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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL – UNIJUI

SILVIA CRISTIANE CAMARGO MARTINS

A IMPORTÂNCIA DA TRANSFERÊNCIA NA RELAÇÃO PROFESSOR E ALUNO


NA APRENDIZAGEM

Ijuí,

2018
SILVIA CRISTIANE CAMARGO MARTINS

A IMPORTÂNCIA DA TRANSFERÊNCIA NA RELAÇÃO PROFESSOR E ALUNO


NA APRENDIZAGEM

Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao


Curso de Psicologia da Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI,
como requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Elisiane Felzke Schonardie

Ijuí, 2018
DEDICATÓRIA

Dedico a minha gratidão, minha admiração e este


trabalho às minhas amigas Dalva e Sandra, que não
mediram esforços para comigo, cujo apoio e
incentivo foram incondicionais para a realização
desta pesquisa. Apesar dessa trajetória exaustiva,
em nenhum momento consideraram o tempo como
um empecilho para que pudessem, de alguma
forma, me auxiliar neste processo. A vocês amigas,
o meu eterno agradecimento.
AGRADECIMENTOS

À minha família, minhas amadas filhas Thavola e Emmanuelye meu esposo


Vilson.

Com certeza todas as palavras que aqui pudesse expressar não seriam
suficientes para demonstrar o meu amor e a minha gratidão para com a vida de
vocês. Mas quero, neste momento, dizer que isso só está sendo possível devido à
compreensão de vocês, minhas amadas Thavola e Emmanuely, e dizer que me
orgulho muito de ser mãe das duas pessoas maravilhosas que vocês estão se
tornando. Obrigada por me apoiarem sempre, mesmo nas minhas ausências, as
quais não foram poucas.

Fica aqui o meu mais humilde sentimento de agradecimento e carinho


sinceros pela paciência, tolerância e amor incondicional nas horas mais difíceis.
Amo vocês.

Às Mestras

Para minhas mestras Elisiane e Sônia, as quais foram fundamentais para a


minha caminhada acadêmica. Agradeço pelo tempo que se dispuseram, pelo
carinho e pelos ensinamentos que, com certeza, levarei para a vida toda. Faltam-me
palavras para expressar a minha gratidão.

A vocês um grande abraço e um muito obrigado. Vocês certamente ficarão


nas minhas lembranças, pois posso dizer que a nossa relação foi sim uma relação
de transferência, na qual ficaram marcas, especialmente de aprendizagem.
RESUMO

O objetivo deste estudo é trazer ao leitor uma visão sobre a transferência e a


importância do ato transferencial na relação professor e aluno, o qual gera o
aprendizado efetivo. Quando se trata de educação, logo vem na mente do professor
um aluno ideal, com facilidade de aprender, participativo, curioso, sempre atrás de
coisas novas, centrado, aceita com facilidade as atividades propostas e pede licença
quando precisa se dirigir a algum lugar. Este poderia ser o ideal de aluno para o
professor. Mas quando um aluno vem com todas essas características fragilizadas, o
não saber lidar com este aluno pode colocar o professor numa posição de quem
nada sabe, causando ao profissional um mal-estar ou angústia. No momento em que
o professor se angustia, ele resiste a toda e qualquer intervenção. É neste momento
que cabe, então, trabalhar com este aluno e o professor, para que ambos consigam
criar uma relação na qual o professor se sinta capaz de ensinar e o aluno, de
aprender. A psicanálise chama esta relação de transferência. O psicanalista
Sigmund Freud (1911-1913) disse que transferência é amor, repetição de histórias,
atualização dos novos encontros de amores, modalidades de afeto, identificações e
demandas. Nesse sentido, tanto o professor quanto os alunos só conseguirão
desenvolver adequadamente os seus papéis no momento em que a transferência se
instalar, pois nesta condição o professor se permite entrar na criação imaginária da
criança, que seriam as repetições de suas histórias de amor, a qual coloca o
professor em um lugar de confiança e, consequentemente, se sentirá segura e
capaz de aprender. A pesquisa é de base bibliográfica e os principais estudiosos
que dão suporte a ela são Sigmund Freud, Jacques Lacan, Anny Cordié e Maria
Cristina Kupfer.

Palavras-chave: Transferência. Aprender. Psicanálise. Educação.


ABSTRACT

This study aims to provide the reader with an insight into the transference and
importance of the transference act in the relation between both student and teacher,
which generates effective learning. When it comes to education, soon comes into the
mind of the teacher an ideal student, with ease of learning, participatory, curious,
always looking for new knowledge, centered, easily accepts proposed activities and
asks for leave when he needs to go somewhere. This could be the ideal student for
the teacher. However, when a student comes with all these fragile characteristics, not
knowing how to deal with this student can put the teacher in a position of who knows
nothing, causing to the professional a malaise or anguish. At the moment the teacher
is distressed, he resists to every intervention. Therefore, it is then necessary to work
with this student and the teacher, so that both can create a relationship in which the
teacher feels able to teach and the student to learn. Psychoanalysis calls it
transference relation. The psychoanalyst Sigmund Freud (1911-1913) said that
transference is love, repetition of stories, updating of new encounters of love, modes
of affection, identifications and demands. In this sense, both the teacher and the
students will only be able to adequately develop their roles when the transference
takes place, because in this condition the teacher allows himself to enter into the
imaginary creation of the child, which would be the repetitions of his love stories.
After that, the student puts the teacher in a place of trust and, consequently, feels
safe and able to learn. The research is based on bibliography and the main scholars
who support it are Sigmund Freud, Jacques Lacan, Anny Cordié, and Maria Cristina
Kupfer.

Keywords: Transference. Learn. Psychoanalysis. Education.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................8

1 CAPÍTULO I – A TRANSFERÊNCIA E SUA HISTORICIDADE..............................09


1.1 Conhecendo o conceito........................................................................................09

2 CAPÍTULO II – A TRANSFERÊNCIA NA RELAÇÃO ALUNO E PROFESSOR....22


2.1 A transferência e a sua relação com o desejo.....................................................22
2.2 A importância da transferência na relação professor e aluno..............................27

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................28
REFERÊNCIAS..........................................................................................................30
8

INTRODUÇÃO

O tema “a importância da transferência na relação professor e aluno na


aprendizagem” surge como uma forma de reflexão, para facilitar o entendimento
dessa dinâmica. O objetivo deste estudo é trazer ao leitor uma visão sobre a
transferência e a importância do ato transferencial na relação aluno e professor, o
qual gera o aprendizado efetivo, algo da ordem do desejo que opera. Neste sentido,
o trabalho ressalta a importância de realizar pesquisas acerca da utilização deste
fenômeno na aprendizagem, abrindo a possibilidade de colocar o professor no lugar
de suposto saber, no qual, para o aluno, este profissional é portador do
conhecimento e habilidades necessárias para exercer sua função.

Ao abordar a temática sobre a importância da transferência na relação


professor e aluno, enfatiza-se a relação professor e aluno, a qual implica numa
relação de amor e afeto. Com afeição, a criança se redescobre, se percebe, se
valoriza e aprende a se amar. Esse carinho em suas vivências e,
consequentemente, na aprendizagem escolar, é fundamental. Assim, entende-se
que é válido explorar o tema, porque percebê-lo na prática é compreender que se
constitui numa identificação simbólica, que é uma forma de desenvolver na criança
sua posição discursiva, constatar suas dificuldades, tendo a sensibilidade de
observar as limitações no ato de aprender.

A transferência na relação professor e aluno se faz crucial, especialmente


quando o professor constata que a impossibilidade do aprender está acontecendo, o
que compromete, de sobremaneira, o desempenho do aluno. Através desta
pesquisa se produz conhecimento e reflexões acerca dessa questão, com o
propósito de que este estudo seja alcançado pelos professores e psicólogos
escolares, como forma de melhor compreensão das dificuldades desse processo
pedagógico e, também, auxiliando-os na detecção de carências estudantis.

Este trabalho está organizado em dois capítulos. No primeiro capítulo será


verificado o conceito de transferência bem como a sua historicidade. Já no segundo
capítulo, o qual está dividido em duas partes, analisar-se-á a transferência e a sua
relação com o desejo e, logo após, a importância da transferência na relação
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professor e aluno. Este estudo é de base bibliográfica e os principais estudiosos que


servem de embasamento teórico são Sigmund Freud, Jacques Lacan, Anny Cordié e
Maria Cristina Kupfer.

A TRANSFERÊNCIA E A SUA HISTORICIDADE

1.1 Conhecendo o conceito: seu surgimento na psicologia

Este primeiro capítulo inicia pelo conceito de transferência, o qual abordará a


sua historicidade, de forma que serão colocadas as ideias de Sigmund Freud e as
contribuições de Jacques Lacan como eixo principal, no intuito de que contribuam ao
tema da importância da transferência na relação aluno e professor. Visto que,
entender este universo, torna capaz a elaboração de várias questões pertinentes ao
processo de aprendizagem.

Freud (1901-1905), ao discorrer sobre o conceito transferência, já trazia essa


problemática, porém sem que ele mesmo soubesse de tal implicação, o que já
ocorria desde 1882. Neste mesmo ano, seu amigo Joseph Breuer lhe fala de sua
ilustre paciente Anna O. (FREUD, 1893-1895). Breuer e Freud trabalharam juntos
durante os primórdios da psicanálise. Entretanto, é possível afirmar que Breuer foi
um grande influenciador para Freud. Apesar de Breuer ser um médico conceituado,
de vida social considerável, enquanto Freud era recém-formado em medicina,
Breuer somente ficou conhecido através das publicações realizadas com Freud.
Dentre tais publicações, podemos citar o “Estudo sobre Histeria” 1, de 1895. Breuer
costumava compartilhar seus interesses científicos com Freud, que por sua vez
falava que nesta relação quem saía ganhando era sempre ele. Freud afirmava
aprender muito com o amigo.

1
Nos estudos sobre histeria quando fala de “este estado singular em que o sujeito sabe tudo sem
saber desta cegueira que nos espanta ao constatar nas mães quando se trata se sua filha, nos
maridos quando é questão de sua mulher, nos soberanos a respeito de seu favorito.” (Dicionário de
Psicanálise: Freud e Lacan, 1997, p. 261).
10

A célebre paciente de Breuer e Freud, conhecida como Anna O.2, foi quem
permitiu descobrir e aplicar o Método Catártico, sendo este caso extremamente
importante à psicanálise. Foi a partir deste caso que se possibilitou os estudos sobre
este Método, o qual vai proceder através da cura pela fala, que se dá a partir da
transferência. Assim, é a partir deste caso de histeria que se deu início ao estudo do
conceito de transferência (FREUD, 1893-1895). Freud achou o caso de Anna O.
muito interessante, devido a proporção que o caso tomou, pois se tratava de uma
histeria. O interesse foi tanto que, três anos após, Freud foi à Paris estudar sob a
orientação do neurologista Jean Martin Charcot3, o qual já tratava de pacientes
histéricas dando grandes contribuições ao caso (FREUD, 1893-1895).

Observar o que ocorria entre Breuer e Anna O, em um primeiro momento,


soou estranho a Freud, pois seu amigo se sentia seduzido por Anna O., não
encontrando outras vias nas quais conseguisse lidar com tal enamoramento, posição
essa colocada pela paciente e que Breuer respondia sem entender. Ao comunicar a
sua paciente sobre o final do tratamento, ela já havia feito grandes progressos e os
seus estados também, pois a paciente era acometida de um quadro bastante
relevante, no qual sentia grande repugnância em beber água no copo, distúrbios na
fala, se alimentava pouco e apenas sob pressão. Porém, na mesma noite, Anna O. é
encontrada mais debilitada do que nunca, pois era acometida de grandes dores
abdominais, em meio a dores de um parto histérico. Isso causou estranhamento em
Breuer, pois em nenhum momento de seu tratamento ela havia falado que tivesse

2
“A paciente que marca o conhecimento da histeria conhecida como célebre paciente de Breuer e de
Freud, a qual permite descobrir e utilizar o método catártico. A este procedimento, ela havia dado
nome “bem apropriado e sério de talking cure” e o nome humorístico de “chimney sweeping”. Eis que
como isso se passou de acordo com Jones em seu livro A vida e Obra de S. Freud: “Um belo dia, ela
lhe narra os detalhes da primeira aparição de um certo sintoma e esta narrativa, para grande espanto
de Breuer, provocada a total desaparição do sintoma em questão. Consciente da importância do fato,
a doente continua a falar assim de cada um de seus sintomas e dá a esta forma de proceder o nome
de “cura pela fala” ou de “limpeza de chaminé”. Não omitamos dizer que a esta época, tendo
esquecido sua língua materna, o alemão, ela podia se exprimir apenas em inglês”. (Dicionário de
Psicanálise: Freud e Lacan, 1997, p. 260).
3
“Sua curiosidade científica, dizia, cedo fora despertada, quando ele era ainda um jovem interne, pelo
abundante material apresentado pelos fatos da neuropatologia, material sequer compreendido àquele
tempo. Nessa época, sempre que fazia a ronda com o médico-assistente num dos departamentos do
Salpêtrière (instituição hospitalar encarregada de mulheres), em meio a toda a profusão de paralisia,
espasmos e convulsões para as quais, há quarenta anos, não havia nome nem compreensão, ele
dizia; “Faudrait y retourner et y rester” (seria preciso voltar aqui e aqui permanecer), e manteve sua
palavra.” (Freud Sigmund, 1893-1899, p. 21).
11

vida sexual ativa, pois lhe parecia um assunto proibido. Tal situação desconcerta
Breuer, o qual abandona o caso, passando-o para Freud (FREUD, 1893-1895).

Freud (1901-1905) percebe as primeiras manifestações de transferência,


notando que Anna O., só consegue grandes evoluções em seu tratamento porque
havia colocado Breuer em um lugar no qual o psicanalista, neste primeiro momento,
não soube fazer tal leitura. Em frente a esses acontecimentos, Breuer se coloca uma
grande culpa, não contando a Freud o final dos acontecimentos. Mas Freud, ao
reconstruir o caso de Ana O., descobriu que ela já havia se tomado de câimbras
abdominais (criadas a partir de uma fantasia de parto) e lembrou, mais tarde, de que
Breuer havia lhe falado algumas palavras na quais a paciente lhe havia dito, porém
não soube interpretar no momento. Breuer disse não ter entendido o que ela queria
dizer com “[a]gora é a criança de Breuer que chega” Freud relatou que Breuer teve
em mãos a chave que abre a “porta das mães”, em toda a questão de Anna O., e a
deixou cair, no momento em que se toma de um horror, fugindo e abandonando sua
paciente para seu colega. Esta interpretação da “chave” Freud só descobre tempos
depois, com a contribuição de Charcot e de Chronbak (Dicionário de Psicanálise:
Freud e Lacan, 1997, p. 261).

Nesse sentido:

[...] quando por qualquer motivo não pode haver reação a um trauma
psíquico, ele retém seu afeto original, e quando a pessoa não consegue
livrar-se do acréscimo de estimulo através de sua “ab-reação”, deparamos
com a possibilidade de que o evento em questão permaneça como um
trauma psíquico. A propósito, um mecanismo psíquico sadio tem outros
métodos de lidar com o afeto de um trauma psíquico mesmo que lhe sejam
negadas a reação motora e a reação por palavras. (Freud Sigmund, 1893-
1899, p. 45).

Ao desenrolar do tratamento, Freud e Anna O. foram desenvolvendo os


fundamentos da talking cure, isto é, a cura pela fala. Nesse sentido, parte é a
sexualidade e a outra parte é a transferência. Mas antes da transferência, Freud,
sem saber, estabelece a causa dos fenômenos e o estatuto do saber. Saber este
que o sujeito sabe sem ter conhecimento que saiba sobre algo que é seu.
Deparando-se com tal acontecimento, Freud ficou impressionado e, ao mesmo
tempo, imobilizado por ver as pacientes saberem o porquê, mas nunca falarem
(Dicionário de Psicanálise: Freud e Lacan. 1997). Segundo o psicanalista,
12

Essa deficiência tem os seguintes fundamentos: em primeiro lugar, os


pacientes retêm consciente e intencionalmente parte do que lhe é
perfeitamente conhecido e que deveria contar, por não terem ainda
superado seus sentimentos de timidez e vergonha. Em segundo lugar, parte
do conhecimento amnésico do que o paciente dispõe em outras ocasiões
não lhe ocorre enquanto ele narra sua história, sem que ele tenha nenhuma
intenção de retê-la: é a contribuição da insinceridade inconsciente. (Freud
Sigmund (1902-1905) p.28).

Charcot sabia quais as causas de toda histeria. Na histeria a questão é


sexual, a coisa genital, diria Charcot, pois aparece cedo demais, causando um
excesso de excitação, recalcando e retornando para o corpo em forma de sintoma.
Quando os casos atendidos eram semelhantes, a coisa genital aparecia sempre.
Percebia-se, também, que as grandes manifestações vinham da infância, o não
saber lidar com o que invade seu corpo, causando traumas infantis e eliminando-os
de sua memória. Outro caso que é muito famoso nas obras de Freud é o caso Dora4.
Este caso também traz significantes contribuições para os estudos sobre a
importância da transferência no tratamento (Dicionário de Psicanálise: Freud e
Lacan, 1997).

Dora é uma jovem de dezoito anos que é levada a Freud com sintomas como
dispneia, tussis nervosa, afonia e possíveis enxaquecas, depressão e
insociabilidade histérica. Todos esses sintomas, Freud relaciona a questão sexual, a
qual se apresenta muito cedo e, por se apresentar muito cedo, acaba recalcando e
retornando do lugar recalcado como sintomas. Consequentemente, causam danos
no psiquismo, conflitos dos afetos e comoção na esfera sexual (FREUD, 1902-
1905). Nessa perspectiva, Freud afirma que

4
“Dora traz pra Freud um elemento suplementar para sua conceitualização de transferência. Em sua
análise ela transfere um X, como nas matemáticas Dora transfere uma incógnita, este X que faz que
ela assimile Freud ao Sr. K (Sr. K próprio substituindo a Sra. K). Face a esse X, Freud esta
estupefato. Ele escreve: “Assim eu fui surpreendido pela transferência e é por causa deste fator
desconhecido pelo qual recordo o Sr. K..., que ela se vinga de mim, como ela queira se vingar dele;
ela me abandona como ela se acreditava enganada e abandonada por ele. Assim, ela põe em ação
uma importante parte de suas lembranças e de suas fantasias, em lugar de reproduzi-la em
tratamento. Eu não posso naturalmente saber qual era este fator desconhecido; eu suponho que ele
se relacionava ao dinheiro; ou bem era dos ciúmes a propósito de uma paciente que mantinha
relação com minha família após sua cura. Ali onde se chega em boa hora a englobar a transferência
na análise, esta se desenrola mais lentamente e torna-se menos clara, mas ela esta melhor
assegurada contra súbitas e invencíveis resistências. A transferência está representada, no segundo
sonho de Dora, por muitas alusões claras”. (Dicionário de Psicanálise: Freud e Lacan. XXXX, p, 268).
13

Desde então tenho visto inúmeros casos de histeria, ocupando meus dias,
semanas ou anos, e em nenhum deles deixei de descobrir as condições
psíquicas postuladas nos estudos, ou seja, o trauma psíquico, o conflito dos
afetos e, como acrescentei em publicações posteriores, a comoção na
esfera sexual. Quando se trata de coisas que se tornaram patogênicas por
seu afã de ocultar-se, decerto não se deve esperar que o doente vá ao
encontro do medico exibi-las, nem tão pouco deve este contentar-se com o
primeiro não que se imponha às investigações. (FREUD SIGMUND (1902-
1905) p34).

A partir dessas experiências, Freud diz que a fala só se fez possível no


momento em que o paciente vê no analista um saber, ou seja, o paciente atribui um
saber que ele desconhece. Ao construir esse saber, o paciente vai lançar todas as
suas questões com o pensamento de que o seu analista irá “resolver” todos seus
problemas. Abrindo um parêntese, pode-se perceber como Freud influenciou Lacan
em sua concepção da dialética sobre a relação do sujeito ao saber do inconsciente,
no qual Lacan, a partir disso, vai sustentar o conceito de sujeito suposto saber
(S.s.S). Esta ideia será desenvolvida posteriormente neste capítulo. (Dicionário de
Psicanálise: Freud e Lacan. 1997).

A transferência sexual não é provocada por uma ou outra parte que


acompanha, não sendo algo agressivo ao analisante ou ao analista, pois é um
processo inconsciente que atualiza o saber inconsciente. Assim, Freud aponta várias
características da transferência.

A concepção da transferência “sexual” (terma hostil) que se observa sempre


no curso do tratamento das neuroses (lembrem a paciente de Chrobak e de
Breuer). Freud observa que está transferência “sexual” não é provocada por
uma das partes em presença. Em outro, ela não é imputável à pessoa, ao
ego do analisante ou do analista. Esta emergência da transferência
representa para Freud ”uma prova irrefutável da origem sexual das forças
impulsivas dos neuróticos” e permite constatar que é um processo
inconsciente que atualiza o saber inconsciente. Freud nos dá a entender já
várias característica da transferência. (Dicionário de Psicanálise: Freud e
Lacan. 1997. p.263).

Visto que a transferência é um processo que se constitui a partir da fala que


se endereça ao analista, essa capacidade é construída ao longo da formação da sua
vida. Isso se dá mais necessariamente nos primeiros anos de vida, conforme o
investimento durante esse período, criando formas de conduzir sua vida erótica com
precondições de se enamorar, o que facilitará esta precondição ou não, pois é a
partir desse investimento que o sujeito se organiza, possibilitando ou não o processo
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de enamoramento. Processo esse que irá se repetir no decorrer de toda a sua vida,
de maneira que tal cena não cessará de se repetir (FREUD, 1911-1913).

Freud (1911-1913), no texto “Amor de transferência”, aborda sobre essa


repetição5, trazendo como exemplo o enamorando de uma paciente para com seu
terapeuta, colocando ainda que, em nenhum momento, o terapeuta deverá levar isso
como forma de achar que é mérito seu, e sim uma repetição de seu paciente em
relação a suas vivências amorosas infantis, o qual não cessa de repeti-las.

Após a paciente ter-se enamorado de seu médico, eles se separam; o


tratamento é abandonado. Mas logo o estado da paciente obriga-a a fazer
uma segunda tentativa de análise, com outro médico. O que acontece a
seguir é que ela sente ter-se enamorado deste segundo médico também; e,
se romper com ele e recomeçar outra vez, o mesmo acontecerá com o
terceiro médico, e assim por diante. (Freud Sigmund (1911-1913) p.178).

Ficando clara a capacidade dessa paciente em relação a amar, há a diferença


de que este amor não será possível analisar, pois permanecerá oculto e não
analisado, sendo que este amor vem como forma de contratransferência. No
momento em que a paciente está enamorada, ela não conseguirá fazer a
compreensão necessária do tratamento, e todo seu interesse será direcionando ao
seu amor, exigindo retribuição. Consequentemente, ela abandona o seu sintoma,
alegando que está curada (FREUD,1911-1913). Este amor que é remetido ao
terapeuta cria resistência, tirando o foco do tratamento e se dirigindo com totalidade
ao seu amor, o qual destitui totalmente o lugar do terapeuta, colocando-o no lugar de
amante. Assim, estimula o seu estado amoroso, aumentando sua condição de se
render sexualmente (FREUD, 1911-1913).

Em tal circunstância, o analista deve negar à paciente qualquer possibilidade


de responder a este amor, dirigindo a esta mulher que o ama todas as exigências da
moralidade social, tentando fazê-la abandonar os seus desejos, para que seja
possível dar prosseguimento ao tratamento. No entanto, instigar a paciente a anular
ou apagar os seus instintos no momento em que ela admitiu a transferência erótica,

5
Este conceito é difícil e complexo. Digamos simplesmente isto: seria necessário por a concepção de
Freud sobre a transferência como repetição em relação ao automatismo de repetição e, igualmente,
articular transferência e repetição em relação ao automatismo de repetição demostrando o que Lacan
dizer no Seminário XI: Digo que o conceito de repetição não tem nada a ver com aquele da
transferência. (Dicionário de Psicanalise: Freud e Lacan, 1997, p, 268).
15

seria insensato da parte do analista, uma vez que só teria trazido à consciência para
que ela reprimisse novamente (FREUD,1911-1913).

Freud (1911-1913) diz que se deve aceitar esse amor, mas, de forma que
não, ao mesmo tempo, evitando-se aproximação física. O psicanalista explica que
isso

Consistiria em declarar que se retribuem os amorosos sentimentos da


paciente, mas, ao mesmo tempo, em evitar qualquer complementação física
desta afeição, até que se possa orientar o relacionamento para canais mais
calmos e elevá-lo a um nível mais alto. (Freud Sigmund (1911-1913) p.181).

Fica claro, então, que a técnica analítica exige que o analista negue todo e
qualquer desejo de amor do paciente, conduzindo o tratamento em abstinência.
Nesse sentido, o fundamental da análise é não responder a essa demanda ou, até
mesmo, apaziguá-la. Deste modo, o que é oferecido em análise não seria mais do
que um substituto, pois até que as repressões da paciente sejam removidas, ela se
torna incapaz de alcançar satisfação real (FREUD,1911-1913).

Ao responder esse amor ela teria alcançado o sucesso, pois teria novamente
repetido no real o que apenas deveria ter lembrado e reproduzido como material
psíquico e mantido dentro de suas lembranças psíquicas. No decorrer de um
relacionamento, ela expressaria todas as suas inibições e reação patológica de vida
erótica, sem nenhuma possibilidade de correção, sendo penoso e fortalecendo sua
propensão a repreensão. O relacionamento amoroso destrói as possibilidades de
influência do tratamento (FREUD,1911-1913).

Portanto, o analista deve ter muito cuidado para não afastar-se do amor
transferencial ou se tornar desagradável para o paciente, mas deve recusar-se a dar
qualquer retribuição, mantendo firme o amor transferencial, mas tratando de maneira
irreal. Desta forma, o paciente se colocará a disposição do tratamento, remontando
suas origens inconscientes e trazendo o que tem de mais oculto de sua vida erótica
para a consciência e, com isso, começará a ter o controle (FREUD,1911-1913).

Freud (1911-1913) explica que quanto mais claro o analista for, fará com que
a paciente perceba que ele está a prova de qualquer tentação e, também, ele
conseguirá tirar da situação mais conteúdos para o tratamento. A paciente, cuja
repressão sexual não foi removida naturalmente e sim empurrada para um segundo
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plano, sentir-se-á segura o bastante para permitir que todas as suas precondições
de amar, as fantasias que surgem de seus desejos sexuais e o seu estado amoroso
venham à luz. A partir disto, então, ela própria abrirá o caminho para as raízes
infantis de seu amor.

Ao transformar ou moderar esse amor que foi direcionado para o terapeuta, o


trabalho, a partir daí, começa a desvendar a escolha objetal infantil da paciente e as
fantasias tecidas ao redor dela. Ao desvendar a escolha objetal infantil, pode-se,
então, perceber que a história de amor consiste em novas adições de antigas
características e que ela repete reações infantis, sendo essa a essência de todo
caráter amoroso. Desse modo, não existe estado que não reproduza protótipos
infantis (FREUD,1911-1913).

O amor transferencial talvez possua um grau menor que o amor que aparece
na vida comum, nomeado como normal, o qual exige uma dependência do padrão
infantil, menos adaptável e capaz de modificações, não sendo algo essencial. As
características do amor transferencial são os aspectos que seguram esta posição
especial (FREUD,1911-1913). Nessa perspectiva,

Em primeiro lugar é provocado pela situação analítica; em segundo, é


grandemente intensificado pela resistência, que domina a situação; e, em
terceiro, falta-lhe em alto grau consideração pela realidade, é menos
sensato, menos interessado nas consequências e mais ego em sua
avalição da pessoa amada do estamos preparados para admitir no caso do
amor normal. Não podemos esquecer, contudo, que esse afastamento da
norma constitui precisamente aquilo que é essencial a respeito de ser
enamorado. (Freud Sigmund (1911-1913) p.186).

Esse amor de transferência é fundamental no tratamento, pois é a partir dele


que se torna possível a análise, pois é neste momento que o paciente se sente à
vontade em comunicar o seu segredo vital. Evidentemente, o profissional não
poderá tirar nenhum proveito ou vantagem pessoal, uma vez que a disposição do
paciente não faz nenhuma diferença, pois toda a responsabilidade fica agora a cargo
do analista. Já é de conhecimento do analista que o paciente não se prepara para
nenhum outro mecanismo de cura. Então, depois de todas as dificuldades
superadas, ele confessará ter tido uma fantasia antecipatória (FREUD,1911-1913).

Por esses motivos éticos e técnicos, ao analista fica vedada a possibilidade


de responder ao amor demandado pelo paciente. Para aqueles que ainda são
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jovens e não estão ligados à fortes laços será uma tarefa árdua, pois o amor sexual
é inquestionavelmente uma das principais coisas da vida, fazendo a união de
satisfação mental e física no gozo do amor que se constitui seu ponto mais elevado
(FREUD,1911-1913).

Entretanto, fica inteiramente impossível para o analista ceder, pois seu


paciente depende dele para que possa passar em seu estádio decisivo da vida.
Assim, ela tem que aprender a superar seu princípio de prazer, abandonando as
suas satisfações, que para o social são inaceitáveis. Mas para ela conseguir esta
superação, vai depender do desenvolvimento mental dos seus primeiros anos de
vida (FREUD, 1911-1913).

Por isso, Freud (1911-1913) vai dizer que a transferência é amor, repetições
de nossas histórias, atualizações de novos encontros de amores, modalidade de
afeto, identificações e demandas. Visto que, é a partir desses investimentos, os
quais são feitos ao sujeito nos primeiros anos de sua vida, que o sujeito vai ordenar
as suas capacidades de colocar o outro em um lugar de identificação e
transferência. Nesse sentido, quanto mais investimento este sujeito receber, mais
facilidade ele terá nas relações em se identificar e colocar o outro nesses lugares.

A transferência vai ocorrer de forma variada e muitas causarão


estranhamento, pois, por vezes, o sujeito se depara com imagens e situação já
experienciadas, bem como catexias de séries já vivenciadas. Se o lugar no qual o
outro será colocado for na “imago materna” ou na “imago paterna”, isso quem
decidirá é o próprio sujeito, pois serão as suas vivências e as suas marcas, as quais
são inconscientes. A propósito, marcas essas constituídas a partir dos investimentos
recebidos dessas imagens, que não necessariamente seja de pai e mãe, e sim de
quem tenha investido nele (FREUD,1911-1913).

Percebe-se, então, que a transferência é uma repetição de fragmentos, parte


de cenas já vivenciadas. Portanto, uma transferência é uma repetição do passado
vivido e esquecido. Essa vivência terá grande importância na vida do sujeito, pois
quando não investida, ele ficará fragilizado e poderá apresentar dificuldade em
vivenciar algo, visto que se lhe foi “negado” parte desse processo, ficará vulnerável
(FREUD,1911-1913).
18

São nas vivências em que o sujeito está inserido que ele vai se submeter a
compulsão e a repetição com uma catexia. Essa catexia, para Freud, era forma de
como o sujeito investe em um objeto, como forma de energia do instinto. Esses
investimentos ocorreram em todas suas vivências cotidianas, inclusive em suas
relações amorosas. Freud, no texto “Recordar, Repetir e Elaborar”, disse que “[a]
transferência é ela própria, apenas fragmento da repetição e que a repetição é uma
transferência do passado esquecido, não apenas para o médico, mas também para
todos os aspectos da situação atual.” (Freud Sigmund (1911-1913) p.166).

Esse conceito, sobre o qual trata-se aqui, se manifesta de forma inconsciente


sem que o sujeito tenha controle dele, pois acontece naturalmente, sem perceber,
percebendo à posteriori, dado que, ao repetir, o sujeito estará vivenciando algo do
real, um sentimento real (FREUD,1911-1913). Por conta disso, as suas relações
serão baseadas em suas vivências, porquanto nesse momento o sujeito começa a
lidar com o outro, o qual lhe foi apresentado lá em seus primeiros anos. Seria como
se ocorresse de o sujeito pensar que, ao ver-se impossibilitado de alguém amá-lo no
real, criaria configurações para se aproximar das pessoas de forma que o consciente
daria conta das atitudes inconscientes (FREUD,1911-1913).

Com isso, as representações criadas, sejam elas insatisfeitas ou satisfeitas,


nas formas de identificar-se, seja na clínica, no lugar do analista, ou qualquer outra
forma pessoal com a qual é possível relacionar-se, poderão ser as mais primitivas
possíveis. Desse modo, tais identificações estarão ligadas aos famosos clichês
estereotípicos, pois são identificações na qual todo o sujeito, em suas relações,
usará desse reconhecimento. Serão elas que possibilitarão as convivências e os
relacionamentos (FREUD,1911-1913). Nesses comportamentos, as transferências
também estarão relacionadas a resistência. Freud (1911-1913) afirma que:

Em segundo, permanece sendo um enigma a razão por que, na análise, a


transferência surge como a resistência mais poderosa ao tratamento,
enquanto que, fora dela, deve ser encarada como veículo de cura e
condição de sucesso. (Freud Sigmund (1911-1913) p.112).

São formas de criar vínculo com o outro e Freud deixa claro que isso
precisará acontecer no âmbito clínico para que o tratamento tenha um andamento
no qual o sujeito se questione em suas questões. Essas associações estarão
19

sempre ligadas às suas vivências infantis, como já mencionado. Tais frequências


retornarão de maneira que, por mais que não as acesse, estarão mais presentes do
que se deseja. Nesse sentido, relacionam-se estas figuras, as quais não cessam de
retornar inconscientemente, ao terapeuta ou qualquer outrem que faça parte dos
relacionamentos do sujeito. Pensando nesta forma de amar, há um amor tão grande
direcionado ao outro que Freud traz o conceito de resistência como via de
impossibilidade. Sendo assim, a transferência aparece desde o início como a arma
mais forte da resistência (FREUD,1911-1913).

Ocupamo-nos do mecanismo da transferência, é verdade, quando


remontamos ao estado de prontidão da libido, que conservou imagos
infantis, mas o papel que a transferência desempenha no tratamento só
pode ser explicado se entrarmos na consideração de suas relações com a
resistência. (Freud Sigmund (1911-1913) p.116).

Ao compreender qual seria o papel da resistência juntamente com a


transferência, Freud disse que seria uma forma de dificultar os desejos, algo do
imaginário, visto no real como algo impossível. Seria uma relação de dependência
afetuosa e dedicada, podendo ajudar a superar todas as dificuldades, conseguindo
falar de si sem ter medo de julgamentos ou repreensões (FREUD,1911-1913).

Assim, não se pode compreender o emprego da transferência como


resistência, uma vez que se pensa somente em transferência. É preciso distinguir
sim a transferência positiva e a transferência negativa, sendo que a transferência
positiva ficará a encargo dos sentimentos afetuosos, transferência de sentimentos
que são admissíveis à consciência. A transferência de prolongamento ficará a
encargo do inconsciente. Os estudos mostram que as relações emocionais de
simpatia e amizade estão vinculadas a sexualidade. Por sua vez, as pessoas com as
quais um sujeito se relaciona, admira-as e respeita-as, são puramente objetos
sexuais para o inconsciente (FREUD,1911-1913). Portanto,

[...] somos assim levados à descoberta de que todas as relações


emocionais de simpatia, amizade, confiança e similares, das quais podemos
tirar bom proveito em nossas vidas, acham-se geneticamente vinculadas a
sexualidade se de desenvolveram a partir de desejos puramente sexuais,
através da suavização de seu objetivo sexual, por mais puro e não
sensuais, que possam aparecer a nossa auto percepção consciente. (Freud
Sigmund (1911-1913) p. 117).
20

É importante ressaltar que a transferência negativa e a transferência positiva


caminham juntas, lado a lado, como uma ambivalência de amor e ódio
(FREUD,1911-1913).

Ambivalência nas tendências emocionais dos neuróticos é a melhor


explicação para sua habilidade em colocar as transferências a serviço da
resistência. Onde a capacidade de transferência tornou-se essencialmente
limitada a uma transferência negativa (Freud Sigmund (1911-1913) pp118).

Quanto ao referido conceito em relação ao atendimento clínico, Freud (1911-


1913) vai trazer um fenômeno extremamente necessário para que o sujeito fale ao
terapeuta tudo o que lhe venha à cabeça, uma vez que tudo que será comunicado
não lhe será criticado ou censurado. Assim como nas relações, o sujeito sentirá a
vontade de se colocar diante do outro.

O momento mencionado, em que o sujeito, então, se sente a vontade em falar


de si, está relacionado à posição no qual esse sujeito coloca o terapeuta. Essa
libido, porém, foge do consciente indo para o campo do inconsciente, provocando
inúmeras manifestações, como os sonhos, pois, muitas vezes, esses impulsos
inconscientes não desejam recordar, trabalhando isso de forma atemporal. É
interessante que Freud (1911-1913) vai trabalhar isso como algo que vem de modo
necessário, mas também como algo que mais a diante surge como dificuldade. Ele
também deixa claro que somente a partir dela se tem acesso aos impulsos eróticos
ocultos e esquecidos pelo sujeito, tornando-os imediatos ao terapeuta. E,
evidentemente, aprender a lidar com a transferência e manejar é algo que precisa
ser praticado.

As contribuições de Lacan (1960-1961) em relação a transferência são em


torno de que ela não seria fenomenológica, mas sim algo estrutural, do âmbito da
linguagem, do simbólico, que se inicia a partir da castração, encontrando como
fundadora deste sujeito um modo de se relacionar com o laço social. Destarte, é
dada à transferência uma referência estrutural, a qual liga a uma experiência
dialética, algo incessante, progressivo, movido por oposições violentas e que avança
por rupturas, sendo substituída por algo de um discurso que resiste. Por essa
perspectiva, a transferência vem como resistência, tomando outro sentido. Não é a
transferência que se faz resistência, mas algo do discurso que resiste em falar, e
isso faz com que o paciente sofra, reproduzindo os sintomas.
21

Nesse sentido, é permitido pensar que uma neurose de transferência seria um


sintoma, o qual será reproduzido em análise, uma vez que a transferência se
estrutura pela fala e essa é uma demanda atualizada em análise. Isso se dá a partir
do matema criado por Lacan “S.s.S”6, isto é, “sujeito, suposto, saber”, significante
este dado a partir da transferência. No momento em que o paciente coloca o analista
no lugar em que tudo sabe, ele sente-se à vontade para trazer as suas questões no
intuito de resolvê-las, afinal, ele supõe que o analista tudo sabe. Desse modo, a
transferência é inconsciente, tomada de desejos e produzida a partir da
transferência do sintoma da fala (LACAN, 1960-1961).

Ao atualizar o discurso na análise, Lacan (1960-1961) vai tornar possível a


reatualização da historicidade do sujeito, pois ao direcionar a fala a alguém, a saber,
o analista, ele toma um lugar específico. Essa reflexão permite pensar que a
transferência é uma substituição do discurso que resiste. Sendo a transferência da
fala, da demanda, o que possibilita o analisante colocar o analista no lugar de S.s.S
(LACAN, 1960-1961).

Lacan (1960-1961) apresenta como contribuição sobre a transferência, a


questão de que a transferência é uma experiência dialética, experiência que deve ter
mais valor quando colocada em transferência. Tal experiência é algo inconsciente,
constituída por um discurso dado ao analista, sendo necessária antes de qualquer
intervenção da parte do analista, pois está numa dimensão simbólica, dimensão da
demanda. Já com presença do analista do campo do real, o ato se faz no real,
sendo o analista um significante real. E é esse significante que suporta o
inconsciente.

Ao falar em transferência, Lacan (1960-1961) afirma que ela é automatismo de


repetição, o qual se ocupa de amor, é o próprio paciente na posição de fala. A
presença do passado vem à tona, algo que se impõe permitindo uma formulação,
vindo como reprodução. A transferência é uma repetição necessária, pois é nesse
momento que o sujeito constrói algo. Não é o analista a quem dirige suas demandas
e suas questões, pois tudo o que se sabe é que o fenômeno psíquico se produz para

6
“Aquele a quem o sujeito endereça sua demanda de amor tem um lugar específico aquele
designado pelo fato de que ele supostamente detém a chave, o saber sobre as formações do
inconsciente. Esse lugar é o que ocupa o significante da transferência que é o sujeito suposto saber.”
(Dicionário de Psicanálise: Freud e Lacan. 1997, p, 299).
22

este outro que está ali, e que ali permanece na posição de outro ouvinte. O outro é
criado pelo sujeito através do fenômeno da transferência, manifestado na relação à
quem fala (LACAN, 1960-1961). Nesse sentido, Lacan declara que

É que diante de todos, é desvelado em seu traço o segredo mais chocante,


a última mola do desejo, que sempre obriga, no amor, a dissimulá-lo um
pouco: seu objetivo é a queda do outro, A, em outro, a. (Lacan
Jacques,1901-1981, p.178).

Essas repetições são cadeias de significantes, nas quais se desliza através


da transferência, mesmo sendo por via de erro, pois é no lugar daquilo que se
manifesta, no fantasmático, que se procura a verdade do real. Acreditando na
verdade do sujeito, então o saber e o desejo são cúmplices, pois o desejo é do
outro, sendo essa a mola do nascimento do amor, pois é nesse objeto que se tem
direção o próprio desejo (LACAN, 1960-1961). Esse desejo que está escondido e
que ninguém vê, aparece como algo misterioso, manifestando-se mesmo sem se
ver. É nessa medida em que o amor de transferência se coloca, sendo o desejo
outro, pois será remetido como o seu verdadeiro desejo (LACAN, 1960-1961).

2 A TRANSFERÊNCIA NA RELAÇÃO PROFESSOR E ALUNO

2.1 A transferência e a sua relação com o desejo

Ao tratar sobre aprendizagem, não seria possível deixar de falar,


primeiramente, no ato de desejar saber. Ao observar as obras de Freud, em nenhum
momento ele traz o fenômeno de aprendizagem, pois suas preocupações eram
aliviar os sintomas das pessoas (KUPFER, 2004). Maria Cristina Kupfer (2004)
afirma que Freud se posiciona frente ao conhecimento de forma que, ao pensar em
conhecimento, preferia pensar que há determinantes psíquicos que levam alguém a
ser “desejante de saber”.

Freud declara que o momento em que o sujeito se torna desejante é o


momento em que acontece o próprio reconhecimento da criança. Por exemplo, os
meninos, ao pensarem que são diferentes das meninas, implicaria em uma
23

descoberta que acarreta entender que alguma coisa lhe falta (KUPFER.2004). Ao
descobrir essas diferenças, a criança se angustia. A partir dessas angústias que se
faz querer saber. Os instrumentos que a criança dispõe para aprender, de acordo
com Freud, são as “investigações sexuais infantis”. Segundo Kupfer,

Para Freud, as primeiras investigações são sempre sexuais e não podem


deixar de sê-lo: o que está em jogo é a necessidade que tem a criança de
definir, antes de mais nada, seu lugar no mundo. E esse lugar é, a princípio,
um lugar sexual (Kupfer Maria Cristina,2004, p.81).

Esse lugar sexual é situado pelos pais no início da vida, pois é na relação
entre a criança e os pais que se cria o que os pais esperam do filho. Trata-se, aqui,
de algo que diz respeito ao desejo dos pais (KUPFER.2004). O importante a ser
destacado é a filiação da curiosidade intelectual à curiosidade sexual, à imagem
fantasiada da cena primária. Kupfer aponta que, para Freud, o que impulsiona o
desenvolvimento intelectual é sexual. O sexual é a matéria que alimenta a
inteligência, sendo a inteligência os “restos sexuais” (KUPFER, 2004). O sexual,
aqui, sofrerá o efeito da sublimação. Nessa significação,

Uma pulsão é dita sublimada quando deriva para alvo não sexual. Além
disso, visa a objeto socialmente valorizado. Nesse movimento errático da
pulsão em busca de um objeto, pode acontecer uma dessexualização desse
objeto. A energia que empurra a pulsão continua a ser sexual (seu nome já
consagrado, é a libido), mas o objeto não o é mais. (Kupfer Maria Cristina,
2004, p.42)

De acordo com a psicanálise, esses são os determinantes que levam a


criança querer aprender. Entretanto, a criança não aprende sozinha. É necessário
que haja um professor para que o ato de aprender se realize. Para a psicanálise, a
presença desse professor deve ser colocada em uma determinada posição, na qual
propicie a aprendizagem.

Para Kupfer (2004) o ato de aprender se dá a partir da relação com o outro


que ensina. São figuras que supõem que lhe transmitam algo, e esse lugar é
colocado a partir do imaginário da criança, dessa capacidade de imaginar que o
outro lhe transmita, que o outro possa ou não propiciar a aprendizagem. A questão
que fica é “o que é aprender?”, visto que o aprender vem da relação com o outro,
sendo o outro o professor, onde o aprender é aprender com alguém (KUPFER,
2004).
24

É nesse espaço de relação professor e aluno que o presente trabalho se


detém. O que acontece a partir dessa relação, quais são as marcas, o que fica para
o aluno a partir dessa vivência? Não se trata de conteúdos ensinados, mas sim da
credibilidade que o aluno deposita no professor, de modo que tudo o que ele lhe
ensinar, seja colocado como uma verdade suprema (KUPFER, 2004).

Kupfer (2004) traz as contribuições nas quais Freud faz menção ao professor,
que só pode se fazer ouvido no momento em que o aluno o colocar em um lugar
especial. Dessa forma, o professor conseguirá influenciar e ser para o aluno alguém
que possua um suposto saber. Isso ocorre - ou deveria acontecer - no tempo de
latência, pois a responsabilidade sai da parte dos pais, passando para os
professores, que ficam incumbidos da tarefa de educar. O lugar que antes era dos
pais, passa ser dos professores, juntamente com os sentimentos que a criança
direcionava.

Kupfer (2004) percebe que Freud deu mais ênfase à relação entre professor e
aluno do que o real valor cognitivo que transitam entre eles. A relação da qual Freud
fala, é a relação afetiva entre aluno e professor. Essa relação afetiva são afetos
primitivos, antes já mencionados, pois eles são primeiramente direcionados aos
pais, passando, então, a ser direcionada para o professor, o qual é determinante
para que ocorra a aprendizagem.

Essa relação afetiva entre aluno e professor é a que é possível encontrar


expressão na teoria freudiana no conceito de transferência, que são sentimentos de
vivências afetivas do passado que o sujeito transfere para outras pessoas. Assim, o
aluno em determinado momento coloca o professor no lugar do pai ou da mãe,
sendo isso manifestações inconscientes, repetições de protótipos infantis (KUPFER,
2004).

Portanto, o professor passa a ser uma figura a quem o aluno endereça esses
afetos, direcionando a ele um objeto de transferência. O que se transfere são as
experiências vividas primitivamente com os pais. Fazendo um deslocamento do
desejo, no qual utiliza as mais variadas formas para suas significações e, a partir
desses deslocamentos, surge o desejo de aprender (KUPFER, 2004).
25

É na relação professor-aluno que a transferência quando ativada vai


desenvolver um desejo de saber no aluno, que vai de encontro com algo no qual o
faz vivenciar alguma cena do passado. O que se transfere são os estereótipos dos
pais, sendo importante fixar ideias de que o desejo é inconsciente e que se busca
formas de esvaziá-las, colocando sentido no que interessa. O que se transfere é o
sentido que se dá a figura determinada pelo desejo (KUPFER.2004).

Freud vai dizer que, assim como os sonhos são formas de realização de
desejos ocultos, a transferência vem como deslocamento no qual o desejo opera,
utilizando várias formas de apoderar-se, dando novas formas de significações.
Assim, a transferência vem ser como um sonho, de forma que esse desejo se
realize. Logo, a transferência vem a ser algo que se desloca de um lugar para outro
(KUPFER, 2004). Kupfer explica que,

Talvez um exemplo ajude a entender melhor do que fala Freud em A


interpretação dos sonhos. Torna-se, entre o número vastíssimo de sonhos
analisados por Freud, um exemplo ao acaso, muito simples: Um homem
sonha que vê, num determinado lugar, uma mulher, envolvida por um halo
de luz branca, que veste uma blusa branca. A explicação do sonho é a de
que esse homem tivera, nesse mesmo lugar, sua primeira cena de amor
com uma mulher chamada Branca. Portanto, a cor Branca é “tomada de
empréstimo” apenas para que o desejo signifique o que lhe interessa: o
nome da amada. (Kupfer Maria Cristina, FREUD E A EDUCAÇÃO, O Mestre
do Impossível, p. 89).

Uma vez que os sonhos são manifestações inconscientes, Freud vai dizer que
a transferência ocorre no mesmo sentido e os elementos dos sonhos vão ocorrer,
igualmente, em relação ao professor da maneira inconsciente. Sendo assim, a
transferência produz no aluno um desejo de saber que se aferra a algo particular do
professor (KUPFER, 2004).

A partir desse entendimento, a transferência é tomada de algo que Freud


amplia da noção de clichê, de modo que o que se transfere ao professor são
estereótipos dos pais. Esses desejos inconscientes que buscam agarrar-se a formas
que possam esvaziar e colocar novas significações e sentidos que lhe interessem,
nesse caso, será direcionado ao aprender (KUPFER, 2004). Através desses efeitos,
o professor fica inevitavelmente carregado de importância, tornando-se uma figura
especial para o aluno. Desse modo, a transferência operada pelo desejo passa a ser
também a transferência de poder (KUPFER, 2004).
26

Desta maneira, o aluno dirige-se ao professor atribuindo-lhe um sentido


conferido pelo desejo, passando a fazer parte do cenário inconsciente. A partir
desse lugar o professor não será mais meramente alguém que lhe fala, mas sim
alguém que ocupa um lugar especial no inconsciente do sujeito que se faz ser
escutado. (KUPFER, 2004). Para a autora,

Isso explica, em parte, o fato de haver professores que nada parecem ter de
especial, mas que, na realidade, marcaram o percurso intelectual de alguns
alunos. Quantas vezes não ouvimos dizer que alguém optou por ser
Geógrafo porque teve, no ginásio, um professor que despertou seu gosto
pela matéria! Não era nenhum grande teórico do assunto, tanto que só
aquele aluno se interessou pela Geografia. A ideia de transferência mostra
que aquele professor em especial foi “investido” pelo desejo daquele aluno.
E foi desse “investimento” que a palavra do professor ganhou poder
passando a ser escutada (Kupfer, 2004, p. 92).

Sendo, então, transferido para o professor o desejo que opera como um mero
suporte de esvaziamento, esse desejo será como uma mola precursora do aprender.
Ocupar-se deste lugar no qual é designado ao professor na transferência não é
tarefa fácil, pois precisará se esvaziar como pessoa para dar lugar a outro
desconhecido (KUPFER, 2004). Desse lugar, cabe ao professor saber lidar com tal
posição, para que não caia na tentação de impor ao aluno as suas próprias ideias e
valores, instituindo-lhe o seu próprio desejo. Mas, evidencia-se sim a importância de
permitir a esse aluno aprender a superar e conduzir seu percurso, assim como fizera
com relação aos seus pais (KUPFER, 2004).

Fica, então, para o professor, o desafio de não responder a essa tentação,


pois precisará, assim como fizeram os pais, deixar este aluno livre, para que ele
fique na posição de aluno desejante. Dessa forma, o professor contribui para a
formação de um ideal (KUPFER, 2004). Ao ser submetido a figura do mestre, o
aluno fica na posição de quem aprende com alguém, possibilitando que alguém o
fale, pois ele o escuta. Nessa perspectiva, o aluno grava as informações que lhe são
passadas, pois o professor serve de espelho do conhecimento, não saindo da
relação de sujeito pensante (KUPFER, 2004).

O educador, ao colocar esse aluno no lugar de sujeito e não somente de


aprendiz, renunciando todo e qualquer excesso de métodos de ensino e
adestramentos, estará dando um lugar para o desejo do aluno. Quando isso
acontece, o educador está sendo norteado pela ideia de que está marcado por
27

inscrições primordiais, que dará sempre o norte para o percurso do seu aluno
(KUPFER 2004).

2.2 A importância da transferência na relação professor e aluno

Segundo Freud (1913-1914), é a partir da possibilidade de desligamento dos


pais que abre espaço para um terceiro, sendo este o professor. Quando este
desligamento não acontece, fica fragilizada a possibilidade de este terceiro sujeito
entrar. De modo que a transferência só se torna possível quando este aluno coloca o
professor inconscientemente no lugar da imago paterna ou materna, e é
fundamental os pais terem feito este desligamento para que possam ser
substituídos.

Para Anny Cordié (1996), o desejo de saber na criança e suas necessidades


de aprender estarão, de alguma forma, na curiosidade, no prazer de descobrir o
conhecimento e, pode-se acrescentar, que isto se dá na relação com o outro. A
curiosidade se dá a partir deste desligamento. E é justamente a curiosidade de
saber, se dar conta deste desligamento, que Freud (1913-1914) apresenta, que abre
espaço para o novo, para a relação com o outro. Entretanto, a partir da não
possibilidade deste outro entrar é que se há de pensar, então, em um possível
fracasso na aprendizagem. Uma vez que se trata de transferência na relação
professor e aluno, quando a transferência não opera, o que fica fragilizado é a
aprendizagem, podendo gerar para o aluno uma situação de fracasso.

Conforme Cordié (1996), não se obriga uma criança a aprender, pois é


necessário que ela deseje. Não acabe a alguém obrigar o outro desejar. Muitos pais
acreditam que sim, precisam motivar seus filhos, fazendo de um tudo para que a
escola lhe pareça algo maravilhoso. Porém, o que é imposto vindo do desejo dos
pais se torna impossível à criança sustentar, anulando tal conhecimento. Assim, a
pulsão do saber fica impedida e o desejo fica esquecido.

Kupfer (2000) aponta, ainda, que são os pais que possibilitam o registro das
marcas de desejos nos filhos, através da educação. Por esse viés, “[é] pela
educação que um adulto marca seu filho com marcas de desejo; assim o ato
28

educativo pode ser ampliado a todo ato de um adulto dirigido a uma criança”
(Kupfer, 2000, p. 35).

Portanto, ao finalizar esse capítulo, entende-se que as formas que a criança


usa para dar conta do universo escolar são trazidas de suas vivências familiares,
sendo elas positivas ou negativas. A partir desses decorrentes, pode-se pensar em
formas que a criança cria para colocar o professor neste lugar de suposto saber. E
quando isso não acontece, da mesma forma que a possibilidade de colocar o
professor neste lugar, estará também em jogo o não aprender. O fracasso causa um
mal-estar no professor, dando um olhar, muitas vezes, discriminativo e,
consequentemente, dificultando ainda mais a possibilidade de transferência e, com
isso, o aprendizado. Segundo Kupfer (2004),

Instalada a transferência, tanto o analista como o professor tornam-se


depositório de algo que pertence ao analisando ou ao aluno. Em
decorrência dessa “posse”, tais figuras ficam inevitavelmente carregadas de
importância especial. E é dessa importância que emana o poder que
inegavelmente tem sobre o indivíduo. Assim, a razão dessa transferência de
sentido operada pelo desejo, ocorre também a transferência de poder.
(Kupfer, 2004, p. 91).

De fato, o não colocar o professor no lugar de alguém em quem se possa


confiar, torná-lo-ia também estranho a esse aluno, sendo assim impossível de se
colocar à disposição do aprender. O estar à disposição se torna fundamental e
indispensável para que o aprender opere. Tanto para o professor quanto para o
aluno não é fácil se deparar com a não transferência. O não estar nesse processo
de transferência causa angustia e sofrimento para ambos, pois o resultado disso é o
não aprender.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A psicanálise traz grandes contribuições em relação ao funcionamento


psíquico do sujeito, e isto está implicado em sua formação educacional. A educação,
desde os primórdios, nos traz muitas questões, sendo o aprender a maior delas.
Portanto, pensar a relação do sujeito com a aprendizagem remete à transferência,
29

tão presente, segundo a psicanálise, nas relações. Esse foi o propósito deste
trabalho.

Para pensar a transferência na relação professor e aluno, parte-se da


construção do conceito na obra de Freud. Ao conhecer a historicidade em relação ao
fenômeno da transferência, torna-se possível entender as suas vicissitudes e os
seus desdobramentos, demostrando o quanto se tornam sensíveis a tal relação.
Como são inúmeras as possibilidades com as quais um sujeito se depara no ato de
aprender, ao explorar o tema da transferência é possível aferir a sua relevância no
processo educativo, ponto do qual se ocupou o segundo capítulo.

A partir deste trabalho, tais contribuições fazem refletir sobre o papel do


educador na vida do aprendiz e vice e versa, sendo que foi decorrente de estudos
sobre a transferência que se tornou possível analisar esta relação professor e aluno.
Com isso, atualmente, se pode afirmar que através do conceito de transferência é
possível trazer uma grande contribuição para educação, uma vez que todo o grupo
de educadores deveria se fazer compreender sobre este fenômeno.

Infelizmente, nas escolas ainda não percebemos o uso deste significativo


instrumento. Isso se dá devido a simples razão dos professores estarem
desprovidos de tal conhecimento, visto que já possuem um encargo enorme com
planejamentos e cartilhas aplicadas, uma vez que são professores formados para tal
e assim o fazem, sem conceber a lacuna que se apresenta como um espaço a ser
explorado, viabilizando novas formas de relação com o aprender.

Assim, cabe ao psicólogo, profissional que, se inserido no ambiente escolar,


poderá aferir das necessidades e orientar sobre a utilidade da transferência,
demostrar o quão relevante é este fenômeno na relação professor e aluno, uma vez
que o presente trabalho traz evidências de que a partir da transferência se
desenvolve o desejo em aprender.
30

REFERÊNCIAS

CORDIÉ, Anny. Os atrasados não existem: psicanalise de crianças com


fracasso escolar. Trad. Sônia Flach e Marta D´Agord. Porto Alegre: Artes, 1996.

DICIONÁRIO DE PSICANALISE: FREUD & LACAN. 1 prefácio de Claude


Dorgeuille. Tradutora: Leda Mariza Ficher Bernardino. Salvador/BA: Algama, 1997.

FREUD, Sigmund. Conferencias Introdutória sobre Psicanalise. Parte III. Vol. 13.
Rio de Janeiro- RJ. Imago 1996.

FREUD, Sigmund. Estudos sobre a Histeria. Rio de Janeiro/RJ. Imago, 1996.

FREUD, Sigmund. Novas recomendações sobre a técnica da psicanalise III. Vol. XII.
Rio de Janeiro- RJ. Imago. 1996

FREUD, Sigmund. Primeiras Publicações Psicanalíticas. Rio de Janeiro-


RJ. Imago, 1996.

FREUD, Sigmund. Um Caso de Histeria, Três Ensaios sobre Sexualidade e


outros trabalhos. O Quadro Clínico. Vol. VII. Rio de Janeiro/RJ. Imago, 1996.

KUPFER, Maria Cristina Machado. Educação para ofuturo: psicanalise e


educação. São Paulo: Escuta, 2000.

LACAN, Jacques (1901-1981). O seminário: a transferência. Texto estabelecido


por Jacques Alain Miller. Versão brasileira: Dulce Duque Estrada. Revisão do texto:
Romildo do Rego Barros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.

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