caso de dizer enti que 0 sleool agugou a tal ponto seu poder de abstragSo que ele conseguix isolara qualidade formal de verticalidade tanto do poste quanto da figura hurnana? Nossa mente, € claro, opera mais por diferenciagao que por generalizagio, ea crianca, antes de aprender a distinguir espécies e “formas”, chamaté durante muito tempo de “au-au" todos os quadriipedes de determinado porte!! al Deparamo-nos aqui, entio, com o velho problema dos universaisaplicados a arte. Recebcu sua formolagio cléssica nas teorias platonicizantes dos Académicos. “O pin- tor de histéria”, diz Reynolds, “pinta o homem genérico; 0 pintor de retratos pinta ‘um homem particular, e portanto um modelo defeieuaso”. Trata-se, evidentemente, da teoria da abstracio aplicads a um problema especifico. As implicagées si0: 0 eteae to, sendo uma cépia exata ds “forma exterior” de um homem com todos os seus “de- feitos” ¢ “acidentes", refere-se a pessoa individual exatamente como o faz 0 nome proprio. Todavia, 0 pintor que deseja “elevar seu estilo” descura do particular ¢ “ge- necaliza as formas”. Tal pintura jf nfo representard umm homem dado, mas, sim, a clas se ou 0 conceito “homem”. Existe uma certasimplicidade falaciosa neste argumento, ras ele estabelece pelo menos um pressuposto injustficado: 0 de que toda imagem ddesse tipo refere-se necessariamente a algo exterior a ela - seja individuo ou classe. ‘Nada disso, porém, precisa estar implicito quando apontamos uma imagem e dize- ‘mos: “Fis um homem*, Estritamente falando, podemos dizer que essa assergio sii fica que imagem em si € um membro da classe “homem*. Tampouco se trata de uma interpretacio t8o forcada quanto pode parecer. De fato, nosso cavalinho de pau nio se submeteria a nenhuma outta interpretacio. Pela Logica do raciocinio de Reynolds, deveria epresentar aida mais genérica de “cavalidade”. No entanto, quando uma crianga di!a uma vara 0 nome de cavalo, evidentemente no quer dizer nada desse ipo. A vara nfo € um signo que significa o conceito cavalo, nem é 0 retrato de um cavalo individual, Por sua capacidade de servir de “substituto”, a vara torna-se cavalo por si mesma, pertence 3 classe dos “au-aus" e talvez faca por merecer até um nome proprio. ‘Quando Pigmaliio defincou uma figura em seu mérmore,nio representou a prin-

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