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AULA 1

TUTELAS DIFERENCIADAS DE
URGÊNCIA

Prof. Rodrigo Otávio Monteiro da Silva


CONVERSA INICIAL

Caro colega, nosso primeiro contato tem por objetivo obtermos uma visão
ampla do que tratará este módulo e dos temas que serão objeto de nosso estudo
sobre tutelas diferenciadas de urgência.
Como é de conhecimento geral, em 16 de março 2015 foi promulgada a Lei
n. 13.105, contendo o texto do Novo Código de Processo Civil, que entrou em
vigor em março de 2016.
No novo texto legal, foram introduzidas diversas alterações em relação à
legislação revogada, não só de ordem processual ou prática, mas também em
matéria doutrinária, filosófica e funcional.
Nesses nossos encontros, trataremos de estudar as novas disposições
legais referentes às tutelas de urgência e, sempre que possível e pertinente for,
faremos as devidas comparações com o Código de Processo Civil de 1973.
Como ponto de partida, nesta primeira aula, abordaremos, ainda de forma
perfunctória, o aspecto histórico e evolutivo não apenas do processo civil, mas
também das diversas espécies de tutelas, jurisdicionais ou não.
Os temas acima elencados têm por objetivo servir de base para que seja
possível avançar com segurança em nossa disciplina. São noções preliminares
necessárias para permitir uma maior compreensão sobre o tema central de nossa
matéria.
Bons estudos!

CONTEXTUALIZANDO

Imaginem a seguinte situação. Ana ajuizou demanda de cobrança contra


Mário em virtude de contrato mútuo formado entre eles. Mário, em sede de
contestação, alegou, como preliminar de mérito, que o direito de Ana estava
prescrito, haja vista que já se passara mais de seis anos do ocorrido, não
justificando, portanto, que Ana pudesse se valer da via judicial.
Diante do caso hipotético acima, questionamos: Qual deveria ser a postura
do juiz após analisar a contestação de Mário?
Tentem responder de duas maneiras. A primeira, utilizando-se da fase
instrumentalista do processo, quando a jurisdição, por si só, ditava o ritmo do
processo. A segunda, sob o viés do processo constitucional, a partir do qual o

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julgador, para proferir qualquer decisão contra uma das partes, deverá observar
os princípios constitucionais vigentes.

TEMA 1 – A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL: BREVES


COMENTÁRIOS

Para se obter uma vista panorâmica sobre o Direito Processual, é


indispensável lançarmos um olhar sobre sua evolução, desde as origens até os
dias atuais, dando ênfase ao direito processual no Brasil. Para o cumprimento da
tarefa de regular a vida em sociedade, o Estado utiliza o Direito Processual por
meio do processo, pois é este um instrumento de atuação do direito material,
capaz de solucionar um conflito de interesses estabelecidos entre as partes.

1.1 O praxismo: a pré-história do Processo Civil

Desde tempos remotos, havia já a preocupação de dar atuação às normas


legais – o que, entretanto, não nos autoriza a estabelecer as divisões de ramos
do direito como atualmente. Evidentemente, não há aqui que se falar em normas
processuais. A respeito, veja-se Câmara (2003, p. 8.): “nesta fase não se pode
falar propriamente em Direito Processual, o que se faz por mera comodidade”.
A convivência humana, como se sabe, evoluiu da autotutela para uma fase
em que se reconheceu que deveria ser tema de responsabilidade pública – e, com
efeito, uma responsabilidade da autoridade pública.
De início, a resolução dos conflitos civis e as sanções penais puderam ser
resolvidas pela autocomposição, muitas vezes intermediada pelos anciãos ou por
alguém escolhido pela autoridade local. Isso, no entanto, mostrou-se insuficiente,
passando a assumir o Estado a imposição de uma autoridade confiável e
imparcial, capaz de conduzir os conflitos e impor sanções. A necessidade do
Estado de regulamentar essa atividade fez surgir regras e regulamentos que, mais
tarde, inspirariam o aparecimento de um direito processual.
Na Grécia antiga, vem à luz os primeiros princípios que formarão, muito
depois, a base do direito processual: busca de meios de convicção lógicos,
afastamento de preconceitos e superstições, o princípio da oralidade, o princípio
dispositivo e a livre apreciação da prova pelo julgador. A democracia ateniense

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inspirou o princípio do contraditório, que impõe ao juiz a prévia audiência de
ambas as partes antes de se proferir a decisão1.
Já a evolução do direito processual romano deu-se através de três fases
distintas. Em uma primeira fase (período primitivo ou legis actiones), os
procedimentos eram exclusivamente orais, com excessivo rigor em relação às
formalidades (rituais). Não existia representação por defensor público ou
particular, e só os cidadãos romanos podiam se valer das chamadas “ações de
lei” (três de conhecimento ou apenas declaratórias e duas de execução). O
processo se desenvolvia da seguinte forma: (i) inicialmente, perante o magistrado,
que era o responsável por conhecer da ação e delimitar o objeto da quizila; e (ii)
na sequência, a demanda era apresentada perante árbitros (cidadãos romanos)
que coletavam as provas e prolatavam a sentença2.
Na segunda fase, chamada de Período Formulário, as decisões passaram
a ser proferidas por magistrados com respaldo estatal. Uma vez conhecida a ação,
entregava-se ao postulante um formulário escrito para que expusesse suas
razões. Nessa época, já era permitida a representação por advogados3.
A terceira e última fase do direito processual romano (Período da Cognitio
Extraordinaria) se deu entre o ano 200 e 565 de nossa era. Suas características
principais: a função jurisdicional pelo Estado, desaparecendo os árbitros privados;
o procedimento assume forma escrita, contendo o pedido do autor, a defesa do
réu, a instrução, a sentença e sua execução, admitindo também o recurso.
Adentrando-se a Idade Média, com a queda do Império Romano do
Ocidente e a mescla dos elementos jurídicos germânicos com os da Roma
Clássica, passa-se a atribuir alto significados as Ordálias ou “juízos de Deus”, a
quem se considerava como partícipe dos julgamentos. Passou-se à fase de
processo meramente acusatório e o ônus da prova cabia ao acusado. É nessa
fase que o Direito Canônico (preservador das fórmulas do direito romano) faz um
trabalho de salvamento das instituições pré-processuais.
Pode-se afirmar que o Processo Comum era escrito, complexo e lento.
Nele, a prova e a sentença voltaram a se inspirar no direito romano. Muito embora

1 A respeito consulte: GRECO, L. Revista Dialética de Direito Processual, n. 24, março 2005, p.
71; ARISTÓTELES. Retórica. Tradução de Manuel Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse Alberto e
Abel do Nascimento Pena. 3. ed. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2006.
2 Sobre isso, ver: Hespanha, 1997, p. 77.
3 Sobre isso, ver: Theodoro Júnior, 1989, p.10.

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o direito canônico eliminasse algumas formalidades, preservam-se as torturas
como meio de obtenção da verdade no processo.
Ainda importa destacar que, nessa fase metodológica do praxismo
(procedure), o processo civil era considerado mero apêndice do direito material,
não havendo grandes preocupações em criar uma sistemática própria para o
processo civil, como o estabelecimento de conceitos, regras e princípios.

TEMA 2 – A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL: A FASE


CIENTÍFICA

Neste tema, veremos o processualismo, a fase instrumentalista e o


processo constitucional.

2.1 O processualismo

Na fase dita autonomista, conceitual ou científica, dentro da evolução


histórica do processo civil, houve a necessidade de atribuir definitivamente uma
autonomia processual dentro das ciências jurídicas, com a devida separação do
direito material em relação ao processo civil, agora parte do Direito Público.
É nessa fase que surgem conceitos como coisa julgada, litispendência,
ação, processo, procedimento, eficácia da sentença, pressupostos de validade e
existência, dentre outros. É também nesse período que a Jurisdição passou a
representar uma função estatal, isto é, a função de expressar o encargo, a missão
que tem o Poder Judiciário de promover a pacificação social, através do processo.
Recomenda-se o estudo das obras dos juristas italianos Giuseppe
Chiovenda, Francesco Carnelutti, Piero Calamandrei e Enrico Tullio Liebman e
dos alemães Adolf Wach, James Goldschmidt e Oskar von Büllow na Alemanha.
No Brasil, há grande influência de Liebman, que aqui se instalou nos anos
40. É importantíssimo visitar as obras de Alfredo Buzaid, José Frederico Marques,
Celso Agrícola Barbi, Lopes da Costa e Moacyr Amaral Santos.

2.2 A fase instrumentalista

Nesta fase, todos os esforços são voltados a tornar mais célere e


econômica a prestação jurisdicional, sem se afastar dos princípios basilares do
direito processual, pela segurança proporcionada às partes.

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Aqui, teleologicamente, o processo civil passa a encartar três grandes
escopos sistemáticos: (i) o escopo social, com finalidade de pacificação social; (ii)
o escopo político, com a afirmação da autoridade estatal; e (iii) o escopo jurídico,
com a tarefa de concretizar a vontade da lei e do direito.
Isso significa que toda e qualquer tutela referente aos direitos materiais
precisa, necessariamente, figurar dentro desses escopos processuais para
justificar-se.
Sobre o período instrumentalista, fase metodológica que vivemos até o
advento do CPC/2015, mister se faz analisar as obras de Mauro Cappelletti, José
Carlos Barbosa Moreira, Cândido Rangel Dinamarco e Ada Pellegrini Grinover,
dentre outros.

2.3 O processo constitucional

Esta é a fase em que nos encontramos hoje. Nela, o processo civil deve
ser visto sob a ótica da principiologia constitucional. Isso significa que o processo
civil não é um fim em si mesmo. Agora, deve-se buscar novos parâmetros, mais
amplos que não somente o processual. Daniel Mitidiero (2015, p. 43) bem
assevera:

o processo constitucional visa atualizar o discurso processual civil com


normas principiológicas e com normas que visam regular a aplicação de
outras normas (os postulados normativos), além de empregar como uma
constante a eficácia dos direitos fundamentais para solução dos mais
variegados problemas de ordem processual.

Ao constitucionalizar o processo civil, o legislador deixou claro que, por


exemplo, a jurisdição não deve estar no topo do ordenamento processual, como
na fase instrumentalista, mas sim figurar no mesmo nível das partes em litígio,
cada qual atuando em distintos papeis, no entanto sem se sobressaírem. “Insistir
nessa postura revela uma visão um tanto unilateral do fenômeno processual,
sobre ignorar a dimensão essencialmente participativa que a democracia logrou
alcançar na teoria do direito constitucional hodierno”. (Mitidiero, 2015, p. 45)
Sobre o tema, recomenda-se manusear as obras de Humberto Ávila, Álvaro
de Oliveira, Galeano Lacerda, Ada Pellegrini Grinover e José Joaquim Gomes
Canotilho.
Para ilustrar e contextualizar a fase constitucional do processo civil,
deixamos ao final do texto uma questão interessante para que os colegas possam
refletir.

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TEMA 3 – O DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO

No grande cadinho jurídico que se formou na Europa, de onde surgem as


grandes tendências da common law (anglo-saxã) e da civil law (fruto do direito
romano-germânico), tem origem o direito português e suas Ordenações, de tanta
influência no Brasil4.
Até o advento da Constituição outorgada de 1824, decorrente da
Independência, desconhecia-se a partição de poderes no Brasil. Assim que toda
a matéria, criminal, judicial, tributária, administrativa e militar era confundida e
tratada num mesmo extrato legal. Só em 1832 foi promulgado o Código de
Processo Criminal de primeira instância, com 27 artigos e disposições provisórias
sobre a administração da justiça civil.
Em 25 de novembro de 1850, foram publicados os Regulamentos n. 737 e
738 e o Código Comercial. O Regulamento 737 perdurou até o advento do CPC
de 1939 e seu objetivo foi determinar a ordem do juízo no processo comercial,
através de economia e simplicidade do procedimento. Sua vida, entretanto, foi
efêmera, já que em 1871 restabeleceu-se o antigo Código de Processo Criminal.
Em 1876, veio a lume a Consolidação das Leis do Processo Civil,
organizada pelo Conselheiro Antônio Joaquim Ribas, e passando a ter força de
lei. Dividia-se em duas partes: (i) organização judiciária; (ii) forma do processo.
Em 1889, reviveram-se as disposições do Regulamento n. 737 de 1850,
mantendo-se as normas da Consolidação em relação aos processos especiais,
não compreendidos pelo Regulamento
Com a Constituição de 1934, fixou-se a competência exclusiva da União
para legislar sobre processo, tornando-se necessária a elaboração de um Código
de Processo, que foi promulgado em 19395. Essa nova lei, desde logo, sofreu
duras críticas de muitos doutrinadores. Paralelamente, uma onda de euforia
legisferante deu origem a diversas leis extravagantes, forçando a reformulação do
Código.
Incumbido pelo Governo Federal, Alfredo Buzaid, professor da Faculdade
de Direito de São Paulo, elaborou um projeto que, aprovado pelo Congresso
Nacional, transformou-se na Lei n. 5.869/1973, tornando-se o então novo Código
de Processo Civil, atualmente revogado.

4 A respeito, ver Pacheco, 1999, p. 25.


5 Veja-se Grinover et al. (2003, p. 107) sobre esse processo legislativo.
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A matéria foi dividida em cinco Livros: I - do processo de conhecimento; II
- do processo de execução; III - do processo cautelar; IV - dos procedimentos
especiais; e V - das disposições finais e transitórias. No entanto, o CPC/73 não
conseguiu manter sua atualidade. Várias foram as alterações e minirreformas.
Recordemos algumas delas: Lei n. 7.347/1985 (Ação Civil Pública); Lei n.
8.009/1990 (Impenhorabilidade do imóvel residencial do executado – bem de
família); Lei n. 8.078/1990 (Código de defesa do Consumidor); Lei n. 8.952/1994
(disciplina a tutela antecipada e a tutela específica das obrigações de fazer e não
fazer); Lei n. 9.079/1995 (Processo monitório); Lei n. 9.099/1995 (derroga a antiga
Lei de Pequenas Causas e disciplina os Juizados Especiais); Lei n. 9.245/1995
(altera significativamente o procedimento sumário); Lei n. 9.307/1996 (Lei da
arbitragem); Lei 9.868/1999 (disciplinou o processo de ação direta de
constitucionalidade ou de inconstitucionalidade); Lei n. 10.444/2002 (alterações
relativas à tutela antecipada, ao procedimento sumário, à execução forçada).
Assim, chegamos a um ponto de quase ruptura do sistema judicial pela
falência da legislação vigente. Urgia uma nova concepção de Código de Processo
Civil.

TEMA 4 – O NOVO CPC (LEI N. 13.105/2015)

Considerando a necessidade mencionada acima, o Novo Código de


Processo Civil teve sua origem em um Anteprojeto elaborado pela Comissão de
Juristas presidida pelo Ministro Luiz Fux, que deu início ao processo legislativo no
Senado Federal.
A composição da Comissão de Juristas foi a seguinte: Ministro do STJ Luiz
Fux (Presidente), Teresa Arruda Alvim Wambier (relatora), Adroaldo Furtado
Fabrício, Benedito Cerezzo Pereira Filho, Bruno Dantas, Elpídio Donizetti Nunes,
Humberto Theodoro Júnior, José Roberto dos Santos Bedaque, Marcus Vinicius
Furtado Coelho, e Paulo Cesar Pinheiro Carneiro.
No Senado, o Projeto (PLS n. 166/2010) passou a tramitar e foi aprovado
em dezembro de 2010, sendo enviado, depois, à Câmara dos Deputados, quando
passou a tramitar sob o número 8.046/2010.
Na sequência, em março de 2014, foram votados os destaques feitos em
2013, formando-se um verdadeiro substitutivo de projeto de lei, tantas foram
modificações aprovadas em seu conteúdo. Isso determinou o retorno ao Senado.
Ali já não cabiam alterações substanciais. Tratava-se de comparar os dois

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projetos e fazer opção por um deles, após análise minuciosa. Não poderia haver
uma terceira via. Qualidades e defeitos de qualquer dos dois projetos teriam que
ser acatadas em bloco.
Finalmente, em 17 de dezembro de 2014, foi apresentado pelo Senador
Vital do Rêgo o Parecer n. 956/2014, que veio a ser aprovado pelo Plenário,
sendo, depois, complementado e corrigido pelo Parecer n. 1.099/2014 – tudo
depois seria levado à sansão presidencial.
Somente dois meses depois, entretanto, o texto decidido e aprovado,
através do Parecer n. 956/2014, e alterado, sem que o plenário fosse ouvido, pelo
Parecer n. 1.099/2014, chegou para a sanção presidencial, novamente
modificado, o que deixou alerta e chocada toda a comunidade jurídica.
Tinha vindo à luz o Parecer n. 1.111/2014, que, afinal, trouxe o texto
definitivo do Novo CPC (com os vetos presidenciais), tal como foi publicado em
17/03/2015 como a Lei n. 13.105/2015.
O novo Código de Processo Civil trouxe inúmeras alterações em relação
ao CPC revogado. Dentre as mais sentidas podemos destacar: (i) a
constitucionalização do processo civil; (ii) uma maior ênfase aos meios
alternativos de resolução de conflitos (equivalentes jurisdicionais), como a
conciliação, a mediação e a arbitragem; (iii) a eliminação do processo cautelar,
com a introdução de uma nova sistemática para as tutelas provisórias (urgência e
evidência); (iv) a tentativa de uniformização da jurisprudência, para torná-la
coerente, íntegra e estável (art. 926, CPC/15); (v) a introdução do chamado
Negócio Processual, que busca privilegiar a autonomia da vontade das partes em
disputa judicial; e (vi) prescrição de alterações substanciais em matéria recursal6.

TEMA 5 – CONCEITO E EVOLUÇÃO DA TUTELA

A partir da convivência entre humanos, os interesses começaram a se


tornar conflituosos. Num primeiro momento, nada seria mais natural do que aquilo
se percebe em toda natureza, animal e visceral. A força bruta impunha o vencedor
ao vencido e a isso passou-se a nominar como autotutela. Tutelar significa
amparar, proteger, defender. Autotutela é o amparo, a proteção e a defesa dos

6 Sobre as novidades trazidas pelo novo diploma processual brasileiro recomendam-se as


seguintes obras: AMARAL, G. R. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2015. e WAMBIER, T. A. A. et al. Primeiros comentários ao novo Código de
Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
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interesses (ameaçados, feridos ou lesados) pelo próprio ente que se entende
titular desses interesses.
Veja-se que aqui não cabe falar em titular de direitos, vez que os direitos
ainda estão em fase de estabelecimento, muitas vezes pela repetição de fatos que
têm a mesma solução.
Com o aumento das coletividades, como é evidente, também as relações
entre indivíduos e seus interesses tendem a se complicar e se multifacetar. A
autotutela, a partir daí, não raro encontra solução através da autotutela coletiva,
com a força do grupo ou do bando se impondo à fragilidade dos adversários e/ou
competidores.
Com a dificuldade crescente das relações interpessoais e intergrupais,
verificou-se que esse verdadeiro “estatuto da barbárie” não poderia continuar a
ser o modelo reparador da paz social – ao contrário, muito mais levando à
generalização de conflitos. Decorre daí a percepção da necessidade de serem
resolvidos os conflitos de interesse através de acordos e transigência entre os
interessados, surgindo, em diversos momentos e lugares, sistemas de
autocomposição.
Embora não havendo uma substituição da autotutela pela autocomposição,
nem a predominância de uma sobre a outra, os dois meios de solução de conflitos
vão coexistir. É nesse passo que começam a surgir os mediadores, escolhidos
pelos interessados para buscar a composição entre eles e minimizar os prejuízos,
evitando confrontos físicos, perigosos, desnecessários e, quase sempre, injustos.
Eis que as sociedades urbanas começam a desenvolver-se e começam a
surgir as autoridades públicas que, pela força, pela aclamação ou pela sucessão,
passam a administrar os interesses coletivos e manter o mando político. A essa
altura, também, os costumes começam a se solidificar e a tomar aparência de lei,
e nelas acabam por se concretizar. Já não bastavam mais os sábios e os anciãos
para aplicar os costumes ou a lei. Foi preciso que o Estado (assim se entendendo
o poder político dominante, uma vez que é prematuro se falar em Estado) tomasse
para si a atividade de mediar as desavenças e aplicar a lei para solver os conflitos.
A forma como isso se deu variou no tempo e no espaço, mas aí se delineou
o tipo de tutela que, com o tempo, vai ser designada como jurisdicional.

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FINALIZANDO

Neste encontro, tivemos uma visão panorâmica da formação do processo


civil e de sua evolução histórica. É importante ressaltar que, filosoficamente, as
mudanças implicaram em alteração das vias de compreensão do processo em si
e de suas manifestações na área cível e criminal.
Importa, também, destacar o papel preponderante que teve o direito luso
na formação da cultura jurídica brasileira, tanto para o bem (eis que permitiu que
a transição de colônia para a independência sem grandes traumas de
continuidade da justiça), como para o mal (uma vez que os maneirismos e os
vícios de uma legislação anacrônica, mesmo para sua época, tivessem uma
sobrevida e exercessem um nefasto conservantismo que, a duras penas, a partir
de 1974, começou a ser ultrapassado).
Portanto, ao espírito acadêmico bem conduzido, é indispensável conhecer
as principais características e principais tendências político-filosóficas de cada um
dos corpos de lei processual, de forma a construir uma ideia sólida dos conceitos,
das teorias e das práticas que se tornaram a lei vigente em março de 2016.

LEITURA OBRIGATÓRIA

Texto de abordagem teórica

PICARDI, N.; NUNES, D. O Código de Processo Civil Brasileiro: origem, formação


e projeto de reforma. Revista de Informação Legislativa, ano 48, n. 190, abr./jun.
2011. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/24294
5/000939985.pdf?sequence=3>. Acesso em: 23 jul. 2018.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Diário Oficial da União, Poder


Legislativo, Brasília, DF, 17 jan. 1973.

BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Diário Oficial da União, Poder


Legislativo, Brasília, DF, 17 mar. 2015.

CÂMARA, A. F. Lições de direito processual civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Lúmen


júris, 2003.

GRINOVER, A. P. et al. Teoria geral do processo. 19. ed. São Paulo: Malheiros,
2003.

HESPANHA, A. M. Panorama histórico da cultura jurídica europeia. Portugal:


Publicações Europa-América, 1997.

MITIDIERO, D. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e


éticos. 3. ed. ver. atual. e ampl. de acordo com o novo código de processo civil.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2015.

PACHECO, J. da S. Evolução do processo civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro:


Renovar, 1999.

THEODORO JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil. 5. ed. Rio de


Janeiro: Forense, 1989. v. 1.

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AULA 2

TUTELAS DIFERENCIADAS DE
URGÊNCIA

Prof. Rodrigo Otávio Monteiro da Silva


CONVERSA INICIAL

Caros colegas, neste segundo encontro discorreremos sobre a tutela


jurisdicional, conceituando-a. Além disso, nos valendo da melhor doutrina,
tentaremos didaticamente classificar as diversas espécies de tutelas
jurisdicionais. Os temas são de suma importância para que, nos próximos
encontros, possamos adentrar especificamente na matéria das tutelas
diferenciadas de urgência.
Assim, desejo a todos uma boa leitura.

CONTEXTUALIZANDO

Atentem para o caso concreto abaixo e tentem, após a leitura do presente


material, responder as indagações propostas.
Pedro propõe uma demanda judicial para obrigar o Município de Curitiba a
fornecer determinado medicamento para sua saúde. Importa ressaltar que a falta
do fornecimento desse medicamento por parte do município acarretará na piora
imediata da saúde do autor, haja vista que Pedro não tem condições econômicas
e financeiras para custeá-lo.
Assim, utilizando-se dos critérios classificatórios revistos nesta aula,
questionamos: Qual espécie de tutela deverá ser prestada neste caso concreto:
preventiva ou repressiva? Qual o momento de sua prestação? Caso Pedro
obtenha uma decisão antecipatória, esse provimento jurisdicional necessitará de
confirmação ou substituição posterior? Que tipo de cognição o magistrado deverá
utilizar para decidir liminarmente pelo fornecimento do medicamento a Pedro?

TEMA 1 – A TUTELA JURISDICIONAL

Como já se falou na aula anterior, a sociedade em dado momento passou


a ter a urgente necessidade de abolir a autotutela para possibilitar um convívio
mais harmônico e justo nas relações interpessoais. Assim, o Estado passa a
desempenhar a função de resolver os conflitos de interesse visando à pacificação
social.
Importante mencionar que ainda hoje a autotutela se faz presente no
ordenamento jurídico, seja no direito penal ou mesmo no direito civil, nos casos
da legítima defesa da posse e propriedade (Brasil, 2002, art. 1210, §1º).

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É claro que o Estado não tem o monopólio na solução de conflitos. Vimos
que existem outras formas de resolução de conflitos, como a própria autotutela, a
composição, a conciliação e a mediação privadas e a arbitragem (equivalentes
jurisdicionais). É bem verdade que o Estado detém uma melhor eficiência na
solução de conflitos, haja vista que o direito, que vai respaldar a atuação do
Estado, se caracteriza pela coercibilidade que escolta seus preceitos.
Vimos também que tutelar significa amparar, assistir, proteger. Em relação
à tutela jurisdicional de direitos, o Estado desempenhará essa tarefa via Poder
Judiciário, através de uma função específica chamada tutela jurisdicional.
A função jurisdicional visa, justamente, a atuação da norma, compondo
conflitos de interesses, de modo a resguardar a ordem jurídica. Teleologicamente,
sua finalidade é de pacificar as relações interpessoais e/ou intergrupais, o que se
dá com a afirmação da vontade da lei, atribuindo a cada um aquilo que é seu,
como já idealizava Ulpiano, jurisconsulto romano.
A jurisdição representa, portanto, não só um poder, mas também um dever
de proporcionar proteção. Se fosse somente um poder, o Estado poderia optar em
não prestar a tutela; como sabemos, ele é obrigado. Por isso mesmo que a
jurisdição é representada pelo binômio poder-dever. Assim, podemos extrair o
conceito de jurisdição como sendo o poder-dever do Estado em substituir os
interesses daqueles indivíduos envolvidos no conflito pela vontade da lei, com
vistas à pacificação social.
Sobre o tema, importante revisitar as obras de Francesco Carnelutti,
Giuseppe Chiovenda, Ada Pelegrini Grinover e Moacyr Amaral Santos.

TEMA 2 – CLASSIFICAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL PELA PERSPECTIVA


DE DANO E PELO MOMENTO DE SUA PRESTAÇÃO

Várias foram as tentativas de classificar a tutela jurisdicional ao longo do


tempo. Cada doutrinador adotou critérios próprios e pessoais para desempenhar
tal tarefa. Não há, portanto, classificação pior ou melhor dentro da doutrina jurídica
que se respeita, apenas pontos de partidas distintos, mas que apresentam
objetivos e resultados, quase sempre semelhantes.
Para nossa aula adotaremos, a classificação do professor Cassio
Scarpinella Bueno, por entender que a classificação da tutela jurisdicional
proposta por ele preenche os objetivos didáticos aqui elegidos.

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2.1 Tutela preventiva e tutela repressiva

Aqui podemos verificar, de início, a dicotomia existente entre as duas


espécies de tutela: a tutela preventiva, que é uma proteção voltada para o futuro,
no sentido de evitar a ocorrência do dano ou sua perpetuação, enquanto que a
tutela repressiva se volta ao passado, quando o dano ou a lesão a direito já
ocorreu, pretendendo-se reparação.
A tutela preventiva presta-se a evitar a ocorrência da ilicitude, ou seja,
qualquer ato ou manifestação praticado ao arrepio do direito.
Luiz Guilherme Marinoni (2006, p. 38) refere-se à tutela preventiva como
inibitória, aduzindo que essa espécie de tutela:

é uma tutela específica, pois objetiva conservar a integridade do direito,


assumindo importância não apenas porque alguns direitos não podem
ser reparados e outros não podem ser adequadamente tutelados
através da técnica ressarcitória, mas também porque é melhor prevenir
do que ressarcir, o que equivale a dizer que no confronto entre a tutela
preventiva e a tutela ressarcitória deve-se dar preferência à primeira.

A tutela jurisdicional preventiva é requerida via demanda inibitória,


necessitando de cognição exauriente por parte do julgador, podendo a tutela ser
concedida antecipadamente ou não. Para o correto funcionamento da inibitória, a
decisão ou sentença judicial deverá ser capaz de impedir a prática do ilícito, sua
repetição ou sua continuação.
Por sua vez, a tutela repressiva não se presta a inibir ameaça à lesão a
direito. A proteção a esse tipo de tutela preocupa-se com o dano já efetivado, seja
ele de ordem moral ou patrimonial. A tutela repressiva pode se dar de duas formas
distintas: específica ou genérica. Scarpinella Bueno (2006, p. 329) esclarece a
diferença: “por tutela específica deve ser entendida a maior coincidência possível
entre o resultado da tutela jurisdicional e o cumprimento da obrigação, caso não
houvesse ocorrido lesão de direito no plano material”. É como se fosse possível
voltar ao status quo ante ao ilícito praticado, em que o jurisdicionado não
precisasse se socorrer do Poder Judiciário.
De outro turno, a tutela genérica é aquela situação em que o
inadimplemento da obrigação gerará para o obrigado direito a mera indenização,
via perdas e danos.
Para ilustrar as situações acima expostas podemos citar o caso de um
fotógrafo profissional contratado para trabalhar em uma festa de casamento que,
por alguma razão, se recusa a prestar o serviço contratado. Judicialmente, será

4
obtida a tutela específica, que obriga o profissional a realizar o trabalho
previamente ajustado. Se for impossível a realização material ou temporal do
serviço, a obrigação será convertida em perdas e danos com todos os reflexos
legais referentes ao inadimplemento.
Para um melhor aprofundamento do tema, é mister visitar os pensamentos
da escola italiana de processo civil, como as obras de Adolfo di Majo (La tutela
civile dei diritti) e Lodovico Barassi (La teoria generale dele obblizazioni).

2.2 Tutela antecipada e tutela ulterior

Outro critério classificatório apontado por Scarpinella refere-se ao momento


em que a tutela jurisdicional é prestada, podendo se dar de forma antecipatória
ou ulterior.
Importante destacar que, em regra, os efeitos práticos da tutela jurisdicional
são sentidos após se percorrer a longa marcha processual. Em geral, uma
sentença só produzirá efeitos após a análise do recurso de apelação, que é
recebido, em regra, no efeito suspensivo. A execução provisória da sentença
(Brasil, 2015, art. 520) é uma exceção, que permitirá a eficácia imediata do
decisum.
No entanto, não raras vezes, a prestação da tutela jurisdicional é concedida
através de uma tutela preventiva ou ressarcitória, de forma antecipada, mudando-
se, dessa forma, o timing de sua concessão. Isso significa dizer que o julgador,
ao se deparar com alguma modalidade de tutela de urgência, poderá, sempre que
motivar sua decisão, antecipar os efeitos práticos da tutela, mesmo que de forma
provisória. No CPC/73 havia até mesmo a concessão antecipada da tutela
jurisdicional nos casos em que não se havia qualquer urgência, quando um ou
mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrava-se incontroverso (Brasil,
1973, art. 273, §6º). O novo CPC retirou essa possibilidade de antecipação em
virtude de sua inutilidade, haja vista que a decisão que reconhece o pedido
incontroverso, uma vez não impugnado por recurso, transitará em julgado
permitindo, que a parte execute em definitivo essa parcela da decisão (Brasil,
2015).
Cabe gizar que a tutela antecipatória poderá ser concedida através de uma
decisão interlocutória, sentença ou acórdão. O tipo de provimento judicial não
muda a qualidade da prestação da tutela jurisdicional. A tutela antecipada ou

5
ulterior apenas vai revelar em que momento os efeitos da tutela serão sentidos no
mundo exterior.

Saiba mais
Voltaremos a tratar desses assuntos com mais profundidade nas aulas
subsequentes. Por ora, gostaríamos de sugerir a vocês a leitura da seguinte obra:

DIAS, J. C. Tutelas provisórias no novo CPC: tutelas de urgência: tutela de


evidência. Salvador: Juspodivm, 2017.

TEMA 3 – CLASSIFICAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL PELA NECESSIDADE


DE SUA CONFIRMAÇÃO

Conforme esse critério de classificação, é importante identificar se uma


decisão proferida por algum órgão jurisdicional depende ou não de sua própria
confirmação futura, ou por outro órgão superior pertencente ao Poder Judiciário.
Se a tutela concedida terá que ser confirmada ou substituída no decorrer
da marcha processual, estaremos diante de uma tutela provisória. Caso contrário,
ela será definitiva, não sendo necessária qualquer confirmação ou substituição.
Por essa razão, a tutela provisória também é conhecida como tutela não definitiva.
A provisoriedade da tutela revela que ela tem um tempo determinado de
existência, ou seja, ela não foi criada para durar eternamente. “A duração da tutela
de urgência depende da demora para a obtenção da tutela definitiva, porque, uma
vez concedida ou denegada, a tutela de urgência deixará de existir” (Neves, 2016,
p. 412).
É de se ressaltar, mesmo que brevemente, a diferença entre a tutela
provisória e a temporária. Como pudemos verificar, a tutela provisória fatalmente
será confirmada ou substituída por outra decisão, agora com análise mais
cuidadosa, já ao passo que a tutela temporária, muito embora também tenha o
caráter temporal predeterminado, não será substituída por uma tutela definitiva.
Luiz Luiz Alberto Hoff (1992, p. 62) exemplifica essa diferença:

a provisoriedade, como ensinava Lopes da Costa, nada tem a ver, v.g.,


com os andaimes de uma obra que, embora temporários, não deverão
ser substituídos por nada. [...] a barraca que o construtor constrói,
enquanto não conclui a casa definitiva, entretanto, é provisória, visto que
destinada a ser substituída por outra construção.

6
Portanto, nenhuma das espécies de tutelas de urgência, satisfativas ou
não, será temporária, mas sim provisória. Retomaremos esse assunto no decorrer
de nossas aulas.

TEMA 4 – CLASSIFICAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL PELA ATIVIDADE DO


JUIZ

Por essa classificação, se supõe que a atividade jurisdicional se destinará


a reconhecer um direito violado ou ameaçado, via processo de conhecimento; ou
à satisfação plena do direito, através de um processo de execução ou pela fase
procedimental do cumprimento de sentença.
O que importa aqui, como assevera Scarpinella Bueno (2011, p. 340),

é a percepção de que a “atividade de conhecimento” e a “atividade de


execução” não se relacionam (e nunca se relacionaram). Bem
diferentemente, o que é “de conhecimento” e, portanto, cognitivo, e “de
execução” e, portanto, executivo é, nesta perspectiva, o tipo de tutela
jurisdicional requerida ao Estado juiz.

O que vai diferenciar uma da outra espécie de tutela é a técnica utilizada


pelos envolvidos na relação jurídica processual (juiz, partes e sujeitos
processuais) no caso concreto. Se, para firmar o convencimento do juízo, a causa
depender de uma análise valorativa das alegações e das provas, estaremos
diante de um processo cognitivo. De outro vértice, se a causa não depender da
discussão em relação de direito lesionado ou sob ameaça, por estar esse direito
consubstanciado em um título executivo judicial ou extrajudicial, visando-se
apenas à satisfação do direito do jurisdicionado, será necessário utilizar-se das
técnicas de execução.
Kazuo Watanabe (1987, p. 41), sempre referenciado pela doutrina pátria,
ensina:

A cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em


considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas
partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas
no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium do
julgamento do objeto litigioso do processo.
É empregada para definir a espécie de tutela jurisdicional que tem por
finalidade reconhecer a existência de um direito lesado ou ameaçado,
ora empresta significado ao que talvez seja a tarefa de maior importância
do magistrado, o exame dos argumentos das partes e das provas
produzidas, com o intuito de exarar juízos de valor acerca das questões
levantadas no processo, resolvendo-as.

7
Segundo a melhor doutrina, a cognição deverá ser analisada sob duas
perspectivas: uma exauriente, para formar um juízo de certeza, e a outra sumária,
visando à formação de um juízo de probabilidade. Será exauriente a cognição
quando da análise do caso concreto não restarem quaisquer dúvidas em relação
ao direito discutido. Assim, haverá o esgotamento da análise judicial, podendo-se
entregar aos jurisdicionados um juízo de certeza.
No entanto, será superficial a cognição se no momento em que se proferir
a decisão judicial não for possível uma análise acurada, detalhada e completa de
tudo que envolve a demanda para emanar um juízo de certeza, mas suficiente
provável para entregar, naquele momento, mesmo que de forma provisória, a
tutela pretendida.
Já os juristas Alexandre Freitas Câmara e Luiz Guilherme Marinoni
sugerem outra classificação para a cognição no processo civil. Ambos dividem a
cognição quanto à sua profundidade (cognição vertical) e com relação à amplitude
(cognição horizontal).

Saiba mais
Abaixo, obras de mestres para o aprofundamento do conhecimento de
vocês.

CÂMARA, A. F. O objeto da cognição no processo civil. In: _____. Livro de


estudos jurídicos. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1995. v. 11.

MARINONI, L. G. A antecipação da tutela. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

TEMA 5 – CLASSIFICAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL PELA EFICÁCIA

Essa é a última classificação da tutela jurisdicional proposta por Scarpinella


Bueno. Nela, o autor se refere aos provimentos judiciais (sentenças ou decisões
interlocutórias) que têm por objetivo declarar um direito, constituir uma relação
jurídica, condenar o réu a uma dada prestação, satisfazer uma obrigação e/ou
obedecer a uma ordem judicial.
Giza-se que essa classificação foi proposta inicialmente por Pontes de
Miranda, no gigantesco trabalho denominado Tratado das Ações (atualização da
obra em 1998). Essa classificação ficou conhecida no mundo jurídico como
“classificação quinaria”, em relação à natureza da tutela almejada.
Tal classificação encontra resistência de parte da doutrina, por entenderem
que bastaria uma classificação ternária (meramente declaratória, constitutiva e
8
condenatória), uma vez que não haveria diferenças quanto ao conteúdo de
sentenças condenatórias, executivas e mandamentais, já que em todas elas o réu
é compelido ao cumprimento de uma prestação, ocorrendo diferenças apenas na
forma de satisfação dessa prestação.
Sobre essa divergência doutrinária, importante se debruçar nas obras de
autores como Barbosa Moreira, José Roberto dos Santos Bedaque, Cândido
Rangel Dinamarco, entre outros.
Independentemente da classificação utilizada, o que nos importa, neste
momento, não é versar sobre cada uma dessas tutelas, mas apontar para o fato
de que todas elas existem para resolver uma determinada modalidade de crise
jurídica.
Assim, a tutela declaratória será apta a resolver uma crise de certeza, ao
declarar, por exemplo, a existência, inexistência ou o modo de ser de uma relação
jurídica, bem como ao verificar a autenticidade ou falsidade documental (Brasil,
2015, art. 19). A tutela constitutiva, por sua vez, ao criar, modificar ou extinguir
uma relação jurídica, resolve uma crise de situação jurídica. Já a tutela executiva
sempre será fundamental para resolver uma crise de satisfação. Por outro lado,
uma tutela condenatória ou mesmo mandamental resolverá uma crise de
inadimplemento, frente ao descumprimento da obrigação por parte daquele que
tinha que o dever de honrar uma prestação, mas não o fez. Por fim, poderíamos
incluir nesse rol também a tutela cautelar, que servirá para resolver uma crise de
perigo, haja vista que não se busca, nesse tipo de tutela, o bem da vida em si,
mas apenas a sua proteção.

FINALIZANDO

Neste segundo encontro, abordamos o instituto da tutela jurisdicional


(conceito e classificação). Verificamos que a doutrina majoritária classifica as
tutelas jurisdicionais de direito de acordo com a perspectiva do dano, pelo
momento de sua prestação, pela necessidade de sua confirmação, pela atividade
cognitiva ou executiva do juiz e pela eficácia da decisão.
Importante que fique claro que os critérios classificatórios apresentados
nessa aula não são excludentes entre si. Eles devem, na medida do possível, ser
combinados e utilizados concomitantemente, sempre visando melhores e mais
adequadas prestações da tutela jurisdicional.
Até o próximo encontro!

9
LEITURA OBRIGATÓRIA

Texto de abordagem teórica

FUX, L. Tutela jurisdicional: finalidade e espécies. Informativo Jurídico da


Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, v. 14, n. 2, p. 107-231, jul./dez. 2002.
Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/publicacaoinstitucional//index.php/informativo/article/view/3
97/356>. Acesso em: 1 ago. 2018.

10
REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Diário Oficial da União, Poder


Legislativo, Brasília, DF, 17 jan. 1973.

_____. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Poder


Legislativo, Brasília, DF, 11 jan. 2002.

_____. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Diário Oficial da União, Poder


Legislativo, Brasília, DF, 17 mar. 2015.

BUENO, C. S. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo:


Saraiva, 2011. v. 1.

HOFF, L. A. Reflexões em torno do processo cautelar. São Paulo: Revista dos


Tribunais, 1992.

MARINONI, L. G. Tutela inibitória: individual e coletiva. 4. ed. São Paulo: Revista


dos Tribunais, 2006.

MIRANDA, P. de. Tratado das ações. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves.
Campinas: Bookseller, 1998.

NEVES, D. A. A. Manual de direito processual civil. 8. ed. Salvador: Juspodivm,


2016.

SANTOS, M. A. Primeiras linhas de direito processual civil. 23. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. v. 3.

WATANABE, K. Da cognição no processo civil. São Paulo: Revista dos


Tribunais, 1987.

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AULA 3

TUTELAS DIFERENCIADAS DE
URGÊNCIA

Prof. Rodrigo Otávio Monteiro da Silva


CONVERSA INICIAL

Caro aluno: nesse terceiro encontro iniciaremos, especificamente, o debate


sobre as tutelas de urgência. Inicialmente, abordaremos sobre a real necessidade
de equilíbrio entre a segurança processual e a efetividade jurisdicional.
Poderemos também ver, ao longo da aula, as similitudes e distinções entre as
modalidades de tutelas de urgência. Vamos, além disso, apresentar os requisitos
gerais necessários para a concessão das tutelas de urgência.
Assim, vamos em frente!

CONTEXTUALIZANDO

Após a leitura deste material, espera-se que você esteja capacitado a


encontrar saída jurídica para o seguinte caso concreto.
Considerando que Carlos Augusto pretende cobrar um crédito que tem
perante Francisco Morais no valor de R$ 100.000,00 e que este está vendendo,
na internet, o único bem material que possui (automóvel importado), questiona-
se: É possível requerer alguma tutela de urgência para evitar que Francisco aliene
seu automóvel? Em caso positivo, qual a espécie de tutela? A espécie de tutela
eleita possui natureza satisfativa ou assecuratória? Quais os requisitos que
deverão ser demonstrados por Carlos para que o juiz conceda a tutela de
urgência?

TEMA 1 – A TUTELA DE URGÊNCIA

De acordo com a tradição processual civil pátria, desde o seu primórdio,


prevalecia a ideia de que era preciso que as ações judiciais percorressem um
longo caminho, por meio de um processo de conhecimento, para que ao final fosse
prolatada uma sentença definitiva, que determinava, com segurança, quem era o
titular do direito discutido.
No sistema processual, a tutela de urgência sempre foi reservada para
abranger todas as situações necessárias a evitar risco de dano de difícil ou
impossível reparabilidade. No entanto, essa espécie de tutela era tratada de forma
absolutamente excepcional.
A mudança desse pensamento só veio a acontecer com as minirreformas
ocorridas no processo civil a partir da década de 1990 e que transformou essa
modalidade de tutela em requisito essencial a efetividade do processo.
2
É nesse sentido que José Roberto dos Santos Bedaque (2009, p.167) já
postulava que

nada adiantaria a garantia constitucional de acesso à justiça para


obtenção de tutela cognitiva, visando à formulação da regra de direito
material para situação concreta, ou executiva, destinada à atuação
prática da norma, não houvesse meio processual de assegurar ao
possível titular do direito a efetividade de tal proteção, afastando os
riscos causados pela duração até mesmo fisiológica do processo.

Foi com esse pensamento que o legislador vislumbrou a necessidade de


criar mecanismos que ora assegurassem o resultado útil ao processo (tutela
cautelar) e que, também, possibilitassem antecipar os efeitos práticos da tutela
jurisdicional (tutela antecipatória), justamente para evitar que a tutela final tardia
pudesse se tornar inútil para o jurisdicionado.
Assim, no decorrer dos nossos encontros, verificaremos cada um desses
mecanismos, abordando seus aspectos mais relevantes.
Por ora, recomenda-se a leitura da obra do jurista italiano Ferruccio
Tommaseo, Riflessionii, que versa sobre a necessidade de obtenção de tutela
apropriada imediata.

TEMA 2 – TUTELAS DE URGÊNCIA: O EQUILÍBRIO NECESSÁRIO ENTRE


SEGURANÇA JURÍDICA E EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

O princípio da segurança jurídica representa um dos alicerces que


fundamentam o Estado Democrático de Direito e serve de norte para as atividades
do Poder judiciário. Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni (2010, p. 25-26)
assevera: “A segurança jurídica, vista como estabilidade e continuidade da ordem
jurídica e previsibilidade das consequências jurídicas de determinada conduta, é
indispensável para a conformação de um Estado que pretenda ser ‘Estado de
Direito’”.
E segue:

[...] o cidadão necessita da certeza de que o Estado e os demais


indivíduos se comportarão de acordo com o direito e que os órgãos
estatais o respeitarão. Além disso, também é preciso ter a segurança de
que haverá previsibilidade na consequência de suas ações, e na
necessidade de a ordem jurídica possuir estabilidade.

É por isso mesmo que a segurança jurídica não nasce para alimentar o ser
humano somente dos ideais de justiça e equidade, mas também serve para
“preencher uma inquietude de segurança e de certeza na vida social” (Siches,

3
2008, p. 220). Isso significa que só haverá segurança jurídica no momento em que
o jurisdicionado confiar nas instituições republicanas, gerando um sentimento de
tranquilidade e paz social.
É nesse sentido que Joaquim José Gomes Canotilho (1995, p. 373) ao
lecionar sobre a segurança jurídica assim exemplifica:

Os princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica podem


formular-se assim: o cidadão deve poder confiar em que aos seus atos
ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições
jurídicas e relações, praticados ou tomadas de acordo com as normas
jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou
calculados com base nessas mesmas normas. Estes princípios apontam
basicamente para: (1) a proibição de leis retroativas; (2) a
inalterabilidade do caso julgado; (3) a tendencial irrevogabilidade de atos
administrativos constitutivos de direitos.

Sobre o tema, importante manusear a tese de doutorado da professora


Estefânia Maria de Queiroz Barboza “Stare decisis, integridade e segurança
jurídica: reflexões críticas a partir da aproximação dos sistemas de common law e
civil law”.
No outro vértice, encontramos o Princípio da Efetividade da Tutela,
justamente aquele que possibilita que quem se dirige ao Poder Judiciário encontre
respostas a tempo, de maneira eficiente, visando solucionar suas necessidades
jurídicas.
Em tempos de liquidez dos valores de nossa sociedade, o jurisdicionado
prefere obter uma resposta célere ao seu problema sob judice, mesmo que
desfavorável, a ter que esperar eternamente, anos a fio, para obter a prestação
da tutela jurisdicional.
Por esse motivo, entre outros fatores sociais, na busca incansável do
aperfeiçoamento jurisdicional é que o sistema jurídico se preocupa em atender às
situações de maior risco. Não por outra, as decisões liminares se apresentam
como alternativa eficaz para o jurisdicionado que não pode aguardar uma decisão
definitiva de mérito, em sede de cognição exauriente, sem ver perecer o seu
direito.
No entanto, é preciso que as tutelas de urgência mantenham um equilíbrio
entre os dois Princípios da Segurança Jurídica e Efetividade da Tutela. A
prevalência de um acarreta necessariamente o enfraquecimento do outro. Para
conservar a balança estável, é preciso contar sempre com o bom senso de nosso
legislador e a sabedoria do julgador frente ao caso concreto.

4
TEMA 3 – A PROVISORIEDADE E A REVOGABILIDADE DAS TUTELAS DE
URGÊNCIA

As tutelas de urgência (cautelar e antecipada) possuem inúmeros pontos


de contato, em especial em relação à provisoriedade e à revogabilidade.
Independentemente da natureza jurídica, cautelar ou antecipada, as tutelas
de urgência são desprovidas de juízo de certeza, ou seja, o que caracteriza essa
espécie de tutela é a sumariedade, de forma que o juiz ao proferir decisão
concedendo ou não a tutela de urgência, ainda não possui todos os elementos de
convicção para formar um juízo exauriente, com definitividade.
A concessão das tutelas de urgência é fundada em juízo de probabilidade,
isto é, há apenas uma aparência de que o direito pleiteado em juízo exista, mas
não certeza. Característica natural da cognição sumária realizada pelo julgador.
Sobre isso, Marcus Vinícius Gonçalves (2016, p. 349) assevera:

Se a tutela antecipada fosse total e tivesse caráter definitivo, e não


provisório, o autor ficaria plenamente satisfeito. A sua pretensão teria
sido alcançada. Isso não ocorre porque ela é sempre provisória e precisa
ser substituída por um provimento definitivo. Por isso, a efetivação da
tutela antecipada observará as normas referentes ao cumprimento
provisório de sentença, no que couber.

Falar em provisoriedade é ter em mente que as tutelas de urgência


possuem um tempo de duração predeterminado, que se estende até a entrega da
prestação jurisdicional definitiva, não se prestando, portando, a durar
eternamente. Assim, as tutelas de urgência, por provisórias que são, serão
substituídas por provimentos judiciais definitivos.
Aqui é de se aconselhar visitar a obra Instituições de direito processual civil,
na qual o mestre italiano Giuseppe Chiovenda propõe a diferenciação entre a
provisoriedade e a temporariedade das tutelas de urgência.
Outra característica das tutelas de urgência, consequência natural da
provisoriedade, é a possibilidade de sua revogação ou modificabilidade.
Caso haja, no decorrer da marcha processual, alteração da situação fática
ou probatória, com o aprofundamento da cognição jurisdicional, que não mais
justifique a presença dos requisitos que ensejaram a concessão da tutela de
urgência será permitido que o julgador possa rever, adaptar, modificar ou até
mesmo revogar total ou parcialmente os efeitos da tutela anteriormente
concedida.

5
Por óbvio que qualquer decisão judicial no sentido de revogar a tutela já
concedida deverá observar o princípio do contraditório, exigindo-se que o julgador
oportunize a manifestação das partes envolvidas na relação jurídica processual
antes de proferir tal decisão (CPC, art.10).

TEMA 4 – TUTELAS SATISFATIVAS E CAUTELARES, A NECESSÁRIA


IDENTIFICAÇÃO

Se, por um lado, as tutelas de urgência possuem similitudes, de outro, as


distinções também marcam essa modalidade de tutela.
A primeira delas, já mencionada, revela que a tutela de urgência de
natureza antecipada tem por objetivo mudar o timing daquilo que se pretende
buscar junto ao Poder Judiciário. Toda ou parte da pretensão que o jurisdicionado
almeja conseguir com uma sentença definitiva obtida em juízo é trazida para um
momento anterior da análise exauriente quanto ao direito material discutido.
Já a tutela cautelar tem a finalidade de assegurar o resultado útil do
processo. Calamandrei, responsável por sistematizar a classificação das medidas
cautelares, nos dá alguns exemplos disso:

a. Atos instrutórios antecipados para que não haja perda da fonte da prova.
b. Atos destinados a assegurar a efetividade da execução, justamente para
impedir o desvio de bens sobre os quais recairão os atos expropriatórios.
c. Decisões judiciais determinando a prestação de caução, para garantir
eventual prejuízo contra a parte que foi proferida a tutela cautelar; entre
outras.

É o que ensina Luiz Guilherme Marinoni (2008):

A tutela antecipada não tem por fim assegurar o resultado útil do


processo, já que o único resultado útil que se espera do processo ocorre
exatamente no momento em que a tutela antecipatória é prestada. O
resultado útil do processo somente pode ser o ‘bem da vida’ que é devido
ao autor, e não a sentença acobertada pela coisa julgada material, que
é própria da ‘ação principal’. Porém, a tutela antecipatória sempre foi
prestada sob o manto da tutela cautelar. Mas é, na verdade, uma espécie
de tutela jurisdicional diferenciada.

Outra diferença fundamental diz respeito ao fato de que a tutela antecipada


possui natureza satisfativa, uma vez que essa modalidade de tutela sempre
versará sobre o mérito da causa, mudando, como vimos, o timing da obtenção do
direito posto em discussão. Já a tutela cautelar jamais será satisfativa. Será, em

6
todos os casos, meramente assecuratória, não se aproximando em absoluto do
bem da vida, almejando apenas a efetividade do processo.
Novamente Marinoni (2008) aclara a diferença:

A tutela cautelar tem por fim assegurar a viabilidade da realização de um


direito, não podendo realizá-lo. A tutela que satisfaz um direito, ainda
que fundada em juízo de aparência, é ‘satisfativa sumária’. A prestação
jurisdicional satisfativa sumária, pois, nada tem a ver com a tutela
cautelar. A tutela que satisfaz, por estar além do assegurar, realiza
missão que é completamente distinta da cautelar. Na tutela cautelar há
sempre referibilidade a um direito acautelado. O direito referido é que é
protegido (assegurado) cautelarmente. Se inexiste referibilidade, ou
referência a direito, não há direito acautelado.

No mesmo viés doutrinário, João Batista Lopes (2007) assevera:

A liminar cautelar é caracterizada não pela satisfatividade, isto é, não


pode implicar o adiantamento dos efeitos da tutela de mérito. A tutela
antecipada caracteriza-se, precisamente, pelo adiantamento desses
efeitos. Concede-se que, em ambas, existe antecipação de efeitos, mas
na tutela cautelar só se antecipa a eficácia da sentença do processo
cautelar, não assim do mérito do processo principal. Além disso, a liminar
cautelar é marcadamente instrumental, isto é, tem por função garantir o
resultado útil do processo principal, evitando que a demora na prestação
jurisdicional possa acarretar danos irreparáveis ou de difícil reparação.
Já a tutela antecipada não está relacionada a outro processo, mas traduz
adiantamento de efeitos do mérito que será deslindado naquele mesmo
processo.

Saiba mais
Para melhor entendimento das diferenças apontadas acima, é capital visitar
a seguinte obra:
CINTRA, A. C. de A.; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R. Teoria Geral do
Processo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

TEMA 5 –- REQUISITOS GERAIS PARA CONCESSÃO DAS TUTELAS DE


URGÊNCIA

O Código de Processo Civil de 1973 (art. 273) exigia para a concessão da


tutela antecipada, a existência de prova inequívoca apropriada a convencer o
julgador da verossimilhança da alegação. O que sempre causou estranheza na
doutrinada por apresentar uma evidente contradição entre termos. Se a prova é
inequívoca, não há dúvida da veracidade da alegação. Se a alegação é verossímil,
não há certeza, mas apenas uma aparência de ser verdadeira a alegação.
Já o novo Código de Processo Civil exige a evidência da probabilidade do
direito (art. 300, caput). Isso significa que, para a concessão de uma tutela de
urgência, será necessário que as alegações trazidas à baila sejam capazes de
7
convencer o julgador de que exista uma plausibilidade do direito ou prova
satisfatória para a verificação do perigo de dano ou risco para o resultado útil do
processo.
Por óbvio que, no que se refere à cognição sumária, não se pode exigir no
momento da concessão de uma tutela de urgência, que o julgador pratique um
juízo de certeza, pois o objetivo dessa espécie de tutela não deriva de uma análise
exauriente das alegações ou das provas, mas apenas decorre de uma verificação
quanto à probabilidade de perigo de dano ou risco ao resultado prático do
processo.

Saiba mais
A respeito, consulte:
MARINONI, L. G. Prova, convicção e justificativa diante da tutela antecipatória.
Jus Navegandi, Teresina, a. 10, n. 1182, 26 set. 2016. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/8847/prova-conviccao-e-justificativa-diante-da-tutela-
antecipatoria/3>. Acesso em: 5 ago. 2018.

Além da probabilidade do direito (CPC, art.300, caput), dois outros


requisitos se apresentam como alternativos em relação às tutelas de urgência.
São eles (i) o perigo de dano ou (ii) risco ao resultado útil do processo. Os dois
casos tratam-se justamente do chamado periculum in mora (perigo de demora),
significando que a parte, caso não haja o deferimento de seu pedido cautelar ou
satisfativo, poderá sofrer risco irreparável ou de difícil reparação ou até mesmo
coloque em risco o resultado útil do processo.
O perigo de demora na prestação jurisdicional deve ser compreendido no
sentido de que a tutela jurisdicional deve ser prestada em tempo a evitar a
perpetuação da lesão ao direito da parte ou evitar que a ameaça à lesão se
concretize. São essas as situações que justificam a urgência do pedido da parte
e do provimento judicial.
Sobre dano irreparável ou de difícil reparação, sugere-se a leitura da
seguinte obra: Curso sistematizado de direito processual civil, Cassio Scarpinella
Bueno.
Por fim, além dos requisitos elencados, o §3º do art. 300 do CPC ainda
exige que, para a concessão da tutela de urgência por parte do julgador,
necessário também a inexistência de perigo de irreversibilidade dos efeitos da
decisão.

8
Teresa Arruda Alvim Wambier (2015, p. 501) é cirúrgica ao aduzir:

Primeiramente, é de se indagar qual o significado de irreversibilidade


colocada pelo legislador. Trata-se, obviamente, de
uma irreversibilidade fática, e não jurídica. Explica-se: a decisão, sob
aspecto jurídico, é sempre reversível, bastando para tanto que seja
revogada, cessada ou modificada. Não é essa a irreversibilidade que se
cogita na norma, mas sim a eventual irreversibilidade das consequências
da efetivação da tutela de urgência; essa, sim, deve ser motive de
preocupação ao se pensar na concessão, ou não, da medida pleiteada.
A questão, porém, está longe de poder ser resolvida pela aplicação literal
do mencionado dispositivo legal, na medida em que uma interpretação
irredutível pode abicar, em determinadas situações, numa negative de
tutela jurisdicional com o advento de prejuízos enormes e irreparáveis,
com o que obviamente não se pode concordar.
Justamente por isso, a doutrina e a jurisprudência têm abrandado a
aplicação da norma. Há situações em que, mesmo irreversível, a medida
há de ser deferida. Imagine-se, por exemplo, um requerimento de
autorização para uma transfusão de sangue emergencial a um menor,
para salvar-lhe a vida, porque um dos pais, por questões religiosas,
opõe-se, ou, ainda, um pedido para liberação de mercadorias perecíveis,
retidas na alfândega para exame sanitário que, por greve dos servidores,
não é realizada. Nesses e em outras tantas situações, mesmo diante da
irreversibilidade, há de ser concedida a tutela de urgência.

Assim, independentemente da tutela eleita (cautelar ou antecipada), é


imprescindível que o juiz da causa tenha a devida cautela e sensibilidade para
conceder ou negar a tutela de urgência. Deve-se levar em conta não só a
probabilidade do direito posto em discussão e a análise quanto ao perigo de dano
irreversível ou de difícil reparabilidade, mas, em especial, caso concedida a
medida de urgência, se será possível a sua reversão, ou seja, a volta do status
anterior.

FINALIZANDO

Nesta terceira aula, discutimos sobre o instituto das tutelas de urgência,


demonstrando o indispensável equilíbrio entre a segurança processual de um lado
e a necessidade de celeridade e efetividade que se exige na prestação da tutela
jurisdicional.
Podemos ver os pontos de contato existentes entre as tutelas cautelar e
antecipatória, em especial em relação à provisoriedade e à revogabilidade.
Também pudemos identificar suas diferenciações, em tutelas satisfativas e
assecuratórias.
Por fim, apresentamos os requisitos gerais necessários para a concessão
das tutelas de urgência.
Até o próximo encontro!

9
LEITURA OBRIGATÓRIA

Sobre o tema tratado na presente aula, é mister a leitura da obra de Luiz


Guilherme Marinoni intitulada Da tutela Cautelar à Tutela Antecipatória, que pode
ser acessada no link a seguir.

MARINONI, L. G. Da tutela cautelar à tutela antecipatória. 2013. Disponível em:


<http://www.marinoni.adv.br/wp-content/uploads/2014/11/PROF-MARINONI-DA-
TUTELA-CAUTELAR-%C3%80-TUTELA-ANTECIPAT%C3%93RIA.pdf>. Acesso
em: 5 ago. 2018.

10
REFERÊNCIAS

BEDAQUE, J. R. dos S. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutela sumárias e


de urgência. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almeida, 1995.

GONÇALVES, M. V. Direito processual civil esquematizado. Livro V. São


Paulo: Saraiva, 2016.

LOPES, J. B. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. São Paulo: RT,


2007.

MARINONI, L. G. A antecipação de tutela. São Paulo: RT, 2008.

_____. Os precedentes na dimensão da segurança jurídica. Revista Jurídica,


Sapucaia do Sul, v. 58, n. 398, dez. 2010.

SICHES, R. Filosofia del derecho. 19. ed. México: Editorial Porrúa, 2008.

WAMBIER, T. A. A. Primeiros comentários ao novo código de processo civil.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015

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AULA 4

TUTELAS DIFERENCIADAS DE
URGÊNCIA

Prof. Rodrigo Otávio Monteiro da Silva


CONVERSA INICIAL

Caro colega, nesta aula, abordaremos sobre a nova estruturação que as


tutelas de urgência receberam dentro da sistemática processual vigente, se
distanciando, e muito, do tratamento dispensado pelo antigo código revogado.
Também discorreremos sobre as formas de requerimento das tutelas de
urgência, bem como o momento da concessão da medida pelo ente estatal.
Percorreremos os dispositivos da lei adjetiva civil que versam sobre a
matéria, destacando pontos importantes como a efetivação da tutela provisória, a
(im)possibilidade da atuação de ofício do julgador em relação à concessão das
tutelas de urgência.
Falaremos ainda sobre a legitimação para requerer a tutela de urgência,
sobre a competência jurisdicional e, também, sobre a obrigatoriedade de
fundamentação das decisões pelo órgão prolator.
Assim, desejamos a todos um bom proveito da presente aula!

CONTEXTUALIZANDO

Após a leitura deste material, espera-se que você consiga encontrar uma
saída jurídica para o seguinte caso concreto.
José Francisco (autor) ajuíza demanda contra uma empresa de publicidade
que está veiculando um comercial que viola a honra do requerente. Para tanto,
Francisco requer indenização por danos morais na ordem de R$ 35.000,00.
Considerando que você é o juiz da causa e ao fazer o juízo de
admissibilidade entende, ao ver o comercial televisivo em questão, que existe
probabilidade de que o direito da personalidade de Francisco esteja sendo violado
e, decide, para evitar agravamento da situação do requerente, conceder uma
tutela de urgência em favor do requerente no sentido de impedir imediatamente a
veiculação do comercial.
Dessa forma, questiona-se:

a. Pode o juiz da causa deferir tutela provisória de urgência de ofício, sem a


provocação do requerente?
b. Em caso negativo, qual a fundamentação jurídica?
c. Em caso positivo, qual espécie de tutela de urgência será concedida?
Cautelar ou antecipatória? Qual o embasamento jurídico que justifique a
atitude do juiz?
2
TEMA 1 – ESTRUTURAÇÃO DAS TUTELAS DE URGÊNCIA NO NOVO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL

O novo código de processo civil (Lei n. 13.105/2015) deu uma nova


roupagem em relação à estrutura das tutelas de urgência.
O CPC/73 já fazia previsão no que concerne à tutela antecipada, instituto
jurídico trazido ao sistema processual pátrio pela reforma que originou a Lei n.
8.52/1994 (Título VII, do Livro I), referente ao Processo de Conhecimento (art.
273). O referido artigo ainda passou por alterações advindas da Lei n. 10.444/2002
(outra minirreforma da lei adjetiva civil). De outra banda, o mesmo CPC/73
reservou o Livro III para o processo cautelar (arts. 796 e ss.), cujo conteúdo
versava sobre o poder geral de cautela (art. 798), bem como sobre as cautelares
específicas (art. 813 a 889).
O novo Código de Processo Civil buscou inovar no sistema processual ao
conferir um tratamento unificador às Tutelas Provisórias. O título I do Livro V traz
as disposições gerais da tutela provisória (arts. 294 a 299). O título II do mesmo
livro, por seu turno, prevê as disposições gerais e procedimentos das tutelas de
urgência (arts. 300 a 310). Já o título III do livro V contém as normas aplicáveis às
tutelas de evidência (art. 311).
Como podemos notar, o instituto da tutela provisória é um gênero que se
divide em duas espécies: tutelas de urgência e de evidência.
Pois bem, nessa nova perspectiva, o legislador infraconstitucional optou por
simplificar o tratamento destinado às tutelas de urgência que, como sabemos,
possuía regramentos diferenciados no CPC/73. Passou-se muito tempo
discutindo na doutrina às diferenciações procedimentais entre as tutelas
cautelares e satisfativa, debates intermináveis sobre os conceitos e requisitos
específicos de cada uma dessas espécies de tutela. As disposições trazidas ao
novo diploma processual pátrio deixam cristalino que a escolha do legislador foi
no sentido de adotar um regime jurídico unificado para as tutelas de urgência. E
não por acaso.
Apenas para recordarmos a última aula, as tutelas de urgência possuem
características em comum. Tanto a tutela cautelar como a antecipada são
provisórias, proferidas mediante cognição sumária. Ambas estão fundadas em
juízo de probabilidade e podem ser revogadas pelo julgador. Também é de se
reconhecer que, muito embora as tutelas de urgência possuam finalidades

3
distintas, uma assecuratória (cautelar) e outra satisfativa (antecipada), elas
possuem a mesma inclinação jurídica, que é a de paralisar os malefícios do tempo
no processo. Foi exatamente por essa razão que o novo CPC, em certa medida,
tratou de unificar o regramento destinado a essas duas espécies de tutela
(Wambier, 2015, p. 295).

TEMA 2 – FORMAS DE REQUERIMENTO DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

Como já se falou a tutela provisória de urgência se subdividem em tutela


antecipada e tutela cautelar. O parágrafo único do art. 294, do atual Código de
Processo Civil esclarece que tanto uma quanto a outra espécie de tutela podem
ser concedidas em caráter antecedente ou incidental. Tudo a depender do
momento em que o pedido principal é requerido.
O requerimento pode-se dar de quatro formas distintas: (i) na petição inicial;
(ii) por meio de petição simples no decorrer do processo; (iii) de forma oral em
audiência e/ou sessão de julgamento perante o respectivo Tribunal de Justiça; e
(iv) na peça recursal.
Importa esclarecer que o requerimento de tutela provisória de urgência
pode ser feito até o trânsito em julgado, uma vez que o pedido não está sujeito à
preclusão temporal (ver enunciado 496 do FPPC).
Isso representa novidade trazida pelo novo CPC, haja vista que o
CPC/1973 exigia que se formasse um novo processo cautelar quando requerido
em caráter antecedente.
Somente a partir de 1994, quando se previu que a tutela antecipada podia
ser formulada nos mesmos autos do processo principal, sem qualquer formalismo
processual, já parecia, à época, desnecessário insistir na ideia de um processo
autônomo cautelar (Ribeiro, 2010, p. 270-272).
Muito embora não seja objeto de nosso estudo, menciona-se que o sistema
processual atual não admite o requerimento de tutela provisória de evidência em
caráter antecedente.
Como bem explica Daniel Assumpção Amorin Neves (2016, p. 414):

Admitindo-se a tutela de evidência de forma antecedente, mesmo sem o


amparo da norma expressa nesse sentido, é preciso lembrar que seu
cabimento estará limitado às hipóteses previstas no artigo 311 do Novo
CPC, em que é cabível a concessão dessa espécie de tutela provisória
liminarmente. Nas hipóteses previstas nos incisos I e IV do artigo 311 do
novo CPC, por não ser cabível a concessão da tutela de evidência de
forma liminar, dependendo-se assim de ato – ativo ou omissivo – do réu,

4
será materialmente impossível se pleitear sua concessão de forma
antecedente.

Dessa foram, tem-se que a tutela provisória de urgência, cautelar ou


antecipada, pode ser requerida de forma antecedente, bastando formular o pedido
por meio de tópico da petição inicial. Já se o requerimento se der incidentalmente,
ou seja, estando o processo já em curso, basta que a parte protocole o pedido por
meio de petição simples nos autos do processo, com a devida fundamentação
jurídica. Nesse caso, o art. 295 do CPC dispensa o pagamento de custas
processuais.

TEMA 3 – MOMENTO DA CONCESSÃO DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

Tomando-se como base o item anterior, as tutelas de urgência podem ser


requeridas de forma antecedente ou incidental. Já a tutela provisória de evidência
somente poderá ser pleiteada de forma incidental.
O que se pretende deixar patente neste tópico, para que não haja qualquer
dúvida, é que o momento de requerimento da tutela provisória de urgência não se
confunde o momento de sua concessão por parte do Poder Judiciário.
A tutela provisória de urgência pode ser concedida liminarmente, antes da
citação do réu. Entretanto, “a liminar não é espécie de medida requerida pela
parte, como em não raras oportunidades, se verifica no cotidiano forense, mas
sim, momento em que uma medida – no caso, a tutela provisória - é concedida”
(Cambi et al., 2017, p. 267).
Assim, o requerimento de tutela provisória de urgência pode conter o
pedido de liminar, mas o momento da concessão da medida é que vai determinar
se a tutela de urgência foi concedida liminarmente.
Sobre isso, importante o esclarecimento de Assumpção Neves (2016, p.
412):

Valendo-se da origem no latim (liminaris, de limen), o termo “liminar”


pode ser utilizado para designar algo que se faça inicialmente, logo de
início. O termo liminar, nesse sentido, significa limiar. Soleira, entrada,
sendo aplicado a atos praticados inaudida altera parte, ou seja, antes da
citação do demandado. Aplicado às espécies de tutelas provisórias, a
liminar, nesse sentido, significa a concessão de uma tutela antecipada,
cautelar ou de evidência antes da citação do demandado. A liminar
assumiria, portanto, uma característica meramente topológica, levando-
se em conta somente o momento de prolação da tutela provisória, e não
o seu conteúdo, função ou natureza.

5
O art. 300 do CPC revela que a tutela provisória de urgência pode ser
concedida “quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito
e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.
Já o parágrafo 1º do referido artigo prevê que as tutelas de urgência
poderão, conforme o caso, ser concedidas mediante caução real ou fidejussória
idônea para ressarcir os danos que a outra parte vier a sofrer.
O parágrafo 2º do art. 300 do CPC, por sua vez, estabelece que a tutela de
urgência poderá ser concedida liminarmente ou após justificação prévia, isto é,
cerimônia judicial responsável por esclarecer e fornecer elementos de convicção
ao magistrado, uma vez que os argumentos e provas trazidas no bojo da petição
inicial não conseguiram atingir seu desiderato inicial, para autorizar o juízo em
relação a concessão da medida de urgência.
Além dessas hipóteses temporais para a concessão da tutela de urgência,
ainda será possível o deferimento da medida quando da prolação da sentença,
afastando a incidência do efeito suspensivo da decisão. Também será possível a
concessão da tutela de urgência em grau recursal.

TEMA 4 – EFETIVAÇÃO DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

O art. 297 do Novo CPC prevê que o juiz o juiz poderá determinar as
medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória. É claro
que o juiz não terá liberdade irrestrita para conceder medidas que ele entender
adequadas. A decisão terá que levar em conta as regras da proporcionalidade,
utilizando-se com parcimônia e sabedoria os atos executivos aplicáveis ao caso
concreto.
Luiz Guilherme Marinoni (2005, p. 54-74) sobre isso já lecionava:

O poder executivo do juiz não deve ser utilizado arbitrariamente,


cabendo às partes controla-lo, à luz do postulado da proporcionalidade.
Assim, é de se indagar: I) qual seria a melhor adequação legal do meio
executivo pretendido: por exemplo, a prisão civil, por força da exegese
do art. 5º, inc. LXVII, da CF, não pode ser estendida, para o depositário
infiel, restringindo-se ao devedor de alimentos; II) o meio executivo deve
ser dotado de perspicácia: deve-se indagar quanto à possíveis
alternativas, de forma a tornar a obrigação menos oneroso ao executado:
por exemplo, entre aplicar a multa diária e fechar o estabelecimento do
executado, criando desemprego e extinguindo uma fonte de tributos,
sendo aquela medida capaz de chegar ao fim pretendido, esta não pode
ser aplicada; III) a ponderação entre as vantagens da adoção do meio
executivo, as quais devem ser superiores às desvantagens
(proporcionalidade em sentido estrito): por exemplo, quando se concede
a tutela antecipada, em favor de incapaz, cujo pai foi vítima de acidente
de trânsito, para lhe assegurar o imediato pagamento da empresa, sob

6
pena de multa, está se tutelando a sobrevivência digna da criança ou do
adolescente desamparado, em detrimento da redução do patrimônio do
demandado, com o risco de, na impossibilidade de se exigir caução,
gerar prejuízos ao executado.

Já o parágrafo único do art. 297 do CPC, determina que a efetivação da


tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório da
sentença, no que couber. A expressão “no que couber” “permite ao juiz do caso
concreto deixar de aplicar as regras procedimentais da execução provisória que
se mostrarem contraproducentes à efetivação da tutela antecipada” (Neves, 2016,
p. 415).
Por certo que a execução da decisão que concede a tutela é provisória,
podendo ser revogada ou anulada, haja vista que o título que embasa a decisão
é provisório.
Por fim, tem-se que a decisão que concede a tutela provisória tem, em
regra, natureza de decisão interlocutória, sendo executada por meio do
cumprimento provisório da sentença. Portanto, não há que se falar em
“cumprimento da sentença” propriamente dito, mas, sim, em cumprimento da
decisão interlocutória. É disso que se trata tal “efetivação”.

TEMA 5 – OUTROS TEMAS ACERCA DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

Ainda existem alguns pontos a respeito das tutelas de urgência que aqui
merecem destaque.
O primeiro deles refere-se ao questionamento quanto à possibilidade de o
juiz conceder ou não a tutela de urgência de ofício, ou seja, sem a provocação
das partes envolvidas no caso concreto.
O CPC/1973 não deixava dúvidas acerca dessa indagação. Para a
concessão da tutela antecipatória era imprescindível que houvesse requerimento
expresso da parte para que o juiz pudesse decidir a questão (art. 273, caput). Já
em relação às tutelas cautelares, o CPC revogado permitia através do “poder geral
de cautela” que, em casos excepcionais, o juiz estava autorizado a conceder
medidas cautelares ex officio (arts. 797 e 798). No entanto, o STJ passou a
entender que se deveria dar à tutela antecipada a mesma excepcionalidade
exigida para a concessão das cautelares, permitindo, desse modo, a tomada de
decisão de ofício pelo ente estatal.
Ver as seguintes decisões: STJ, Resp 1.319.769/GO e STJ, Resp
1.516.068/MG.

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O novo CPC não condiciona expressamente a concessão de tutela
provisória de urgência (cautelar ou antecipada) a requerimento da parte
interessada. No entanto, como assevera Daniel Assumpção Amorim Neves (2016,
p. 437), “mesmo diante do eloquente silêncio da lei, é provável que o tradicional
poder geral de cautela se transforme num poder geral de tutela de urgência, sendo
admitido, ainda que em caráter excepcional, a concessão de uma tutela cautelar
ou antecipada de ofício”.
O segundo ponto a ser trazido neste tópico refere-se à obrigatoriedade de
o magistrado motivar de forma clara e precisa sua decisão em caso de concessão,
indeferimento, modificação ou revogação da tutela provisória (CPC, art. 298). Isso
significa que, diferencialmente do que ocorria na época de vigência do CPC/1973,
não é mais possível que o magistrado prefira decisão que não contenha
fundamentação vazia ou mesmo locuções genéricas, como por exemplo:
“presentes os requisitos, defiro a medida cautelar” ou, ao contrário, “ausentes os
pressupostos autorizadores, indefiro o pedido de antecipação de tutela”.
Com o advento do novo código e sua constitucionalização, o magistrado
deverá revelar aos jurisdicionados quais foram especificamente os fundamentos
jurídicos que basearam sua decisão e porque esses fundamentos são relevantes
e se aplicam ao caso concreto.
Outro ponto que merece nossa atenção diz respeito sobre a competência
do órgão julgador da tutela provisória.
O art. 299 prevê a tutela provisória será requerida ao juízo da causa e,
quando antecedente, ao juízo competente para conhecer do pedido principal. Tal
previsão vale para qualquer espécie de tutela provisória (cautelar, antecipada e
de evidência). Já o parágrafo único versa sobre a competência recursal e
originária de tribunal. Prevê o dispositivo que, ressalvada disposição especial, na
ação de competência originária de tribunal e nos recursos, a tutela provisória será
requerida ao órgão jurisdicional competente para apreciar o mérito. Em ambos os
casos, caberá ao relator a decisão sobre a tutela provisória, sendo sempre
possível recurso ao colegiado em hipótese de não concessão da medida.
Por fim, ainda há outra questão a ser enfrentada: a legitimidade para
requerer a tutela provisória de urgência.
Tomando-se por base o princípio da inafastabilidade da jurisdição (CF, art.
5º, inciso XXXV), todo aquele que alega ter direito sobre o bem da vida ou busca
sua proteção é legitimado para pleitear a tutela provisória de urgência.

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Isso significa que, além do autor e do réu, também são legitimados para
requer a tutela provisória os terceiros intervenientes, em qualquer uma de suas
espécies, até mesmo na assistência simples, desde que não se oponha aos
interesses do assistido. O Ministério Público também tem legitimidade para
requerer a tutela provisória de urgência, seja na qualidade de parte ou de fiscal
da lei (CPC, arts. 177 e 178).

FINALIZANDO

Nesta aula, pudemos debater sobre a nova roupagem que o Novo Código
de Processo Civil estruturou as tutelas provisórias de urgência.
Verificamos a diferença existe entre as formas de requerimento das tutelas
de urgência e o momento em que elas podem ser concedidas pelo órgão julgador.
Analisamos cada um dos dispositivos da lei adjetiva civil que versam sobre
a matéria objeto da presente aula, destacando pontos importantes como a
efetivação da tutela provisória, a (im)possibilidade da atuação de ofício do julgador
em relação à concessão das tutelas de urgência.
Falamos ainda sobre quem está legitimado para requerer a tutela de
urgência, sobre a competência jurisdicional e, também, sobre a obrigatoriedade
de fundamentação das decisões pelo órgão judicial prolator.
Nos próximos encontros analisaremos especificamente sobre os
procedimentos destinados à tutela antecipada e a tutela cautelar.
Até lá!

LEITURA OBRIGATÓRIA

Para aprofundamento do conhecimento da matéria, importante a leitura da


seguinte obra:

SOUZA, E. S. de. Da (im)possibilidade de concessão da tutela provisória de ofício


na ótica da Lei 13.105/2015. Disponível em: <http://ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=19583>. Acesso
em: 5 ago. 2018.

9
REFERÊNCIAS

CAMBI, e. et al. Curso de processo civil completo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017.

MARINONI, L. G. Controle do poder executivo do juiz. Revista de processo, São


Paulo, v. 127, set. 2005.

NEVES, D. A. A. Manual de direito processual civil. Volume único. 8. ed.


Salvador: JusPodivm, 2016.

RIBEIRO, L. F. da S. Tutela de urgência: regime jurídico único das tutelas


cautelar e antecipada. Tese (Doutorado) – PUC-SP, São Paulo, 2010.

WAMBIER, T. A. A. Primeiros comentários ao novo código de processo civil.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

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AULA 5

TUTELAS DIFERENCIADAS DE
URGÊNCIA

Prof. Rodrigo Otávio Monteiro da Silva


CONVERSA INICIAL

Caro colega, nesta quinta aula, discorreremos especificamente sobre a


tutela de urgência antecipada. Inicialmente, versaremos sobre a tutela antecipada
requerida em caráter antecedente, apresentando seu regramento processual,
tanto nos casos de deferimento da tutela quanto nas situações em que o pedido
de tutela antecipada for objeto de rejeição. Em seguida, falaremos sobre o
fenômeno processual da estabilização da tutela antecipada, instituto que
representou grande novidade com advento do novo Código de Processo Civil.
Após isso, verificaremos como a tutela antecipada poderá ser requerida em
seu aspecto incidental, perpassando pelas fases processuais mais relevantes.
Continuando, tentaremos relacionar a tutela antecipada face às diversas espécies
de tutelas jurisdicionais. Finalmente, apresentaremos algumas situações
específicas em que a tutela antecipada poderá ser concedida pelo Poder
Judiciário.
Dessa forma, desejamos a todos uma boa leitura!

CONTEXTUALIZANDO

Após a leitura deste material, espera-se que você consiga responder às


indagações propostas para o caso concreto descrito seguir.
Ana ajuizou contra o banco versus ação de declaratória de inexistência de
débito cumulada com pedido de indenização por danos morais, em virtude de
negativação indevida nos órgãos de proteção ao crédito.
Alega Ana, entre outros motivos, que seu cartão foi objeto de clonagem.
Situação que lhe causou inúmeros prejuízos de ordem moral e financeira.
Na petição inicial, Ana faz requerimento específico para que o juízo
determine que o Banco X retire o nome dela do cadastro nos órgãos de proteção
ao crédito, mesmo que de forma provisória.
Diante da situação narrada, você, atuando na qualidade de juiz da causa,
deverá:
a. Conceder liminarmente a tutela antecipada?
b. Rejeitar o pedido de antecipação de tutela, determinando-se a formação
da relação jurídica processual para possibilitar a manifestação do réu
sobre a clonagem?

2
c. Nessa última situação, será possível que o julgador, após análise dos
argumentos do réu, reconsidere seu posicionamento e decida pela
concessão da tutela antecipada de forma incidental?

TEMA 1 – TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE

De acordo com a redação do art. 303 do novo Código de Processo Civil


(Brasil, 2015):

Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação


a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e
à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito
que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil
do processo.

Importante deixar claro que não se trata aqui de uma petição inicial
propriamente dita, com a obrigação de atender a todas as condições previstas na
lei processual (CPC, art. 319 e ss.). Esse dispositivo legal revela que se trata
apenas de um requerimento específico da tutela de urgência almejada e que
contenha o pedido de tutela final, isto é, a menção referente ao bem da vida que
se pretende obter ao final do processo.
Diante do requerimento de tutela antecipada em caráter antecedente, o
julgador poderá decidir: (i) concedendo a tutela pretendida ou (ii) indeferindo o
pedido.
Na primeira situação, caso a tutela de urgência antecipada seja concedida,
o autor, nos termos do inciso I, do parágrafo 1º do art. 303 do CPC, deverá “aditar
a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de
novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias
ou em outro prazo maior que o juiz fixar”, sobe pena de extinção do feito sem
julgamento do mérito (CPC, art. 303, parágrafo 2º).
Cabe lembrar que o julgador pode dilatar o prazo de emenda em virtude do
contido no artigo 139, VI do CPC, para adequar às necessidades do conflito de
modo a conferir maior efetividade à tutela do direito.
O prazo de 15 dias, ou outro prazo maior que o juiz conceder, possui termo
inicial com a intimação do autor da tutela antecipada concedida.
Já os “novos documentos” a que se refere o inciso I, do parágrafo 1º do art.
303 do CPC, são todos aqueles necessários e capazes para demonstrar a
veracidade dos argumentos e possibilitar o convencimento do magistrado em
relação ao bem da vida discutido na demanda.

3
Após o devido aditamento, o réu será citado e intimado para comparecer à
cerimônia conciliatória ou de mediação, a depender da natureza da relação
jurídica envolvida no conflito. Caso não haja autocomposição entre as partes, se
iniciará o prazo para a resposta do réu (CPC, art. 303, parágrafo 1º, II e III).
Daniel Amorim Assumpção Neves (2016, p. 447) nos apresenta uma
situação interessante:

O prazo previsto no art. 303, § 1º, i, do novo CPC, de certa forma conflita
com a estabilização da tutela antecipada prevista no art. 304 do novo
CPC. Dentro da normalidade, o autor será intimado da concessão da
tutela antecipada antes de o réu ser citado, de forma que se for
computado o prazo previsto no art. 303, § 1º, i, do novo CPC, fatalmente
o pedido de tutela antecipada já terá se convertido em processo principal
quando o réu tiver a oportunidade de deixar de se irresignar contra a
decisão concessiva. e nesse caso a extinção não será meramente do
pedido de tutela provisória de urgência, mas sim do próprio processo
principal.

Adverte o autor supracitado que não se poderia exigir do requerente a


emenda de sua petição inicial antes de se saber qual postura a ser adota pelo réu.
Se o réu quedasse inerte, não haveria necessidade de emendar o pedido de tutela
antecipada face sua estabilização. De qualquer forma, é de bom alvitre que o autor
cumpra o prazo assinado pelo julgador para evitar que o processo seja extinto
sem atingir o mérito.
Importante salientar que o aditamento da petição inicial não representa, em
absoluto, que o autor está desistindo tacitamente da estabilização da tutela
antecipada (Tema 2 da aula). Caso o réu não interponha recurso de agravo de
instrumento, o juiz ordenará a intimação do autor para que (i) dê continuidade à
demanda, ou (ii) se dê por satisfeito em virtude da tutela estabilizada, o que, nesta
situação, acarretará na extinção do processo.
Já se a tutela antecipada não for concedida (segunda situação), o autor
poderá percorrer três caminhos a sua escolha. Poderá (i) emendar a petição
inicial, agora de maneira completa, rumo à obtenção de uma decisão de mérito
definitiva (processo principal); (ii) deixar de emendar a petição inicial, o que
fatalmente culminará na extinção do feito sem o julgamento do mérito; e (iii)
impugnar a decisão não concessiva por meio de recurso de agravo de instrumento
(CPC, art. 1015, inciso I). Neste último caso, o recorrente necessariamente
precisará obter o efeito suspensivo no órgão ad quem para evitar a extinção do
processo no primeiro grau.

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TEMA 2 – ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA

O art. 304 e do novo CPC institui uma grande novidade no sistema


processual, em moldes semelhantes aos existentes em outros países europeus,
como Itália e França: a estabilização da tutela antecipada.
O próprio nome do instituto revela que a estabilização só poderá ser
aplicada à tutela de urgência antecipada, excluindo-se, portanto, a tutela de
urgência cautelar e a tutela provisória de evidência.
O caput do referido artigo estabelece que esse fenômeno está restrito
apenas às hipóteses de tutela antecipada requerida de forma antecedente (pura
opção legislativa).
A questão mais importante a fazer em relação à estabilização da demanda
é saber quando a tutela será efetivamente estabilizada. A resposta a essa
indagação é dada pelo CAPUT do art. 304 do CPC. “Art. 304. A tutela antecipada,
concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder
não for interposto o respectivo recurso”.
Como é possível perceber, se a tutela antecipada for concedida
liminarmente, o réu tendo sido citado e intimado para comparecer à audiência de
conciliação ou mediação nos termos do art. 334 do CPC, não interpuser, no prazo
de 15 dias úteis, o recurso de agravo de instrumento, a tutela se estabilizará e
manterá seus efeitos por tempo indeterminado. Neste caso, o processo será
extinto com julgamento do mérito, nos termos do parágrafo 1º, do art. 304 do CPC.
Para ilustrar a aplicação da técnica da estabilização da demanda, imagine
a seguinte situação:
Um acadêmico cursando o 6º período da faculdade de direito necessita,
com urgência, se matricular no semestre letivo subsequente. A matrícula foi
negada pela instituição de ensino por pendências administrativas. Diante da
negativa, o acadêmico promove demanda judicial requerendo tutela de urgência
antecipada em caráter antecedente, por meio do peticionamento simplificado
(CPC, art. 303). Presentes os requisitos, o julgador concede a tutela antecipada.
Fato contínuo, o réu é citado e intimado da decisão que concedeu a tutela.
No entanto, o réu não interpõe recurso no prazo legal. Consequência: a tutela se
estabilizou, acarretando a extinção do processo e o acadêmico poderá realizar
sua matrícula e cursar as matérias normalmente, conservando-se os efeitos da
decisão por tempo indeterminado (parágrafo 3º, do art. 304 do CPC).

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Nos casos como o do exemplo citado, caso o réu deseje que a decisão
estabilizada seja revista, reformada ou invalidada, terá que requerer o
desarquivamento dos autos e propor demanda através de petição inicial, agora
como autor, como rezam os parágrafos 3º e 4º, do art. 304, do CPC.
Cabe ainda lembrar, que a decisão estabilizada não fará coisa julgada
material, de modo que a parte (autor ou réu) terá o direito de requerer a revisão,
a reforma ou a invalidade da tutela antecipada. Entretanto, terá que fazê-lo no
prazo máximo de 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o
processo (parágrafos 5º e 6º, do art. 304, do CPC).
Questão interessante a ser respondida com o tempo, dado o curto período
de vigência do atual código processual, é saber se, para evitar a estabilização da
demanda, quando a lei diz que a parte deverá interpor o “respectivo recurso”, os
operadores do direito deverão interpretar de forma literal, socorrendo-se
exclusivamente do recurso de agravo de instrumento, ou poderão se permitir fazer
uma interpretação ampliativa, entendendo que a expressão “respectivo recurso”
refere-se a qualquer meio de impugnação a disposição da parte. Dessa forma, a
título de exemplo, a estabilização poderia ser combatida por meio do protocolo de
uma simples petição lançada aos autos do processo.
A resposta terá que ser dada no futuro pelo Judiciário, haja vista que, por
uma questão de autopreservação, ante aos milhares de recursos que fatalmente
abarrotarão nossos tribunais, o Judiciário se obrigue fazer uma interpretação
ampliativa. Até que isso ocorra, a interpretação deverá ser feita literalmente,
obrigando-se aquele que pretende evitar a estabilização da demanda o faça
através do recurso de agravo de instrumento (CPC, art. 1015, inciso I).
Por fim, esclarece-se que a estabilização da tutela não será efetivada se o
autor, mesmo diante da inércia do réu quanto à interposição recursal, demonstrar
expressamente, antes da extinção do processo, que, além da tutela antecipada,
também pretende discutir o bem da vida até a formação da coisa julgada material.

TEMA 3 – TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER INCIDENTAL

A tutela de urgência antecipada, quando requerida de forma incidental,


pode ser concedida em qualquer momento processual, isto é, com a propositura
da demanda até o trânsito em julgado.
Se o pedido de tutela antecipada for formulado na petição inicial, a
concessão da urgência poderá se dar antes da citação do réu, de forma liminar.

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Isso não significa que, nesse caso, haverá violação do direito ao contraditório. O
réu terá sempre o direito de se manifestar em relação ao pedido do autor e/ou a
concessão judicial que lhe foi desfavorável, apenas o fará em momento posterior
(contraditório diferido), como prescreve o inciso I, do art. 9º do CPC.
Entretanto, haverá situações em que o julgador decidirá por bem formar a
relação jurídica processual trazendo o réu à lide, para após a manifestação deste
conceder ou rejeitar a tutela antecipada.
Aliás, sempre que for possível o julgador completará a relação jurídica
processual antes de decidir sobre a tutela antecipada, o que permitirá uma melhor
análise da matéria discutida em juízo. No entanto, o julgador sempre deverá levar
em consideração que o eventual aguardo da manifestação do réu não represente
perecimento do direito do autor.
Outro momento que merece destaque é a concessão da tutela antecipada
na fase sentencial.
É sempre bom lembrar que a tutela antecipada e a sentença não são
noções jurídicas excludentes. A sentença em regra é dotada de efeito suspensivo,
isto é, ela não é capaz de gerar efeitos imediatos no mundo jurídico. Como bem
observa Cassio Scarpinella Bueno (2011, p. 79):

É correta a afirmação de que, em todos aqueles casos em que, antes da


sentença, não tenha sido antecipada a tutela jurisdicional e em que o
recurso de apelação cabível tenha efeito suspensivo, haverá espaço
para a tutela antecipada na sentença, como forma de dar a ela o que,
nestes casos ela não tem, eficácia imediata.

Por óbvio que se a sentença for prolatada favoravelmente ao autor, nos


casos em que o recurso de apelação não for recebido no duplo efeito, não haverá
necessidade de antecipar a tutela de urgência, uma vez que os efeitos da
sentença já poderão ser sentidos quando de sua publicação.
A tutela antecipada pode ser concedida em sentenças de procedência total,
em sentenças de procedência parcial e também nas sentenças de improcedência.
Neste último caso, mesmo que possa parecer ilógico, é perfeitamente
possível a concessão ou a manutenção da tutela antecipada mesmo que o
julgador entenda por rejeitar todos os pedidos formulados pelo autor.
Imagine que o autor tenha obtido liminarmente decisão favorável no sentido
do Estado X ser obrigado a fornecer determinado medicamento para uso exclusivo
do jurisdicionado para combate de sua enfermidade. Na sentença, o julgador
decide que o Estado X não tem responsabilidade alguma com relação ao

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fornecimento do medicamento, julgando a demanda absolutamente
improcedente. No entanto, uma vez que sentença, neste caso, não produz efeitos
imediatos e que o recurso cabível, uma vez interposto, será recebido no duplo
efeito, o julgador possui o entendimento que interromper o fornecimento do
medicamento poderá causar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação ao
autor, permitindo, dessa forma, que os efeitos práticos da decisão perdurem até o
trânsito em julgado caso não haja recurso interposto pelo interessado ou até o
pronunciamento final do juízo ad quem.
Muito embora a decisão que manteve a concessão da tutela antecipada
tenha natureza de decisão interlocutória, o recurso cabível será o de apelação
(CPC, art. 1.009, parágrafo 3º), devendo a matéria referente à antecipação de
tutela ser atacada em preliminar de apelação ou nas contrarrazões (CPC, art.
1.009, parágrafo 1º). É o que Barbosa Moreira (2006) convencionou como
“sentenças objetivamente complexas”, tendo concomitantemente em seu
dispositivo um capítulo de natureza de decisão interlocutória e outro de natureza
sentencial.
Por fim, a tutela antecipada também pode ser concedida em grau recursal.
Face à rejeição do pedido pelo juízo a quo, pode o relator do processo no
respectivo tribunal deferir a tutela antecipada, total ou parcialmente, por força da
dicção do inciso I, do art. 1.019 do CPC, quando da análise do recurso de agravo
de instrumento.
Também será possível a concessão antecipada da tutela no recurso de
apelação ou nas contrarrazões. Entretanto, existe discussão doutrinária a respeito
da concessão da tutela antecipada quando requerida no recurso extraordinário
e/ou especial. Parte da doutrina entende não ser possível conceder a tutela
antecipada nessas espécies recursais, uma vez que seria necessário fazer uma
análise fática e probatória, situação que encontra vedação expressa nas súmulas
n. 279 do STF e n. 07 do STJ. Por outro lado, existem doutrinadores que entendem
ser plenamente possível a análise fática e probatória daqueles órgãos de
superposição nos casos de perecimento de direito. Os tribunais superiores
mantêm acessa essa discussão, ora concedendo ou rejeitando a tutela
antecipada, ora nem conhecendo da matéria.

Saiba mais
Para aprofundamento dessa discussão, é mister a leitura da seguinte obra:
ZAVASCKI, T. A. Antecipação da tutela. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
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TEMA 4 – A TUTELA ANTECIPADA FACE AOS PROVIMENTOS
JURISDICIONAIS

Cumpre aqui a tarefa de relacionar a tutela antecipada aos provimentos


jurisdicionais, adotando-se, para tanto, a classificação quinária das tutelas
jurisdicionais formulada por Pontes de Miranda, já analisada na aula 2.

a. Nos casos de antecipação da tutela condenatória, o que se pretende é


“adiantar o efeito executivo da condenação, tornando viável a realização
forçada do direito afirmado pela parte que venha ser beneficiada pelo
instituto processual” (Cambi et al., 2017, p. 299). Como exemplo pode-se
citar a antecipação do pagamento de pensão vitalícia, nos casos de
indenização por ato ilícito.
b. Nos provimentos declaratórios e constitutivos não admite a possibilidade
de concessão da antecipação da tutela de urgência, haja vista serem
incompatíveis entre si. No caso da ação declaratória, o que se busca
judicialmente é a obtenção de um juízo de certeza quanto à existência,
inexistência ou modo de ser de uma relação jurídica ou a constatação da
autenticidade ou falsidade documental (CPC, art. 19, incisos I e II). Dessa
forma, impossível esperar uma decisão provisória de certeza.

Isso também se aplica nas ações constitutivas/desconstitutivas, já que o


que se pretende, além de uma declaração, é a obtenção da modificação de uma
situação jurídica anterior, criando-se uma situação nova. Tudo isso mediante juízo
de certeza.

a. Já nos provimentos mandamentais e executivos, é plenamente possível a


concessão da tutela antecipada. Nas ações mandamentais, a tutela
antecipada de urgência funcionará como fator psicológico ou coercitivo,
forçando a parte ao cumprimento da ordem judicial.

No mesmo sentido, nas ações executivas a antecipação da tutela poderá


se dar por meio da execução indireta (pressão psicológica), como a aplicação de
multa diária até que efetivamente se cumpra com a obrigação; ou por sub-
rogação, situação em que o Estado substitui a vontade do executado compelindo-
o a satisfazer o crédito do exequente. Como exemplo, podemos citar a
reintegração da posse (CPC, art. 562).

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TEMA 5 – CURTAS

Existem alguns pontos específicos em relação à tutela antecipada que


merecem nossa atenção, mesmo que a abordagem aqui se dê de apenas de
forma perfunctória. São praticamente lembretes que servem para você, colega,
possa se aprofundar ainda mais na matéria.

a. Primeiro ponto a ser abordado refere-se à possibilidade de concessão da


tutela antecipada nas ações rescisórias. O art. 969 do CPC expressamente
prevê que “a propositura da ação rescisória não impede o cumprimento da
decisão rescindenda, ressalvada a concessão de tutela provisória”.
b. A tutela antecipada também pode ser concedida em diversos
procedimentos especiais. Como exemplos podemos citar (i) a concessão
liminar da tutela antecipada nas ações possessórias (reintegração,
manutenção e interdito possessório), quando se tratar da chamada “posse
nova”, isto é, direito exercido dentro de ano e dia (CPC, art. 558); e (ii) na
lei do Inquilinato (Lei n. 8.245/91) a antecipação da tutela poderá concedida
para determinar o despejo liminar do locatário (art. 59, parágrafo 1º).
c. O parágrafo 2º do art. 7º da Lei n. 12.016/2009 (Lei do Mandado de
Segurança) veda expressamente a concessão da tutela antecipada nos
casos que tenham por objeto a compensação de créditos tributários, a
entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação
ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a
extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.
d. Admite-se a concessão da tutela antecipada de urgência no procedimento
monitório (CPC, arts. 700 a 702) sempre que se verifique a presença dos
elementos elencados no art. 300 do NCPC (probabilidade do direito e o
perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo). Eduardo Talamini
(2007, p. 340) já prelecionou sobre o tema quando da vigência do CPC
revogado. Senão vejamos:

Até porque, concedido o mandado, existirá juízo de verossimilhança


favorável ao demandante, que, muito provavelmente, será suficiente
para que se considere cumprido um dos requisitos da antecipação (art.
273, caput). Existindo o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação
(art. 273, i), ou caracterizado abuso do direito de
Dever do juiz de, tendo o autor requerido (art. 273, caput), conceder a
antecipação da eficácia executiva lato sensu – autorizando-se, desde
logo e pelo menos, execução provisória. Na hipótese do inc. I do art. 273,
a antecipação deve ocorrer já no próprio momento da concessão do
mandado, se a urgência da situação assim exigir.

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a. Por fim, muito embora se verifique na legislação pátria uma enorme
resistência com relação à concessão da tutela antecipada contra a Fazenda
Pública ou atos do Poder Público, Eduardo Cambi aponta algumas
situações em que tanto o STF quanto o STJ têm admitido a concessão de
tutela antecipada contra o Poder Público (CAMBI et al., 2017, p. 309-310).
A saber: a) concessão de aumento ou vantagem em causas
previdenciárias; b) casos em que o pagamento de vantagens não é o objeto
do processo mas consequência da própria antecipação de tutela (como na
reintegração ou a nomeação em cargo público; c) pagamentos de parcelas
que não constituam subsídio, vencimentos, salário nem, tampouco,
vantagem pecuniária (v.g., vernas indenizatórias); d) situações em que o
pedido da parte beneficiada pela tutela provisória se apoie em
entendimento consolidado pelo STF.

FINALIZANDO

Nesta quinta aula, pudemos discorrer sobre o instituto da tutela antecipada.


Verificamos que essa espécie de tutela provisória pode ser requerida tanto de
forma antecedente, por meio do chamado requerimento simplificado, quanto de
maneira incidental, em qualquer fase do processo, tendo como termo ad quem, o
trânsito em julgado.
Abordamos sobre a estabilização da tutela antecipada, fenômeno
processual que ocorrerá diante da inércia do réu quanto à interposição recursal,
bem como nos casos em que o autor não demonstrar expressamente, antes da
extinção do processo, que, além da tutela antecipada, também pretende discutir
o bem da vida até a formação da coisa julgada material.
Na sequência, pudemos relacionar o instituto da tutela antecipada face às
diversas espécies de tutelas jurisdicionais.
Finalmente, apresentamos algumas situações específicas em que a tutela
antecipada poderá ser concedida pelo Poder Judiciário, como nos casos da ação
rescisória e no procedimento monitório.
No nosso próximo e derradeiro encontro, analisaremos
pormenorizadamente o procedimento reservado às tutelas provisórias cautelares.
Até lá!

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LEITURA OBRIGATÓRIA

Para aprofundamento do conhecimento da matéria, importante a leitura da


seguinte obra:

RANGEL, R. C. A estabilização da tutela antecipada antecedente nas demandas


de consumo. Revista de Direito do Consumidor, v. 107, set./out. 2016.
Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_div
ulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RDC
ons_n.107.18.PDF>. Acesso em: 6 ago. 2018.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário


Oficial da União, Brasília, 17 mar. 2015.

BUENO, C. S. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo:


Saraiva, 2011. v. 4.

CAMBI, E. et al. Curso de processo civil completo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017.

MOREIRA, J. C. B. Sentença objetivamente complexa, trânsito em julgado e


rescindibilidade. Revista do Processo, São Paulo, n. 141, p. 7-19, nov. 2006.

NEVES, D. A. A. Manual de direito processual civil. Volume único. 8. ed.


Salvador: JusPodivm, 2016.

TALAMINI, E. Tutela monitória: a ação monitória: Lei n. 9.079/95. São Paulo:


Saraiva, 1997.

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AULA 6

TUTELAS DIFERENCIADAS DE
URGÊNCIA

Prof. Rodrigo Otávio Monteiro da Silva


CONVERSA INICIAL

Caros colegas, nesta última aula, nos mesmos moldes de quando


analisamos a tutela de urgência antecipada, discorreremos sobre a tutela de
urgência cautelar.
Inicialmente, serão apresentadas as características e identidades da tutela
cautelar: a autonomia, a sumariedade e a instrumentalidade do processo cautelar.
Na sequência, abordaremos sobre a extinção das chamadas cautelares
típicas, que tinham previsão no CPC revogado, bem como falaremos sobre o
Poder Geral de Cautela, instituto que permitirá que o julgador possa deferir
qualquer medida idônea para asseguração do direito.
Após, verificaremos todo o procedimento reservado à tutela cautelar
requerida em caráter antecedente. Também examinaremos a tutela cautelar em
relação a sua concessão e os aspectos gerais para sua efetivação.
Por derradeiro, mostraremos as hipóteses de cessação da eficácia da tutela
cautelar previstas em lei.
Boa leitura!

CONTEXTUALIZANDO

Após a leitura deste texto, espera-se que você consiga encontrar uma saída
jurídica para o seguinte caso concreto.
Paula Fernandes é credora de Pedro Alcântara na importância de
R$ 100.000,00. No entanto, Pedro se recusa a honrar a dívida que possui com
Paula. Paula, por sua vez, ao visitar um conhecido site de compras e vendas on-
line, descobre que Pedro está vendendo o único bem de sua propriedade, uma
casa de veraneio em Matinhos (PR).
Você, na qualidade de advogado, foi contratado por Paula para defender
os interesses dela. Dessa forma, questiona-se:

a. Qual a demanda a ser proposta por Paula?


b. Quais os pedidos que deverão ser formulados por Paula para (i) evitar a
concretização da venda do imóvel; e (ii) cobrar a dívida de Pedro?

TEMA 1 – CARACTERÍSTICAS E IDENTIDADES DA TUTELA CAUTELAR

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Na aula passada, vimos os aspectos gerais referentes à tutela antecipada.
Cumpre agora analisar o que a nova lei adjetiva civil reservou para as tutelas
cautelares.
Nunca é demais recordar que a tutela cautelar “caracteriza-se como uma
forma autônoma de proteção jurisdicional que atua de maneira preventiva,
acobertando e protegendo determinado direito subjetivo, ou estado de direito
legítimo e que se encontra sob ameaça de perecimento em virtude de um dano
sabido, iminente e de difícil reparação” (Silva, 2006).
De início, é importante ressaltar que as tutelas cautelares apresentam
determinadas características que lhes são comuns. Já analisamos algumas delas
nas aulas anteriores, por exemplo, a provisoriedade das tutelas de urgência.
Entretanto, outras características específicas às cautelares merecem destaque.
Isso porque, uma vez que o operador do direito consiga identificar a tutela
almejada como cautelar, cabe-lhe, então, verificar se estão presentes as
características que lhe atribuem essa condição.
A primeira dessas características é a autonomia. A tradição processual
sempre se entendeu que não poderia existir um processo cautelar sem que
houvesse um processo principal, haja vista não haver sentido algum objetivar à
proteção de um bem jurídico determinado, se esse bem da vida não fosse objeto
de discussão judicial.
No CPC/73, muito embora o processo cautelar não fosse independente,
sempre guardou autonomia em relação ao processo principal, com procedimento
próprio e objetivo específico diverso do processo principal, isto é, o de assegurar
o resultado útil do processo.
Durante a vigência do código revogado já se defendia a ideia de eliminar
da sistemática processual a autonomia do processo cautelar, pelo menos em
relação a sua forma incidental, ou seja, sem a necessidade da propositura de
processo cautelar incidental, uma vez que bastaria a parte vincular ao processo
principal o pedido cautelar (Neves, 2016, p. 468).
O parágrafo 1º, do art. 308 do novo CPC, resolve essa questão ao extinguir
o processo cautelar incidental, permitindo que o pedido principal possa ser
formulado conjuntamente com o pedido de tutela cautelar (Brasil, 2015).
Isso não vale para o processo cautelar requerido em caráter antecedente,
que continua a existir no ordenamento processual vigente (CPC, arts. 305 a 310).
Regramento que veremos no decorrer desta aula.

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Outra característica da tutela cautelar é a sua sumariedade. Já tivemos a
oportunidade em aulas anteriores de versar sobre a sumariedade das tutelas de
urgência no que diz respeito à profundidade da cognição judicial para a tomada
de decisão. Refiro-me, agora, a sumariedade formal, referente ao procedimento
diferenciado do processo cautelar.
Importante não confundir o procedimento cautelar com o procedimento
comum previsto nos arts. 318 e ss. do CPC. O art. 307 do CPC deixa claro que (i)
não contestado o pedido cautelar aplicar-se-á o efeito da revelia, devendo o
magistrado decidir em 5 (cinco) dias; e (ii) contestado o pedido cautelar, observará
o procedimento comum (parágrafo único). No entanto, até nisso o procedimento
comum cautelar possui particularidade, haja vista que o réu não será
citado/intimado para comparecer à cerimônia de conciliação e mediação, mas sim
para, diretamente, contestação do pedido cautelar (CPC, art. 306). Neste caso, é
certo que o processo deverá observar todas as suas fases regulares, como
saneamento, instrução e sentença. “Fases que não têm como serem
samarizadas” (Neves, 2016, p. 469).
Por fim, outra característica fundamental das cautelares é a sua
instrumentalidade.
Deve-se ter sempre em mente que o processo cautelar é um instrumento a
serviço de outro tipo de processo (de conhecimento ou executivo): o processo
principal.
O processo principal se liga essencialmente ao direito material. Tal
condição não ocorre no processo cautelar, já que a cautela apenas tem o condão,
como já vimos, de proteger o bem da vida, possibilitando que o processo principal
seja mais útil e eficaz.
Humberto Theodoro Júnior elucida: “a tutela cautelar existe não para
assegurar antecipadamente um suposto e problemático direito da parte, mas para
tornar realmente útil e eficaz o processo como remédio adequado à justa
composição da lide” (Theodoro Júnior, 2008).
Na mesma seara, Piero Calamandrei (2000) já prelecionava assim:

Se todos os procedimentos jurisdicionais são um instrumento de direito


substancial que, através destes, se cumpre, nos procedimentos
cautelares verifica-se uma instrumentalidade qualificada, ou seja,
elevada, por assim dizer, ao quadrado: estes são de fato, infalivelmente,
um meio predisposto para o melhor resultado do procedimento definitivo,
que por sua vez é um meio para a aplicação do direito; são, portanto, em
relação à finalidade última da função jurisdicional, instrumentos do
instrumento. (grifo nosso)

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TEMA 2 – PODER GERAL DE CAUTELA

O poder geral de cautela é a possibilidade de o magistrado conceder a


tutela cautelar em situações em que seja necessário evitar o risco de lesão de
difícil ou impossível reparabilidade ou ao resultado útil do processo, desde que
preenchidos os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora.
Para Daniel Neves (2016, p. 471), o poder geral de cautela:

Significa o generalizado poder estatal de evitar no caso concreto que o


tempo necessário para a concessão da tutela definitiva gere a ineficácia
dessa tutela. Essa amplitude da proteção jurisdicional no âmbito cautelar
impõe que nenhuma restrição seja admitida no tocante ao direito
concreto da parte obter essa espécie de tutela quando demostrada os
requisitos necessários previstos em lei.

O CPC/73 trazia em seu bojo cautelares específicas, chamadas de


cautelares nominadas ou típicas, como a posse em nome do nascituro, o arresto,
o sequestro, o arrolamento de bens etc.
Tratava-se apenas de um rol meramente exemplificativo, dada à
impossibilidade de o legislador prever todas as hipóteses que seriam necessárias
à concessão da tutela cautelar. Razão pela qual se facultou ao magistrado a
possibilidade de conceder essa espécie de tutela em situações não elencadas
pela legislação vigente. Daí o surgimento das chamadas cautelares inominadas.
O poder geral de cautela tinha previsão no art. 798 do CPC/73.
O novo CPC fulminou com as chamadas cautelares típicas. No entanto, o
art. 301 do CPC atual prescreve que a tutela cautelar “pode ser efetivada mediante
arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de
bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito”.
Esse dispositivo é deveras criticado pela doutrina. Ora, se o novo CPC
acabou com as cautelares típicas, qual a razão de se nominar essas hipóteses de
cabimento? Ainda mais que o CPC vigente não elucida o que seria um arresto,
sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem.
Para encontrar respostas, o operador do direito precisará se socorrer do CPC
revogado.
Por fim, importante deixar claro que o poder geral de cautela não
representa um poder discricionário do juiz. É claro que o juiz é livre para verificar
se estão ou não presentes os requisitos necessários para a concessão da tutela
de urgência. Entretanto, uma vez aferido que estão presentes tais condições, o
magistrado será compelido a conceder a tutela cautelar.

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TEMA 3 – TUTELA CAUTELAR REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE

O art. 305 do CPC prevê a possibilidade da tutela de urgência cautelar ser


requerida em caráter antecedente. Senão vejamos:

Art. 305. A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar
em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição
sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o
risco ao resultado útil do processo.

Registra-se, aqui, a vontade do legislador em fazer a distinção de


procedimentos das tutelas de urgência, tudo a depender da natureza jurídica do
requerimento: cautelar ou antecipada. Novamente, pecou o legislador, pois
poderia perfeitamente ter previsto um único regramento para ambas as tutelas
provisórias de urgência, “evitando com isso uma discussão estéril na tentativa de
classificar a medida pleiteada e adotando, em tudo e por tudo, um regime jurídico
único para as tutelas de urgência” (Wambier, 2015, p. 515).
Enfim, de acordo com o caput do referido artigo, a parte que fizer
requerimento da tutela cautelar em caráter antecedente deverá indicar a lide e seu
fundamento, significando que a petição inicial precisará conter indicação do
pedido a ser formulado no processo principal, em virtude da instrumentalidade do
processo cautelar.
Além disso, a parte deverá fazer a exposição sumária do direito que visa
assegurar, que nada mais é do que demostrar a fumaça do bom direito, bem como
comprovar o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, ou seja,
demostrar o periculum in mora.
Já o parágrafo único permite que o julgador, caso entenda que o pedido
formulado pela parte possui natureza jurídica satisfativa e não cautelar, adote o
procedimento previsto no art. 303.
Uma vez recebida a petição inicial contendo o requerimento de tutela
cautelar em caráter antecedente, o réu será citado para contestar o pedido e fazer
a indicação probatória, no prazo de 5 (cinco) dias (CPC, art. 306). Importa
destacar que a determinação da citação do réu ocorrerá independentemente da
concessão ou não do pedido de liminar.
Como já vimos, se o réu não contestar o pedido cautelar aplicar-se-ão os
efeitos da revelia, devendo o julgador decidir em 5 (cinco) dias (prazo impróprio).
Essa decisão tem natureza jurídica de decisão interlocutória, podendo ser
impugnada pelo recurso de agravo de instrumento, salvo se a decisão reconhecer

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prescrição ou decadência, caso em que a parte autora deverá se socorrer do
recurso de apelação.
Cabe gizar que a presunção de veracidade de que trata o art. 307 do CPC
se limita apenas ao pedido cautelar. Isso significa que, se esses mesmos fatos
forem efetivamente contestados no processo principal, ou processo autônomo,
será perfeitamente possível que o juiz considere as alegações de fato falsas
(Neves, 2016, p. 475).
Finalmente, o parágrafo único do art. 307 do CPC prevê que se o pedido
for contestado deverá ser observado o procedimento comum.

TEMA 4 – CONCESSÃO E EFETIVAÇÃO DA TUTELA CAUTELAR

O art. 308 do CPC reza que: “efetivada a tutela cautelar, o pedido principal
terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será
apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não
dependendo do adiantamento de novas custas processuais”.
Aqui, necessário tecer algumas observações sobre o contido nesse
dispositivo. (i) quando o caput do artigo diz “efetivada” a tutela cautelar, significa
que a tutela foi executada, cumprida. É com base no efetivo cumprimento da tutela
cautelar é que começa a contar o prazo de 30 dias e não de decisão que a
concedeu; (ii) o artigo de lei prevê que o pedido principal será apresentado nos
“mesmos autos” em que foi deduzido o pedido principal, mas nem sempre isso
será possível. É só imaginar a situação em que a tutela cautelar foi concedida na
sentença e logo depois “efetivada”. Caso não haja recurso contra o decisum,
provavelmente o trânsito em julgado da decisão ocorrerá antes de se esgotar o
prazo de 30 (trinta) dias exigido pela lei para conversão do pedido cautelar em
pedido principal. Ocasião que exigirá outro processo, contendo o pedido principal
da parte.
A conversão do pedido cautelar em pedido principal, apresentado nos
mesmos autos (é a regra) ou em um segundo processo (exceção), em ambos os
casos não haverá a necessidade de fazer qualquer adiantamento de novas custas
processuais.
Nos termos do parágrafo 1º do art. 308 do CPC, a parte pode optar por
apresentar o pedido principal conjuntamente com o pedido de tutela cautelar,
sendo desnecessária, por óbvio, a observância do prazo de 30 dias que se refere
o caput do mencionado artigo.

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Se a parte resolver formular o pedido principal em momento posterior ao
do pedido de tutela cautelar, o parágrafo 2º permite que se faça o aditamento da
causa de pedir, já que ambas as espécies de tutela possuem objetos jurídicos
diversos.
Por sua vez, o parágrafo 3º prevê que uma vez “apresentado o pedido
principal, as partes serão intimadas para a audiência de conciliação ou de
mediação, na forma do art. 334, por seus advogados ou pessoalmente, sem
necessidade de nova citação do réu”. A intimação pessoal do réu está reservada
as hipóteses em que o réu não tenha advogado regularmente constituído nos
autos do processo.
Não havendo autocomposição, começará a correr o prazo de defesa para
o réu (§ 4º).
Ainda resta gizar que a decisão que conceder a tutela cautelar não formará
coisa julgada material.

TEMA 5 – CESSAÇÃO DA EFICÁCIA DA TUTELA CAUTELAR

O art. 309 do novo CPC prevê as hipóteses em que poderá ocorrer a


cessação da eficácia da tutela cautelar requerida em caráter antecedente.
Senão vejamos: o inciso I prescreve que cessará a eficácia da tutela
concedida se o autor não formular o pedido principal no prazo de 30 (trinta) dias,
nos termos do art. 308 do CPC.
Diferentemente do ocorria no CPC/73, em que a não apresentação do
pedido principal no prazo legal ocasionava a extinção do feito sem julgamento do
mérito, a cessação da eficácia da tutela cautelar no novo CPC não extingue o
processo cautelar, que seguirá seu trâmite até a decisão judicial final.
A segunda causa de cessação da eficácia da tutela cautelar (CPC, art. 309,
inciso II) se verifica quando não for efetivada a tutela de urgência dentro do prazo
de 30 (trinta) dias.
Ressalva-se que esse inciso não será observado se a causa do atraso na
efetivação da tutela cautelar não for de responsabilidade da parte beneficiada pela
medida, mas sim quando o atraso decorrer da própria ineficiência do ente estatal.
A terceira e última hipótese de cessação da eficácia da tutela cautelar
prevista no CPC (art. 309, inciso III) se refere aos casos de julgamento de
improcedência do pedido principal ou a extinção do processo sem julgamento do
mérito.

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Nada mais natural, uma vez que o processo cautelar, em virtude de sua
instrumentalidade, vincula-se ao processo principal. Assim, se o processo
principal for julgado improcedente ou não sendo possível atingir seu mérito, não
faz sentido algum a manutenção da eficácia da tutela cautelar.
Finalmente, o parágrafo único do art. 309 do CPC prescreve que “se por
qualquer motivo cessar a eficácia da tutela cautelar, é vedado à parte renovar o
pedido, salvo sob novo fundamento”.
A razão de ser desse dispositivo legal não diz respeito à formação ou não
da coisa julgada material da tutela cautelar, mas sim sobre a impossibilidade do
magistrado decidir novamente as questões já decididas, relativa à lide (CPC, art.
505), ou seja, salvo se a parte renovar o pedido cautelar sob uma nova causa de
pedir, um novo fundamento jurídico, o juiz não poderá decidir novamente, porque
se operará para o magistrado a preclusão pro iudicato.
Por oportuno, prevê o art. 310 do CPC que o “indeferimento da tutela
cautelar não obsta a que a parte formule o pedido principal, nem influi no
julgamento desse, salvo se o motivo do indeferimento for o reconhecimento de
decadência ou de prescrição”.
Como se pode notar, o referido artigo prestigia a instrumentalidade
existente entre a tutela cautelar e a tutela satisfativa, princípio já abordado nestas
aulas.

FINALIZANDO

Nesta última aula, pudemos debater os aspectos mais relevantes sobre a


tutela de urgência cautelar.
Apresentamos as características e identidades dessa espécie de tutela,
discorrendo sobre a autonomia, a sumariedade e a instrumentalidade do processo
cautelar.
Depois, abordamos sobre a extinção das chamadas cautelares típicas, bem
como falamos sobre o instituto do Poder Geral de Cautela.
Após, verificamos todo o procedimento reservado à tutela cautelar
requerida em caráter antecedente. Também examinamos a tutela cautelar em
relação a sua concessão e sobre os aspectos gerais para sua efetivação.
Por derradeiro, mostramos as hipóteses de cessação da eficácia da tutela
cautelar com previsão na lei adjetiva civil.

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Dessa forma, esperamos que todo esse material tenha sido útil a vocês e
que, de alguma forma, tenha contribuído para o conhecimento dos colegas.
Até um próximo encontro!

LEITURA OBRIGATÓRIA

Para aprofundamento do conhecimento da matéria, é mister a leitura do


artigo a seguir.

OLIVEIRA, R. A.; SILVA, R. P. da. Tutela de urgência no novo código de processo


civil. Revista Jurídica Online, n. 2, 2013. Disponível em:
<http://www.atenas.edu.br/Faculdade/conteudo.asp?cat=iniciacaociencia&id=12
41&pag=layout2>. Acesso em: 7 ago. 2018.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário


Oficial da União, Brasília, 17 mar. 2015.

CALAMANDREI, P. Introdução ao estudo sistemático dos procedimentos


cautelares. Campinas: Servanda, 2000.

NEVES, D. A. A. Manual de direito processual civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm,


2016. Volume único.

SILVA, O. B. da. Teoria geral do processo civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006.

THEODORO JÚNIOR, H. Processo cautelar. São Paulo: Leud, 2008.

WAMBIER, T. A. A. Primeiros comentários ao novo código de processo civil.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

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