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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA

Copyright 2008 –Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB)

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sem autorização prévia dos detentores do copyright

Serviço de Biblioteca e Documentação da FFLCH/ USP


Ficha catalográfica: Márcia Elisa Garcia de Grandi CRB 3608

Boletim Paulista de Geografia / Seção São Paulo - Associação dos


Geógrafos Brasileiros. - nº 1 (1949) - São Paulo: AGB, 1949.

Irregular

Continuação de: Boletim da Associação dos Geógrafos Brasileiros

ISSN 0006-6079

1. Geografia 2. Espaço Geográfico 3. História do Pensamento Geográfico.


I. Associação dos Geógrafos Brasileiros. Seção São Paulo.

CDD 910

Impressão: Xamã Editora


BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA
NÚMERO 87 SÃO PAULO – SP DEZ. 2007

EDITORIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

ARTIGOS
Al f redo Pereira de Queiroz Fil ho; Marcel l o
Mart inelli.............................................................. 7
O TRABALHO DE CAMPO EM GEOGRAFIA: UMA ABORDAGEM
TEÓRICO-METODOLÓGICA

Gisele Girardi ........................................................ 45


CARTOGRAFIA GEOGRÁFICA: REFLEXÕES E CONTRIBUIÇÕES

José Fl ávio Moraes Cast ro......................................... 67


COMUNICAÇÃO CARTOGRÁFICA E VISUALIZAÇÃO
CARTOGRÁFICA

Fernanda Padovesi Fonseca. ........................................ 85


O POTENCIAL ANALÓGICO DA CARTOGRAFIA

Regina Arauj o de Almeida (Vasconcellos).... ...................... 111


ENSINO DE CARTOGRAFIA PARA POPULAÇÕES MINORITÁRIAS

Maria Elena Ramos Simielli; Gisele Girardi;


Rosemeire Morone.................................................... 131
MAQUETE DE RELEVO: UM RECURSO DIDÁTICO
TRIDIMENSIONAL

Rosa Iavel berg; Sonia Maria Vanzel l a Cast el l ar.................. 149


O DESENHO NA ARTE E NA GEOGRAFIA: DIFERENÇAS E
APROXIMAÇÕES
ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

Paul o Robert o Cimó Queiroz........................................ 167


REVISITANDO UM VELHO MODELO: CONTRIBUIÇÕES PARA
UM DEBATE AINDA ATUAL SOBRE A HISTÓRIA ECONÔMICA
DE MATO GROSSO/ MATO GROSSO DO SUL

INSTRUÇÕES E NORMAS PARA ELABORAÇÃO DE ORIGINAIS


. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

EDITORIAL

A Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção São Paulo apresent a o


Bol et im Paul ist a de Geograf ia 87, uma edição t emát ica dedicada
principalment e à Cart ografia. O cont eúdo dos art igos expressa uma rica
diversidade de abordagens e ilust ra a mat uridade da ref lexão dos
geógrafos sobre a Cart ografia.
É import ant e dest acar, no ent ant o, que est a não é a primeira
iniciat iva do gênero. AAGB publicou, em 1988, o Seleção de Text os número
18, compost a pela t radução de t ext os sobre Cart ograf ia de aut ores
consagrados como Lacost e, Salicht chev, Board e Bert in. Nessa ocasião,
a ausência de bibliografia específica na língua port uguesa conj ugada ao
desej o de ref ormul ação do cont eúdo da discipl ina de Cart ograf ia
represent avam as principais preocupações dos seus produt ores. O BPG
70 t ambém t rouxe incríveis cont ribuições sobre est e t ema.
Cerca de 20 anos depois dessa primeira colet ânea sobre Cart ografia
da AGB, o BPG 87 revela um carát er dist int o, pois divulga uma part e da
produção int elect ual recent e de geógrafos brasileiros sobre a Cart ografia.
Ainda que o cerne das discussões sej a comum – as relações Cart ografia/
Geografia e o seu uso como linguagem gráfica aplicada ao t rat ament o e à
comunicação da inf ormação –, f oram incorporados element os sobre
sist emas de inf ormações geográf icas, geocart ograf ia, visual ização
cart ográfica, espaço não euclidiano, et nocart ografia, cart ografia t át il e
maquet es.
No primeiro art igo, Queiroz Filho e Mart inelli discut em a cart ografia
de análise e de sínt ese dos pont os de vist a da Cart ograf ia Temát ica
convencional e da Cart ograf ia Temát ica assist ida pelos Sist emas de
Informações Geográficas (SIG).
Algumas reflexões sobre a Cart ografia Geográfica são apresent adas
no segundo art igo do Bolet im. Além de most rar uma visão geral do referido
cont ext o, Girardi propõe t rês formas para organizar os cont eúdos da
educação geocart ográfica, denominadas como inst rução do pensament o
espaci al , i nst r ução da l ei t ur a car t ogr áf i ca e i nst r ução do f azer
cart ográfico.
A Comunicação e a Visualização Cart ográficas são abordadas por Cast ro
no t erceiro art igo. Uma revisão dos princípios que nort eiam as respect ivas

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ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

t eorias, das possíveis int erfaces e da sua import ância na Análise Espacial
é realizada pelo aut or, que ut iliza, como exemplo, os mapas bíblicos do
at ual Est ado de Israel e da Palest ina.
O pot encial analógico da Cart ografia é discut ido por Padovesi no
quart o art igo. Um dos aspect os abordados pela aut ora consist e no
quest ionament o se haveria um desenvolviment o da Cart ograf ia em
consonância com a renovação da Geografia.
Almeida, no quint o art igo, discorre sobre o ensino de cart ografia
para populações minorit árias e para usuários com deficiência visual. Foram
discut idos o design, a produção e uso do mapa t át il e os result ados
aplicados a out ras populações minorit árias, como os indígenas do est ado
do Acre.
O sext o art igo aborda a const rução de maquet es. As aut oras –Simielli,
Girardi e Morone – dest acam a disseminação da prát ica de const rução de
maquet es de relevo, em art igos cient íficos e congressos, que enfat izam
as prát icas cart ográficas no ensino da Geografia.
Já o sét imo art igo, que encerra o BPG t emát ico sobre Cart ografia,
t raz uma discussão de Iavelberg e Cast ellar sobre o aprendizado e o ensino
nas escolas at ravés das linguagens art íst icas e cart ográficas.
Mas encerrando mesmo est a publicação est á o art igo de Paulo Robert o
Cimó Queiroz. Seu t ext o não ent ra no t ema dest e BPG, mas dialoga com
out ro t ext o, do BPG 61, de 1984, de aut oria de Gilbert o Luiz Alves. Cimó
resgat a o import ant e art igo e rebat e algumas t eses sobre a hist ória
econômica do Mat o Grosso e Mat o Grosso do Sul.
Boa leit ura!

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

ARTIGOS
CARTOGRAFIA DE ANÁLISE E DE SÍNTESE NA
GEOGRAFIA

CARTOGRAPHY OF ANALYSIS AND SYNTHESIS IN


GEOGRAPHY

Al f redo Pereira de Queiroz Fil ho


Marcel l o Mart inel l i*

Resumo: Est e art igo t em como obj et ivo discut ir a cart ografia de
análise e de sínt ese dos pont os de vist a da Cart ografia Temát ica con-
vencional e da Cart ograf ia Temát ica assist ida pelos Sist emas de In-
formações Geográficas (SIG). Procura est abelecer as correspondências
ent re o vocabulário, os conceit os e prát icas consagradas das referidas
áreas, cont ribuindo para o uso int egrado dos seus element os f unda-
ment ais.
Palavras-chave: Cart ograf ia de análise. Cart ograf ia de sínt ese.
Sist emas de Informações Geográficas. Cruzament o de mapas.

Abstract: This art icle has t he purpose t o discuss t he analyt ical and
synt het ic cart ography from t he convent ional Themat ic Cart ography and
t he assi st ed by Geogr aphi c Inf or mat i on Syst ems (GIS) Themat i c
Cart ography view point s. It t ries t o est ablish t he correspondences
bet ween consecrat ed vocabulary, concept s and pract ices of t he aforesaid
areas cont ribut ing t o t he int egrat ed use of it s fundament al element s.
Key words: Analyt ical cart ography. Synt het ic cart ography. Geographic
Informat ion Syst ems. Overlay maps.

* Prof essores do Depart ament o de Geograf ia da Faculdade de Filosof ia, Let ras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paul o (FFLCH-USP). E-mail : aqueiroz@usp. br;
cart ot em@ig.com.br

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ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

1 INTRODUÇÃO
Os avanços t ecnológicos recent es, part icularment e da informát ica e
das t elecomunicações, causaram um grande impact o na Cart ografia. Com
a significat iva diminuição do cust o de comput adores, dos seus programas
e da conexão com a Int ernet , aliada à criação de bases cart ográficas e
dados est at íst icos no meio digit al, os mapas se difundiram com velocidade
e amplit ude ainda maiores do que no período renascent ist a, quando a
imprensa – de Gut enberg – foi ut ilizada para reproduzir mapas.
Ent ret ant o, a decorrent e facilidade de confecção dos mapas criou
circunst âncias indesej áveis. Ainda que o número de pessoas que elabora
mapas t emát icos t enha aument ado subst ancialment e e a velocidade da
sua produção t enha sido muit o acelerada – o que a princípio é desej ável
–, muit os equívocos cart ográficos t êm sido gerados pela ausência de
conheciment o dos fundament os da Cart ografia em geral, e da Cart ografia
Temát ica em part icular.
Essa é uma das razões pela qual o relacionament o ent re os pro-
fissionais de Cart ografia Temát ica e dos Sist emas de Informações Geo-
gráficas (SIG), nos seus primórdios, foi pouco harmonioso. Nos casos
ext remos, houve uma clara divisão ent re as part es, criando uma falsa
polarização ent re o t radicional e o moderno, embasada por argument os
radicais de ambos os lados. Uma part e deles desqualificava o processo
de elaboração de mapas no comput ador, afirmando que nenhuma in-
t erface gráfica permit ia represent ar adequadament e a realidade espacial
ou que seu uso empobrecia a capacidade de reflexão. Os argument os
dos usuários neófit os dos SIGs, em cont rapart ida, mencionavam que os
conheciment os da Cart ografia Temát ica t inham perdido import ância, pois
os sist emas eram capazes de resolver os problemas de represent ação
t emát ica sem a orient ação dos geógrafos ou out ros est udiosos das mais
variadas áreas de pesquisa.
O cont ext o desse art igo emerge do uso conj unt o dos predicados
das referidas áreas, pois se ent ende que a Cart ografia Temát ica e os
Sist emas de Informações Geográficas não só se complement am, como
t ambém se ent relaçam. Sua relação expressa muit o mais a idéia de
i nt egração do que de subst i t ui ção, assi m como as ci rcunst ânci as
profissionais dos aut ores desse art igo. Dist int as gerações e especialidades
est ão unidas, com o propósit o de reduzir event uais resquícios de
incompat ibilidade ent re os campos de conheciment o.

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

O obj et ivo é discut ir a cart ografia de análise e de sínt ese nos con-
t ext os da Cart ografia Temát ica convencional e da Cart ografia Temát ica
assist ida pelos Sist emas de Informações Geográficas. As principais ques-
t ões que orient aram sua elaboração foram: o que são e quais as diferen-
ças ent re mapas de análise e de sínt ese? Quais são as operações que os
caract erizam? O produt o dos cruzament os de planos de informações nos
SIGs pode ser considerado mapa de sínt ese?
A principal cont ribuição do t rabalho pode ser definida como a de
uma propost a de t radução t erminológica, que resgat a conceit os e prát i-
cas consagradas da Cart ografia Temát ica convencional e revela suas cor-
respondências com os procediment os dos Sist emas de Informações Geo-
gráficas.

2 CONSIDERAÇÕESSOBREACARTOGRAFIANAGEOGRAFIA
Para sit uar a quest ão dos mapas analít icos e de sínt ese na cart o-
graf ia e o seu emprego na geograf ia é necessário resgat ar moment os
marcant es na hist ória social da ciência dos mapas e da ciência do espa-
ço social.
Um primeiro moment o foi aquele que confirmou o homem como ca-
paz, desde os primórdios de sua exist ência, de ext ernar e regist rar seu
lugar de morada e seu modo de vida. Procedia, mediant e expressões
gráficas ou mont agens de est rut uras concret as, represent ações de seu
espaço de vivência, onde exercia suas prát icas sociais.
Passo a passo, com o acréscimo do saber organizado e das t écnicas,
a cart ografia viveu fort e desenvolviment o at é chegar aos dias at uais,
t endo a seu serviço um leque bast ant e amplo de conheciment os cient í-
ficos e de t ecnologias bast ant e apuradas.
São reconhecidos memoráveis marcos dessa caminhada. Um que
despont ou, j á em t empos não t ão remot os, como mot ivador de um consis-
t ent e avanço no seu afã de at ender à demanda de mapas cada vez mais
específicos, foi a afirmação de uma crescent e solicit ação desses mapas,
por cont a da sist emat ização dos vários ramos cient íficos operada no fim
do século XVIII e início do século XIX.
Essa crescent e busca de especialização na cart ografia foi se crist ali-
zando at ravés de uma gradat iva libert ação do regist ro eminent ement e
analógico da superfície do t erreno e dos obj et os nat urais e art ificiais

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ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

inst alados sobre aquela. Emergiram t emas de est udo, oriundos do leque
de ciências organizadas, cuj as represent ações foram paulat inament e se
acrescent ando à t opografia, que lhes garant ia o suport e de localização,
inst it uindo, assim, a cart ografia t emát ica.
Esses acréscimos foram primeirament e qualit at ivos, sej a de aspect os
concret os, como, por exemplo, o uso da t erra, sej a de manifest ações
sensíveis, porém invisíveis, como por exemplo, o magnet ismo t errest re.
As represent ações quant it at ivas t iveram sua afirmação com cert o at ra-
so. Efet ivaram-se soment e a part ir das cont ribuições t razidas por William
Playfair, com as propost as de const rução dos gráficos, que usara para ilus-
t rar suas obras elaboradas no fim do século XVIII e início do XIX.
Com a revolução indust rial operada desde a segunda met ade do sé-
culo XVIII at é sua complet a mat uração, no final do XIX, assist iu-se a uma
crescent e busca e avaliação da mobilidade dos homens, das mercadori-
as, dos capit ais, das informações, et c.. Com base nos gráficos de colu-
nas t razidos por Playfair, que Minard os adapt ara para represent ar quant i-
dades moviment adas em t rechos de det erminado percurso, a cart ogra-
fia t emát ica, por obra dest e últ imo aut or, t ransferiu em 1845, t ais colu-
nas, dispost as como largura de faixas, para a planimet ria dos eixos viári-
os sobre mapas, configurando, assim, a represent ação dos fluxos.
Pode-se dizer que, at é aqui, a cart ografia t emát ica foi fiel ao raciocí-
nio analít ico promulgado em cada ciência na busca do conheciment o.
Ent ret ant o, várias concepções int egradoras da realidade foram se desa-
brochando a part ir da Geografia Regional de Paul Vidal de La Blache,
est abelecida no final do século XIX, na França.
O est udo geográfico de La Blache se concluía com uma classificação,
com uma t ipologia. O mest re est ipulava o conceit o de “ Região” como uma
unidade de est udo que exprimiria a forma dos homens organizarem o es-
paço t errest re. Região exist iria de fat o. O geógrafo as delimit ava, descre-
via e explicava. Região era a escala de análise, o âmbit o espacial de est u-
do, com uma individualidade própria dist int a das áreas circunvizinhas.
Pelos dados humanos colhidos na evolução da sociedade, a região
era produt o hist órico que expunha as relações ent re o homem e a nat u-
reza, o que const it uiria o obj et o de est udo da Geografia Regional.
Nesse cont ext o, a propost a da Geografia Regional de La Blache, re-
comendava a realização de est udos monográficos bast ant e complet os
de áreas selecionadas. Essas pesquisas, t endo a região como obj et o de

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

análise, compunham-se de uma seqüência de it ens t emát icos, abrangendo


t odos os set ores de exame, desde a nat ureza at é os mais diferent es
empreendiment os da sociedade. Como conclusão, anexava-se mapas re-
ferent es aos t emas est udados, cuj a sobreposição compunha, não só a
sínt ese cart ográfica das est rut uras de relações ent re os component es
da vida regional, como t ambém a concepção da unidade homem – nat u-
reza. Revelar-se-ia, assim, a individualidade regional, de onde adviria o
conceit o de “ gênero de vida” .
No prefácio da primeira edição de seu at las de 1894, o “ At las général
Vidal-Lablache: hist oire et géographie” , o aut or dizia que pret endia dar
uma visão raciocinada para cada t errit ório a ser est udado at ravés do
at las. Iniciava a abordagem com o mapa polít ico acompanhado pelo mapa
físico, forma de ent rever relações ent re est es t emas. Afirmava, ainda,
que os t raços que compunham a fisionomia dos t errit órios só adquiririam
valor de noção cient ífica quando vislumbrados no encadeament o do qual
faziam part e. Complet ava o arrazoado ressalt ando que a caract eríst ica
de um t errit ório result ava de um grande número de t raços e da maneira
que se combinavam e se modificavam, uns relacionados com os out ros.
Pode-se not ar o empenho do aut or em vislumbrar a sínt ese mediant e a
série de mapas que selecionava.
Em est udos mais complet os, j á na segunda década do século XX,
Vidal ent revia cert as cidades como agent es organizadores da região.
Chamou est e t ipo de região de Região Nodal.
Com a chegada da Geografia quant it at iva, na busca de uma renovação
para a geografia, no fim década de 1960 e início da de 1970, congregando
uma efet iva part icipação da mat emát ica e da est at íst ica com o apoio da
informát ica e diret rizes volt adas à ação no planej ament o, houve um
esforço em se adent rar no campo dos mét odos de análise mult ivariada.
Ela foi amplament e t rabalhada no mundo t odo, empolgando est udiosos
com seus r esul t ados numér i cos e obj et i vos, cuj a i nt er pr et ação
possibilit aria a explicação da área obj et o de est udo (MORAES, 1981).
Na promoção de uma renovação para geografia, proclamada a part ir
da década de 1970, na sua vert ent e crít ica como uma Geografia At iva, a
região def inia-se pela convergência e divergência de f luxos de t oda
espécie, delimit ando-a como área de influência de uma cidade, um pólo
regional, cent ro coordenador da organização espacial. Essa região t ornou-
se, assim, obj et o de int ervenção.

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ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

Mesmo na at ualidade, com a fort e expansão do capit al hegemônico


em t oda part e do globo, a região persist e, mesmo cat iva de mudanças
aceleradas, porém ganhando o nobre crédit o de art icular a unidade en-
t re a nat ureza e a sociedade e de confirmar a região como part e de uma
t ot alidade (SANTOS, 1996).
Para corroborar a concepção da cart ografia t emát ica, envolvida,
dent re out ros set ores cient íficos, t ambém com a geografia, ent ra em
cena um campo que se considera de vit al import ância, o da cart ograf ia
de sínt ese.
Sabe-se que a Cart ografia de Sínt ese vinha sendo aplicada à Geogra-
fia desde o início de sua sist emat ização, quando colocada como ciência
empírica, principalment e ao se preocupar com a conclusão de t rabalhos
cient íficos, no int uit o de classificar os fat os referent es ao espaço, pro-
pondo t ipologias formais. Est as eram obt idas a part ir de análises por
indução da realidade que se expunha ao domínio dos sent idos em seus
aspect os visuais, mensuráveis, palpáveis.
Dent ro de um cont ext o mais t radicional, além dos mét odos gráficos
e cart ográficos, a sínt ese pode ser obt ida t ambém at ravés de mét odos
est at íst ico-mat emát icos, com result ados mais obj et ivos. Hoj e, num pla-
no mais avançado, a cart ografia de sínt ese cont a com um grande aliado
– o Sist ema de Informações Geográficas. Ele disponibiliza um conj unt o
de funções volt adas à int egração de dados, dispost os em diferent es pla-
nos de informações ou l ayers, para se chegar a um mapa de sínt ese.

3 MAPASDEANÁLISE E DE SÍNTESE
3.1 Representações analíticas
As represent ações analít icas são aquelas que envolvem um raciocí-
nio dirigido à análise do espaço geográfico, mobilizando procediment os
de classificação, de combinação e de busca das explicações sobre fat os
ou fenômenos ent revist os nos mapas (Figura 1). Seriam const ruções raci-
onais, cuj a est rut ura est aria expressa na legenda, organizada como um
sist ema lógico. As operações ment ais empreendidas sobre mapas analít i-
cos permit irão ao est udioso formular hipót eses sobre o que explicaria a
geografia dos fenômenos. Ent ret ant o, diant e de uma crít ica mais rigoro-
sa, afirma-se que, eles por si só não seriam capazes de sugerir as causali-
dades ou de dar as explicações (RIMBERT, 1968; CLAVAL ; WIEBER, 1969).

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

Figura 1: Exemplos de mapas de análise

Esses aut ores ainda dizem que o mapa analít ico coloca à most ra di-
reções dominant es, massas, agrupament os, const elações e feixes que
revelam a informação, da qual se pode t irar proveit o. Ainda, o mesmo
leva à colocação de uma série de quest ões, e são essas que pouco a
pouco permit em chegar a novas descobert as. Recomendam ainda que,
uma vez pront o o mapa, deve-se at ent ar para uma int erpret ação sist e-
mát ica das configurações obt idas.
Pode-se verificar que é nesse nível de raciocínio que a realidade ou
pelo menos alguns de seus component es passam para uma abst ração
mediant e lucubrações ment ais que se expressam at ravés de concep-
ções int elect uais – os mapas. O perigo est á em ocult ar as est rut uras e os
valores sociais por t rás do espaço abst rat o “ revelado” pela represent a-
ção. É necessário at ent ar para que as regras rígidas da cart ografia não
deformem a realidade.
Rimbert (1968), em part icular, afirma que ent re os raciocínios de
análise e de sínt ese se int erporia uma et apa experiment al, onde se t es-
t ariam relações, variando det erminados dados de análise (Figura 2). É

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ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

um moment o experiment al dos raciocínios envolvidos. É solicit ado quan-


do, ao procurar comparar duas séries de dados est at íst icos, se quest io-
na at é que pont o cert as part icularidades de uma se reflet e na out ra.
Porém, advert e que, mesmo uma mult iplicidade dest es t est es não cons-
t it uiria a sínt ese.

Figura 2: Represent ação gráf ica da relação ent re os raciocínios


Font e: RIMBERT (1968)

Exist em várias formas possíveis para verificar a correlação ent re da-


dos: as correlações cart ográficas, as correlações gráficas e as correla-
ções est at íst icas.
De acordo com Schaefer (1953), as correlações cart ográficas são pro-
cessadas superpondo-se vários mapas isarít micos t ransparent es para ve-
rificar se exist em concent rações de fenômenos em cert os lugares. Para
saber se as concent rações indicam realment e relações ou simples con-
vergências acident ais, é necessário recorrer ao campo ou à aplicação de
um t est e est at íst ico específico.
As correlações gráficas são execut adas para comparar duas séries
est at íst icas, avaliando o grau de dependência ent re elas, dispensando o
cont role cart ográfico. Const rói-se um gráfico cart esiano com uma série
em cada eixo. Se exist ir uma consist ent e correlação ent re elas aparece-
rá uma concent ração de pont os seguindo cert o alinhament o. Caso con-
t rário os pont os ficarão mais ou menos dispersos.
As correlações est at íst icas definem coeficient es de correlação que
podem ser expressos por gráficos de linhas, que irão indicar, de forma mais
confiável, o t ipo de relação que exist e ent re as duas séries. Se a linha for
uma ret a subindo da esquerda para a direit a, t rat a-se de uma correlação
posit iva. Caso cont rário, descendo, significa uma correlação negat iva.

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

3.2 Representações de síntese


Para Claval e Wieber (1969), o mapa de sínt ese, t eria como primeira
função a de salient ar as correlações, evidenciando conexões ent re fe-
nômenos dist int os.
Os aut ores alert am que, nem sempre ao se superpor vários t emas se
consegue most rar as ligações. Cada t ema se perderia na confusão dos
signos. Recomendam, ent ão, superpor mapas t emát icos simplificados,
donde result ariam mais claras as relações espaciais. De qualquer forma,
a sínt ese é uma necessidade, porém deve ser at endida de maneira que
faça emergir, novas configurações que sej am complet ament e diferent es
do que o result ado de uma simples soma das configurações element ares.
Só assim, se obt eria uma visão global da realidade (Figura 3).

Figura 3: Exemplo de mapa de sínt ese

O mapa de sínt ese, assim concebido, t orna-se inst rument o privile-


giado do geógrafo que, na geografia humana, t em int eresse nos est udos
regionais. Ent ret ant o, ele deve proceder seu uso com prudência, para
que não acont eça de se obt er configurações que não são as mais carac-
t eríst icas. At ent ar, assim, para não privilegiar fat os de ordem est át ica,
nem dar muit a import ância às áreas homogêneas; ao cont rário enfat izar
mais os conj unt os funcionais ou polarizados.

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ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

Como um exemplo consist ent e dest a cart ografia pode ser cit ado
aquele do mapa “ Geossist emas do est ado de São Paulo” elaborado por
Troppmair (2000). Represent a a art iculação espacial dos geossist emas no
t errit ório paulist a. O mapa most ra 15 unidades sint ét icas ident ificadas e
limit adas a part ir da int egração de element os nat urais e sócio-econômi-
cos, como Clima, Geomorfologia, Solos, Água do solo, Classes de uso do
solo, Hidrografia, Cobert ura veget al, Cent ros urbanos e Rede rodoviária.
Dent re os 15 geossist emas, alguns most raram fort e vínculo com os com-
part iment os geomorfológicos, enquant o que out ros exibiram relações,
não menos import ant es, com det erminados aspect os ambient ais.
A caract erização de cada unidade espacial ficou pat ent e por incluir
int er-relações, desde muit o fort es at é impercept íveis, ent re os compo-
nent es que part icipam do geossist ema para formar o t odo. O aut or pôde
const at ar que aqueles que se dest acaram pela at uação são dominant es,
comandando e direcionando o conj unt o. (Figura 4).

Figura 4: Exemplo de mapa de sínt ese


Font e: Geossist emas do est ado de São Paulo (Troppmair, 2000)

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

No mundo da nat ureza cont a-se com cert a est abilidade, principal-
ment e geológica em períodos longos, com remodelações e acomodações
empreendidas em períodos mais curt os. Os mais curt os são de ordem
climát ica e os mais curt os ainda são devidos aos rit mos periódicos da
vida veget al e animal, com
e sem a presença do ho-
mem.
Especif icament e, no
âmbit o da Geografia Física,
o t ema Clima despont ou
como um dos primeiros as-
sunt os a buscar uma cart o-
grafia de sínt ese, sendo a
de Köppen a inicial.
Em t empos mais re-
cent es, dest acou- se a
classif icação de St rahler,
de 1951, baseada nas mas-
sas de ar e em seus movi-
ment os. No cont ext o do
Brasil, de est ados e muni-
cípios sel ecionados, são
conheci dos, dent r e ou-
t ros, os t rabalhos de Ed-
mon Nimer, Carlos Augus-
t o de Figueiredo Mont ei-
ro, José Robert o Tarifa e
Gust avo Armani (Figura 5).
Figura 5: Exemplo de mapa de sínt ese do clima do est ado de SP de Mont eiro

O t ema Relevo, desde cedo, t ambém t eve cont ribuições em t er-


mos de mapas de sínt ese. Dest acaram-se as de Prest on James, Finch e
Trewart ha. Para o Brasil e est ados, dent re t ant os, pode-se cit ar como
recent es, as sínt eses de Jurandyr Luciano Sanches Ross e dele com
co-aut ores.
Out ro campo de pesquisa que realizou cart ografia de sínt ese foi a
ecologia, de onde se pode enfat izar, numa nova revisão, o mapa das

17
ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

“ Regiões ecológicas do est ado de São Paulo” , compost o por Helmut


Troppmair.
Apesar de t odo esse last ro met odológico, est abelecido com a evolu-
ção da ciência cart ográfica, observa-se que, no ambient e acadêmico
que explora a cart ografia t emát ica, exist e ainda muit a confusão sobre o
que viria a ser uma cart ografia de sínt ese.
Muit os a concebem, ainda, mediant e mapas dit os “ de sínt ese” , po-
rém, não como sist emas lógicos, e sim como superposições ou j ust apo-
sições de análises. Result am, port ant o, mapas muit o confusos onde se
acumula uma mult idão de hachuras, cores e símbolos, at é mesmo índi-
ces alfanuméricos, negando a própria idéia de sínt ese. A Figura 6 ilust ra
um mapa t emát ico exaust ivo com sobreposição de at ribut os e variáveis
que seria equivocadament e int erpret ado como de sínt ese.

Figura 6: Exemplo equivocado de mapa de sínt ese

Na sínt ese, não se pode mais t er os element os em superposição ou


em j ust aposição – caract eríst ica básica dos mapas analít icos exaust ivos –,
e sim a fusão deles em t ipos - unidades t axonômicas. Ist o significa que, no
caso dos mapas, devem-se ident ificar agrupament os de unidades espaci-
ais element ares caract erizadas por agrupament os dos seus at ribut os ou

18
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

variáveis. Ou ainda, obt er agrupament os de t ais unidades em função de


vários crit érios e mapear os result ados obt idos (RIMBERT, 1968).
Para esclarecer o que vem a ser um raciocínio de sínt ese, t oma-se
de emprést imo o t rabalho experiment al feit o por Gimeno em 1980, j un-
t o a escolares do ensino fundament al em Paris. Trat ava-se de descobrir
que agrupament os poderiam se formar num conj unt o de 42 dados ele-
ment ares: set e obj et os relacionados a seis at ribut os A figura 7 ilust ra a
passagem do moment o analít ico, onde, numa mat riz, cada obj et o se
relaciona a um ou mais at ribut os, para o de sínt ese, obt ido com reit era-
das permut ações ent re colunas e linhas da mat riz, revelando t rês grupos
de obj et os caract erizados por t rês grupos de at ribut os. Assim, o t rat a-
ment o gráfico dos 42 dados possibilit ou que fosse revelada a seguint e
informação: os obj et os formam t rês grupos caract erizados por t rês gru-
pos de at ribut os. O grupo de obj et os “ A” é caract erizado pelo grupo “ I”
de at ribut os; o grupo de obj et os “ B” é qualificado pelo grupo “ II” de
at ribut os (um só at ribut o); o grupo de obj et os “ C” é assinalado pelo
grupo “ III” de at ribut os.

Figura 7: Passagem do moment o analít ico para o de sínt ese.

Para empreender uma cart ografia de sínt ese da geografia de uma


área de est udo, t radicionalment e, sempre se considerou como pont o
de part ida a superposição e a combinação manual de vários mapas
t emát icos analít icos. Isso most rou que, desde o começo, t eria havido

19
ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

cert a t endência a det erminado esforço em prol de se t rabalhar dados,


de forma mult ivariada.
Assim, conforme obj et ivos e campos de est udo est ipulados, a car-
t ografia de sínt ese pode ser realizada por mét odos t radicionais, emi-
nent ement e gráficos e cart ográficos ou por mét odos est at íst ico-mat e-
mát icos, envolvendo dados qualit at ivos, ordenados ou quant it at ivos,
referent es a ent idades como, pont os, linhas e áreas.
Para os procediment os est at íst ico-mat emát icos, com o advent o
da inf ormát ica, disponibilizaram-se muit os programas específ icos e,
mais recent ement e, passou-se a cont ar t ambém com a part icipação de
f unções específ icas disponíveis nos Sist emas de Inf ormações Geográf i-
cas.

4 PRINCIPAISMÉTODOSDACARTOGRAFIADE SÍNTESE
4.1 Procedimentos convencionais
4.1.1 Mét odos gráf icos e cart ográf icos
Exist e uma boa variedade de mét odos gráficos e cart ográficos que
foram sendo desenvolvidos ao longo da busca de uma cart ografia de
sínt ese, principalment e no domínio da cart ografia t emát ica.
Bert in (1973; 1977), Bonin (1980), Gimeno (1980), Bord (1984), Bonin
e Bonin (1989), Blin e Bord (1993) e discípulos colocam a cart ografia de
sínt ese como uma r epr esent ação capaz de most r ar em mapa os
agrupament os de lugares caract erizados por agrupament os de at ribut os.
Consideram vários procediment os: Superposição t ricromát ica, Mét odo
cart ográfico e Mét odos mat riciais.
Na Superposição t ricromát ica t rabalhar-se-iam mapas de at ribut os
selecionados na mesma escala. Podem ser superpost os de t rês em t rês.
Bast a que sej am realizados em t ransparências, nas cores, azul (cyan),
amarelo (yellow) e vermelho (magent a), as t rês cores primárias da sínt ese
cromát ica subt rat iva. A superposição permit iria delimit ar conj unt os
espaciais caract erizados por dist int as combinações dos t rês at ribut os,
revelados pelas cores secundárias result ant es.
No Mét odo cart ográf ico, a sínt ese seria f eit a a part ir de mapas
analít icos, em t rês passos:
1) Coleção de mapas t emát icos resolvidos em ordem crescent e de
valores cromát icos (um para cada at ribut o selecionado);

20
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

2) Mapas de sínt ese int ermediários definindo um primeiro nível de


agrupament o espacial;
3) Mapa de sínt ese final com os t ipos de espaços.
Nos Mét odos mat riciais, a sínt ese seria obt ida a part ir de uma t abe-
la de dados de dupla ent rada: nas colunas seriam indicados os lugares,
nas linhas os at ribut os e nas células, a presença ou ausência ou a classe
de ordem ou, ainda, o valor absolut o ou relat ivo de t ais at ribut os. Est a
t abela é t ranscrit a para uma forma gráfica, como um quadriculado, com
células, as quais serão preenchidas de pret o ou branco, para o primeiro
caso, por uma ordem de valores visuais, no segundo e por t amanhos
proporcionais, no últ imo caso.
Para o caso de um exemplo cuj os dados const it uem uma série geo-
gráfica, forma-se uma mat riz ordenável, que aceit a permut ações t ant o
das linhas como das colunas. Essas permut ações serão feit as at ravés de
reit eradas aproximações ent re as linhas e ent re as colunas at é se avizi-
nhar as que mais se assemelham, obt endo-se uma segunda imagem – a
mat riz ordenada –, que deve ser int erpret ada. Ist o significa individuali-
zar sobre est a mat riz, os agrupament os de lugares que se formaram,
sendo caract erizados por agrupament os de at ribut os, orient ando a cons-
t rução da legenda. O agrupament o das células individuais sobre a mat riz
ordenada guiará a configuração dos agrupament os no espaço, que serão
delimit ados sobre o mapa, correspondendo à sínt ese (Figura 8, na próxi-
ma página).
No campo da ecologia, o bot ânico Gaussen, na met ade do século
XX, t ambém int roduziu a sínt ese por mét odos gráf icos e cart ográf icos.
Explorou a sínt ese cromát ica at ravés dos mapas. Procedia at ribuindo
uma cor a cada f at or ecológico represent ado, seguindo f ielment e o
aspect o conot at ivo da cor. A umidade seria represent ada em azul, o
calor pelo vermelho e, a cada mat iz def inida, at ribuir-se-ia uma varia-
ção de valor, do claro para o escuro, conf orme a menor ou maior part i-
cipação do f at or.
Assim, ao se superpor um mapa das precipit ações (em azuis) ao das
t emperat uras (em vermelhos), as regiões quent es e úmidas apareceriam
em violet a, enquant o as áreas frias e secas ficariam prat icament e em
branco. As demais sit uações adquiririam cores e t onalidades int ermedi-
árias. Revelar-se-iam, assim, regiões nat urais caract erizadas por regimes
pluviot érmicos.

21
ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

Figura 8: Exemplo do mét odo mat ricial para o caso dos “ Tipos de clima da França” f eit o a
part ir dos dados de insolação, amplit ude t érmica, dias de precipit ação nival, dias de chuva,
t emperat uras de j ulho, o mês mais quent e, sobre uma base de unidades de observação, os
t ipos de relevo, que são unidades sint ét icas.
Font e: Gimeno (1980, p. 174)

Ainda, para aplicação de mét odo gráfico, t em-se um caso part icular
de cart ografia de sínt ese, aquele que busca a represent ação dos “ t ipos”
de est rut uras t ernárias específicas, ist o é, por variáveis formadas por
t rês component es colineares. Mobiliza-se um t rat ament o at ravés do di-
agrama t riangular. Est e gráfico part iciparia, assim, como algorit mo para o
t rat ament o dos dados e para a organização da legenda.
As diferent es combinações dos t rês component es I, II, III da variável
est udada são sint et izadas at ravés de pont os no int erior do t riângulo.
Quando a variável se refere aos lugares, cada pont o do gráfico represen-
t a a est rut ura de cada um (Béguin e Pumain, 1994).

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

A part ir da análise visual da nuvem de pont os result ant e, agrupam-


se os lugares segundo cat egorias definidas pela posição que ocupam no
t riângulo. Às vezes os agrupament os não são t ão fáceis de serem dis-
cernidos. Exige-se um cont role mais apurado. As cat egorias, assim defi-
nidas, serão depois t ransferidas para o mapa, o qual represent ará a sín-
t ese de est rut uras t ernárias agrupadas em classes significat ivas. O gráfi-
co t riangular será sua legenda, dando t ransparência t ot al ao raciocínio
empreendido na const rução do mapa.
Em geral, a cart ografia de sínt ese t rabalhada por mét odos gráficos e
cart ográficos é explorada j unt o a sit uações est át icas. Mas é possível
elaborá-la t ambém para abordagens dinâmicas. Considere-se o exemplo
que leva ao est abeleciment o de t ipos de evolução da população para o
est ado de São Paulo no período 1970/ 2000, com os dados de 1970, 1980,
1990 e 2000.
Para se chegar a est a sínt ese pode-se fazer um t rat ament o gráfico
dos dados, que consist e em elaborar um diagrama evolut ivo em mono-
l og para cada unidade de observação. Depois de pront os, est es serão
classificados visualment e, aproximando aqueles que mais se assemelham,
procurando formar grupos com caract eríst icas similares de evolução. Cada
grupo const it uirá um “ t ipo” que será qualificado na legenda por um sig-
no e respect ivo epít et o expresso de forma concisa, como:
• Cresciment o fort e prat icament e const ant e;
• Cresciment o fort e na primeira década seguido de decréscimos fra-
cos e progressivos;
• Cresciment o de médio a fort e seguido de decréscimo na últ ima
década;
• Cresciment o médio na primeira década seguido de cresciment o
um pouco mais fort e;
• Cresciment o médio quase const ant e.
• Cresciment o fraco na primeira década seguido de quase est abili-
dade;
• Decréscimo fort e na primeira década seguido de cresciment o mé-
dio quase const ant e;
• Decréscimo médio na primeira década seguido de quase est abili-
dade.
Cada rubrica da legenda, assim especificada, receberá um signo, uma
cor ou t ext ura indicadora para ser lançada no mapa que expressará a
sínt ese (Figura 9, na próxima página).

23
ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

Figura 9: exemplo de mét odo gráf ico para a elaboração do mapa de sínt ese, “ Tipos de
evolução da população – 1970/ 2000”

4.1.2 Mét odos est at íst ico-mat emát icos


A sínt ese obt ida at ravés de mét odos est at íst ico-mat emát icos, com
cert eza, oferecerá result ados mais obj et ivos, menos suj eit os às int erpre-
t ações visuais. Ingressar-se-á, assim, no domínio do t rat ament o e repre-
sent ação da informação quant it at iva mult ivariada.
Essa forma de análise é denominada de mult ivariada, pois t rat a um
conj unt o de variáveis geográficas por meio de diversos at ribut os quan-
t it at ivos. Abriu-se, assim, o campo dos mapas mult ivariados, que podem
expressar uma sínt ese cart ográfica.
Para manusear um conj unt o razoavelment e grande de variáveis quan-
t it at ivas caract erizadoras de unidades geográficas element ares, para o
qual se desej a obt er a sínt ese, é muit o comum a adoção dos mét odos da
Análise fat orial (Fact or analysis), complement ada pelo da Análise de agru-
pament o (Cl ust er anal ysis).
A análise fat orial é bast ant e difundida e consist e num procedimen-
t o que faz o papel de comparar vários mapas t emát icos de dados quant i-

24
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

t at ivos, absolut os ou relat ivos. Ela é ut ilizada em t rabalhos que exigem


o est udo de diversas variáveis ao mesmo t empo.
Part e-se de uma mat riz de dupla ent rada, que dispõe as unidades
geográficas nas colunas e o nome das variáveis nas linhas. Nas células
vão os respect ivos valores. Calcula-se o índice de correlação (Pearson
product moment ) ent re cada par de variáveis, est abelecendo os resul-
t ados numéricos numa mat riz, que será simét rica. Em seguida, avalia-se
a proporção da variação t ot al em porcent agem ent re as variáveis que se
acumula em cada fat or. Cada fat or represent a um grupo de variáveis.
Most ra-se a seguir, as ponderações de cada uma das variáveis individual-
ment e nos fat ores, organizando uma mat riz de unidades geográficas por
fat ores (bast am os dois primeiros). Os result ados desses t rat ament os
feit os at é aqui podem ser visualizados por gráficos ou por mapas ade-
quados a esse fim.
Agora é chegada a vez de se aplicar a Análise de agrupament o aos
fat ores, que se exibe visualment e at ravés de uma árvore de ligações,
um dendrograma. Represent a, port ant o, uma classif icação em base
mult ivariada. Sobre o dendrograma se decide por cert o nível de agrega-
ção para cort á-lo, de modo a obt er um razoável número de grupos de
unidades espaciais, t al que, em cada um haj a uma aceit ável cot ação de
mínima variância int ra-grupos e de máxima variância int er-grupos (ver
Figura 13). A cart ografia dos grupos significa a sínt ese em mapa.

4.2 Procedimentos nos Sistemas de Informações Geográficas


Conforme Tomlinson (1972), um SIG é um t ipo de sist ema caract eri-
zado pela nat ureza espacial das informações. Segundo Marble et al (1984),
Burrough (1986) e Aronoff (1989) os SIGs são sist emas volt ados à aquisi-
ção, análise, armazenament o, manipulação e apresent ação de dados re-
ferenciados espacialment e. Para Rodrigues (1990), os SIGs podem ser
ent endidos como modelos do mundo real út eis a cert o propósit o. Subsidi-
am o processo de observação, de at uação e de análise dos fenômenos
da superfície t errest re.
Considerando o propósit o dest e art igo, é import ant e realçar – den-
t re os inúmeros aspect os dos SIGs – dois modelos que são ut ilizados em
dist int os níveis, os conceit uais e de dados. Os modelos conceit uais dos
fenômenos geográficos são usualment e denominados como campos ou
obj et os.

25
ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

De acordo com Câmara (1986), o modelo de campos enxerga o mun-


do como uma superfície cont ínua, sobre a qual os fenômenos geográfi-
cos variam conforme padrões dist int os de dist ribuição. O modelo de
obj et os represent a o mundo como uma superfície ocupada por obj et os
ident ificáveis, com geomet ria e caract eríst icas próprias.
Esses modelos conceit uais são represent ados mat emat icament e pelos
modelos de dados geográficos, denominados como vet orial ou mat ricial
(rast er). Eles definem a forma pela qual o fenômeno será represent ado,
ident ificado, medido ou regist rado.
Embora os campos sej am usualment e represent ados no f ormat o
mat ricial e os obj et os expressos na forma vet orial, isso não implica que
haj a uma regra. Num mapa de solos, por exemplo, a classe lat ossolo ver-
melho-amarelo é considerada como campo – pois é t rat ada como uma
superfície cont ínua –, mas pode ser represent ada pelos modelos de da-
dos mat ricial ou vet orial.
Os procediment os mais comuns de análise espacial dos SIGs est ão
diret ament e relacionados com os modelos de represent ação de dados
geográficos. De acordo com Burrough; McDonnel (1998), as principais
formas de análise de dados para o modelo obj et o são as operações sobre
seus at ribut os, dist ância/ localização e sobre sua t opologia. A forma mais
import ant e de análise de dados proporcionada pelo modelo de campos é
a álgebra de mapas (Tomlin, 1990).
Tendo em vist a a amplit ude de cada um desses meios de análise,
opt ou-se por rest ringir os exemplos de mapas de sínt ese nos SIGs aos
procediment os mais usuais dos geógrafos, como a álgebra de mapas e o
t rat ament o est at íst ico de dados, apresent ados e discut idos sumaria-
ment e nos próximos it ens.

4.2.1 Ál gebra de mapas


As álgebras de mapas são procediment os mat emát icos realizados a
part ir de operações booleanas. Elas são, em essência, est rut uras algé-
bricas que ut ilizam operações lógicas E, OU e NÃO, e operações da t eo-
ria de conj unt os, t ais como soma, produt o e complement o. São assim
denominadas em homenagem a George Boole, mat emát ico inglês, que
as definiu, em meados do século XIX.
Os SIGs ut ilizam esses operadores lógicos para realizar cruzament os
ent re dois ou mais planos de informação (l ayers). A grande vant agem do
uso dessa est rut ura é a sua simplicidade e aplicabilidade, pois são análo-

26
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

gas ao t radicional mét odo de sobreposição de mapas empregando mesas


de luz, mencionado no it em ant erior.
Segundo Câmara (2001), são exemplos dessas operações:
• Operação lógica do t ipo A AND B, que ret orna t odos os element os
cont idos no conj unt o de int ersecção ent re A e B;
• Operação A NOT B, cuj o result ado consist e nos component es con-
t idos exclusivament e no conj unt o A;
• Operação A OR B, que ret orna t odos os element os cont idos t ant o
em A, como em B;
• Operação A XOR B, cuj o result ado indica t odos oscomponent es
cont idos em A e B, não incluídos na int ersecção de A e B.
Os dois principais exemplos de álgebra de mapas, aqui abordados, são
os mapas de sínt ese realizados com dados qualit at ivos e com dados quan-
t it at ivos. Embora, nos dois casos, sej a necessária a conversão dos mapas
em represent ações numéricas (format o mat ricial), as operações qualit at i-
vas se diferenciam das quant it at ivas, pois seus valores numéricos não re-
present am um valor, ponderação ou peso dos respect ivos at ribut os.

4.2.1.1 Álgebra de mapas com dados qualit at ivos


Como j á foi mencionado, a essência dos procediment os da mesa de
luz e da álgebra de mapas é muit o parecida. Na mesa de luz, os dist int os
mapas de uma mesma região – represent ados sobre t ransparências e na
mesma escala – são sobrepost os. Dessa forma, o pesquisador pode vi-
sualizar novas conformações espaciais e cores, ou níveis de cinza, nas
áreas onde há superposição de classes diferent es.
Nos SIGs, o processo de álgebra de mapas com dados qualit at ivos é
semelhant e, excet o pela codif icação numérica de cada uma das rubri-
cas de um mapa. No mapa geológico, por exemplo, cada ocorrência é
associada a um número dif erent e, como, por exemplo, crist alino = 1 e
sediment ar = 3 (Tabela 1). Esse número ou ident if icador da rubrica não
represent a uma not a, peso ou valor, e é selecionado pelo pesquisador
nas operações de ent rada de dados ou de reclassif icação.
Esse mapa, compost o por at ribut os numéricos, é visualizado por meio
de uma t abela de cores1. Ao invés de represent ar esses números na t ela

1
As palet as cont endo dist int os níveis de cinza ou cores são comument e denominadas como
“ t abela de cores” ent re os usuários dos SIGs.

27
ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

do comput ador, a int erface do SIG os convert e e exibe as cores ou níveis


de cinza correspondent es de uma palet a. Por exemplo: a rubrica crist a-
lino, associada ao número 1, corresponde à primeira cor ou nível de cin-
za de uma t abela de cores. Como a palet a ut ilizada, na Figura 10, repre-
sent a níveis de cinza e é ordenada, o crist alino corresponde ao cinza
claríssimo. Da mesma forma, a classe sediment ar, associada ao número 3,
equivale ao cinza claro.
Dessa maneira, as operações lógicas – ou de soma –, ent re os mapas
são realizadas numericament e, mas os result ados são visualizados, au-
t omat icament e, de acordo com a t abela de cores escolhida. O usuário
pode criar novas palet as ou adot ar t abelas de cores previament e def i-
nidas para visualizar os mapas, sem que isso alt ere seus at ribut os nu-
méricos.

Tabela 1: Relação das rubricas t emát icas, cores ou níveis de cinza e números

A Figura 10 ilust ra o cruzament o dos planos de informação (l ayers)


de acordo com os dados da t abela 1. O mapa do relevo possui duas rubri-
cas, planalt o e planície, associadas aos números 11 e 15 respect ivamen-
t e. Quando cruzadas com as classes da Geologia, a result ant e é um mapa
que cont ém dist int os cont ornos e níveis de cinza. O planalt o crist alino,
como o próprio nome diz, represent a as áreas onde ocorre o crist alino
e, simult aneament e, o planalt o. Corresponde ao número 12, que consis-
t e na soma dos seus valores de origem (crist alino = 1 + planalt o = 11), e é
visualizado no respect ivo nível de cinza (12) da t abela de cores. O pla-
nalt o crist alino, por sua vez, quando cruzado com os usos e cobert uras
da t erra (cult uras = 21 e florest a = 24), gera duas novas áreas (I e II), com
níveis de cinza 33 e 36, respect ivament e.

28
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

Figura 10: Esquema de elaboração de mapa de sínt ese qualit at ivo

O result ado do cruzament o é um mapa com set e t ipos de paisagem


dist int os, que expressam a sobreposição dos cont ornos espaciais dos
mapas ut ilizados. A definição da legenda desse mapa de sínt ese consist e
em at ribuir epít et os aos t ipos de paisagem result ant es.
Um exemplo de legenda pode ser observado a seguir:

PAISAGENS NATURAIS
II. Paisagem de florestas em planaltos cristalinos (nível de cinza = 36).
IV. Paisagem de florestas em planaltos sedimentares (nível de cinza = 38).
V. Paisagem de florestas em planícies cristalinas (nível de cinza = 40).
VII. Paisagem de florestas em planícies sedimentares (nível de cinza = 42).

PAISAGENS CULTURAIS
I. Paisagem de culturas em planaltos cristalinos (nível de cinza = 33).
III. Paisagem de culturas em planaltos sedimentares (nível de cinza = 35).
VI. Paisagem de culturas em planícies sedimentares (nível de cinza = 39).

4.2.1.2 Álgebra de mapas com dados quant it at ivos


O segundo exemplo de mapa de sínt ese é o mapa de vulnerabilidade
à erosão, t ambém caract erizado pela soma dos at ribut os. Será aqui

29
ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

considerado como um mapa de sínt ese aplicada, pois at ribui pesos às


variáveis (ver mais det alhes no it em Considerações Finais). Ele foi ext raído
de Queiroz Filho et al (1999), que o empregou como part e da met odologia
para realizar uma propost a de zoneament o do Parque Est adual de Guaj ará
Mirim – RO, e será descrit o a seguir.
Esse mapa de vulnerabilidade à erosão f oi elaborado a part ir da
adapt ação da met odologia propost a pelo INPE (1996), que desenvolveu
um modelo baseado no conceit o de ecodinâmica de Tricart (1997).
Essa análise morf odinâmica das unidades de paisagem nat ural é f eit a
a part ir da relação dos processos de morf ogênese/ pedogênese. Quando
predomina a morf ogênese, prevalecem os processos erosivos modi-
f icadores das f ormas de relevo (unidade inst ável) e, quando predomi-
na a pedogênese, prevalecem os processos f ormadores de solos (uni-
dade est ável).
As et apas realizadas para a geração de uma cart a de sínt ese foram:
• Compilação e/ ou produção da base cart ográfica (Geologia, Geo-
morfologia, Pedologia e Cobert ura veget al);
• Elaboração de t abelas associando as classes t emáti cas aos valores
de vulnerabilidade de erosão;
• Conversão dos dados vet oriais (mapas t emát icos digit alizados) para
o format o mat ricial;
• Cruzament o dos mapas t emát icos.
Essas t abelas, que quant ificam os dados dos mapas, foram criadas
segundo um modelo que est abelece classes de vulnerabilidade à erosão.
As classes são dist ribuídas ent re as sit uações de predomínio dos processos
de pedogênese (val ores próximos de 1, 0), passando por sit uações
int ermediárias (valores próximos de 2,0) e sit uações de preponderância
dos processos de morfogênese (valores próximos de 3,0).
O modelo é aplicado a cada uma das classes separadament e, ou sej a,
à Geologia, Geomorfologia, Pedologia e Veget ação. Após a criação dessas
t abelas, os mapas t emát icos foram export ados do format o vet orial para o
mat ricial. O passo seguint e foi subst it uir o valor dos polígonos (at ribut o),
das variadas classes, pelos respect ivos valores de vulnerabilidade das
t abelas.
A at ividade post erior foi o cruzament o dos mapas (overl ay). Nest a
operação booleana, os at ribut os de cada mapa foram sendo somados a
cada cruzament o (sobrepost os dois a dois), at é que t odos os t emas

30
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

t ivessem sido cruzados. A Figura 11 ilust ra o processo para a geração de


uma cart a de sínt ese com dados quant it at ivos.

Figura 11: Represent ação do cruzament o de mapas com dados quant it at ivos (f ase 1)
Font e: Queiroz Filho et al (1999)

O result ado dos cruzament os (R3) é um mapa que cont ém a soma de


t odos os valores de vulnerabilidade à erosão dos mapas t emát icos da
região. Para concluir o processo, conforme ilust ra a Figura 12, é necessá-
ria a divisão dos valores t ot ais por 4 (número de mapas cruzados), para a
obt enção da média dos valores de vulnerabilidade (R4). Esses valores
são subst it uídos por unidades, conforme as classes correspondent es da
t abela 2, e a cart a de vulnerabilidade é gerada (R5).

Figura 12: At ribuição de unidades t axonômicas (f ase 2)


Font e: Queiroz Filho et al (1999)

31
ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

Tabela 2: Represent ação da vulnerabilidade/ est abilidade das unidades t axonômicas


Font e: INPE (1996)

Em resumo, a cart a de vulnerabilidade à erosão é um mapa de sínt e-


se aplicada, por causa da at ribuição de pesos, produzido a part ir de
dados quant it at ivos. O produt o do cruzament o de dist int os t ipos de
informações (layers) salient a correlações que evidenciam a conexão ent re
fenômenos e a percepção de novas configurações espaciais. Seu resul-
t ado não expressa a simples soma de configurações element ares, mas o
agrupament o de unidades t axonômicas em função de vários crit érios.

4.2.2 Trat ament o est at íst ico de dados nos SIGs


A manipulação est at íst ica dos at ribut os dos mapas é considerada
idênt ica nos processos convencionais e no ambient e dos SIGs. Embora a
velocidade, a int erat ividade e a variedade de programas para t rat amen-
t o de informações sej am dist inções inquest ionáveis, a essência dos pro-
cediment os para produção de mapas de sínt ese pode ser considerada
similar em ambos os meios.
De acordo com Landim (2000), a análise mult ivariada int egra uma
área da est at íst ica que t rat a das relações ent re as variáveis. Nesse t ipo

32
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

de análise, os valores das diferent es variáveis de um mesmo indivíduo


devem ser int erdependent es e consideradas simult aneament e.
Os mét odos mais ut ilizados nos mapas de sínt ese podem ser resumi-
dos em análise fat orial e análise de agrupament os (clust er). Embora sej am
operações complexas do pont o de vist a t eórico e operacional, essas análi-
ses são realizadas por diversos t ipos de programas de est at íst ica, como
Minit ab, SAS, S-Plus e St at ist ica; pelas ext ensões das planilhas de cálculo,
como WinSTAT do Excel, além dos SIGs, como o Idrisi, Spring e o Philcart o.
Para ilust rar o processo de elaboração dos mapas de sínt ese com t ra-
t ament o est at íst ico de dados quant it at ivos, opt ou-se pelo mét odo da
análise de agrupament o do PhilCart o2. Esse programa foi selecionado por
dois crit érios fundament ais: é grat uit o e t em int erface na língua port u-
guesa. Os dados ut ilizados foram da população economicament e at iva do
est ado de São Paulo, segundo as regiões administ rat ivas, em 1991, e das
Subprefeit uras do município de São Paulo, usados nos cursos de Cart ogra-
fia Temát ica, do Depart ament o de Geografia (FFLCH – USP).
As et apas requeridas para a análise mult ivariada foram as seguint es:
• Import ação e manipulação da base cart ográfica. Osdados produzi-
dos pelo IBGE, no format o Shape (do programa ArcView), foram conver-
t idos para o format o do PhilCart o com o programa Xphil (t ambém grat ui-
t o e obt ido no mesmo endereço);
• Criação do arquivo de dados numa planilha (usou-se o Excel);
• Manipulação do programa PhilCart o.
O programa PhilCart o of erece duas alt ernat ivas para a análise
mult ivariada. No módulo PRO, opção MULTI, além da análise de agrupa-
ment os (cl ust er anal ysis) – que é explorada no art igo –, é possível reali-
zar a análise fat orial, por meio de t écnicas das component es principais e
a análise fat orial das correspondências.
A operação da análise de agrupament os é muit o simples. Após sele-
cionar as variáveis que serão analisadas e definir se os dados são absolu-
t os (opção: correspondências) ou relat ivos (opção: medidas), é neces-
sário usar a set a do mouse para “ cort ar” a árvore e decidir pelo número
de agrupament os.

2
O programa PhilCart o pode ser obt ido grat uit ament e em <ht t p: / / philgeo. club. f r/
Index.ht ml> Acesso em: 5 mai. 2007.

33
ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

Nessa função, as unidades espaciais são agrupadas conforme a pro-


ximidade ent re os valores das suas variáveis. Os grupos assim formados
possuem mais element os que se assemelham do que se diferenciam. Esse
agrupament o é visualment e represent ado por meio de um dendrograma
ou árvore de ligações, que cont ém os grupos de unidades espaciais es-
t abelecidos pelo programa. Recomenda-se posicionar o cursor em vários
set ores dessa árvore, para que o usuário experiment e visualizações al-
t ernat ivas dos mapas finais com número adequado de grupos de unida-
des espaciais (Figura 13).

Figura 13: Mapa dos t ipos de qualidade de vida das Subpref eit uras do município de São
Paulo

Na Figura 13, as Subprefeit uras do Município de São Paulo foram


agrupadas nos t ipos de qualidade de vida 1, 2, 3 e 4. Esses t ipos são
caract erizados pelo predomínio das médias de cert as variáveis, ilust ra-

34
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

do pelo gráfico de barras3. As variáveis ut ilizadas foram: população t ot al


em 2000, número de responsáveis por domicílios que ganham at é 3 salá-
rios mínimos, responsáveis que ganham mais de 20 salários mínimos,
número de pessoas at é 5 anos de idade, número de pessoas acima de 60
anos, número t ot al de analfabet os, esperança de vida e número de anos
de est udo.
Como most ra o gráfico de barras da Figura 13, o t ipo de qualidade de
vida 1 (cinza escuro) se dest aca pelo predomínio de renda maior do que
20 salários mínimos; no t ipo 2 (cinza médio), há um discret o predomínio
da população t ot al e da com mais de 60 anos; o t ipo 3 (cinza claro) des-
t aca-se pela preponderância da população que ganha at é 3 salários míni-
mos, da população de at é 5 anos de idade e do número t ot al de analfa-
bet os e, o t ipo 4 (cinza claríssimo), caract eriza-se pela prevalência da
população com mais de 60 anos, renda acima de 20 salários e número
médio de anos de est udo mais elevado.
Embora o grau de dificuldade para realização desse procediment o
sej a muit o baixo, é primordial que os fundament os da int erpret ação dos
result ados sej am compreendidos. Para auxiliar a int erpret ação, deve-se
visualizar os perfis médios das classes. Esse procediment o é válido para
demonst rar quais as “ caract eríst icas est at íst icas” dos grupos de subpre-
feit uras, obt idos a part ir da decisão do operador em fazer o cort e na
árvore. O gráfico de barras opost as indica os desvios padrão de cada
grupo em t orno da respect iva média.
É import ant e salient ar que o PhilCart o t ambém possui out ro disposi-
t ivo út il para a elaboração de um mapa de sínt ese. No caso part icular do
usuário possuir uma série de dados que são est rut uras t ernárias forma-
das por t rês component es colineares de uma série de lugares, cuj a soma
sej a const ant e, igual a 100%, há a possibilidade de se usar um diagrama
t riangular. Da mesma forma que a propost a de Mart inelli (1992 e 2003a e

3
Deve-se observar que: cada agrupament o espacial do mapa possui um gráf ico de barras
(uma barra para cada uma das variáveis). O eixo cent ral do gráf ico represent a a média
da variável em relação ao rest ant e das unidades espaciais do mapa. A part ir desse eixo
cent ral, cada barra part e para a direit a ou para esquerda. Se a barra f or represent ada
à direit a do eixo cent ral, significa que a média das unidades do grupo é superior à média
do t odo. Caso a barra est iver à esquerda do pont o cent ral, most ra que a média das
unidades do grupo é inf erior à média do t odo. O t amanho da barra represent a o desvio
padrão de cada grupo.

35
ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

2003b), o usuário dispõe os t rês component es em cada eixo do t riângu-


lo, numa escala de 0 a 100%. Com a inserção, no int erior do t riângulo, dos
pont os que represent am as est rut uras sócio-profissionais dos lugares,
forma-se uma nuvem de pont os, sendo possível dividi-la manual ou au-
t omat icament e a fim de ident ificar grupos de lugares com est rut uras
similares, definindo-se, assim o número, o epít et o e o signo represent a-
t ivos dos grupos legendados (Figura 14).

Figura 14: Mapa dos t ipos de est rut uras da população economicament e at iva SP- 1991

É possível not ar, na Figura 14, que o grupo 1 (cinza claro) é caract e-
rizado por um relat ivo equilíbrio ent re a população economicament e
at iva dos set ores primário e t erciário das Regiões Administ rat ivas do
Est ado de São Paulo. O grupo 2 (cinza médio) é caract erizado por um
predomínio do t erciário, mas t ambém um equilíbrio ent re primário e
secundário. O grupo 3 (cinza escuro) é caract erizado pela predominân-
cia do set or t erciário, seguida pelo secundário, e com um set or primário
muit o pouco expressivo.

5 CONSIDERAÇÕESFINAIS
Conforme mencionado na int rodução do t rabalho, as principais ques-
t ões que orient aram seu desenvolviment o foram: o que são e quais as

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

diferenças ent re mapas de análise e de sínt ese? Quais são as operações


que os caract erizam? O produt o dos cruzament os de planos de informa-
ções nos SIGs pode ser considerado mapa de sínt ese? A cont ribuição
esperada seria o est abeleciment o das correspondências ent re os proce-
diment os da Cart ografia Temát ica convencional e daqueles dos Sist emas
de Informações Geográficas.
Embora out ros aut ores t enham t rat ado do assunt o, os conceit os de
mapas de análise e de sínt ese discut idos nesse t rabalho foram ext raídos
das propost as de Rimbert (1968) e Claval e Wieber (1969). No ent ant o,
est abelecer a correspondência ent re os procediment os cart ográficos,
ut ilizando obras que foram escrit as há mais de t rint a anos, não é uma
at ividade simples. As pesquisas post eriores, a diversidade de aplicações e
a ut ilização das novas possibilidades de t rat ament o digit al de dados dot a-
ram essa quest ão de grande dinamismo, que t em demandado um const an-
t e cot ej o e revisão dos seus element os e caract eríst icas basilares.
Os principais aspect os que influenciam na correlação ent re os pro-
cediment os da Cart ografia Temát ica convencional e aqueles dos Sist e-
mas de Informações Geográficas são:
• Quest ão semânt ica;
• Diversidade de meios para gerar os mapas de sínt ese;
• Cont rovérsias sobre a referência ao mapa de sínt ese como sinôni-
mo de cruzament o de mapas;
• Dist int as especificidades dos mapas de sínt ese.
O problema semânt ico do subst ant ivo feminino sínt ese é que ele
possui mais de quinze acepções, expressando seus usos em diversas
áreas do conheciment o. Muit o usados nas met odologias cient íficas, os
vocábulos análise e sínt ese represent am na cart ografia os níveis de raci-
ocínio empreendidos na pesquisa para se chegar aos respect ivos mapas.
Os mapas de análise indicam a represent ação de t emas, no mais das
vezes unit ários, que expressam component es de um fenômeno ou indi-
cam part es do problema est udado. Os mapas de sínt ese, em cont ra-
part ida, se caract erizam pela ausência de component es isolados, pois
expressam a fusão dos element os t emát icos conforme uma met odologia
ou sist ema lógico. O raciocínio de sínt ese, port ant o, deve part ir do ele-
ment ar para o global, o holíst ico.
Out ro problema que agrava essa quest ão semânt ica decorre da
expressão “ sínt ese parcial” , ut ilizada com freqüência nas referências

37
ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

bibliográf icas consult adas. Concorda-se com Rimbert (1968), pois se


acredit a que o mapa de sínt ese não represent a, necessariament e, o
mapa final de uma pesquisa, nem a sínt ese final da realidade (hipot ét ica).
É muit o comum que haj a sínt eses parciais, elaboradas com conj unt os
dist int os de dados, sempre como uma et apa int ermediária de pesquisa
que pode cont ribuir para a sínt ese final.
O segundo aspect o que influencia a correspondência t erminológica
decorre da diversidade de procediment os para a realização dos mapas
de sínt ese. O levant ament o bibliográfico e a vivência profissional dos
aut ores desse art igo revelaram que os meios mais ut ilizados para a elabo-
ração do mapa de sínt ese são: a mesa de luz, a álgebra de mapas, o
diagrama t riangular e a análise mult ivariada. Também há referências ao
mét odo das principais component es, ut ilizado freqüent ement e no Pro-
cessament o Digit al de Imagens, embora pouco empregado para a produção
dos mapas de sínt ese.
Conforme ilust ra a Tabela 3, as principais conseqüências operacionais
dessa diversidade de f ormas para a elaboração de mapas de sínt ese
podem ser resumidas em:
• Uso de diferent es t ipos de dados: os qualit at ivose os quant it at ivos,
represent ados por números relat ivos ou absolut os;
• Níveis de int erpret ação: a complexidade de int erpret ação dos
mapas, ao longo do processo de sínt ese, varia de acordo com o pro-
cediment o;
• Cont ornos espaciais: embora o mapa de sínt ese produza agrupa-
ment os de unidades espaciais ou t ipologias, alguns procediment os alt eram
e out ros “ preservam” os limit es originais das rubricas analisadas.

Tabela 3: Caract eríst icas operacionais dos procediment os para produção do mapa de
sínt ese

Conforme a Tabela 3, o mapa de sínt ese com dados qualit at ivos pode
ser realizado pela mesa de luz ou pelo procediment o correspondent e

38
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

dos SIGs, a álgebra de mapas. Esses dois meios colaboram para a


sobreposição, mas pouco auxiliam no agrupament o dos t emas ou na de-
nominação das unidades t axonômicas. O mapa result ant e cost uma ca-
ract erizar-se como um complexo mosaico de cont ornos espaciais, muit o
dist int os dos limit es dos mapas t emát icos que inicialment e foram sobre-
post os. Essa é uma das razões que t orna a int erpret ação dos cruzamen-
t os de dados qualit at ivos mais subj et ivo, reforçando a necessidade de
uma met odologia bem est rut urada, capaz de orient ar int egralment e o
raciocínio de sínt ese.
A álgebra de mapas t ambém pode gerar um mapa de sínt ese usando
dados quant it at ivos. Como ficou demonst rado pelas Figuras 11 e 12, cada
classe que compõe um mapa t emát ico recebe um valor que a quant ifica
em relação à erosão. Embora t ambém se caract erize por um mosaico de
cont ornos espaciais, a int erpret ação do mapa final é muit o mais sim-
ples, pois bast a convert er os dados numéricos do mapa final nas classes
de vulnerabilidade, para que possam ser ut ilizados como insumo para o
zoneament o do uso e cobert ura da t erra4 (ver exemplo na t abela 2).
O diagrama t riangular e a análise mult ivariada requerem dados quan-
t it at ivos para a produção do mapa de sínt ese. Esses procediment os ut i-
lizam o crit ério est at íst ico de agrupament o, relacionado à proximidade
ou similaridade dos valores das suas variáveis. Como as unidades espaci-
ais são agrupadas a part ir das suas caract eríst icas numéricas, seus con-
t ornos não são fracionados, como acont ece na álgebra de mapas. O mapa
result ant e sempre expressará os conj unt os formados pelas unidades es-
paciais originais.
Nesses procediment os, os programas colaboram para o est abeleci-
ment o int erat ivo do número de classes t axonômicas, por meio de gráfi-
cos de barras ou do diagrama t riangular, facilit ando a int erpret ação dos
result ados. Embora esses dois t rat ament os est at íst icos sej am muit o mais
simples de execut ar do que a de álgebra de mapas, é import ant e ressal-
t ar que o uso do diagrama t riangular e da análise mult ivariada não dis-
pensa o conheciment o met odológico para orient ar a operação e a int er-
pret ação dos dados.

4
Esse mapa de vulnerabilidade foi utilizado como um dos componentes do mapa de zoneamento
do Parque Est adual de Guaj ará Mirim – RO.

39
ALFREDO PEREIRA QUEIROZ FILHO; MARCELO MARTINELLI

O t erceiro component e que influencia a correspondência ent re os


procediment os da Cart ografia Temát ica e dos SIGs é o uso do mapa de
sínt ese como sinônimo de cruzament o de mapas. A correspondência
desses t ermos não é exat a, uma vez que há cruzament os que geram
mapas de sínt ese, mas exist em os que produzem soment e a sobreposição
de t emas, caract eríst ica dos mapas de correlação e complexos (Libault ,
1975).
O at o de cruzar mapas, na mesa de luz ou nos SIGs, não define o
result ado como sínt ese. Rimbert (1964) cit a um célebre exemplo que
ilust ra a sobreposição de informações que não se correlacionam. O cru-
zament o do mapa de geologia com o de dist ribuição dos vot os, da região
oest e da França, possibilit aria a equivocada const at ação de que o grani-
t o é religioso e, o calcário, não religioso.
Os SIGs, assim como os out ros procediment os, são inst rument os
ut ilizados para realizar a sínt ese, e não sua met odologia. As maneiras de
concebê-los e explorá-los est ão vinculados a uma post ura met odológica,
ist o é, a uma visão de mundo, aquela pela qual o pesquisador opt ou,
sej a para o conheciment o da realidade, sej a para uma aplicação prát ica.
O últ imo aspect o da discussão aborda as especificidades dos mapas
de sínt ese. Ent ende-se oport uno discernir ent re os procediment os apli-
cados e não aplicados, ou sej a, diferenciar as at ividades de cunho pre-
dominant ement e acadêmico das maj orit ariament e dirigidas a uma fina-
lidade aplicat iva. Os mapas de zoneament o, de vulnerabilidade e de fra-
gilidade se enquadrariam na cat egoria dos mapas de sínt ese aplicada,
cuj as variáveis recebem pesos específicos, dirigidos aos seus obj et ivos.
Os mapas de sínt ese não aplicados – gerados, por exemplo, pela álgebra
de mapas de dados qualit at ivos –, seriam orient ados para o conhecimen-
t o geral, int egrado ou holíst ico de uma região, sem demandar, a priori,
uma ação ou int ervenção no espaço represent ado.
Não exist e uma ordem de produção definida ent re esses dois t ipos,
pois o não aplicado não é elaborado ant es do aplicado, e vice versa.
Ambos os mapas de sínt ese podem ser produzidos a part ir das mesmas
bases cart ográficas e se caract erizam por uma legenda eminent ement e
qualit at iva (t ipos, grupos, et c.), mas um não é pré-requisit o do out ro. O
que os diferencia é a quant ificação dos t emas, ou sej a, a at ribuição de
valores ou pesos às variáveis. No mapa de sínt ese aplicada as variáveis
são agrupadas conforme um obj et ivo específico, ao passo que as variá-

40
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

veis são agrupadas soment e com base em um obj et ivo geral no mapa de
sínt ese não aplicada.
Em suma, a cart ografia de análise e de sínt ese são muit o import an-
t es na Geografia. Elas não perderam relevância com o desenvolviment o
t ecnológico, pois seu emprego pode auxiliar em muit o na const rução de
uma est rut ura conceit ual das at ividades nos Sist emas de Informações
Geográficas. Essas diferent es inst âncias colaboram para evidenciar a
ut ilização conscient e dos mapas e a sua relação com as dist int as et apas
da pesquisa.

6 AGRADECIMENTOS
Os aut ores agradecem à profa. dra. Ligia Vizeu Barrozo e ao prof. dr.
Ailt on Luchiari pelas discussões e sugest ões no processo de concepção
e redação do t ext o.

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GISELE GIRARDI

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 45-65, 2007

CARTOGRAFIA GEOGRÁFICA: REFLEXÕES E


CONTRIBUIÇÕES

GEOGRAPHIC CARTOGRAPHY: REFLECTIONS AND


CONTRIBUTIONS

Gisel e Girardi*

Resumo: Est e art igo apresent a algumas reflexões e cont ribuições


sobre Cart ografia Geográfica como disciplina format iva na educação su-
perior em Geografia. Apresent a uma visão geral do cont ext o que j ust ifica
as propost as e most ra algumas idéias sobre as dimensões t écnicas e cul-
t urais dos mapas. Alguns element os para discut ir sobre mapas foram bus-
cados em cada formação cult ural (Sant aella, 1998; 2003), t ais como as ro-
sas-dos-vent os nos mapas port ulanos e em mapas cont emporâneos, e os
modelos de comunicação cart ográfica, de comunicação cart ográfica de
mapas int erat ivos e de visualização cart ográfica. Finalment e, são propos-
t as t rês inst ruções para organizar os cont eúdos da educação geocart o-
gráfica, part icularment e no Brasil. São chamadas inst rução do pensamen-
t o espacial, inst rução da leit ura cart ográfica e inst rução do fazer car-
t ográfico.
Palavras-chave: Cart ografia geográfica. Mapas e formações cult u-
rais. Ensino superior de Geografia.

Abstract: This paper present s some reflect ions and cont ribut ions
about Geographic Cart ography as format ive discipline in Geographic’s su-
perior educat ion. Present s a general view of t he cont ext t hat j ust ifies
t he proposals and shows some ideas about t he t echnical and cult urals
dimensions of maps. Some element s t o discussing about maps was searched
int o each cult ural format ion (Sant aella, 1998;2003), such as t he wind-roses
in port ulans and cont emporary maps, and cart ographic communicat ion’s

* Prof essora dout ora do Depart ament o de Geograf ia do Cent ro de Ciências Humanas e
Nat urais da Universidade Federal do Espírit o Sant o (g.girardi@uol.com.br).

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GISELE GIRARDI

model, cart ographic communicat ion’s model of int eract ive maps and
cart ographic visualizat ion’s model. Finally, are proposed t hree inst ruct ions
t o organize t he cont ent s of t he geocart ographic educat ion, part icularly
in Brazil. They are called spat ial t hinking’s inst ruct ion, map reading’s
inst ruct ion and cart ographic product ion’s inst ruct ion.
Key words: Geographic Cart ography. Maps and cult ural format ions.
Graduat ion in Geography

INTRODUÇÃO
O t ermo Cart ografia Geográfica, ainda que não sej a uma expressão
recent e, ganha força na at ualidade. Est a força t em um carát er t écnico-
cient ífico, na medida em que geógrafos que pesquisam e at uam no âm-
bit o da cart ografia nele ident ificam uma via de legit imação de seu fazer,
de sua produção. Mas ganha força t ambém na inst it ucionalidade. Trans-
forma-se em área de conheciment o formal, abrindo novas linhas de pes-
quisa. Vira rót ulo para cont eúdos disciplinares em cursos de graduação
e pós-graduação em Geografia, passa a nominar laborat órios. Vivemos
no int erior dest e moviment o e na reflexão cot idiana buscamos proposi-
ções que possam dot á-lo de significado e sent ido.
A primeira aproximação que poderíamos est abelecer é que a Cart o-
grafia Geográfica refere-se ao campo das represent ações cart ográficas fei-
t as por geógrafos. Há, no ent ant o, algum cuidado a ser t omado com est a
assert iva, sem o que a expressão “ cart ografia feit a por geógrafo” esvazia-
se, t ransmut a-se em palavra de ordem sem qualquer sust ent ação.
A Geografia, ou a forma que os geógrafos criaram e criam para dar
cont a da explicação do mundo é t ão complexa quant o o próprio mundo.
Mult iescalar, mult it emporal, mult it emát ica, mult idimensional, mult irre-
lacional, mult irret icular, mult it udo. Possivelment e não haj a uma cart o-
grafia que dê cont a dest a mul t imult iplicidade. Daí a dificuldade de pen-
sar e propor cont eúdos format ivos de cart ografia para geógrafos e o
risco da opção por uma ent re t ant as t écnicas possíveis.
Exemplifica o que chamamos de risco a at ual reorganização curricular
da área de cart ografia em cursos superiores de Geografia cent rada em
t écnicas comput acionais, realidade que pode ser conferida em várias
inst it uições desse nível de ensino. Temos procurado observar e reflet ir
sobre o que isso pode represent ar em t ermos de concepções aprioríst icas

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permeadas ou det erminadas pela t écnica. É t ambém aspect o do nosso


universo de preocupações ent ender em que medida a capacit ação t éc-
nica t em sido exit osa no diálogo com a área do saber que diz represen-
t ar: a Geografia.
Quando propusemos a r essi gni f i cação de prát icas cart ográf icas
(GIRARDI, 2003), não obj et ivávamos a negação das t écnicas, mas ao con-
t rário, ent endíamo-nos vivendo um moment o com plenas possibilidades
de releit ura das t écnicas cart ográficas art iculadas com a produção do
conheciment o geográfico e que o l ocus da art iculação seria, precisa-
ment e, o ambient e de formação, os cursos superiores de Geografia. Daí
a ênfase na Cart ografia Geográfica como reflexão sobre a t écnica e não
soment e como capacit ação t écnica. Em nosso ver é aí que a “ cart ografia
feit a por geógrafo” ganha sent ido.
As reflexões aqui apresent adas caminham nest a direção. Na pers-
pect iva de mapear as múlt iplas cart ografias possíveis e seus significados
(na sociedade e na Geografia), fomos buscar o mapa nas f ormações cul -
t urais, t ais como propost as por Sant aella (1998; 2003). Não nos propo-
mos a esgot ar os t ipos exist ent es de mapas mas apenas pinçar de cada
formação cult ural element os para o debat e, em abert o e necessário,
sobre a Cart ografia Geográfica, apresent ando uma cont ribuição no que
se refere ao ensino cart ografia no curso superior de Geografia, que de-
nominamos inst ruções geocart ográf icas.

MAPAS: DIMENSÕESTÉCNICASE CULTURAIS


Quase vint e anos j á se passaram desde as impact ant es proposições
de J. Brian Harley acerca do significado das represent ações cart ográficas
para a humanidade. Tomamos dest e aut or a concepção de mapa: “ repre-
sent ação gráfica que facilit a a compreensão espacial de obj et os, con-
ceit os, condições, processos e fat os do mundo humano” (HARLEY, 1991,
p. 7). Ent endemos, port ant o, que o obj et o mat erial ou virt ual mapa é
um produt o da cult ura, um modo de regist ro da apropriação int elect ual
de um t errit ório por um indivíduo ou por um grupo social.
As noções de t errit ório e de t écnica são, port ant o, fundant es de
quaisquer análises que se faça acerca de mapas. Mapa é informação, nas-
ce como informação sobre o t errit ório. Mapa é t écnica ent endida, pelo
menos, em dois sent idos: como ext ensão do corpo (SANTAELLA, 2003) e

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GISELE GIRARDI

como part e de um sist ema t écnico, ou sej a, const it uindo-se na solidarie-


dade com out ras t écnicas, hist oricament e sit uadas (SANTOS, 1997).
Na abordagem da hist ória da cart ografia paut ada na evolução das
t écnicas e das t ecnologias de elaboração de mapas, encont ramos as re-
present ações cart ográficas em aderência à sucessão de meios t écnicos:
são produt os t écnicos em sua forma; são informação t errit orial em seu
cont eúdo. Nest as condições, inserem-se nos sist emas produt ivos em
dif erent es int ensidades.
Assim, t ant o ant igos os mapas port ulanos como as at uais imagens
orbit ais de resolução submét rica são respost as às demandas por conhe-
ciment os para incorporação produt iva no int erior do sist ema econômico
vigent e.
Mesmo sendo produt o cult ural e regist rando em si mesmo pist as para
a compreensão da sociedade que o produz, a sofist icação na produção
de mapas – que significa sofist icação no conheciment o do t errit ório – é
acompanhada pari passu por sua apropriação diferencial ent re os seg-
ment os da sociedade.
É not ável que o crescent e increment o t ecnológico da produção de
mapas t enha ret irado dos geógraf os a primazia na sua elaboração. Est a
dimensão est á present e, inclusive, no âmbit o das discussões acerca
das at ribuições prof issionais, no int erior de um ambient e caract eriza-
do por demarcações corporat ivas. E, curioso, ao mesmo t empo perma-
nece na memória colet iva a associação Geograf ia–mapas, um carát er de
mit o f undador.
Referências significat ivas sobre o processo combinado de sofist ica-
ção e expropriação de conheciment os cart o-t errit oriais são dadas j á por
Yves Lacost e em seu A Geograf ia – isso serve, em primeiro l ugar, para
f azer a guerra, ao dizer que na
maioria dos países de regime democrát ico, a difusão de cart as, em
qualquer escala, é completamente livre, assim como a dos planos da cidade.
As aut oridades perceberam que poderiam colocá-las em circulação, sem
inconvenient e. Cart as, para quem não aprendeu a lê-las e ut ilizá-las,
sem dúvida, não t êm qualquer sent ido, como não t eria uma página escrit a
para quem não aprendeu a ler (LACOSTE, 1988, p. 38).
Quest ões dest a ordem revelam sua pert inência ao pensarmos nos
cont eúdos da Cart ograf ia Geográf ica enquant o ref lexões e prát icas
format ivas. Será que o imperat ivo do “ mercado de t rabalho” , que valori-

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za uma das t écnicas possíveis de produção cart ográfica e para as quais


as inst it uições formadoras respondem com acréscimo e/ ou rearranj o de
disciplinas ou de corpo docent e (ou os dois), direcionados ao mundo
das geot ecnologias, t em colaborado com a melhoria da qualidade e com
a aderência da cart ografia à produção de conheciment o geográfico?
Será que o imperat ivo da produt ividade acadêmica, ao qual nossa
vida universit ária hoj e est á submet ida, não t em mot ivado a proliferação
de mapas frut os de uma única mat riz t écnica? Os sist emas de informa-
ções geográficas são alt ament e produt ivos se considerarmos a quant i-
dade de mapas que podem ser gerados a part ir de bases cart ográficas e
bancos de dados relat ivament e singelos. Mas será que a ênf ase na
aplicabilidade/ produt ividade t êm colaborado com quest ionament os mais
elaborados sobre est e fazer?
Um out ro aspect o a considerar: a capacit ação em uma t écnica, que,
conforme delineado, relaciona-se mais com a formação bacharelado, t em
oferecido que cont ribuição à formação l icenciat ura, part icularment e em
cursos com formação conj unt a, comum, híbrida ou qualquer out ra deno-
minação que se dê?
Ora, se na produção do conheciment o, na aplicação t écnica e na
formação docent e verifica-se mais a imposição das geot ecnologias que
moviment os de reflexão crít ica, a sit uação expost a por Lacost e(1988),
que apont a o âmbit o social do uso (ou não uso) de mapas, ainda est á
longe de ser superada.
Ret omando a idéia inicial de mapas como produt os cult urais, reco-
nhecendo a diversidade social e cult ural do mundo at ual, port ant o a
diversidade possível de mapeament os, invest imos na compreensão de ma-
pas no int erior das formações cult urais propost as pela semiot icist a Lucia
Sant aella. Mais que isso, buscamos ident ificar algumas idéias, prát icas e
t écnicas geradas em out ras formações cult urais, present es no mapeament o
na at ualidade, bem como vislumbrar algumas t endências para o fut uro,
apont ando caminhos possíveis à Cart ografia Geográfica.

MAPASNASFORMAÇÕESCULTURAIS
O diálogo que buscamos est abelecer paut a-se em duas obras de Lú-
cia Sant aella: o t ext o Cul t ura t ecnol ógica e o corpo biocibernét ico, de
1998, e o livro Cul t uras e art es do pós-humano: da cul t ura das mídias à

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GISELE GIRARDI

cibercult ura, de 2003. Para compreender os fenômenos comunicacionais,


a aut ora adot a um recort e analít ico, que denomina formações cult urais.
Seis formações são dist inguíveis: a cult ura oral, a cult ura escrit a, a cul-
t ura impressa, a cult ura de massas, a cult ura das mídias e a cult ura digi-
t al. Diz a aut ora:
Ant es de t udo, deve ser declarado que essas divisões est ão paut adas na
convicção de que os meio de comunicação, desde o aparelho fonador at é
as redes digit ais at uais, embora, efet ivament e, não passem de meros
canais para a t ransmissão e informação, os t ipos de signo que por eles
circulam, os t ipos de mensagem que engendram e os t ipos de comunicação
que possibilit am são capazes não só de moldar o pensament o e a sensi-
bilidade dos seres humanos, mas t ambém de produzir o surgiment o de
novos ambient es sociocult urais (SANTAELLA, 2003, p. 13).
Pode parecer t rat ar-se de uma periodização. É, em part e. Exem-
plifiquemos: não é possível, na hist ória, exist ir a cult ura digit al no perío-
do medieval, obviament e, post o que est a cult ura depende da t ecnologia,
que nos é cont emporânea. É inegável, porém, a exist ência de elemen-
t os da cult ura oral no nosso t empo. Nesse sent ido a aut ora fala de “ proces-
so cumulat ivo de complexificação” .
Apesar de a aut ora não mencionar explicit ament e o obj et o mapa, ela
nos apresent a um t erreno fért il para reflexões sobre as represent ações
cart ográficas. O mapa é um meio de comunicação. É um mediador. O que
se discut iu e ainda se pode discut ir é ser ou não essa sua única função.
Salicht chev (1983), por exemplo, apresent ou a proposição de que
mapas, além do uso comunicat ivo, poderiam t ambém t er uso operat ivo,
ou sej a, a resolução de problemas prát icos com mapas ou com sua aj uda,
e uso cognit ivo “ para invest igações espaciais e t ambém t êmporo-espa-
ciais de fenômenos nat urais e sociais e a aquisição de novos conheci-
ment os a part ir deles” (SALICHTCHEV, 1983, p. 12-13).
O cit ado aut or discut e est a proposição em meio ao debat e da
comunicação cart ográf ica, no período da mais rica produção de modelos
t eóricos da cart ografia cont emporânea1. Mesmo no modelo da visual iza-

1
Para uma discussão aprofundada sobre os modelos de comunicação cart ográfica do período
consult ar a t ese O mapa como meio de comunicação: implicações no ensino de geograf ia
do 1º grau (SIMIELLI, 1986).

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ção cart ográf ica, a comunicação permanece: ela é o t ermo final, o mo-
ment o da exposição a uma audiência, a saída da informação para o domí-
nio público. Part es dest a discussão serão ret omadas adiant e. Elas t iveram,
aqui, o papel de chamar a at enção para a pert inência de se pensar o
mapa no cont ext o das formações cult urais. Volt emos, pois, a elas.
A formação cult ural oral corresponde ao apareciment o da capacida-
de simbólica humana, capacidade est a, segundo Sant aella (1989), que
sempre est eve fadada a crescer fora do corpo humano. A fala é a primei-
ra ext ernalização simbólica da qual o ser humano foi capaz.
Se art iculamos a fala aos gest os, não nos é difícil imaginar verdadei-
ras “ performances cart ográficas” que os ancest rais humanos t eriam sido
capazes de fazer na t ent at iva de reproduzir simbolicament e o frut o de
uma observação t errit orial para o grupo.
Por acaso não agimos de modo semelhant e ao sermos abordados por
alguém que nos pede uma informação sobre uma rua ou um out ro lugar
qualquer? São mobilizados nest e moment o nosso aparelho fonador, nossa
memória, nossa capacidade simbólica (o explicar a informação solicit ada).
Mas nada disso se opera se, ant es, não t ivermos nos apropriado int elect u-
alment e daquele t errit ório, sej a por percepção cot idiana, sej a por obser-
vação direcionada, sej a por meio de out ras font es, incluindo mapas.
A memória cont ada por grupos sociais que preservam t radições orais
conformam, t ambém, mapas ment ais. A propósit o, nas concepções de
Gould e Whit e (1974) mapas ment ais são o conj unt o de conheciment os
e/ ou idéias acumulados sobre lugares. Em out ras palavras, mapas men-
t ais são únicos, individuais na essência e impossíveis de serem conheci-
dos pelo out ro na sua t ot alidade2.
É curioso observar que cada uma das ext roj eções do int elect o e dos
sent idos humanos via de regra correspondeu à ext rassomat ização de uma
cert a habilidade da ment e. Qualquer ext rassomat ização sempre significou
uma perda a nível do indivíduo, perda individual que é imediat ament e
compensada pelo ganho a nível da espécie (SANTAELLA, 1998, P. 37).

2
Os mapas ment ais a que nos ref erimos são aqueles imat eriais, exist ent es soment e na
memória. Não nos ref erimos, port ant o às represent ações gráf icas de mapas ment ais,
t ais como t rabalhados por Nogueira (2001) para int erpret ação da geograf icidade dos
comandant es embarcações no Amazonas.

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GISELE GIRARDI

Podemos pensar no mapa t ambém como perda individual, mas ganho


da espécie. É na assimilação t erit orial, dependent e da memória, somada
aos rudiment os da formalização gráfica, ancest ral da escrit a, e da neces-
sidade de compart ilhament o de informações com o grupo social que se
sit ua o nasciment o do mapa.
Tendo começado com os primeiros ut ensílios, as primeiras picadas nas
mat as e com as inscrições nas grut as, a avent ura sem dat a e cuj o dest ino
desconhecemos da ext rassomat ização do cérebro foi se sofist icando cada
vez mais em formas de escrit ura, códigos imagét icos e not ações que
implicaram na criação de suport es e mat eriais para a produção da imagem
e do som, t ais como a invenção de Gut enberg, as gravuras, a t int a a
óleo, os inst rument os musicais (SANTAELLA, 1998, p.37).
O pat rimônio do conheciment o humano sobre o t errit ório sediment a-
se nos mapas. A hist ória da cart ografia vai, assim, reconhecendo na cul-
t ura mat erial os suport es disponíveis no meio – placas de argila, fibras
veget ais, conchas – ou t ransformados – peles de animais, papiros, et c. –
e as informações simbólicas da apropriação t errit orial regist radas nest es
suport es.
Como t écnica solidária, o mapa acompanha a progressão do conhe-
ciment o humano sobre o mundo. Na evolução das t écnicas, evoluem os
modos de mapear. Mapas são, port ant o, o regist ro do conheciment o
t errit orial da espécie, um subst it ut o da memória do indivíduo.
Mapas únicos, t ais como exemplares de Port ulanos, mapas impressos
e depois coloridos manualment e, a descrição ou a t oponímia que passam
a acompanhar os signos gráficos, de maior ou menor precisão, recolocam
a humanidade perant e out ra maneira de pensar o mundo.
Ilust ra nosso raciocínio o coment ário de SANTOS (2002) acerca das
cart as-port ulano.
É uma revolução cart ográfica como uma das dimensões da revolução
burguesa. A const it uição (const rução e sediment ação) dessa nova maneira
de viver exige, no caso present e, uma releit ura da t errit orialidade, a qual,
por sua vez, não precisa ir t ão dist ant e quant o os confins do paraíso.
Bast a, na verdade, apont ar-nos um caminho seguro para o próximo port o,
para um deslocament o eficaz das mercadorias, para a realização efet iva
do processo de acumulação que vai t ipificando-se na forma pela qual ficou
conhecida, ou sej a, como “ capit alismo mercant il” (SANTOS, 2002, p. 54).
Os port ulanos, assim, redesenham não só o mundo físico, mas as
relações sociais que conformam seu espaço geográfico.

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Sant aella (2003) ident if ica no present e element os da f ormação


cult ural escrit a, (especificament e da escrit a manual, caligrafada com
esmero) como por exemplo no design cont emporâneo de t ipos de let ras.
A aut ora anal isa est e aspect o como sint oma das imbricações das
formações cult urais, como resgat es. Est a leit ura t ambém é possível de
ser feit a com base nos element os do mapa. Vamos analisar um exemplo,
observando o Mapa do Mundo na Figura 1.

Figura 1: Mapa do mundo

Not a: Observe-se a proj eção do nort e da rosa-dos-vent os em relação à lat it udo de 90º, que
é o nort e geográf ico, e t ambém em relação à curvat ura dos meridianos, que são a real
direção nort e-sul ao longo da f aixa em que se localizam (GIRARDI, 2007).

A Figura 1 most ra um mapa do mundo, mais especificament e um


Planisfério na Proj eção de Robinson. Os port ulanos, enquant o imagem de
relações t errit oriais mundiais são ancest rais dest e t ipo de represent ação
cart ográfica. No senso geral, os element os present es nest e mapa (coor-
denadas geográficas, t errit órios represent ados, escala, t ít ulo, rosa-dos-
vent os) o legit ima como t al. Est e é um reconheciment o do acúmulo, na
imagem, de conheciment os produzidos pela humanidade. Est es element os
são port ant o, mais que funcionais: são símbolos. Int eressant e é que um
dest es element os, a rosa-dos-vent os, na relação funcional com o mapa, é

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GISELE GIRARDI

complet ament e vazio de sent ido t écnico. A hist ória de sua exist ência
pode nos aj udar a ent ender seu carát er simbólico.
A observação da nat ureza – sua dinâmica (geomagnet ismo) e os
mat eriais disponíveis (minerais imant ados) – , somado ao gênio humano
para a resolução de problemas prát icos de navegação fez surgir a bússola.
Uma sort e de out ros inst rument os surgiram, aperfeiçoando t écnicas de
navegação. Inclui-se aí a proj eção conf orme de Mercat or.
Na medida em que se ampliava o mundo conhecido pelos europeus e
na mesma proporção cresciam seus anseios de dominação/ conquist a,
ext ensões maiores de oceanos deveriam ser vencidas. A proj eção con-
f orme colaborou com a resolução de um problema prát ico de navegação,
deformando a imagem da t erra de modo que as linhas de rumo eram
sempre ret as e cort avam os meridianos sempre no mesmo ângulo. E pas-
sou a incluir, na int ersecção dest as linhas, desenhos de rosas-dos-ven-
t os, como pode ser observado na Figura 2.

Figura 2: Esquema de l inhas l oxodrômicas e rosas-dos-vent os em mapas de navegação


ant i gos
Not a: As linhas loxodrômicas represent avam verdadeiros caminhos em linha ret a no mar e
a rosa-dos-vent os t inha a f unção de orient ar o ângulo para posicionament o da embarcação.
Havi a, por t ant o, vár i as r osas- dos- vent os nos mapas. O esquema apr esent ado f oi
reconst ruído a part ir de um pequeno t recho do mapa de Mercat or, de 1569, e se repet e em
vários out ros mapas (GIRARDI, 2007).

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A rosa-dos-vent os, possivelment e, foi primeiro desenhada na pró-


pria bússola e depois inserida nos mapas como apoio à leit ura da bússo-
la. Nest e cont ext o, t inha sent ido. Hoj e ela perdura em mapas e em bi-
bliot ecas de signos gráficos de sist emas de mapeament o digit al. Para
muit os mapas, ela vai servir, inclusive, como parâmet ro de avaliação de
sua correção. Est a é uma realidade vivida na produção de mapas didát i-
cos no Brasil.
No ent ant o, se pedirmos a um aluno de ensino básico para que obser-
ve o mapa da Figura 1 e nos responda onde est á o nort e do mapa e se esse
aluno responder que o nort e est á fora do mapa, t eremos uma dimensão
precisa do equívoco que significa o desenho dest a rosa-dos-vent os. Não
é exagero dizer que uma rosa-dos-vent os, que indica posições relat ivas
ao pont o onde est á cent ralizada, fixada em mapa t em a mesma ut ilidade
que uma bússola ciment ada sobre um marco de concret o.
O que podemos deduzir dest e exemplo? Se podemos ler a sociedade
por meio de seus mapas, concluímos que nossa sociedade reconhece as
heranças cient íficas e valoriza-as mesmo t endo sido excluída dest e mes-
mo fazer. Daí não conseguir discernir ent re a função prát ica e a carga
simbólica de uma rosa-dos-vent os em mapas como o analisado. A menção
ao exemplo da rosa-dos-vent os t eve o propósit o de expor o quant o os
mapas são dot ados de cargas cult urais e o quant o as reproduzimos a t ít ulo
de “ convenções” , de “ o mapa t em de t er isso” , sem reflet irmos devida-
ment e seu significado. São símbolos muit as vezes gerados em out ras lógi-
cas t écnicas, em out ras formações cult urais, e se pret endemos fazer com
que a Cart ografia Geográfica sej a o locus da reflexão sobre as t écnicas e
seus significados, est e t ipo de análise ganha pert inência.
Avancemos no diálogo sobre as formações cult urais, focalizando a
formação da cult ura de massas, que t em a t elevisão como seu símbolo.“ A
lógica da t elevisão é a de uma audiência recebendo informação sem
responder.[...] o padrão de energia viaj a num só sent ido, na direção do
recept or, para ser consumido com uma resist ência mínima” (SANTAELLA,
2003, p. 79). A pot encialização da audiência é ingredient e básico para o
desenvolviment o de modelos de comunicação. E a cart ografia não se
furt ou a est a produção.
Pet chenik (1983) apont a que t écnicas de impressão cada vez mais
sofist icadas, disponibilidade de dados, sej a os censit ários, sej a os de
localização, em proporções nunca ant es vist as foram a mat éria-prima

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GISELE GIRARDI

para o desenvolviment o das t écnicas de mapear, ampliando as pesquisas


em design de mapas no cont ext o do pós-segunda guerra mundial. Sua
int ensificação fert ilizou t erreno para o debat e t eórico na cart ografia,
ampl ament e baseado na proposi ção de model os de comuni cação
cart ográfica.
O diagrama da t ransmissão da informação cart ográfica de Salicht chev
(1977, apud SIMIELLI, 1986), reproduzido na figura 3, que foi inspirado
no modelo de t ransmissão da informação cart ográfica criado por Kolacny,
em 1969 consist e em um amplo quadro de relações est abelecidas ent re
suj eit os envolvidos na produção e no uso de mapa, sendo est e o medi-
ador do conheciment o sobre a realidade.

Figura 3: Diagrama da t ransmissão da inf ormação cart ográf ica


Font e: GIRARDI, 1997, p. 21.

Os modelos de comunicação cart ográfica a part ir de Kolacny (1977),


originalment e publicado em 1969, passaram a valorizar o usuário de mapas
e a considerá-lo como est rat égia de pot encialização do uso do mapa. As-
sim, as demandas do usuário poderiam chegar ao cart ógrafo e ser mat éria-
prima para est e, t ant o quant o o cont eúdo e as t écnicas de execução.

56
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 45-65, 2007

Poderíamos nos pergunt ar: ora, mas ao considerar as caract eríst icas
do usuário não est ariam os model os de comunicação cart ográf ica
subvert endo o f luxo de energia unidirecional t ípico da comunicação
t elevisiva? Uma análise mais at ent a nos most ra que a consideração das
caract eríst icas do usuário, suas apt idões, seu int eresses, suas condições
ext ernas aproxima-se mais da idéia de narrowcast ing do que de uma
efet iva int eração ou int erferência do suj eit o usuário no processo de
mapear. O desenvolviment o de est udos de psicologia, sej a da vert ent e
behaviorist a, sej a da cognit ivist a, aplicados à cart ografia t inham, em
regra, est a pot encialização como horizont e, a despeit o da prof unda
diferença ent re seus enfoques.
Não se nega, no ent ant o, a grande i mport ânci a que t eve na
disseminação de mapas considerar o “ como mapear? o que mapear? para
quem mapear?” . Ou sej a, moldar o mapa para at ender a uma audiência
colabora com a profusão de imagens do mundo. E, por seu t urno, isso
amplia a força dos códigos ret óricos do mapa (WOOD; FELS, 1986), ist o é,
as int encionalidades das quais a imagem se revest e, os discursos espaciais
que propaga.
Na verdade, por maior que sej a a qualidade da informação e o seu
primor imagét ico, as ações de consumir sem resist ência, resist ir sim-
plesment e ou usar crit icament e um mapa são mais dependent es da
qualidade do leit or que do produt o cart ográf ico propriament e con-
siderado. Daí a import ância da educação cart ográfica.
Em A cart ograf ia e os mit os (GIRARDI, 1997) buscamos organizar um
procediment o de abordagem dos mapas paut ando-nos na proposição das
mit ologias de BARTHES (1993). A idéia cent ral foi analisar represent ações
cart ográficas const ruídas fora dos ambient es de at uação profissional da
comunidade geográfica (escolas, universidades, inst it ut os de pesquisa
et c. , e pref erencialment e consumidos f ora deles), para ent ender a
produção do mit o (segundo sist ema de signif icação), dos discursos
espaciais da sociedade cont idos nos mapas produzidos, compreendendo,
assim, seus valores sociais.
Temos t rabalhado com nossos alunos exercícios com suport e met o-
dol ógico e procediment al semel hant e, mas apl icando-os a mapas
const ruídos e consumidos pela comunidade geográfica, mais precisa-
ment e aqueles publicados em art igos de periódicos cient íficos de Geo-

57
GISELE GIRARDI

grafia. Nosso int uit o t em sido o de t ent ar ler os discursos geográficos


por meio dest es mapas. As informações colet adas e as análises produzidas
est ão ainda a espera de sist emat ização. Mas é possível afirmar que grande
part e dos geógraf os ainda usa mapas merament e como art if ício de
localização (em vários níveis de precariedade, diga-se). Em out ros casos
há um aparent e descolament o ent re a opção met odológica e o mapa
apresent ado.
Fonseca (2004) apont a perspect ivas a serem consideradas nest e
aspect o, ao que denomina out ras mét ricas. Est a aut ora advoga pela
necessidade do rompiment o com a mét rica euclidiana, que absolut iza
dimensões, em um mundo em que dimensões e dist âncias, soment e para
considerar dois element os francament e mensuráveis, são flexíveis, sendo
est a flexibilidade det erminada mais pelo grau de insersão ou conexão do
que por relações de proximidades3.
A part ir dessa nossa experiment ação observamos que preocupações
dest a nat ureza parecem ainda passar ao largo do f azer geocart ográf ico.
Talvez por carecerem de inst rument os met odológicos/ procediment ais
para t ant o. Mas é, sem dúvida, um campo f ért il a ser explorado como
component e da educação geocart ográf ica que, cremos, sej a a via de
capacit ação para mudanças na relação usuário–mapa inscrit a na formação
cult ural de massas, pelo f luxo de energia unidirecional que lhe carac-
t eriza.
A próxima formação cult ural a que se refere Sant aella é a das mídias.
Como oposição à recepção unidirecional característica da cultura de massas,
as inovações t ecnológicas passaram a possibilit ar a escolha e consumo
individualizados: t elevisão a cabo, equipament os para gravar e reproduzir
informações, ent re out ros. A formação cult ural das mídias coexist e com a
cult ura de massas e com a formação cult ural que se seguiu, a cibercult ura,
e pode ser considerada como t ransicional ent re ambas.
A cart ograf ia mul t imídia, que t em como carro-chef e os at l as
elet rônicos, insere-se nest a formação cult ural t ransicional. Na figura 4,
que apresent a o modelo de comunicação cart ográf ica para o mapa
int erat ivo de Pet erson (1995, apud DELAZARI; OLIVEIRA, 2002), pode
ser observada clarament e a caract eríst ica t ransicional.

3
Not a do Edit or: a aut ora cit ada t rat a desse assunt o no XX art igo dessa colet ânea.

58
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 45-65, 2007

Figura 4: Modelo de comunicação cart ográf ica para o mapa int erat ivo.
Font e: DELAZARI; OLIVEIRA, 2002, p. 83.

O usuário, por meio de recursos de hipermídia, t em alguma int erat i-


vidade com o mapa. Pode escolher cert os at ribut os em det riment o de
out ros para represent ar, pode invest ir no aprofundament o de conhecimen-
t o de um element o específico que est ej a “ linkado” a uma fot o ou a um
arquivo sonoro, por exemplo. Mas os cont eúdos, as conexões e as formas
de represent ação são ainda det erminadas pelo cart ógrafo. Observa-se na
figura que o “ loop de realimentação” permite manipulações no mapa limita-
das aos recursos e informações disponibilizadas pelo cart ógrafo4.
A proliferação do comput ador e principalment e a conexão em rede
mundial são os suport es mat eriais/ t ecnológicos da últ ima f ormação
cult ural est abelecida por Sant aella (2003), que é a cult ura digit al ou
cibercult ura.
Mudanças profundas foram provocadas pela ext ensão e desenvolviment o
das hiper-redes mult imídia de comunicação int erpessoal. Cada um pode

4
Em pesquisa que desenvolvemos sobre a t emát ica da cart ograf ia na gest ão de recursos
hídricos, concluímos que os at las int erat ivos são os inst rument os mais adequados para
disponibilização de dados para os comit ês de bacia, pela diversidade de at ores, que
requerem aprof undament os dif erenciados da inf ormação e t ambém pelo carát er
pedagógico que um produt o dest e t ipo pode assumir ao se “ linkar” f ot os, esquemas e
inf ormações básicas sobre o t ema t rat ado no mapa (GONÇALVES; GIRARDI, 2005).

59
GISELE GIRARDI

t ornar-se produt or, criador, composit or, mont ador, apresent ador e difusor
de seus próprios produt os. Com isso, uma sociedade de dist ribuição
piramidal começou a sofrer a concorrência de uma sociedade ret icular de
int egração em t empo real. (SANTAELLA, 2003, p.82)
Est a passagem, est e t rânsit o ent re as formações cult urais de massa,
das mídias e cibercult ura aj udam a compreender as t ransformações re-
cent es pelas quais passou o processo de mapeament o. Mapa como meio
de comunicação, pela sua est rut ura conceit ual vincula-se à cult ura de
massas pelo fluxo de informação que comport a: mapeador –> usuário.
Já a proposição da visualização cart ográfica, enquant o modelo t eórico,
responde a est a dimensão do cont emporâneo. Começa a se falar em
visualização cart ográfica a part ir do início dos anos 1990, sendo Taylor
(1991) o primeiro proposit or de um modelo a t ít ulo de base conceit ual
da cart ografia na era da informação.
MacEachren (1994) propôs seu modelo de visualização cart ográfica
(figura 5) no qual simult aneament e apresent a comunicação e visualização
e como são af et adas pelas component es: domínio público/ privado;
int eração homem–mapa alt a/ baixa; apresent ação de conheciment os/
revelação do desconhecido.

Figura 5: Modelo de visualização e comunicação por mapas


Font e: GIRARDI, 2003, p. 44.

60
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 45-65, 2007

Not a-se que a visualização pressupõe uma alt íssima int eração homem–
mapa: a manipulação de dados e de bases cart ográficas bem como as
met odologias de t rat ament o est ão no domínio privado, ou sej a, o mapa
const ruído pode ser de int eresse exclusivo do indivíduo que o fez, para
responder uma quest ão formulada no âmbit o de sua pesquisa, e obj et iva
a revelação do desconhecido, a produção de novo conheciment o. Por seu
t urno a comunicação est á sit uada no domínio público, pois pressupõe
que se compart ilhe o mapa com out ros indivíduos. Dessa maneira, o usu-
ário t em baixa int eração com o mapa, ou sej a, j á lhe é apresent ado um
conheciment o previament e descobert o por out rem.
Um incrível mundo de possibilidades para a cart ografia se abre, numa
impressionant e complexidade. Aqui falamos de cart ografia no mais am-
plo sent ido, como prát ica humana, não soment e em sua dimensão cien-
t ífica e corporat iva.
Est amos ainda a compreender o quão revolucionário est e movimen-
t o significará nas noções espaciais das gerações fut uras. Para t ent ar cla-
rificar um pouco est a perspect iva chamamos a at enção para as prát icas
de criação de t errit órios virt uais nos quais se desenrolam ações em games.
Segment os das novas gerações apresent am habilidades de abst ração
t errit orial e compreensão est rat égica invej áveis. Est es criadores de am-
bient es virt uais, chamados mappers, at uam em redes com out ros map-
pers, com j ogadores, com corporações, em dinâmicas solidárias e velo-
zes rumo a inovações. Realidade virt ual e ciberespaço5 são element os
das novas formas de socialização.
Não podemos perder de vist a est a pot encialidade; na verdade, mais
do que pot encialidade, é uma realidade lat ent e, apropriada pelo con-
j unt o da sociedade ainda de modo desigual, mas inegável como pers-
pect i va de f ut uro próxi mo. O quant o da educação geográf i ca e
cart ográfica passará t ambém por essa via?
Na geografia brasileira, a disseminação das geot ecnologias é fat o
relat ivament e recent e. Assist imos, ainda, a idéia generalizada de que as
geot ecnologias são aperf eiçoament os t écnicos da f orma de se f azer

5
Element os relevant es para a discussão ent re realidade virt ual e ciberespaço podem ser
buscados no capít ulo “ Formas de socialização na cult ura digit al” (SANTAELLA, 2003, cap.
5, p. 115 a 134).

61
GISELE GIRARDI

mapas, um acréscimo na precisão, disponibilidade e velocidade no t ra-


t ament o das informações. Mas est a é uma cult ura em mudança para a
qual o arcabouço da visualização cert ament e cont ribuirá. Será que o
aperfeiçoament o de hipermapas, não nos aj udarão a represent ar em
out ras mét ricas, aludidas por Fonseca (2004)?
Est a é uma agenda a ser assumida pelos geógrafos engaj ados nas
geot ecnologias: superar a lógica precisão–produt ividade e nut rir-se dos
avanços das pesquisas geográficas t ant o quant o o fazem em relação às
inovações t ecnológicas. No caminho opost o, é agenda a ser assumida
pelos geógrafos pouco familiarizados com as geot ecnologias colaborar
com demandas e crít icas, com problemas cuj a solução implique na am-
pliação do diálogo geocart ográfico. Eis o desafio.
Procurar pelas represent ações cart ográficas no int erior das formações
cult urais é f ascinant e e sem-f im. Ao nos arriscarmos nest e diálogo
procuramos apresent ar o panorama geral, pinçar alguns element os que
j ulgamos relevant es na reflexão e chamar a at enção para as amplas
possibilidades da Cart ograf ia Geográf ica. Daí o carát er genérico e
mosaicado do t ext o.

À GUISADE CONCLUSÃO, UMAPROPOSTA


Para finalizar, a t ít ulo de sist emat ização prát ica, precária que sej a,
apresent amos uma cont ribuição para o repensar do lugar da cart ografia
na formação geográfica, que é a idéia de alicerçar o ensino de cart ografia,
e quiçá as prát icas cart ográficas imbuídas nos vários campos disciplinares
da formação de profissionais em Geografia, em t rês inst ruções. Não se
t rat a da inst rução no sent ido do regrament o nem de est abeleciment o
de hierarquias do saber, mas inst rução como foment o para aquisição de
conheci ment o. As t rês i nst ruções bási cas seri am: a i nst rução do
pensament o espacial, a inst rução da leit ura cart ográfica e a inst rução
do fazer cart ográfico.
Na inst rução do pensament o espacial enfat iza-se a observação, o
olhar e sit ua-se a represent ação gráfica como moment o da incorporação
ou da compreensão da essência do observado. Se o observado é uma
paisagem, uma fot ografia convencional, aérea ou orbit al, ou mesmo um
mapa isso implicará em diferent es possibilidades de conheciment o. Ins-
t ruir o pensament o espacial é pot encializar o equipament o sensório-

62
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 45-65, 2007

mot or e a capacidade de abst ração, o que implica, inclusive, na const ru-


ção da noção de escala.
Na inst rução da leit ura cart ográf ica, o procediment o é ant es de mais
nada inquiridor. Além da análise da semânt ica da legenda, é preciso
inquirir dos porquês das coisas est arem ali, e do porquê daquelas coisas
e não de out ras. Ou sej a, como aquela seleção de coisas ao serem grafadas
colaboram na composição da mensagem e mesmo na sua coerência ou
não, no que t êm de cont radição. Inst ruir a leit ura cart ográfica paut ando-
se na afirmação de que t odo mapa carrega valores sociais, post o que é
represent ação, cont ribui com a desconst rução do discurso corporat ivo
na cart ografia, que é elit ist a, e na desmist ificação do fazer cart ográfico.
Em out ras palavras, a qualidade do mapa deve ser reflexo diret o da
qualidade do raciocínio geográf ico e não de suas habilidades para
execução, exclusivament e.
Finalment e, a inst rução no f azer cart ográf ico. Est e fazer é, com
efeit o, considerado o “ coração” das disciplinas cart ográficas. Parece, às
vezes, que a produção mat erial suplant a em import ância qualquer out ra
possibilidade para a cart ografia. Medir, calcular, desenhar, colorir, manual-
ment e ou com uso de ferrament as comput acionais, t ransformam-se assim
no divisor de águas ent re os que sabem ou não sabem cart ografia. É
preciso resgat ar ao profissional de geografia o nobre papel de usuário de
mapas. Não é o aperf eiçoament o t écnico que o val oriza, mas sua
compet ência analít ica e proposit iva. Todas as t écnicas devem colaborar
nesse sent ido format ivo. Port ant o o fazer cart ográfico est á, sim, em
xeque. Ele não deve se encerrar no fazer o mapa, ainda que isso pareca
ser cont radit ório. O fazer cart ográfico no âmbit o da formação em Geo-
grafia deve primar pelo uso pot encial das represent ações cart ográficas
no processo de descobert a.
Esperamos com est e t ext o t er t razido alguma cont ribuição nesse
repensar const ant e que devemos promover ent re Geografia e cart ografia,
ent re obj et os geográficos e suas represent ações, ent re os limit es e as
possibilidades das prát icas cart ográficas na produção do conheciment o
geográf ico.

AGRADECIMENTOS
Agradeço àqueles que, em moment os e sit uações dist int os, incen-
t ivaram reflexões que culminaram nest e t ext o: professores Maria Elena

63
GISELE GIRARDI

Simielli, Edimilson Cost a Teixeira, Wenceslao de Oliveira Machado e Sér-


gio da Fonseca Amaral; bolsist as Laura Mariano Quarent ei, Thalismar Ma-
t hias Gonçalves, André Ramos Demuner, Douglas Rafael Salaroli, Emanuella
do Nasciment o Pereira e Vit or Bessa Zacché; alunos da disciplina Cart ogra-
fia Geográfica II, na Ufes. Agradeço t ambém a August o Gomes pela at en-
t a leit ura dos originais e valiosas sugest ões.

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 45-65, 2007

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65
JOSÉ FLÁVIO MORAIS CASTRO

66
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 67-83, 2007

COMUNICAÇÃO CARTOGRÁFICA E VISUALIZAÇÃO


CARTOGRÁFICA

CARTOGRAPHIC COMMUNICATION AND CARTOGRAPHIC


VISUALIZATION

José Fl ávi o Morai s Cast ro*

Resumo: Est e t rabalho t em por obj et ivo aplicar o mét odo da semio-
logia gráfica e demonst rar a relevância da represent ação gráfica no t rat a-
ment o de informações espaciais em ambient e digit al, adot ando-se os
mét odos do mapa exaust ivo e da col eção de mapas como meio de comu-
nicação, e ut ilizando-se, como exemplo, mapas bíblicos do at ual Est ado
de Israel e Palest ina. Pret ende-se rever os princípios que nort eiam as
t eorias da Comunicação Cart ográf ica e da Visualização Cart ográf ica, suas
possíveis int erfaces e a import ância que t êm na Anál ise Espacial . Foi
elaborado o mapa físico/ polít ico-administ rat ivo da região, sobre o qual
os t emas bíblicos foram represent ados. Foram apresent adas alt ernat ivas
de represent ação gráfica de informações espaciais em mapas impressos.

Palavras-chave: Comunicação Cart ográf ica. Cart ograf ia Digit al.


Visualização Cart ográfica. Mult imídia. Est ado de Israel e Palest ina.

Abstract: This work highlight s t he Graphic Semiology met hod, de-


monst rat ing t he import ance of graphic represent at ion applied t o spat ial
informat ion wit hin a digit al environment , by using t he Exhaust ive Mapping
and Map Collect ion met hods as a means of communicat ion, ut ilizing as
example biblical maps of present day Israel and Palest ine. Principles
guiding t he t heories of Cart ographic Communicat ion and Cart ographic
Visualizat ion are reviewed, along wit h t heir possible int erfaces and uses

*Prof essor Adj unt o III do Programa de Pós-Graduação em Geograf ia-Trat ament o da
Inf or mação Espaci al da PUC Mi nas e do Cur so de Geogr af i a com ênf ase em
geoprocessament o da PUC Minas - Unidade Cont agem (j oseflavio@pucminas.br)

67
JOSÉ FLÁVIO MORAIS CASTRO

in Spat ial Analysis. Physical and polit ical-administ rat ive maps of t he region
were elaborat ed, upon which biblical t hemes were represent ed. Alt er-
nat ive graphical represent at ions of spat ial inf ormat ion were al so
advanced in print ed format .
Key words: Cart ographic Communicat ion. Digit al Cart ography.
Cart ographic Visualizat ion. Mult imedia. St at e of Israel and Palest ine.

INTRODUÇÃO
A Cart ograf ia sof reu e vem sof rendo prof undas t ransf ormações
conceit uais, t eóricas, met odológicas e t écnicas, principalment e a part ir
da década de 1960, que evidenciaram duas fases dist int as e int erligadas,
ou sej a, a concepção do mapa ant es e depois dos comput adores.
O processo f oi marcado pela passagem de um cont ext o t écnico-
cient ífico com um rit mo mais lent o para um ext remament e dinâmico na
colet a, no armazenament o e no t rat ament o da informação espacial,
possibilit ando análises espaciais significat ivament e mais precisas, mais
rápidas e mais eficient es.
A part ir dos anos 1960, a Cart ografia passou a adot ar no ensino e na
pesquisa, ent re out ras t eorias, os recursos da Semiol ogia Gráf ica no
t rat ament o da informação espacial. Concebidos como um dos mét odos
de al f abet ização cart ográf ica e como meio de comunicação, os mapas
produzidos nest a cart ografia at uam como element os alt ament e est ra-
t égicos e como import ant es inst rument os de pesquisa, que permit em
análises de padrões e dinâmicas espaciais, est abelecendo relações cog-
nit ivas ent re o usuário e o mapa.
Com a int rodução dos recursos comput acionais na Cart ografia, o pro-
cesso de análise da informação t ornou-se int erat ivo, principalment e com
o uso da Cart ografia Digit al, dos Sist emas de Informações Geográficas
(SIG’s) e da mult imídia. Ent ret ant o, mét odos e t écnicas desenvolvidos
na cart ografia convencional (ou analógica) não devem ser negligenciados
nas aplicações ligadas a est a t ecnologia.
Est e t rabalho t em por obj et ivo apresent ar os princípios que nort eiam
a Semiologia Gráfica e demonst rar a relevância da represent ação gráfica
no t rat ament o de informações espaciais em ambient e digit al, adot ando-
se os mét odos do Mapa Exaust ivo e da Col eção de Mapas como meio de
comunicação, e ut ilizando-se, como exemplo, mapas bíblicos do at ual
Est ado de Israel e Palest ina.

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 67-83, 2007

Est e t ext o t em a int enção de abrir a discussão sobre um assunt o


que é amplo e complexo. Pret ende-se rever brevement e os princípios
que nort eiam as t eorias da Comunicação Cart ográf ica e da Visual ização
Cart ográf ica, suas possíveis int erfaces e a import ância que t êm na Análise
Espacial , a part ir de conceit os ligados aos mapas exaust ivos, à col eção
de mapas e aos mapas int erat ivos e animados.
O arcabouço t eórico-met odológico de t rat ament o da inf ormação
espacial, gerado e const ruído nas duas concepções, aliado aos benefícios
que a t ecnologia proporciona podem at uar como poderoso recurso
didát ico-pedagógico e como inst rument os dinâmicos de planej ament o
e gerenciament o do espaço.

COMUNICAÇÃO CARTOGRÁFICA
Dent re as variadas concepções adot adas na cart ografia convencional
dest aca-se o Sist ema de Comunicação Cart ográf ica1 (Figura 1), que con-
sist e na represent ação do mundo real por meio de mapas, com ênfase
nas concepções do cart ógrafo e do usuário.

Figura 1: Sist ema de Comunicação Cart ográf ica;


Font e: Robinson e Pet chenik (1977) apud Simielli (1986)

A Semiol ogia (do grego semeion = sinal, signo, símbolo), umas das
t eorias da comunicação cart ográfica, é a ciência que est uda os sist emas
de sinais que o homem ut iliza no seio da vida social: línguas, códigos,
sinalizações, ent re out ros (BERTIN, 1973). Como part e int egrant e dest es
sist emas de sinais, a Represent ação Gráf ica2 é a part e da Semiologia

1
Vej a mais det alhes sobre est e t ema em: Oliveira (1978); Simielli (1986); Kolacny (1994);
Board (1994); Koeman (1995); Pet chenik (1995); ent re out ros.
2
Vej a mais det alhes sobre est e t ema em: Bert in (1980); Sanchez (1981); Le Sann (1983);
Sant os (1987); Mart inelli (1991, 1998, 2003a e 2003b); Cast ro (1993 e 1996); ent re out ros.

69
JOSÉ FLÁVIO MORAIS CASTRO

que t em por obj et ivo t ranscrever uma informação por meio de um sist e-
ma de símbolos, que exercem dupla função: at uam concomit ant ement e
como memória art ificial e como inst rument o de pesquisa.
Embora exist am out ras concepções, segundo Bert in (1973) a repre-
sent ação gráfica é um sist ema lógico que faz part e dos sist emas de sím-
bolos que o homem const ruiu para ret er, compreender e comunicar suas
observações. Como linguagem dest inada aos olhos, beneficia-se das pro-
priedades de ubiqüidade da percepção visual, recobrindo o universo dos
mapas, dos diagramas e das redes (Figura 2).

Figura 2: Fundament os da Semiologia Gráf ica;


Font e: Int erpret ação de Cast ro (1996) a part ir de Bert in (1973).

Como linguagem gráfica, a represent ação apresent a regras essenciais,


t ornando-se um mét odo cart ográfico que envolve a part e racional do
mundo das imagens - Sist ema Monossêmico. Um sist ema é monossêmico
quando o conheciment o do significado de cada símbolo “ ant ecede” a

70
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 67-83, 2007

observação do conj unt o de símbolos; não há ambigüidade, demanda um


inst ant e de percepção e se expressa mediant e a const rução da imagem
(BERTIN, 1973).
No domínio da represent ação gráfica, a informação a ser t ranscrit a
graficament e é o cont eúdo t raduzível do pensament o. A cart ografia adot a
est e mét odo para t ranscrever inf ormações espaciais com simbologia
própria.
Nest e sent ido, a cart ografia represent a as informações espaciais com
implant ação pont ual, linear e zonal. Essas informações possuem referên-
cias no espaço (x,y) e localizações sist emat izadas segundo pares de co-
ordenadas geográficas (lat ./ long.) ou sist emas de coordenadas planas (UTM,
por exemplo). Com a finalidade de represent ar a informação ou t ema (z),
nos aspect os qualit at ivo, ordenado ou quant it at ivo, devem-se explorar
variações visuais com propriedades percept ivas compat íveis.
No processo de confecção e uso dos mapas t emát icos, considera-se
o valor cognit ivo do mapa e est imula-se uma operação ment al que permit e
int erações ent re o mapa e os processos ment ais do usuário (percepção,
memória, reflexão, mot ivação e at enção), fundament ada nas propriedades
fisiológicas da percepção visual. Dest a forma, os mapas t emát icos são
ent endidos como meio de comunicação.
A part ir da década de 1970, grande part e dos conceit os e est rut uras
da cart ografia convencional foram t ransformados para o format o digit al
com a criação de uma variedade de algorit mos, t ornando o processo de
análise da informação espacial dinâmico e int erat ivo, por meio do uso
de mét odos e t écnicas da Cart ografia Digit al, dos Sist emas de Informações
Geográficas (SIG’s) e da Visualização Cart ográfica.

VISUALIZAÇÃO CARTOGRÁFICA
O conceit o de Visualização Cart ográfica est á int imament e associado
aos conceit os da Cart ografia Digit al e dos SIG’s. A Cart ograf ia Digit al 3
envolve sist emas de ent rada, armazenament o e de edit oração gráfica
de dados. Marble (1990) afirma que est a cart ografia t em afinidades con-
ceit uais com a cart ografia convencional e que represent a uma mudança
subst ancial nas t écnicas ut ilizadas na geração de dados cart ográficos.

3
Vej a mais det alhes sobre est e t ema em: Cromley (1992); Clarke (1995); ent re out ros.

71
JOSÉ FLÁVIO MORAIS CASTRO

A Cart ografia por comput ador t eve início em 1959 com as pesquisas
elaboradas por Waldo Tobler. A part ir da publicação do art igo int it ulado
Aut omação e Cart ograf ia (TOBLER, 1959), houve uma verdadeira revo-
lução cient ífica e t ecnológica na Cart ografia.
Segundo Clarke (1995), os cart ógrafos t ransformaram o processo de
criação e de produção de mapas. Nest e processo exist em dois t emas
int erligados: a Cart ograf ia Anal ít ica (TOBLER, 1976) e a Cart ograf ia por
Comput ador. O primeiro envolve o embasament o t eórico e mat emát ico
da cart ografia e as t écnicas ut ilizadas na criação de mapas; o segundo,
as especificidades dos mét odos e das t écnicas que a t ecnologia ut iliza
na produção de mapas.
A prát ica da Cart ografia Analít ica, por comput ador ou digit al, inde-
pendent e da t erminologia adot ada, requer o ent endiment o de conceit os
e est rut uras como escala, proj eções, dist ribuições cont ínua e discret a,
manif est ação pont ual , l inear e zonal , ent re out ros, com vist a ao
desenvolviment o de met odologias que permit am manipular informações
em um SIG, para fins de Anál ise Espacial 4.
A Visualização Cart ográf ica5 surgiu no final da década de 1980, em
decorrência dos avanços das t écnicas comput acionais, t ornando-se uma
alt ernat iva de exploração dinâmica e int erat iva dos bancos de dados digi-
t ais, produzidos pela análise espacial da cart ografia digit al e dos SIG’s.
Visual ização é um t ermo com muit os significados. De maneira geral
“ t o make visible” pode ser considerada, ent re out ras concepções pos-
síveis, como uma cat egoria que pert ence à cart ografia. O t ermo visua-
l ização cient íf ica foi adot ado com o significado est rit o de t ecnologia
comput adorizada avançada para facilit ar o at o de “ t ornar visíveis” dados
cient íficos e conceit os (MACEACHREN, 1995).
MacEachren (1995) desenvol veu um model o t ridimensional de
int eração espacial homem-mapa, que def ine a aplicação ideal para
visualização e comunicação. As dimensões das int erações espaciais são
definidas por uma t ríade cont ínua: o uso do mapa privado (feit o sob
medida, elaborado para um indivíduo), para o público (designado para

4
Vej a mais det alhes sobre est e t ema, ent re out ros, em: BERRY; MARBLE, 1968; MAGUIRE et
al., 1991; CÂMARA et al., 1996.
5
Vej a mais det alhes sobre est e t ema, ent re out ros, em: PETERSON, 1995; MACEACHREN,
1995; CARTWRIGHT et al ., 1999; SLUTER, 2001; RAMOS, 2005; SILVA, 2006.

72
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 67-83, 2007

um público amplo), o uso do mapa direcionado para revelações desco-


nhecidas (exploração) versus most rar o conhecido (apresent ação) e o
uso de mapas que t êm alt a int eração versus baixa int eração (Figura 3).
Não exist e um limit e claro nest a int eração homem-mapa. Toda visualização
com mapa envolve alguma comunicação e t oda comunicação com mapa
envolve alguma visualização. A dist inção est á na ênfase.

Figura 3: Cart ograf ia: represent ada por um espaço cúbico no uso do mapa, no qual a
visualização e a comunicação ocupam pólos opost os.
Font e: MacEachren (1995).

A visualização consist e na criação de imagens gráficas por comput ador,


que exibem dados para a int erpret ação humana, part icularment e dados
mult idimensionais. Tem sido amplament e considerada como um mét odo
por comput ador que incorpora colet a de dados, organização, modelagem
e represent ação. A visualização é baseada na habilidade humana para
impor ordem e ident ificar padrões. Como uma conseqüência da análise
est at íst ica, a visualização é usada em uma variedade de disciplinas. Foi
fort ement e influenciada por t odas as formas de análise de dados, cuj as
t écnicas desenvolvidas são incorporadas pela cart ografia. Import ant es
element os de int erfaces da visualização são int erat ividade e animação.
A visualização cart ográfica, às vezes chamada de visualização geográfica,

73
JOSÉ FLÁVIO MORAIS CASTRO

é int erpret ada como sendo o uso de t écnicas similares para exibição de
mapas (PETERSON, 1995).
Int erat ividade e animação são palavras-chave no processo de visua-
lização cart ográfica. Segundo Pet erson (1995), o mapa int erat ivo é uma
forma de apresent ação do mapa assist ido por comput ador, que procura
imit ar a exibição de mapas ment ais. Além, disso, a exibição de mapas
ment ais permit e apresent ações mais nít idas e precisas. Os mapas incluem
mais feições e não exibem as dist orções e os erros dos mapas ment ais. O
mapa int erat ivo é caract erizado como uma int erface do uso int uit ivo fun-
dament ado em símbolos gráficos, um disposit ivo para exibição de mapas
simult aneament e. O mapa int erat ivo inclui comandos para produzir zoom
sobre o mapa e explorar diferent es áreas, permit indo incluir vídeo-clips
de lugares com imagem e som. Por último, o mapa interativo é uma extensão
da habilidade humana para visualizar lugares e dist ribuições.
Para o referido aut or, a animação é uma art e gráfica que ocorre no
t empo. É a manifest ação da dinâmica visual que envolve diret ament e a
exibição, moviment o ou t roca. O aspect o mais import ant e da animação
é que descreve algumas vezes quadros que não seriam evident es quando
vist os individualment e.
Dent re as t écnicas de visualização cart ográfica, dest aca-se a mul-
t imídia, import ant e recurso didát ico-pedagógico que possibilit a variadas
int erações ent re o usuário e o mapa (CASTRO; MAGALHÃES, 1997).
A mul t imídia é definida como o conj unt o de t ext os, imagens, sons,
animações, int erações e vídeos (VAUGHAN, 1994; WOLFMAN, 1994). Seu
obj et ivo principal est á volt ado para a t ransmissão de uma mensagem a
um det erminado público.
Além de se conhecer a mensagem a ser t ransmit ida e as caract eríst icas
do público-alvo, é necessário conhecer os inst rument os ut ilizados na
elaboração de uma apresent ação em mult imídia, ou sej a, os sof t wares e
os hardwares disponíveis (WOLFMAN, 1994).
A mult imídia ganhou not oriedade a part ir de meados da década de
1980, principalment e com os advent os do CD ROM e da Worl d Wide
Web (WWW). Conf orme o nível de int erat ividade, a mult imídia pode
ser dividida em t rês grupos (PETERSON, 1995): (a) At las Elet rônicos -
combinam recursos de mult imídia com a visualização e mapas; (b) Mapas
para navegação pessoal – permit em ao usuário obt er inf ormações sobre
rot as; e, (c) Mapas para análise de dados – sist emas int erat ivos que

74
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 67-83, 2007

permit em ao usuário est abelecer classif icações, generalizações, ent re


out ras f unções.
Enfim, foram revist os brevement e os principais aspect os ligados à
comunicação cart ográfica e à visualização cart ográfica, bem como as pos-
síveis int erfaces, enfat izando a import ância que esses recursos repre-
sent am para a cart ografia at ual no t rat ament o da informação espacial.
Com base em part e dos conceit os abordados, foi desenvolvida uma
metodologia cartográfica para o tratamento da informação espacial e aplica-
dos mét odos da comunicação cart ográfica em ambient e digit al, apresen-
t ando-se alt ernat ivas de represent ação gráfica para mapas impressos.

METODOLOGIA
A part ir da cont ext ualização da Cart ografia na Análise Espacial (Figura
4), o present e t rabalho aplica mét odos da Comunicação Cart ográfica e
da Cart ografia Digit al, especialment e aqueles ligados à Cart ografia Te-
mát ica e à Semiologia Gráfica, por meio do mapa exaust ivo e da col eção
de mapas, ut ilizando-se, como exemplo, mapas bíblicos do at ual Est ado
de Israel e Palest ina.

Figura 4: A cart ograf ia na análise espacial;


Font e: o aut or com base em CASTRO et al . , 2006.

A pesquisa encont ra-se na primeira et apa da propost a, ou sej a, na-


quela referent e à Comunicação Cart ográfica dos mapas bíblicos da região
referida e da aplicação na Cart ografia Digit al. A et apa seguint e, a ser de-
senvolvida fut urament e, corresponderá a Visualização Cart ográfica por

75
JOSÉ FLÁVIO MORAIS CASTRO

meio da criação de uma mult imídia com possibilidades de int erações e


animações.
O mét odo de represent ação de informação espacial, por meio de
mapas exaust ivos e coleção de mapas, pode ser uma alt ernat iva de solução
gráfica para mapas impressos; t ecnicament e, são relat ivament e simples
de serem elaborados em ambient e digit al, inclusive com possibilidades
de animação em apresent ação de slides.
Em cart ografia t emát ica, a informação espacial geralment e apresen-
t a-se com um at ribut o ou com mais do que um at ribut o; bem como,
conforme a represent ação gráfica adot ada, pode apresent ar dois níveis
de leit ura: el ement ar ou de conj unt o. Assim, quando a informação apre-
sent a soment e um at ribut o, sua represent ação, e conseqüent ement e,
sua leit ura, t ornam-se bast ant e facilit adas.
Ent ret ant o, quando a informação apresent a mais do que um at ribu-
t o, normalment e recorre-se à represent ação exaust iva ou de superposi-
ção, ist o é, aquela que superpõe t odos os at ribut os em um mesmo ma-
pa, respondendo soment e as quest ões em nível element ar: “ Em t al l u-
gar, o que há?” . Os mapas const ruídos por superposição, são mapas para
se Ler (BERTIN, 1988).
A maioria dos mapas t emát icos adot a est a forma de represent ação,
como por exemplo, mapa geológico, mapa de cobert ura veget al, ent re
out ros. A leit ura dest es mapas t emát icos, na maioria das vezes, t orna-se
complexa devido ao fat o de que o usuário t eria que memorizar t ant os
símbolos para os respect ivos at ribut os quant o sua dist ribuição espacial,
o que é, prat icament e, impossível. A leit ura será ent ão em nível element ar,
ist o é, de pont o a pont o, at é memorizar selet ivament e as imagens indi-
viduais que cada signo const rói.
Paralelament e à represent ação exaust iva, out ra solução que pode
ser adot ada é a col eção de mapas, ist o é, um mapa para cada at ribut o.
Est a represent ação permit e uma leit ura de conj unt o e responde, ime-
diat ament e, pergunt as do t ipo “ Como é a dist ribuição espacial de t al
at ribut o?” ; “ Tal at ribut o, onde est á?” . Os mapas const ruídos por meio
de coleção, são mapas para se Ver (BERTIN, 1988).

O EXEMPLO DAREGIÃO DO ESTADO DE ISRAEL PALESTINA


Adot ando-se, como exemplo, o at ual Est ado de Israel e Palest ina, os
mapas bíblicos foram digit alizados em scanner, cuj a imagem foi import ada

76
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 67-83, 2007

para o programa de desenho Coreldraw®. Foi elaborado o mapa físico e


polít ico-administ rat ivo, const it uindo-se na base cart ográfica (Figura 5). 6

Figura 5: Est ado de Israel e Palest ina: mapa f ísico e polít ico-administ rat ivo.
Font e: Pia Sociedade Filhas de São Paulo, 2001

6
Os mapas ut ilizados nest a pesquisa, como exemplo, correspondem a part e dos 42 mapas
produzidos para o proj et o coordenado pela irmã Romi Aut h, do Serviço de Animação
Bíblica - SAB/ Paulinas, int it ulado: Bíblia em Comunidade - Visão Global, que represent am
as t erras bíblicas (CASTRO, 2001) e a hist ória do povo de Israel e da Palest ina, desde a sua
origem at é o ano de 135 E.C.

77
JOSÉ FLÁVIO MORAIS CASTRO

Sobre est a base, os t emas bíblicos foram represent ados adot ando-
se os fundament os da Semiol ogia Gráf ica e da Represent ação Gráf ica na
t ranscrição da informação em ambient e digit al. Nest e sent ido, os mapas
t emát icos foram elaborados part indo-se do significado da informação,
seguindo-se as regras da percepção visual na leit ura e int erpret ação da
informação espacial.
Dois t emas bíblicos foram selecionados, a Economia da Judéia (Séc.
IV a.E.C. ao Séc. I E.C.) e a expansão progressiva da Judéia no t empo dos
Macabeus e Asmoneus (Séc. II e I a.E.C.), afim de se aplicar t ais fun-
dament os por meio do mapa exaust ivo (leit ura element ar) e da coleção de
mapas (leit ura de conj unt o).
A Figura 6 (próxima página) represent a a Economia da Judéia (Séc. IV
a.E.C. ao Séc. I E.C.), represent ação qualit at iva, const it uído por 24
element os, um símbolo para cada element o, dist ribuídos de forma pont ual
no espaço. Nest e mapa, adot ou-se a solução exaust iva, ist o é, t odos os
elementos em um mesmo mapa e, concomitantemente, a coleção de mapas,
ist o é, um mapa para cada element o.
A primeira solução responde quest ões element ares, “ Em t al l ugar, o
que há?” , levando o usuário do mapa a realizar sucessivas leit uras e
memorizações legenda/ mapa. A segunda solução responde de f orma
imediat a às quest ões de conj unt o: “ Como é a dist ribuição espacial de
t al at ribut o?” - “ Tal at ribut o, onde est á?” . Not a-se que uma solução não
exclui a out ra, mas se complement am.
A Figura 7 (página 80) represent a a expansão progressiva da Judéia
no t empo dos Macabeus e Asmoneus (Séc. II e I a. E. C. ), represent ação
ordenada, const it uído por seis períodos de reinado. Trat a-se de uma
informação ordenada por apresent ar evolução espacial e t emporal. Nest e
caso, pode ser adot ada a solução exaust iva, t odos os períodos em um
mesmo mapa.
Dest a f orma, na represent ação da inf ormação, adot ou-se a variação
da espessura e do t ipo de linha, ou sej a, aument a-se a espessura e o
t ipo à medida que o f at o desenvolve-se no t empo. Paralelament e, f oi
elaborada uma coleção de mapas, um mapa para cada período, obj e-
t ivando comunicar de f orma imediat a a área ocupada em um det er-
minado período.

78
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 67-83, 2007

Figura 6: Economia da Judéia (Séc. IV a.E.C. ao Séc. I E.C.)


Font e: Pia Sociedade Filhas de São Paulo, 2001

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foram discut idos brevement e os fundament os da Comunicação Car-
t ográfica e da Visualização Cart ográfica, enfat izando-se os princípios
que nort eiam a Semiologia Gráfica e apresent ando-se alt ernat ivas de

79
JOSÉ FLÁVIO MORAIS CASTRO

Figura 7: Judéia no t empo dos macabeus e asmoneus (Expansão progressiva - séc. II e I


a.E.C. ao Séc. I E.C.)
Font e: Pia Sociedade Filhas de São Paulo, 2001

80
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 67-83, 2007

represent ação gráfica de informações espaciais com caract eríst icas qua-
lit at ivas e ordenadas em mapas impressos.
Ficou evidenciada a import ância que a comunicação cart ográfica t em
no processo de visualização cart ográfica, uma vez que os conceit os são
int erdependent es, residindo a diferença nos mét odos e nas t écnicas de
criação e de produção de mapas.
Ficou evidenciado, t ambém, o poder de comunicação da Semiologia
Gráfica, principalment e com os recursos de edição gráfica que a t ecno-
logia oferece, t ornando o processo de análise significat ivament e mais
dinâmico.
As perspect ivas fut uras dest e t rabalho residem na const rução de
uma mult imídia int erat iva e animada dos mapas bíblicos ut ilizados como
exemplo, inclusive com possibilidades de georreferenciament o da infor-
mação e a criação de banco de dados digit ais para fins de Análise Espacial
em SIG, que poderá const it uir-se em um At las Bíblico Digit al, aplicando-
se os conceit os discut idos brevement e nesse t ext o.

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Campus, 1994

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FERNANDA PADOVESI FONSECA

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 85-110, 2007

O POTENCIAL ANALÓGICO DA CARTOGRAFIA*

ANALOGICAL POTENTIAL OF THE CARTOGRAPHY

Fernanda Padovesi Fonseca**

Resumo: Haveria um consenso que a Cart ografia é a linguagem ideal


para a expressão da Geografia? O que poderia ser uma óbvia respost a po-
sit iva, não o é. Não vivemos em um t empo no qual parece haver uma
subt ilização da Cart ografia pela Geografia? Não est aríamos perdendo esse
recurso sem que houvesse reação? Mas, qualquer Cart ografia serve à Geo-
grafia? Nossa preocupação fica mais complet ament e expressa da seguint e
maneira: haveria um desenvolviment o da Cart ografia em consonância com
a renovação da Geografia? Pode ser afirmado que há uma adesão quase
que inconscient e a uma Cart ografia nat uralizada, t rat ada como um veícu-
lo enrij ecido sobre bases imut áveis. Conseqüent ement e, revelam-se la-
cunas referent es às reflexões sobre represent ação e linguagem e o papel
dessas na produção do conheciment o geográfico que se renova.
Palavras-Chave: Cart ografia geográfica. Linguagem. Espaço eucli-
diano.

Abstract: Is t here a consensus t hat Cart ography is t he ideal language


t o express Geography?However, what might deserve an obvious affirmat ive
answer, act ually does not . Are we not living in a t ime when Cart ography
seems t o be subt ilized by Geography? Are we not losing t his resource
wit hout put t ing up a st ruggle? On t he ot her hand, does any Cart ography
at all avail Geography? Perhaps our concern is bet t er expressed as follows:
Are t here development s in Cart ography t hat are consonant wit h t he
renewal of Geography? Furt hermore, we have observed an almost un-

* Est e art igo se baseia em t ext o ext raído do capít ulo 6 da t ese A inf l exibil idade do espaço
cart ográf ico, uma quest ão para a Geograf ia: anál ise das discussões sobre o papel da
Cart ograf ia, realizada sob orient ação do prof . dr. Gil Sodero de Toledo.
** Professora do Depart ament o de Geografia do Unifieo–Osasco (ferpado@gmail.com)

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conscious adherence t o a nat uralized sort of Cart ography, seen as a rigid


medium set on immut able bases. Consequent ly, t here are cert ain gaps in
t he current t hinking on represent at ion and language – and on t heir role in
producing renewed geographic knowledge.
Keywords: Geographic Cart ography. Language. Euclidean space.

Há t rabalhos no regist ro da renovação da Geografia que se propõe a


examinar o espaço geográfico como dimensão da t ot alidade social. Que
o ent endem, por exemplo, como um denso sist ema t écnico dinâmico1,
que enquadra as relações sócio-econômicas, o que corresponde a mu-
danças profundas das relações “ sócio-espaciais” : na velocidade, no al-
cance escalar, na forma de medir, nos significados et c. Essa nova sit ua-
ção result a em formas radicalment e dist int as de organização espacial
que se art iculam (ou desart iculam) às ant eriores, o que a idéia de rede
geográfica ilust ra bem. No ent ant o, essa apreensão t eórico-empírica t em
cont ado pouco com a cont ribuição das represent ações cart ográficas para
se desenvolver. Quando os mapas são empregados em t rabalhos com es-
ses fundament os t eóricos, rarament e deixam de ser mapas t radicionais,
em defasagem com as novas formas de conceber o espaço geográfico.
Terminam sendo mapas que cumprem uma função ilust rat iva, secundá-
ria. Mas, verdade sej a dit a, boa part e da renovação da Geografia ignora
a Cart ografia e não t rabalha para que ela lhe sirva.

1 AINSUFICIÊNCIADARELAÇÃO CARTOGRAFIAE GEOGRAFIA


Pode-se compreender (o que não j ust ifica a indiferença permanen-
t e) uma cert a desat enção da Geografia que se renova com as linguagens
visuais, em especial a linguagem cart ográfica. Segurament e essa ação
não se dá em razão de uma análise consist ent e sobre o pot encial dessa
linguagem. Predomina nessa at it ude uma post ura irreflet ida. Há o cost u-
me em Geografia de receber as represent ações cart ográficas j á produzi-
das pelos especialist as. Por mais que se diga ou se quisesse o cont rário,
as prát icas cart ográficas não permearam as at ividades dos pesquisado-
res e demais prat icant es da Geografia, principalment e no campo da Geo-

1
Esse é o caso da Geograf ia de Milt on Sant os (1996).

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grafia humana. A discussão das represent ações (e das linguagens) ficou


confinada a compart iment os especializados dos cursos de Geografia.
Aqueles at raídos para novas possibilidades t eóricas da Geografia acaba-
ram envolvidos pela “ represent ação” de que essa produção era mera-
ment e auxiliar, ext erna e que seus produt os eram alheios às necessida-
des dos novos rumos da Geografia.
Alguns dos que eram capazes de avaliar t eoricament e a Cart ografia
(e sabiam do seu papel no int erior da Geografia) referiram-se à sua es-
sência ant i-social 2 e ult rapassada e a rej eit aram no seu format o t radici-
onal e em razão disso passaram a invest ir numa reflexão t eórica sobre
esse t ipo de represent ação, visando desenvolver seu pot encial const rut i-
vo na Geografia, mas com base em re-elaborações t eóricas3.
No Brasil, poderíamos dizer que a percepção por part e dos “ geógra-
fos-cart ógrafos” os leva a concluir que a denominada Geografia crít ica,
maneira reduzida e problemát ica se referir à renovação da Geografia,
at ua de modo a eliminar as prát icas cart ográficas do int erior da disci-
plina. Mas t endem a ident ificar essa “ crise de relacionament o” a mot i-
vações ideológicas, a incompreensões, ao comodismo por ausência de
formação em Cart ografia, sem nunca quest ionarem se haveria nesse afas-
t ament o razões de ordem t eórica.
De cert o modo, o fat o de não se cogit ar a hipót ese de um fundo
t eórico na crise ent re a Cart ografia e a Geografia, são reveladores de um
descuido epist emológico com as prát icas da Cart ografia de modo geral.
Conforme depoiment o da Professora Margarida Maria de Andrade, a “ rup-
t ura epist emológica” que as obras de Jacques Bert in4 represent avam nes-
se campo demorou muit o para produzir alguma repercussão no Depar-
t ament o de Geografia da Universidade de São Paulo. E at é hoj e uma das
marcas dos debat es t eóricos da Cart ografia brasileira é a velha e pouco

2
O núcleo das crít icas a respeit o das prát icas t radicionais da Cart ograf ia f eit as por Brian
Harley (1995a) é esse. Dizia ele que os mapas t endem a most rar um t errit ório “ des-
socializado” , “ socialment e vazio” .
3
Podemos cit ar as obras de Mark Monmonier (1991), How t o Lies wit h Maps; Luc Cambrézy
e Rene Maximy (1995), La cart ographie en débat : represent er ou convaincre; Ant oine
Bailly e Pet er Gould (1995), Le pouvoir des cart es: Brian Harl ey et l a cart ographie.
4
Aut or da Semiologia gráfica, obra de 1967 reedit ada em 1988. Em port uguês, as idéias de
Bert in est ão nos t ext os de 1980, 1986 (único livro t raduzido) e de 1988.

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produt iva cont raposição (ou sucessão harmoniosa) ent re Cart ografia bási-
ca e ou t opográfica, e ou sist emát ica versus a Cart ográfica t emát ica. A
Cart ografia sist emát ica forneceria as bases para que os diversos t emas
sej am espacializados sobre essa plat aforma neut ra e mat emat icament e
precisa. Quer dizer: admit e-se que a cart a t opográfica represent a o espa-
ço geográfico t ot al e obj et ivo (o que não é, pois na verdade é apenas uma
sobrevivência ext emporânea da concepção de espaço da Geografia clássi-
ca) e que o t emát ico const it ui-se de aspect os enfat izados naquela base
abrangent e. Algo que parece indiscut ível pode ser na verdade uma grande
ilusão. Jacques Lévy diz, por exemplo, que a cart a t opográfica é uma car-
t a t emát ica (LÉVY; DURAND; RETAILLE, 1993, p. 38). Os t emas ali t rat ados
são dist âncias e cont eúdos que reflet em int eresses milit ares, at ualment e
obscurecidos e nat uralizados. Trat ar de out ras dist âncias mais produt ivas
como meio de represent ação de dinâmicas sociais de cont eúdos espaci-
ais, j á seria out ro t ema.
Um out ro ângulo a ser observado no cont ext o dessa “ crise de rela-
ção” é o conj unt o de obras5 que analisam a paralisia t eórica da Cart ogra-
fia e que denunciam os perigos de seu uso irreflet ido. O que elas dizem
a respeit o da renovação da Geografia? A rigor, avançam pouco nessa di-
reção. Regist ramos o caso de Jean-Paul Bord que reconhece que essa é
uma quest ão de fundo no moment o em que pergunt a qual o obj et o de
est udo da Cart ografia em Geografia. Todavia, não haverá solução para
esse relacionament o se se espera que as respost as venham soment e
daqueles que possuem no int erior da Geografia a especialidade em Car-
t ografia. O que nos parece import ant e é que não se deve admit ir a im-
port ância da informação cart ográfica em t ermos ret óricos, t al como é
comum encont rar em t rabalhos, cuj a marca é a afirmação que é impossí-
vel o conheciment o geográfico sem as represent ações cart ográficas (SOU-
ZA; KATUTA, 2001), numa clara demonst ração de que o mapa é encarado
como um veículo neut ro e geográfico por excelência, e que agrega ver-
dade à inf ormação, mas que a rigor não passa de uma “ verdade
euclidiana” , logo bast ant e parcial. Se assim for, a obra de Milt on Sant os
que não faz uso da Cart ografia, não produz “ verdadeiro” conheciment o

5
Além das observações cont undent es de John Brian Harley (1995a; 1995 b), podemos cit ar
como exemplo os t ext os de Jean-Paul Bord (1997a; 1997b) e Sylvie Rimbert (1990).

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geográf ico. É necessário que se procure qualif icar essa import ância,
porque ela não é nat ural, como afirma A. Kolacny, ela se modifica no
t empo: “ No at ual est ágio de desenvolviment o, quando o conheciment o
das relações t empo/ espaço em níveis t opográfico, geográfico e cósmico
t ornou-se uma necessidade, a informação cart ográfica est á aument ado
grandement e sua import ância” . (KOLACNY, 1994, p. 9)
De nossa part e, parece evident e que a crise na relação Cart ografia e
Geografia t em, ant es de t udo, uma fundament ação t eórica que resist e a
vir à luz do dia. Em t ermos gerais, ela se localiza na rigidez da Cart ografia
em vist a de uma Geografia que se t ransforma. A seguir vamos nos referir
às dimensões mais evident es (e import ant es) dessa quest ão a ser en-
frent ada.

2 UM BREVE PERFIL DACARTOGRAFIA: A CRISE DO MAPA


A palavra Cart ograf ia designava a ciência que est uda e realiza os
mapas geográf icos, porém esse sent ido ampliou-se e a Cart ograf ia pas-
sou a ser considerada t ambém a t eoria cognit iva e a “ t eoria” sobre as
t ecnologias pelas quais se reduz a complexidade do mundo real a uma
represent ação gráf ica, para que se possa apropriar int elect ualment e
dele6. Os document os que const it uem imagens do mundo proj et adas
num plano, com a aplicação de alguma simbologia são produt os cart o-
gráf icos, embora possam ser muit o dif erent es ent re si, a começar pelas
f inalidades a que se dest inam. Essa variação pode ir de um mapa mundi
at é um mapa rodoviário. A abrangência que o t ermo ganhou em f unção
das múlt iplas aplicações, esse seu descolament o da origem geográf ica,
pode t er enf raquecido o sent ido da idéia de mapa geográf ico.
Ao longo do t empo, a expressão cognit iva dos mapas geográficos se
solidificou em t orno de algumas prát icas, t ais como o uso de uma relação
mét rica ent re a realidade e sua represent ação, que é a escala cart o-
gráfica; uma seleção crist alizada de grupos de element os nat urais e hu-
manos para se cart ografar; um emprego de um simbolismo convencional
para expressar os fenômenos et c.

6
Cf. verbet e Cart ographie de Emanuela Cast i. In: LÉVY, Jacques; LUSSAULT Michel (Org.).
Dict ionnaire de la Géographie et de l´ espace des sociét és. Paris: Belin, 2003, p. 134-135.

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Segundo a expressão de Claude Raf f est in7, o mapa exprime a lent a


const rução de um “ paradigma zenit al” para orient ação e apreensão da
Terra, com t odos os nomes que, post eriorment e, essa veio a t er como
apreensão: da paisagem, da superf ície, do espaço, do t errit ório et c.
Desde a ant iguidade pode-se not ar a oscilação ent re f ormas dif erent es
de se apreender esse espaço, se num plano ou se a part ir de visões do
alt o8. Para sit uar obj et os, o que prevaleceu remot ament e f oi um f igu-
rat ivismo proj et ado sobre pranchas vist as de cima. Por sua vez, para
se chegar plenament e às represent ações planas houve muit o esf orço
de abst ração, na medida em que era necessário cont rolar uma represen-
t ação que se af ast ava conscient ement e da realidade represent ada, que
era em t rês dimensões. A Cart ograf ia evoluiu segundo um duplo movi-
ment o: 1) uma especialização t écnica que f oi se livrando do imaginário
proj et ado ant eriorment e, valorizando as f inalidades f uncionais, t ais
como a navegação, as manobras milit ares, a solidif icação j urídica e
polít ica de t errit órios e possessões et c. Para t ant o f oi desenvolvendo
uma linguagem mais cognit iva; 2) uma f ormalização geomét rica de
ref erencial geodésico conf igurando uma Cart ograf ia mat emát ica. Esse
segundo desenvolviment o não depende do primeiro, uma vez que es-
t ava em andament o desde a Grécia ant iga passando por Dicearco, Eras-
t óst enes, Hiparco e Pt olomeu at é Mercat or (1512-1594), o cont inuador
principal da Cart ograf ia mat emát ica.
A Cart ograf ia hist órica pode ser int erpret ada como uma “ visão
ant ecipada” de espaços desconhecidos. Isso era possível em razão da
capacidade de medir das t écnicas cart ográf icas, que é ant erior à
compet ência de se moviment ar com mais desembaraço no planet a. Na
hist ória ocident al, esse esforço de ant ecipação result ou numa mist ura
de element os verificáveis com criações improváveis. Tomando a hist ória
européia como referência, não há como negar o papel produt ivo que as
criações geográficas da Cart ografia visionária t iveram na conquist a da
América pelos europeus, por exemplo. O que j ust if ica a curiosidade

7
Cit ado por Jacques Lévy no verbet e Cart e. In: LÉVY, Jacques ; LUSSAULT, Michel (Org.).
op. cit ., p. 128-132.
8
O fio narrat ivo da exposição que segue se baseia em t ext os de Jacques Lévy, ent re out ros,
o verbet e Cart e. In: LÉVY, Jacques ; LUSSAULT, Michel (Org.). op. cit ., p. 128-132.

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int elect ual de checar as represent ações int elect uais/ fant asiosas9 dos
europeus com o que eles encont raram.
O papel do mapa ao longo da hist ória da humanidade t em sido múlt i-
plo. Trat a-se de uma proj eção int elect ual que ocupa um espect ro que
vai das at ividades mais funcionais, at é papéis de significado polít ico e
mesmo, simbólico. Cert ament e, os mapas amparam principalment e as
at ividades humanas com fort e component e espacial: a exploração, a guer-
ra, o cont role est at al e, t ambém as decisões econômicas dos empreendi-
ment os, assim como uma série de at ividades dos indivíduos, como, por
exemplo, as prát icas t uríst icas.
Desde o moment o que vários dos problemas t écnicos da colet a de
dados e de seu t rat ament o passaram a ser t rabalhados com novos conhe-
ciment os (a est at íst ica, por exemplo) e novas t ecnologias como o sen-
soriament o remot o e a informát ica, os mapas puderam ser produzidos
numa out ra escala quant it at iva, t ant o como obra original, como quant o
à profusão de cópias. Isso t ambém possibilit ou (com o apoio do SIG) a
difusão de uma Cart ografia independent e do suport e de papel, cuj o de-
sempenho t écnico vem evoluindo.
Essa indiscut ível import ância do mapa, por cont a de suas múlt iplas
aplicações e seus efeit os produt ivos na const rução das visões espaciais
e de mundo, pode ser confront ada com um paradoxo, j á not ado no int e-
rior da Geografia, mas que ext ravasa essa área de est udos: exist e de
cert a maneira, uma crise do mapa. Cont udo, vê-se proj et ar uma cert a
crise do mapa, segundo um quádruplo pont o de vist a. Jacques Lévy, de
modo convergent e com muit os dos “ cart ógrafos crít icos” , det ect a qua-
t ro aspect os da “ crise do mapa” : 10

9
Como se vê não há realment e limit es claros ent re “ represent ação obj et iva” e imaginação
e f ant asia.
10
Cf. o verbet e Cart e. In: LÉVY, Jacques ; LUSSAULT, Michel (Org.). op. cit ., 2003. p. 128-132.

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O mapa pode e deve ser ent endido como uma linguagem. As lingua-
gens são veículos e produt oras de um mundo social conflit ant e, pleno
de significados e ideologias. Assim, pot encialment e t oda a linguagem
pode ser t ransmissora e produt ora de ideologias e com o mapa isso não
é diferent e. A crít ica que ele sofre at ualment e por cont a desse papel
t em sido dura. Denunciam-se os mét odos f raudulent os que lhe são
subj acent es, ocult ados por post uras pseudocient íficas. Denunciam-se
t ambém sua eficiência em enganar por cont a do efeit o de verdade que
a imagem possui. Esse papel, que seria nefast o, aparece nas quest ões
geopolít icas, no planej ament o, nas polít icas de Est ado, nas ações dos
grandes empreendiment os et c.
Um out ro fat or de crise do mapa é a desigualdade que exist iria en-
t re t odo o esforço necessário para compreender sua linguagem, suas
t écnicas, e o t ipo de informação que ele pode fornecer. Suas cont ribui-
ções seriam menores do que as dificuldades para usá-lo e cont rolá-lo.
Uma demonst ração desse fat o est aria no cont rast e ent re o acréscimo
ext raordinário das mobilidades do seres humanos (grupos e indivíduos)
e o t ímido cresciment o do uso do mapa na vida social.
O mapa t em perdido a aura de insubst it uível. Na verdade, parece
cada vez mais subst it uível por out ras mídias como os disposit ivos de
localização que int egram um GPS (Sist ema de localização planet ário),
que difundem informações precisas (no sent ido consagrado na Cart ogra-
fia) e on l ine. Isso em cont raposição ao mapa, que é um document o fixo,
parece ser uma vant agem, pois os mapas podem ser organizados em se-
qüência dinâmica com imagens múlt iplas. Por out ro lado, há a rest rição
das duas dimensões, diant e dos procediment os de simulação t ridimen-
sionais numa t ela de comput ador.
Num cont ext o como esse, há quem anuncie a mort e do mapa. Sem
negar o que há de est imulant e nas novas t ecnologias nada disso forçosa-
ment e ameaça o mapa. O const rangiment o das duas dimensões pode
result ar em algo posit ivo. A imagem fixa permit e um melhor cont role do
recept or, o mant ém como l eit or, mais do que como espect ador. Porém,
a mult iplicação de t ecnologias alt ernat ivas e as pressões poderosas pelo
seu uso, obrigam que o mapa t ome a direção de se aperfeiçoar naquilo
que ele pode cont ribuir de diferent e. E essa cont ribuição pode vir das
prát icas cart ográficas em Geografia, que possuem at ualment e um po-
t encial de renovação que precisa ser aproveit ado.

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3 INCOMPATIBILIDADESDO ESPAÇO EUCLIDIANO


Considerando, especificament e, o caso da Geografia e das ciências
humanas, há que se reconhecer que vários fenômenos são muit o mal
represent ados no mapa. Não é uma quest ão de verdade, mas de relação
produt iva. Vamos expor dois exemplos, que são de suma import ância:
• As cidades e sua represent ação cart ográfica int roduzem o proble-
ma sobre algumas incompat ibilidades do espaço euclidiano nas repre-
sent ações cart ográficas. Elas são espaços densament e povoados, pro-
dut os de engenhosa e da incrivelment e complexa ação humana, ent re-
t ant o quando represent adas em mapas de escala menores, são reduzi-
das a pont os. As cidades que exigiriam um recort e mét rico com base em
out ros crit érios encont ram-se submergidas pelas ext ensões vazias, que
recebem t rat ament o priorit ário nas represent ações euclidianas. A rigor
esse t ipo de mapa est á adapt ado para represent ar e servir a um mundo
rural, ancorado no solo, t ípico da Geografia clássica. Que vant agens ma-
pas assim t razem para a represent ação do mundo urbano, concent rado,
pleno de obj et os e relações int ensas e mut ant es?
• Havíamos ant es nos referido às redes geográficase afirmado que
elas se t rat am de formas radicalment e dist int as de espacialidade. Elas se
opõem a espacialidades de out ro t ipo cuj a apreensão se expressa pelas
idéias de cont igüidade, cont inuidade, t opografia, t errit ório, horizon-
t alidades et c. Por sua vez, as redes geográficas se revelam a part ir das
idéias de lacunaridade, descont inuidade, vert icalidades, t opologia et c.
De fat o, a Cart ografia no seu est ágio at ual, não possui flexibilidade e
nem repert ório para a represent ação const rut iva dessa nova espacia-
lidade. Considerando o espaço geográfico como produt o das relações
sociais, como se daria a represent ação cart ográfica das espacialidades
que se const it uem t endo em vist a relações - ent re obj et os geográficos
- de dominância t opológica? Originalment e a t opologia foi conhecida e
bat izada como Anal ysis Sit us por G. Leibniz e essa era uma forma de
apreensão do espaço que fazia sent ido nas elaborações de Leibniz, filó-
sofo cuj o pensament o é a mat riz para t odas as concepções que derivam
da idéia de espaço relat ivo.
A visão concorrent e à de espaço relat ivo é aquela do espaço absolu-
t o, relacionado ao euclidianismo, porque ele é a base dessa geomet ria
mencionada. Esse espaço supõe a cont inuidade (nada de lacuna) e a

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FERNANDA PADOVESI FONSECA

cont igüidade (nada de rupt ura), mas t ambém a uniformidade, que é uma
mét rica const ant e a t odo pont o. É um caso part icular do que em mat e-
mát ica denomina-se como “ espaço mét rico” . Tamanha é a presença e a
força dessa modalidade de apreensão mat emát ica-geomét rica do espa-
ço, que não é exagero afirmar-se que est amos diant e de um verdadeiro
paradigma: um paradigma euclidiano. A pot ência desse paradigma é t al
que comument e não se consegue imaginar out ro espaço que não sej a o
euclidiano. A recusa maior é em relação a uma Geomet ria concorrent e
que se sust ent a nas mét ricas t opológicas. Tal post ura foi dominant e na
Geografia clássica, mas est á relat ivament e abalada no âmbit o das inova-
ções t eóricas, porém cont inua resist indo fort ement e na Cart ografia.
Um mapa é uma represent ação de t ipo analógica, quer dizer: nele se
encont raria part e da lógica do seu referent e. Essa lógica é dada de iní-
cio, grosso modo, pois um mapa e seu referent e são espaços. Mas, se o
espaço cart ográfico é apenas geomét rico/ euclidiano, o pot encial dessa
analogia vai encont rar alguns limit es sérios. Há modalidades de organiza-
ção do espaço geográfico (espacialidades) de dominant e t opográfico,
cont ínuos e cont íguos, port ant o com fort e analogia com o espaço eucli-
diano, mas não uniformes, e nesse caso não há analogia. Se t ivermos,
por exemplo, como referência num espaço dado que a det erminação da
dist ância ent re dois pont os será um índice de acessibilidade (acesso e
velocidade), poderá se not ar em qualquer grande cidade que para as
mesmas “ dist âncias euclidianas” t eremos índices diferent es, o que de-
monst ra a het erogeneidade do espaço geográfico. Do mesmo modo, pro-
j eções cart ográficas que alt eram as dist âncias convencionais em relação
ao referent e, t ambém at enuam a analogia. Se quisermos confront ar o
espaço euclidiano com a lógica das redes geográficas (que são t opo-
lógicas), a analogia possível será muit o enfraquecida.
Na concepção leibniziana de espaço há uma ext ensão abst rat a de
referência em relação ao qual se sit uariam os espaços de fat o, produt o
das relações ent re obj et os. Essa ext ensão pode ser assimilada à concep-
ção de ext ensão de Descart es e igualment e pode ser apreendida pela
geomet ria euclidiana e t ambém pelo sist ema de coordenadas t errest res.
Ela, no planet a Terra, corresponderia à superfície t errest re. Logo, fazer
coincidir superfície t errest re e espaço geográfico, é criar uma correspon-
dência exat a ent re ext ensão e espaço. Dessa forma o espaço não preci-
sa t er uma caract eríst ica propriament e geográfica, pois ele é apenas

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uma posição na superfície. Ele é um valor ant erior à exist ência dos obj e-
t os na ext ensão. Rej eit ando um “ espaço plano” prévio, nat ural, único e
indiscut ível que acompanha implicit ament e a Geografia clássica e a Car-
t ografia convencional, t odo o est udo de um lugar, t ransforma a evidên-
cia (a localização euclidiana) em problema geográfico. Isso não quer di-
zer que a idéia de ext ensão não t enha ut ilidade, mas segurament e, não
possui cent ralidade nas novas elaborações. 11
Se enxergarmos o espaço geográfico como o conj unt o das espacia-
lidades const ruídas socialment e, obviament e concluiremos que ele não é
isót ropo, não possui pont os equivalent es, é int eirament e desigual, e essas
diferenças exigem out ras mét ricas para serem apreendidas. Além do espaço
geomét rico euclidiano haveria alt ernat iva geomét rica para apreender a
complexidade do espaço geográf ico? Exist em, são conhecidas, mas
marginalizadas em Cart ografia pelo paradigma euclidiano:
Quando [...] comparamos a geomet ria clássica ou geomet ria euclidiana
(que opera com o espaço plano) e a geometria contemporânea ou topológica
(que opera com o espaço t ridimensional), vemos que não se t rat a de
duas et apas ou de duas fases sucessivas da mesma ciência geomét rica, e
sim de duas geomet rias diferent es, com princípios, conceit os, obj et os,
demonst rações complet ament e diferent es (CHAUÍ, 1995, p. 257).
Na apreensão t opológica nos colocamos diant e das quest ões sobre os
posicionament os relat ivos ent re os obj et os que const it uem o espaço. É
uma quest ão de ligações para as relações. Pert ence à t opologia averiguar
a forma dos caminhos das relações, para os fluxos (por exemplo, t ráfego
de inf ormações nas redes) que é a f orma como elas est ão dispost as
(“ layout ” ). Ao se considerar redes t écnicas elas se organizam conforme
várias disposições t opológicas que são reconhecíveis: há t opologias lineares
que se caracterizam por uma linha única de fluxos finalizada por dois pontos,
onde se at relam vários nós de modo que mensagens e mat érias em fluxo

11
Se o t ema de est udo f or int erespacialidades ou comparações ent re espaços, pode ser
int eressant e um t erceiro element o referent e ao qual se sit uariam os espaços analisados.
Pode ser út il saber-se a dist ância de duas cidades em relação à Nova York, por exemplo.
Uma out ra aplicação possível est á em considerar-se qualquer espaço como ext ensão de
ref erência para out ros espaços. Como cont ext o espacial de ref erência. Por sua
caract eríst i ca l acunar, as redes geográf i cas são mai s compreensívei s, quando
“ posicionadas” sobre uma ext ensão t errit orial, que permit e sit uar os nós e os arcos,
num espaço sem lacuna e nem rupt ura.

95
FERNANDA PADOVESI FONSECA

passam por t odas as est ações. Nas redes baseadas nest a t opologia não
exist e um element o cent ral, t odos os pont os at uam de maneira igual; há
t opologias em f ormat o de est rela, caract erizadas por um element o cent ral
que “ gerencia” o fluxo da rede, est ando diret ament e conect ado a cada
nó (pont o-a-pont o). Todo o fluxo enviado de um nó para out ro deverá
obrigat oriament e passar pelo pont o cent ral. Isso permit e uma fluidez efi-
cient e. No caso da Int ernet a vant agem da organização t opológica em
est rela é grande, em especial para o t ráfego de informações “ pesadas” ,
como a t roca de regist ros de uma grande base de dados compart ilhada,
som, gráficos de alt a resolução e vídeo. O sist ema aéreo que cent raliza
suas conexões em alguns aeroport os (como At lant a nos EUA, por exemplo)
segue essa t opologia em est rela. Empresas de t ransport es como a FedEx
t ambém. Há t opologias em malha, na qual t odos os nós est ão art iculados
a t odos os out ros nós; est ão ent relaçados. Uma variação possível é a de
densidade. Uma densidade grande aproxima-se da cont igüidade, do
t opográfico; há ainda muit as out ras possibilidades t opológicas, que são
sempre configurações espaciais. 12
Considerando a complexidade e o ent relaçament o das espacialidades
sociais, seus element os obj et ivos, como as múlt iplas redes mat eriais/
t écnicas e t ambém as imat eriais, os element os subj et ivos com sua de-
manda por mobilidade mat erial e ideal, a apreensão t opológica do espa-
ço geográfico enquant o dimensão social t raria uma cont ribuição não
soment e para as t eorias geográficas, mas, igualment e para as represent a-
ções cart ográficas.
Hoj e se reconhece que a espacialidade própria da denominada
“ globalização” não se est rut ura sobre uma “ ext ensão” , um “ t errit ório
cont íguo” . Podemos, grosso modo, dizer que o que se apóia em t errit ó-
rios cont íguos13 são os Est ados nacionais. A “ globalização” se apóia num
component e espacial ret icular (redes geográficas), que t ende à escala
planet ária. Essas redes mundiais se inst alam nos espaços nacionais com
seus nós e linhas e seguem lógicas conhecidas:

12
Cf . os quat ro t ipos t eóricos de redes descrit os em: LÉVY, Jacques ; DURAND, Marie-
Françoise ; RETAILLE, Denis. Le monde, espaces et syst èmes. Paris : Dalloz/ Presses de la
Fondat ion Nat ionale des Sciences Polit iques, 1993, p. 134.
13
O que não impede que se acrescent e a esse t errit ório formas descont ínuas e concorrent es,
que são as redes geográf icas.

96
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 85-110, 2007

• Ost ransport es de pessoas e bens mat eriais devem resolver al-


guns const rangiment os: a dist ância, o peso, o volume. Sua lógica geo-
gráf ica-t opológica privilegia os eixos de linhas, de um pont o específ ico
a out ro.
• Nascomunicações a configuração busca assegurar a ligação ent re
t odos os lugares, segue a t opologia em est rela, com um int enso desdo-
brament o de vasos comunicant es (o acesso à t elefonia e seus produt os,
como a Int ernet , segue essa lógica, o mesmo não se dá com o t ransport e
aéreo). Para essas redes não se est abelecem linhas para o usuário, mas
sim sit uações de cent ralização, que é mais import ant e que a complexi-
dade da rede.
A cent ral idade numa organização t opológica designa o número de
arest as ent re dois vért ices (nós). Ela é máxima numa rede quando, en-
t re dois lugares quaisquer, a dist ância t opológica não é j amais superior a
duas arest as, o que só é possível em redes de comunicação. Por sua vez,
a compl exidade designa o número de circuit os relacionados ao t ot al pos-
sível: as rot as múlt iplas se cruzam. A conect ividade mede a relação ent re
o número de arest as e o número de vért ices e designa igualment e o grau
de complexidade mais complet o de uma sit uação de cent ralidade. Ten-
do em cont a essas duas lógicas, se a freqüência e o nível de especializa-
ção de t rocas t iver o predomínio das informações, os lugares (e não mais
as linhas) são hierarquizados. Quando esses dois t ipos de redes e sit ua-
ções se mist uram, as avaliações sobre os lugares consideram a cen-
t ralidade, a conect ividade e a complexidade no conj unt o das relações
espaciais. Element os como esses orient am decisões de empresas que
est ão const it uindo a dimensão global.
Consideradas as diferenças específicas na lógica t opológica das orga-
nizações espaciais, o que import a principalment e numa rede são as posi-
ções relat ivas na est rut ura ret icular, e não as dist âncias euclidianas na
ext ensão. As dist âncias espaciais que fazem sent ido são compost as pelo
número e pelas caract eríst icas das arest as que separam e religam os nós.
Isso não quer dizer que as dist âncias ent re os nós (vért ices), que são as
arest as, não podem ser apreendidas pela mét rica euclidiana. Mas mesmo
nesse caso, sua import ância não é a mesma de que quando a espacialidade
em quest ão t iver dominância t opográfica. Vendo as coisas dessa maneira
pode-se avançar algumas conclusões sobre as lógicas espaciais. Por
exemplo, uma met rópole de um país pobre t em caract eríst icas superiores

97
FERNANDA PADOVESI FONSECA

de cent ro do que uma cidade média num país de “ primeiro mundo” . Sua
posição hierárquica na rede, que lhe dá acessibilidade rápida às relações
de escala nacional e global, é mais import ant e que o pert enciment o
regional e nacional.
A quest ão é que t oda essa lógica t opológica, a respeit o das quais
apresent amos alguns exemplos, não se harmoniza, ou melhor, gera efei-
t os analógicos pobres com o espaço cart ográf ico cl ássico. No espaço
euclidiano, os event os (na sua maioria) se encont ram t olhidos e achat a-
dos pela represent ação plana, numa ext ensão insensível ao sent ido das
lógicas espaciais cont emporâneas. Logo será preciso incorporar nessas
represent ações a capacidade de revelar com const ância as int erações
ent re espaço e ext ensão, a relação ent re uma espacialidade part icular e
um f undo de mapa, que é um element o que fala mais do que normal-
ment e se admit e.

4 CARTOGRAFIACOMO LINGUAGEM: AFORÇAANALÓGICADO MAPA


Os mapas são represent ações que obedecem a um princípio de t rans-
posição analógico, do referent e para a represent ação. Ist o é: (re) apre-
sent am os obj et os segundo as mesmas disposições, relações e dimen-
sões pelas quais elas são percebidas na realidade. Trat a-se da const ru-
ção de uma imagem analógica de um espaço. O fat o dessa represent ação
do espaço ser t ambém um espaço explica a conclusão dominant e sobre
ser o mapa a expressão concret a do obj et o da Geografia, o que gera
muit as confusões, porque essa assimilação aut omát ica de um espaço ao
out ro nat uraliza a represent ação, que não é o espaço do mundo real,
porque t odo mapa é sempre t emát ico, é sempre parcial, e uma int erpre-
t ação apenas.
Emanuela Cast i 14 af irma que quando se def ine o mapa como uma
imagem plana da Terra adent ra-se num problema nem sempre percebi-
do. Essa def inição não diz o que ele represent a, mas o que ele é em si.
Desse modo é uma def inição circular que encobre que ele é uma repre-
sent ação, e disf arça a nat ureza problemát ica do mapa. Essa problemá-

14
Cf . no verbet e Cart ographie. In: LÉVY, Jacques; LUSSAULT Michel (Org.), op. cit ., p.
134-135.

98
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 85-110, 2007

t ica vem do f at o que ele const it ui um enunciado lingüíst ico f ort emen-
t e sof ist icado. Ele é uma linguagem. Sempre se deve t er claro o que
signif ica ser uma represent ação analógica, que não se conf unde com a
realidade: “ Gershon Welt man afirma que os mapas ‘ não são os ambien-
t es em si, e sim apresent ações dest inadas a most rar um ambient e em
sua ausência, apresent ações dest inadas a represent ar de t al forma que
possibilit e ao leit or do mapa deduzir sist emat icament e os at ribut os do
ambient e mapeado’ ” . (WURMAN, 1991, p. 284, grifo do aut or)
A consciência dessa condição não só evit a confusões, e nos previne
quant o a riscos, pois como j á vimos o mapa pode nos “ enganar” . Ele
compõe um conj unt o de signos que oferece uma aparência de nat urali-
dade e de t ransparência, mas que est á mascarando mecanismos de re-
present ação, plenos de dist orções e criações arbit rárias. Ao longo da
hist ória da Cart ografia moderna ocident al, são numerosos os casos nos
quais as cart as f oram f alsif icadas, censuradas e t ornadas secret as,
cont radit ando sua pret endida cient ificidade (HARLEY, 1995b, p. 74). Mas,
a consciência da condição de represent ação é t ambém vant aj osa, pois
nos permit e um aproveit ament o eficaz do carát er const rut ivo e produ-
t ivo das represent ações, como indica Christ opher Board: “ Nat uralmen-
t e, nenhum mapa pode represent ar perfeit ament e a realidade, mas não
fazendo isso ele é mais út il ainda” . (1975, p. 139, grifo do aut or)
Mais do que uma simples represent ação o mapa é uma represent ação
complexa, ele pode ser lido, int erpret ado e est udado como linguagem.
Apenas recent ement e est udos int egraram essa dimensão e most raram
que o mapa, considerado como uma verdadeira linguagem, result ant e
de um ‘ fazer’ específico, é uma mediação simbólica poderosa, capaz de
se apresent ar de uma maneira aut ônoma na comunicação. Esse en-
t endiment o encont ra em Jacques Bert in um de seus art ífices principais.
Pode-se admit ir, incl usive, que um mapa expressa uma l inguagem
‘ hipert ext ual’ , fundada sobre a ut ilização de códigos diferenciados15:
código lexical (os nomes), código numérico, código figurat ivo, código
cromát ico e código geomét rico. Esse últ imo, por sinal, pouco percebido
em função da nat uralização euclidiana. O dest aque de sua condição de

15
“ As cart as são um t ext o cult ural: elas não fazem uso de um só código, mas de vários, onde
poucos soment e são próprios da Cart ograf ia” (HARLEY, 1995b, p. 73, t radução nossa).

99
FERNANDA PADOVESI FONSECA

represent ação colabora para most rar que comunica algo, não é passivo.
Brian Harley vai se referir ao mapa como t ext o, para levant ar a quest ão
do mapa t rat ado como linguagem. Inicialment e, alguns cart ógrafos se
opuseram a isso, mas hoj e essa condição é mais facilment e aceit a:
Cert ament e, lit eralment e, os mapas (uma forma de t ext o gráfico) não
possuem gramát ica e são desprovidas da seqüência t emporal de uma
sint axe, mais o que const it ui um t ext o não é a presença de element os
lingüíst icos, mas o at o de const rução, embora as cart as, enquant o
const ruções ut ilizando um sist ema de signos convencionais, t ornam-se
t ext os. (HARLEY, 1995b, p. 73, t radução nossa)
Ainda Cast i dest aca que uma grande evolução da reflexão sobre Cart o-
grafia ocorre a part ir do moment o em que ela passa a ser t rat ada como
linguagem. Isso significou a abert ura de um novo horizont e epist emo-
lógico, necessário inclusive como element o de renovação da Geografia.
Expondo o que pensava Harley: aceit ando-se o carát er “ t ext ual” das
cart as, nós podemos enxergar diversas possibilidades de int erpret ação,
e podemos t ambém ousar mais, pois não haveria porque permanecer
prisioneiro de uma ciência formal da comunicação, ou de uma psicologia
do conheciment o que nada diz sobre o mundo social, escolhas essas que
ainda são muit o fort es na Cart ografia, mesmo no caso brasileiro, onde a
idéia de “ alfabet ização cart ográfica” ligada a uma psicologia do co-
nheciment o ganhou t erreno. (HARLEY, 1995b, p. 73)
Ao se admit ir a condição de linguagem do mapa deve-se est ar at ent o
às peculiaridades dessa sua condição, o que fica visível se a compararmos,
por exemplo, com a linguagem escrit a. Uma peculiaridade a ser dest acada
refere-se a como se dá a quest ão da aut o-referência. A aut o-referência
é conseqüência da part icipação das represent ações na vida real. Elas
podem se incorporar ao referent e ext erior de t al modo que eles ficam
mascarados. Se pensarmos em relação aos mapas, seria a sit uação pela
qual os nomes e os símbolos reproduzidos sobre o mapa não represent am
mais simplesment e os dados empíricos físico-nat urais ou ant rópicos, mas
formam, por sua aut onomização lógica e semânt ica, out ras significações
capazes de influenciar a concepção que o aut or faz dos lugares sub-
met idos a seu cont role cognit ivo. Mas isso t ambém acont ece com a
“ língua nat ural” e com a linguagem escrit a. A diferença est á no fat o do
mapa ser o veículo de uma linguagem (um sist ema específico de signos)
minorit ário diant e da dominação das linguagens verbais. Em conse-

100
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 85-110, 2007

qüência, a aut o-referência da Cart ografia t oma um curso part icular. A


aut o-referência das linguagens verbais é quase sinônimo de cont ext o
cult ural. Com o mapa, o cont ext o aut o-referent e que ele forma é rest rit o,
o que compromet e sua acessibilidade, e por mais at ração que os mapas
exercem eles acabam sendo pouco ut ilizados. O result ado é que a imensa
maioria de nossos cont emporâneos não ut ilizou j amais um mapa, embora
as condições cont emporâneas de vida pudessem est imular esse uso, j á
que houve aument o das mobilidades, aument o da capacidade de escolha
de localizações et c.
A aut o-referência num cont ext o rest rit o acaba se t ransformando num
obst áculo à flexibilização da Cart ografia, vist o que o “ passado aut o-
referent e” das convenções é muit o visível e present e e at ua como um
const rangiment o cont ra experiment os mais ousados16. Visando uma Car-
t ografia mais part icipat iva, há a necessidade de se at uar conscient ement e
de modo a escapar dessa aut o-referência limit adora. Jacques Bert in via
a necessidade dos mapas t ransmit irem mensagens com “ signif icado
universal” como as palavras (essas se beneficiam de cont ext os aut o-
referent es bem mais alargados), mas ainda se est á longe de conquist as
import ant es nesse aspect o.
Se os mapas forem t rat ados como simples deposit ários de dados
localizados, como simples áreas de cruzament o de coordenadas t errest res
que se associam a out ras inf ormações como t oponímia, cot as hipso-
mét ricas ou bat imét ricas, isso apenas reit erará o cont ext o aut o-referent e
rest rit o. Se, ao cont rário, se assume a leit ura espacial isso se t orna um
modelo gráf ico, emit indo uma mensagem f ort ement e dist int a e com
pot encial de alcance maior. Mas para esse alcance há const rangiment os.
A leit ura inst ant ânea (o ver) impõe uma concisão da mensagem e leva ao
risco de se t er “ deslizament os” de sent idos, pela falt a de apoios sis-
t emát icos que comporiam um cont ext o aut o-referent e mais largo, como
o que dispõe a língua escrit a, por exemplo. Por out ro lado, a supressão
de “ ruídos” visuais que aj uda a evit ar efeit os indesej áveis na visualização
encont ra limit es. O recurso às generalizações cart ográficas é legít imo

16
E pode ser f ont e de erros graves, na medida em que a const rução de mapas at uais pode
se basear em out ros mapas problemát icos, que por sua vez j á se inspiraram em out ros
et c. A esse respeit o cf . MONMONIER, 1993, p. 76.

101
FERNANDA PADOVESI FONSECA

porque cont ribui para que se concent re o olhar do leit or sobre o essencial,
mas, se se vai muit o longe nessa direção, a pont o de se ir chegando a
figuras geomét ricas muit o simples, de significações cult urais fort es, pode-
se criar novas int erf erências e ef eit os indesej áveis. Esse é um dos
paradoxos que a coremát ica encont ra em suas modelizações gráficas.
Considerando essa quest ão das peculiaridades do cont ext o aut o-re-
ferent e do mapa e o fat o de ele se realizar como leit ura visual inst ant ânea,
não se pode deixar de concluir que é difícil usar o mapa para ser um
discurso t eórico aut o-suficient e. Há algumas t ent at ivas de discurso gráfico
nesse campo, mas que vai ficando t ão int rincado, que, para não suscit ar
confusão, acaba-se se fazendo uma legenda muit o mais considerável do
que aquilo que est á propost o na represent ação. Esse t ambém é out ro
paradoxo da coremát ica.
De t odo modo, não se pode nesse esforço de fazer da linguagem
cart ográf ica algo menos prisioneiro de um cont ext o aut o-ref erent e
rest rit o, romper limit es que a levem a não ser mais linguagem cart ográfica.
Nesse sent ido, há regras comuns a t odos os mapas que devem ser respei-
t adas. São quat ro os element os caract eríst icos fundament ais da lingua-
gem cart ográfica. Cada um desses element os comport a algumas escolhas
int ernas. Os t rês primeiros element os concernem ao fundo do mapa,
que é um mapa de base que dá as informações cont ext uais j ulgadas
út eis para esclarecer uma sit uação. O quart o element o refere-se às in-
formações proj et adas sobre o fundo.
Os element os que compõem o mapa podem ser resumidos t al como
se apresent a no quadro a seguir:
Linguagem cartográfica17

17
A análise sobre a linguagem cart ográfica a seguir se apóia, principalment e, nas elaborações
de Jacques Lévy que aparecem, por exemplo, na obra Le t ournant géographique : penser
l´ espace pour lire le monde. Paris : Belin, 1999. 400 p. (Mappemonde 8)

102
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 85-110, 2007

A aparent e simplicidade e familiaridade do t ermo escala é enganosa.


Seu sent ido é variável. São t rês sent idos: 1. Relação de t amanho ent re
realidades (uso fora da Geografia e da Cart ografia); 2. Relação de t amanho
ent re realidades geográficas; 3. Escala cart ográfica. Nesse últ imo sent ido,
que é o t rat ado aqui, t rat a-se, como é óbvio, de uma relação de redução
ent re o referent e (“ t erreno” ) e o referido (“ mapa” ). Mas, considerando
as elaborações que advogam a flexibilização do fundo do mapa, como fica
a quest ão desse fat or de redução. A princípio não é obrigat ório que a
grandeza a ser reduzida sej a a superfície euclidiana (em km2), o que vai
colocar em quest ão a mét rica de apreensão do fundo. Por out ro lado, a
relação de redução na Cart ografia clássica euclidiana não serve a não ser
para os compriment os, o que se explica hist oricament e, em função da
necessidade do uso de mapas que represent assem as rot as de t ransport es
e as linhas de art ilharia, por exemplo. Porém, se a referência for as super-
fícies essa escala não funciona. Para um mapa 1:100.000 (1 cm para 1 km),
a relação de superfícies será 1/ 10.000.000.000: há dez bilhões de cm2 num
km2. Um t al deslocament o pode t er por efeit o at uar cont ra a int uição, o
que é grave, t endo em cont a que o ver cart ográfico ext rai de seu carát er
analógico sua força. E aqui no caso, não há analogia. Um out ro aspect o:
considerando as def ormações provocadas pelas proj eções a escala
cart ográfica não possui alcance universal, principalment e se as referênci-
as forem mapas de menor escala. Por out ro lado, a possibilidade de t raçar
compriment os e superfícies independent ement e uns dos out ros (proj e-
ções equivalent es), t orna claro o carát er const ruído da escala que deve
ser admit ido. Se aqui há escolhas, porque não se pode escolher t ambém o
que se quer represent ar analogicament e? Por que necessariament e a su-
perfície? Um exame acurado dos condicionant es hist óricos das opções
escalares aj uda a compreender que não há sent ido algum nessa inflexibi-
lidade nat uralizada do espaço euclidiano, t udo pode ser escolha e nesse
campo há o que a Cart ografia desbravar.
Com relação à quest ão das proj eções a argument ação não é diferen-
t e: a Terra é uma esfera, as superfícies curvas que a compõem não po-
dem ser represent adas sem manipulação sobre o plano. São deforma-
ções, ao mesmo t empo t opográficas e t opológicas. Sej a qual for a proj e-
ção do mapa ela é necessariament e cent rada sobre um lugar, o que su-
põe um pont o de vist a. Por isso, é import ant e most rar os limit es que
cada proj eção possui por definição, os seus recort es e revelar pelo me-

103
FERNANDA PADOVESI FONSECA

lhor uso de cada uma. Algo que a lit erat ura em Cart ografia j á fez fart a-
ment e. O mais int eressant e é reflet ir se de fat o essa t emát ica arraigada
à qualquer discussão em Cart ografia, nas suas prát icas e no seu ensino,
inclusive na Geografia escolar, possui a import ância que lhe é dada? Sa-
bemos, por exemplo, que essa deformação proj et iva exige conversões
na est rut ura geomét rica do espaço considerado: não se podem conser-
var ao mesmo t empo os compriment os, as superfícies e os ângulos. De
onde a escolha ent re as proj eções eqüidist ant es, equivalent es ou con-
formes, que são casos part iculares de t ransposição analógica. Não é
incomum opt ar-se por soluções híbridas, o que vai complicando cada
vez mais a quest ão, e adicionando a ela a aura de quest ão respeit ável.
Mas o que há de essencial nisso, para a Cart ografia em Geografia? Para
ext ensões pequenas da superfície t errest re (prioridade da Cart ografia
euclidiana), que efeit o problemát ico t raz a escolha por proj eções de
t ipos diferent es? Quase nenhum. Uma quest ão mais import ant e ainda:
as proj eções não são mais do que opções de formas de se represent ar
uma dimensão do planet a. Colocando t odos os pont os da Terra sobre um
mesmo plano (o que t odas as proj eções fazem). O result ado no mapa-
múndi é que t emos uma primazia dos oceanos, ampliada em relação ao
t erreno por cont a das deformações produzidas pelas proj eções. Esse
paradigma proj et ivo devia, só por isso, ser alvo de alguma discussão quando
o assunt o é a represent ação do espaço geográfico t ido como algo não
coincident e com a superfície t errest re.
Um aspect o da linguagem cart ográf ica cuj a discussão não é comum
ref ere-se às mét r i cas. Como a mét rica euclidiana não é compreendida
como uma opção ent re out ras, a palavra mét rica acaba signif icando a
f orma de se medir o espaço euclidiano. Como se sabe, o f undo do
mapa f oi t rat ado como uma evidência (“ f oi nat uralizado” ), após a
imposição do f undo euclidiano único. Mas, pode-se conceber os f undos
do mapa sobre a base de mét ricas ext raídas da relação dist ância-t empo,
dist ância-cust o ou ainda dar proporções às superf ícies conf orme out ras
grandezas (população, riquezas et c. ). Esse é o princípio da criação de
uma anamor f ose. É igualment e possível de se recorrer às mét ricas
t opológicas, por exemplo, para represent ar as redes, t al como j á t rat ado
ant eriorment e. Muit as da f iguras rej eit adas pela Cart ograf ia clássica
como “ diagramas” ou “ cart ogramas” podem ser consideradas como
verdadeiros mapas desde que eles possam ser conf ront adas de uma

104
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 85-110, 2007

maneira ou de out ra, segundo um procediment o analógico, ao espaço


de ref erência.
A pesquisa de fundos mult iescalares expressos pelas anamorfoses,
uma aut oconfiguração de fundo pelas dist âncias relat ivas ent re os obj e-
t os, pode ser uma via de saída dos impasses das proj eções cart ográficas.
Jacques Lévy18 diz que a anamorfose permit e que se saia da dit adura da
“ superfície vazia” . Est a possibilidade t raz à cart a uma relação ent re os
obj et os geográficos que não sej a soment e aquela da ext ensão, que ne-
cessit a de um referent e ext erior para posicionar o espaço est udado. A
ext ensão deixa de ser um component e int angível do mapa e ent ra em
diálogo com a t emát ica escolhida, ampliando seu carát er analógico. Por-
t ant o, est e t ipo de represent ação deve ser considerado como um ins-
t rument o de análise do espaço (CAUVIN, 1995, p. 270). O pont o t eórico
decisivo consist e em assumir que não se t rat a de “ deformação” (o que
mant eria o fundo euclidiano com referência única), mas de uma cons-
t rução, assim como o f undo eucl idiano t ambém é. No ent ant o, a resis-
t ência à remoção do monopólio euclidiano exist e de modo significat ivo.
Num período em que a “ Nova Geografia” invest iu em anamorfoses, a
resist ência do paradigma euclidiano se manifest ou.
O professor K.A. Salichet chev, de Moscou, president e da Associação
Cart ográfica Int ernacional de 1968 a 1972, em art igo dat ado originalmen-
t e de 1977 e publicado em port uguês pela AGB em 198819, expressa que
as anamorfoses são algo “ especialment e perigoso para uma orient ação
corret a da Cart ografia” , pois o desenvolviment o dest as significa a perda
da obj et ividade da Cart ografia. O risco seria abrir espaço para as int er-
pret ações subj et ivas – sem rigor e sem padrão - que represent ações
gráficas livres das amarras euclidianas suscit ariam. Salichet chev assim se
refere ao t rabalho de alguns aut ores que est avam subvert endo na Cart o-
grafia a geomet ria euclidiana:
Morrison, por exemplo, acredit a que é t empo de remover as est rut uras
da geomet ria euclidiana das represent ações cart ográficas e aceit ar, j unt o

18
Verbet e Anamorphose. In: LÉVY, Jacques; LUSSAULT, Michel (Org.), 2003, op. cit . p. 74,
t radução nossa.
19
Algumas ref lexões sobre o obj et o e mét odo da Cart ograf ia depois da sext a Conf erência
Int ernacional. Sel eção de Text os (AGB), São Paulo, n.18, p.17-24, maio, 1988.

105
FERNANDA PADOVESI FONSECA

com as escalas de compriment o, out ras ‘ escalas’ – t empo, densidade


et c. – relacionadas a ‘ dist âncias ment ais’ . Anamorfoses similares, cons-
t ruídas de acordo com a escala de diferenças sociais, t êm sido cit adas
pelo prof. J. W. Wat son. Elas ilust ram a subj et ividade de anamorfoses na
avaliação de ‘ dist âncias sociais’ ent re dist rit os de Hamilt on, Canadá,
pelos vários grupos sociais da população numa represent ação de classes
dest es grupos. Cert ament e, represent ações de classe são cont radit órias
e sua represent ação ingênua na forma geomét rica é subj et iva, mas est e
ret rat o não t em relação de forma nenhuma com Cart ografia, a não ser
pel o uso da l inguagem de símbol os gráf icos. (1988, p.18, grifo nosso)
Apesar de Salichet chev relat ivizar um pouco sua posição, o que fica
evident e é sua rej eição às anamorfoses, de forma independent e, sem
se referir à necessidades das disciplinas, em especial da Geografia. No
cont ext o da “ New Geography” por exemplo, o espaço est ava sendo re-
t eorizado. Influências significat ivas na concepção de espaço relat ivo,
com est udos sobre a dist ância geográfica a part ir de mét ricas não-eu-
clidianas, eram freqüent es. O fat o desse novo cont ext o t eórico da Geo-
grafia ser ignorada, e nem levado a sério, é um símbolo do perfil da rela-
ção Cart ografia e Geografia. Por out ro lado, não haveria dificuldades em
se demonst rar o quant o há de subj et ivo na presumida “ obj et ividade”
das represent ações euclidianas.
Foi Colet t e Cauvin20 quem, na lit erat ura f rancesa, mais sist emat i-
zou o assunt o das anamorf oses. Para ela, as anamorf oses deviam ser
incluídas no grupo das “ t ransf ormações cart ográf icas espaciais” . Trans-
formação cart ográfica significa “ ir além da forma” , “ modificar os t raços
ext eriores que caract erizam um obj et o” . Port ant o a t ransf ormação
cart ográf ica é “ uma operação que permit e modif icar o conj unt o dos
cont ornos do mapa, dando-lhe out ra f orma” (CAUVIN, 1995, p. 270).
Considera ainda f undament al incluir na composição o t ermo espacial,
pois “ [ . . . ] acrescent a-se ao papel primordial das component es espaci-
ais do mapa, ist o é, a localização, a direção, a dist ância, a área e, por
conseguint e, a f orma do espaço est udado” (CAUVIN, 1995, p. 270). A
concepção de anamorf ose é uma t ransf ormação cart ográf ica espacial,

20
CAUVIN, Colet t e. Transformações cart ográficas espaciais e anamorfoses. In: DIAS, Maria
Helena (Coord.) Os mapas em Port ugal : da t radição aos novos rumos da cart ograf ia.
Lisboa: Edições Cosmos, 1995. p: 267-310.

106
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 85-110, 2007

j á que é a mudança, por meio de “ uma operação mat emát ica (ou event u-
alment e gráf ica), de uma f orma do mapa a out ra f orma do mesmo espa-
ço. Desde que est as modif icações originem alt eração dos cont ornos,
f ala-se em anamorf ose (CAUVIN, 1995, p. 270). O que import a resgat ar
nessa posição é abert ura para a quest ão e a assimilação da anamorf ose
como prát ica legít ima no int erior das prát icas cart ográf icas. O que de-
monst ra que as resist ências est ão diminuindo. E ela assume essa posi-
ção em benef ício da análise espacial, t irando em alguma medida a Car-
t ograf ia do seu universo aut o-ref erent e rest rit o: “ [ . . . ] [ mapas que
f azem uso da anamorf ose] devem ser [ . . . ] divulgados, uma vez que
permit em dar respost a a problemas espaciais que t êm permanecido
sem solução. ” (CAUVIN, 1995, p. 305)
Mark Monmonier t ambém coment a a import ância das anamorfoses.
Diz que os cart ógrafos t radicionais t rat am as anamorfoses como “ [...]
desenhos em quadrinho ext ravagant es e fant asiosos” (1993, p. 44, t ra-
dução nossa). O result ado é que esses cart ógrafos acabaram se privando
do pot encial de represent ação dessas “ deformações volunt árias” . Ele
fala em deformação volunt ária, porque na verdade t oda cart a t em um
t ipo de deformação (de maior st at us, mas deformação), que não é vo-
lunt ária: a proj eção.
Eric Blin e Jean-Paul Bord (1998, p. 251) não são indiferent es à im-
port ância das anamorfoses e ident ificam em seu uso algumas vant agens:
os mapas result ant es são espet aculares, vivos, e é isso gera uma comu-
nicação bem int eressant e, pois eles evidenciam t endências espaciais
relevant es do fenômeno est udado, difíceis de serem expressas sobre o
fundo euclidiano. Porém, ident ificam um inconvenient e que é a dificul-
dade de ler e int erpret ar t ais cart as. A reconst rução da forma em relação
à forma euclidiana consagrada t orna irreconhecível a área de origem.
Logo, se não se t iver em ment e o familiar cont orno euclidiano, a recons-
t rução (a “ deformação” ) não será int erpret ada e aproveit ada quant o
aos significados novos que oferece.
Considerado os aspect os relat ivos ao fundo do mapa que const it uem
a linguagem (diferent ement e da apreensão que ent ende a linguagem ape-
nas como o simbólico que se proj et a no fundo), rest a nos referirmos à
dimensão simbólica da linguagem cart ográfica. Essa dimensão deve ser
t rabalhada respeit ando-se: a regra da não-exaust ividade, pois t odo mapa
pressupõe a eliminação de informações o que implica, mais uma vez, em

107
FERNANDA PADOVESI FONSECA

escolhas que começam j á na preparação dos dados que podem ser fact uais
ou conceit uais. A quest ão t ambém conduz a um t rat ament o rigoroso das
palet as gráficas em cont inuidade, de maneira a que a ordem visual reflit a
a ordem dos dados, t al como os princípios da Semiologia Gráfica. Os ou-
t ros recursos gráficos como as figuras devem t er sua escolha cercada de
cuidados. Seu carát er simbólico (não-figurat ivo) deve ser o crit ério de
escolha. Imagens figurat ivas podem ser prej udiciais. Isso se explica pela
necessidade de coerência dos códigos gráficos.
Para concluir os coment ários relat ivos aos t emas que ent endemos
ser import ant es para a const rução de uma relação produt iva ent re a
Cart ografia e a Geografia, relações essas não vão bem, rest a sublinhar
uma quest ão. Ela diz respeit o à necessidade de se desnat uralizar a rela-
ção da Cart ografia com a Geografia visando sua flexibilização e renova-
ção. O espaço cart ográfico euclidiano não é a encarnação do espaço
geográfico, apenas uma represent ação possível, fácil de ser hist oricizada.
Do mesmo modo que espaço geográfico é uma expressão que remet e a
várias represent ações a seu respeit o, algumas incompat íveis ent re si.
Por conseguint e, a produção da Cart ografia em Geografia, deve se rela-
cionar com essas represent ações, e no int erior dessas saber ident ificar
o que há de renovação produt iva. Não há t rabalho de represent ação
cart ográfica que não comece por flexibilizar as post uras consagradas e
enrij ecidas. É preciso eliminar o que rest a de mist erioso numa Cart ogra-
fia cient ificizada, cuj a aplicação no planej ament o, no urbanismo e em
out ras áreas sempre esconde seu carát er de represent ação e const ru-
ção como se o represent ado sempre est ivesse ali int egralment e como
verdade, e não fosse int erpret ação dos elaboradores da Cart ografia. Essa
desnat uralização, essa flexibilização do espaço cart ográfico é algo que
concerne não soment e a especialist as em Cart ografia, mais é uma ques-
t ão fundament al para a Geografia e t odos os seus prat icant es. O proble-
ma percebido dessa maneira poderia servir para abrir caminho para uma
Cart ografia disponível à renovação das ciências e da Geografia. Porém,
mais import ant e do que isso: poderia criar condições para uma Cart o-
grafia mais part icipat iva (menos aut o-referent e, para domínio de pou-
cos), inst rument o import ant e para ações de planej ament o compart ilha-
do socialment e, o que seria uma cont ribuição de valor e democrát ica
que a Cart ografia poderia oferecer para as sociedades.

108
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 85-110, 2007

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REGINA ARAUJO DE ALMEIDA (VASCONCELLOS)

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110
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 111-129, 2007

ENSINO DE CARTOGRAFIA PARA POPULAÇÕES


MINORITÁRIAS

TEACHING CARTOGRAPHY TO MINORITY POPULATION


GROUPS

Regina Arauj o de Al meida (Vasconcel l os)*

Resumo: O t rabalho dest aca a relevância de uma cart ografia t emát ica
volt ada a populações minorit árias e apresent a os result ados de pesquisa
sobre cart ograf ia t át il para usuários com def iciência visual. Design,
produção e uso do mapa t át il f oram discut idos, j unt ament e com os
result ados aplicados a out ras populações minorit árias, t ais como os
indígenas do est ado do Acre que ut ilizam mapas de out ras formas e por
razões diferent es. Denominada et nocart ografia, ela é essencial para est e
grupo de usuários que depende dos mapas para defender suas t erras,
realizar a gest ão ambient al de seus t errit órios, visualizar seu espaço.
Est e grupo usa mapas convencionais e digit ais para represent ar seus
mundos – físico, mat erial, social, cult ural, espirit ual. Novos recursos são
discut idos, em part icular mapas mult issensoriais e mult icult urais, assim
como a import ância da educação cart ográfica.
Palavras-chave: cart ografia t át il, et nocart ografia, linguagem gráfica
e necessidades especiais, mapas t emát icos para minorias.

Abstract: The paper calls at t ent ion t o t he relevance of a special


needs t hemat ic cart ography direct ed t o populat ion minorit y groups. First ,
it present s t he result s of research on t act ile mapping for visually impaired
users. Tact ile graphic design, product ion and use were st udied and
applied also wit h indigenous populat ion, part icularly nat ive people as
t hey use cart ography for different reasons. Maps are part of t heir lives
and t heir work, t hey draw maps of t he geographical space t o prot ect

* Depart ament o de Geograf ia (FFLCH - USP). Laborat ório de Ensino e Mat erial Didát ico
(Lemadi). (reginaaa@usp.br)

111
REGINA ARAUJO DE ALMEIDA (VASCONCELLOS)

t heir land, t o make environment al assessment s, t o visualize t heir space.


They need convent ional maps and digit al maps, also images of t heir worlds
– mat erial, physical, social, cult ural, spirit ual. This field has been called
et nocart ography and examples of product ion and use of maps wit h nat ive
groups of t he St at e of Acre in t he Amazon are present ed, st ressing t he
relevance of digit al t echnologies and it s challenges t o t hemat ic mapping.
New resources in t he f ield of special needs cart ography direct ed t o
minorit y groups are discussed, proposing t he use a graphic language in
mult i-sensory and mult icult ural ways t o depict geographical space.
Key words: t act ile maps, et nocart ography, graphic and cart ographic
language for minorit ies, special needs t hemat ic cart ography

Tolerar a exist ência do out ro e permit ir


que ele sej a diferent e, ainda é muit o pouco.
Quando se t olera, apenas se concede,
e essa não é uma relação de igualdade,
mas de superioridade de um sobre o out ro.
José Saramago

INTRODUÇÃO
Qual a especificidade da Cart ografia para populações minorit árias,
em part icular indígenas e pessoas com rest rição sensorial ou física? Quem
são? Qual é o pot encial dos mapas na educação diferenciada? O que dife-
rencia o mapa volt ado a usuários com necessidades especiais? A ut iliza-
ção de out ros canais de comunicação e dos sent idos da audição e t at o,
além da visão, abre uma perspect iva de ampliação do uso da linguagem
cart ográfica na educação. Vários grupos de usuários de mapas, t ais como
j ovens com dificuldades de aprendizagem e idosos podem ser benefici-
ados com a ut ilização de t odos sent idos. No caso das pessoas com algu-
ma rest rição física e usuários de cadeiras de rodas, a adapt ação do mapa
at inge a et apa da colet a e represent ação das informações, como por
exemplo, a exist ência de rampas, sanit ários adapt ados e event uais bar-
reiras arquit et ônicas. O present e t rabalho propõe uma discussão sobre
o ensino da Cart ografia para populações minorit árias, em part icular indí-
genas e pessoas com rest rição sensorial. Est es dois est udos de caso es-
clarecem quest ões relacionadas ao processo da comunicação cart ográfica

112
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 111-129, 2007

e evidenciam a import ância da educação cart ográfica. A experiência da


aut ora com professores do ensino fundament al e médio cuj os alunos são
crianças e usuários com necessidades especiais, t em most rado o pot en-
cial dos mapas t ambém no âmbit o da educação diferenciada.
Algumas populações minorit árias, t ais como pessoas com deficiência
visual, dependem de uma cart ografia não convencional, volt ada a rea-
lidades diversas, onde o ensino e a aprendizagem de Geograf ia t êm
obj et ivos diversos. Esses grupos de usuários requerem t reinament o es-
pecífico e disponibilidade de mapas com caract eríst icas especiais em
t ermos de concepção e produção. Pensando nest e público que inclui
professores e alunos, percebe-se que surge uma possibilidade real de
int egrar algumas das principais quest ões enfrent adas pela Cart ografia,
incluindo os cont ext os cult ural e social, além da aproximação da t eoria
com a prát ica. Apesar das novas t ecnologias t erem int roduzido grandes
mudanças e progressos na Cart ografia, pouca at enção t em sido dada à
maioria dos grupos de usuários com necessidades especiais como alunos
com deficiências (sensoriais, físicas, de aprendizagem) ou aqueles vivendo
em realidades diversas da escola convencional, como são as crianças e
j ovens das escolas indígenas e seus professores nat ivos e bilíngües.
As populações t radicionais, principalment e as indígenas, precisam ser
int roduzidas à linguagem gráfica e cart ográfica, conhecer os diferent es
produt os e as novas t ecnologias, t ais como fot ografias aéreas, imagens de
sat élit e, GPS. São conheciment os e informações fundament ais para mapear
o passado, o present e e o fut uro, com suas memórias e visões, sua hist ória
e cult ura, suas riquezas. Um grande desafio para cart ógrafos consist e em
dest acar o papel dos et nomapas e da Geografia na superação dos problemas
sociais e ambient ais, t ransf ormando a realidade dest as populações,
expressando novas relações, resgat ando e preservando cult uras ancest rais.
O At las Geográfico Indígena do Acre (Figura1, na próxima página) apresent a
um conj unt o de mapas que cont ext ualizam est a propost a.

CARTOGRAFIATÁTIL: EXPERIÊNCIASCOM EDUCAÇÃO DIFERENCIADAE


INCLUSÃO DE MINORIAS
Desde 1988, a aut ora desenvolve pesquisa e orient a t rabalhos cien-
t íficos sobre Cart ografia Tát il, volt ada a usuários com deficiência visual
(VASCONCELLOS, 1991; 1992; 1993; 1995, 1996; ALMEIDA, 2001, 2002,

113
REGINA ARAUJO DE ALMEIDA (VASCONCELLOS)

Figura 1 : At l as Geogr áf i co Indígena do Acr e, CPI- Acr e [ GAVAZZI, R. A. ; REZENDE


M. S. (org. ), 1998]

2006). O est udo concent rou at enção em duas áreas: 1. concepção e produ-
ção de mat eriais t át eis – análise, const rução e t est e de várias t écnicas e
produt os cart ográficos, com especial at enção para uso de variáveis t á-
t eis, aplicando a semiologia gráfica (BERTIN, 1977); 2. Uso da linguagem
t át il, avaliação do processo de comunicação e desenvolviment o de pro-
gramas de t reinament o para professores e est udant es deficient es visu-
ais. Uma vast a bibliografia foi organizada durant e esse período e inúmeras
at ividades realizadas, inclusive event os int ernacionais. No período de 1996
a 2006, o Laborat ório de Ensino e Mat erial Didát ico (Lemadi), Geografia
(FFLCH-USP), cont inuou o t rabalho com alunos de graduação e pós-gradu-
ação, mant endo o mat erial didát ico t át il a disposição dos usuários e part i-
cipando de proj et os nacionais e int ernacionais, sob a coordenação de
Waldirene Ribeiro do Carmo e Carla Gimenes de Sena, que minist raram
cursos no Chile, Argent ina e México ent re 2003 e 2005.
A relevância de int egrar crianças e j ovens com necessidades especi-
ais nas escolas e na vida cot idiana é amplament e reconhecida e apoiada.
Nest e aspect o, é preciso considerar esse grupo t ant o como usuários de
mapas como mapeadores. Além das razões que levam um aluno a ut ilizar
a linguagem gráfica em várias disciplinas da escola, esses produt os são

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 111-129, 2007

fundament ais para orient ação e localização, para a leit ura e a compre-
ensão do espaço geográfico nas suas várias escalas.
A combinação de diferent es imagens, t ais como, mapas, fot ografias
convencionais, imagens de sat élit es e ilust rações, é muit o import ant e
para aprender Geograf ia e mot ivar o aluno (VASCONCELLOS, 2000;
ALMEIDA, 2005), mas dependem essencialment e da visão nesse processo
de aprendizagem. Usuários com deficiência visual podem recorrer ao
t at o para conhecer o espaço geográfico. Na verdade, ut ilizam esse canal
t ambém para sua orient ação e mobilidade no espaço, inclusive na escala
das edif icações e das ruas. Assim, é f undament al que essas pessoas
t enham acesso a mapas t át eis e out ros mat eriais didát icos que possam
ser percebidos pelo sent ido do t at o e pela força mot ora (maquet es,
ilust rações em relevo, dent re out ras). Daí a import ância dest a área de
pesquisa, principalment e na cart ografia escolar.
Mapas t át eis (Figura 2) são excelent es exemplos para dest acar a re-
levância do processo de comunicação cart ográfica, t ema amplament e
est udado pelos cart ógrafos há mais de 40 anos. Na Cart ografia Tát il, a
comunicação bem sucedida requer a adoção de novas abordagens, uma
vez que os problemas que pessoas com deficiência visual encont ram são
diferent es daqueles ident ificados com os usuários vident es.

Figura 2: Mapas t át eis produzidos no Lemadi – Geograf ia (FFLCH-USP)

Com base na pesquisa empírica, a aut ora desenvolveu um modelo


de comunicação cart ográfica t át il, que enfat iza a nat ureza e o papel da

115
REGINA ARAUJO DE ALMEIDA (VASCONCELLOS)

concepção e uso do mapa (VASCONCELLOS, 1993; 1995; 1996). A idéia


básica é considerar uma est rut ura dinâmica onde t odas as variáveis es-
t ão int er-relacionadas e conect adas umas às out ras. O sist ema propost o
valoriza o papel do usuário, uma vez que ele deve est ar present e duran-
t e t odos os est ágios do processo cart ográfico, avaliando sua eficácia. Os
fat ores det erminant es para ambos, o usuário e o cart ógrafo, foram des-
t acados no modelo, por exemplo, a criat ividade, a mot ivação e as habi-
lidades inat as ou aprendidas. Out ros fat ores são específicos dos usuári-
os ou dos cart ógrafos, t ais como o conheciment o t eórico ou t écnico
para o mapeador ou a influência psicológica ou deficiência sensorial para
o usuário. A ampla gama de variáveis reunidas no modelo propost o expressa
a complexidade do processo cart ográfico (VASCONCELLOS, 1996, p.97).
Dessa forma, t rabalhar com novos grupos de usuários pode aprofundar a
discussão e propor uma nova avaliação dos mapas como meios de comu-
nicação.
A concepção cart ográf ica (design) t em sido est udada pelos cart ó-
grafos com diferent es abordagens. É uma fase vit al no processo de comu-
nicação da inf ormação geográf ica e dados espaciais. Quest ões t eóricas
e prát icas relacionadas à concepção são apresent adas em Wood e Keeler
(1996), adicionando conheciment os relevant es a est e t ema. Tendo em
vist a usuários com necessidades especiais, problemas f reqüent ement e
evit ados em Cart ograf ia, t ornam-se qualidades e condições para garan-
t ir a comunicação. O grau de generalização requerido, por exemplo,
inclui omissões, exageros e dist orções nunca imaginadas pelos car-
t ógraf os t radicionais. Pesquisas sobre criação de mapas t át eis, produ-
ção e uso t em sido f eit as por um grande número de especialist as no
ext erior (dent re eles, Wiedel, 1988; 1972; Edman, 1992; Andrews et al.
1991; Bent zen, 1982; Levi e Amick, 1982; Kidwell e Greed, 1973). Exis-
t em diversos est udos sobre legibilidade e discriminabilidade dos signos
t át eis e uma considerável quant idade de pesquisa aplicada em cart ografia
t át il t em sido realizada. Ent ret ant o, est as pesquisas, usualment e, f a-
lham ao levar em consideração t odas as variáveis envolvidas na criação
e uso de um mapa t át il.
A aut ora apresent ou um conj unt o de sugest ões e recursos dire-
cionados para criação, produção e uso do mapa t át il (VASCONCELLOS,
1993, 1996), definido após t est es com mais de 200 adult os e crianças
com deficiência visual. Os mat eriais const ruídos foram avaliados t am-

116
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 111-129, 2007

bém por professores de educação especial. Os result ados colet ados em


vários anos de pesquisas com mapas t át eis abriram novos caminhos para
uma Cart ografia Escolar volt ada à educação diferenciada.

ETNOCARTOGRAFIA: CONSTRUÇÃO E USO DE MAPASCOM POPULAÇÕES


INDÍGENAS
O Brasil possui hoj e cerca de 200 nações indígenas e uma população
de mais de 300.000 nat ivos, a maioria em t erras indígenas com escolas
diferenciadas, cont ando com um Referencial Curricular Nacional para as
Escolas Indígenas (MEC, 1998). Várias iniciat ivas no Brasil t êm int roduzido
Geografia e Cart ografia para as populações indígenas. Uma delas foi de-
senvolvida no est ado do Amapá com os Waiãpis, para ensinar Cart ografia
e possibilit ar a leit ura de mapas convencionais para ident ificar os limit es
das t erras indígenas que est avam sendo oficialment e demarcadas naquela
época. O proj et o t erminou com a publicação de um Livro de Mapas em
1992 (GALLOIS, 1992; 2001), apresent ando mapas feit os pelos nat ivos e
por cart ógraf os. Os mapas dos Waiãpis, além dos lugares mat eriais
present es em qualquer represent ação gráfica, t êm t ambém element os
mit ológicos e marcos j á desaparecidos. Ist o porque eles represent am o
t errit ório j unt o com sua hist ória e t ambém porque incorporam uma
relação profunda com o espaço geográfico.
Uma out ra iniciat iva a ser dest acada consist e no t rabalho desenvolvido
pela Comissão Pró-Índio do Acre, com seus vários proj et os. Um deles é a
formação de professores indígenas bilingües, envolvendo a publicação de
livros didát icos escrit os pelos professores indígenas do Acre, inclusive
diversos livros de Geografia e um At las de Geografia Indígena do Acre
(GAVAZZI, 1993; 1996; MONTE, 1996; 2003). Est as ações t ransformaram seu
conheciment o e sua t radição oral, t razendo novas dimensões para sua
hist ória e sua geografia. Como eles disseram: “ as palavras não vão mais
embora com o vent o” . Em ambos os proj et os, os nat ivos avaliaram os
mapas como represent ações incomplet as de seu espaço e das suas per-
cepções e vivências holíst icas. Est as populações t radicionais sempre usam
muit os símbolos pict óricos e seus mapas parecem àqueles feit os por
crianças, mas ao mesmo t empo, demonst ram um conheciment o apro-
fundado do seu t errit ório e possuem int eresse acent uado na aprendizagem
e uso da linguagem cart ográfica (Figuras 3 e 4 na próxima página).

117
REGINA ARAUJO DE ALMEIDA (VASCONCELLOS)

Figura 3: Mapa elaborado durant e as aulas de cart ograf ia no Cent ro de Formação dos
Povos da Florest a - Comissão Pró-Índio do Acre

Figura 4: Represent ação da t erra indígen Ashaninka, elaborado por AAFI-CPI-Acre

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 111-129, 2007

As at ividades ligadas ao est udo e à represent ação de seus t errit órios


auxiliam na prot eção de suas t erras e de sua cult ura, na realização de
diagnóst icos ambient ais, garant indo a conservação dos recursos nat urais
e a sust ent abilidade social e econômica das comunidades. Dessa forma,
ut ilizam a geografia e os mapas por razões diferent es e de formas não
convencionais. Sem dúvida, exist e uma necessidade de visualização do
t errit ório, t ranspondo para o papel uma percepção e um conheciment o
ancest ral do espaço. Além de desenhar mapas ment ais, é preciso conhe-
cer t ambém os mapas convencionais e digit ais para represent ar o mundo
em que vivem e suas várias dimensões, sej am elas mat eriais, físicas,
sociais ou cult urais.
No f ut uro, a aut ora espera aprof undar os result ados j á colet ados,
como por exemplo, as ref lexões sobre o uso do mapa para populações
indígenas. Baseando-se em suas respost as, os mapas t êm as seguint es
f unções: expressões de art e, localização e orient ação, apresent ação
de suas t erras aos visit ant es, apoio para viagens de deslocament o, de-
f inição das t erras indígenas e suas demarcações, invent ário e gest ão e
manej o dos recursos nat urais, consciência e educação ambient al e
ações para a preservação e conservação do meio ambient e em seus
t errit órios.
Out ra quest ão de grande int eresse, é o est udo das diferenças de
gênero e idade na produção e uso dos mapas, pois exist em níveis diversos
de conheciment o do espaço, em f unção da cult ura e dos cost umes
ancest rais. Os homens, como caçadores, t êm o conheciment o e a expe-
riência espacial, t raçando os mapas com maior facilidade. As mulheres
podem usar os mapas para aprender e visualizar lugares desconhecidos,
como o int erior da florest a.
A propost a de uma et nocart ografia t em sido est udada, assim como
analisados exemplos e experiências relacionadas com a const rução e uso
de mapas nas t erras indígenas brasileiras, com especial referência às
et nias at endidas pela Comissão Pró-Índio do Acre (CPI). Em Rio Branco,
Acre, são minist rados cursos de formação para professores indígenas e
agent es agroflorest ais indígenas (AAFI), onde é int roduzida a linguagem
dos mapas e das imagens de sat élit e, seus usos e funções, assim como
seu papel no desenvolviment o social e econômico dest as comunidades.
Os result ados t êm sido ext remament e posit ivos, inclusive com a int ro-
dução de t écnicas de geoprocessament o para a elaboração dos et no-

119
REGINA ARAUJO DE ALMEIDA (VASCONCELLOS)

mapas. Além das at ividades realizadas no Cent ro de Formação dos Povos


da Florest a, coordenado pela CPI-Acre, são t ambém oferecidas oficinas
nas t erras indígenas acreanas.

O ENSINO DE GEOGRAFIAE CARTOGRAFIAPARAPOPULAÇÕESINDÍGENAS:


EXPERIÊNCIASJUNTO À CPI-ACRE
Durant e oit o cursos minist rados pela aut ora (2000-2004) foram reali-
zadas diversas at ividades para int roduzir noções básicas de Geografia e
Cart ografia (t ais como escala, localização e orient ação), at ravés de dese-
nhos, exercícios prát icos e t rabalhos em grupo.
Além das noções básicas, out ros t emas foram abordados, por exem-
plo, et nomapas; gest ão ambient al e manej o dos recursos nat urais, con-
ceit o de t errit ório indígena; relação nat ureza/ sociedade indígena; pro-
cesso de invasão e demarcação do t errit ório indígena; organização e
uso do t errit ório indígena; ext rat ivismo e agricult ura; art esanat o; caça
e pesca; relação aldeia-cidade-Brasil-mundo. Nas aulas, inúmeros mapas
e desenhos foram elaborados e discut idos (Figuras 5 e 6) durant es as
aulas no Cent ro de Formação (Figura 7).

Figura 5: Exemplos de rosa dos vent os desenhadas por prof essores indígenas

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 111-129, 2007

Figura 6: Exemplos de Livros de Geograf ia organizados e publicados para uso nas escolas
i ndígenas. As i l ust rações e t ext os f oram produzi dos, na sua mai ori a, por prof essores
indígenas.

Figura 7: Pr of essor es e agent es agr of l or est ai s i ndígenas nas aul as de Geogr af i a e


Cart ograf ia, no Cent ro de Formação dos Povos da Florest a da Comissão Pró-Índio do Acre.

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REGINA ARAUJO DE ALMEIDA (VASCONCELLOS)

Umas das at ividades realizadas com agent es AAFI e professores foi a


discussão de um diagnóst ico para ident if icar e analisar problemas e
necessi dades das comuni dades sel eci onadas, ut i l i zando dados
geográficos, represent ações gráficas – desenhos e mapas e depoiment os
dos par t i ci pant es. Est a exper i ênci a cent r ou-se no t r abal ho das
comunidades, divididas em grupos, que reflet iram e produziram desenhos
e mapas sobre t rês épocas:
• Passado:como eram as t erras indígenas, sua ext ensão e front eiras,
a hist ória de cada comunidade e sua cult ura, os recursos nat urais
disponíveis, o meio ambient e, a vida.
• Present e: o que mudou daquele passado, na cult ura, na polít ica,
na economia, na qualidade de vida da comunidade, como se encont ram
os recursos nat urais e o meio ambient e no moment o at ual. Est a fase
corresponde ao diagnóst ico ambient al t ambém realizado at ravés de
discussões, mapas, desenhos, t ext os.
• Fut uro: corresponde à geografia e ao mapa dos sonhos. O que a
comunidade quer para os t empos que virão, pensando a part ir do passado
e do present e. Nest a et apa, os grupos discut em e fazem propost as para
a Agenda 21 das Terras Indígenas ou de out ras populações t radicionais
envolvidas e suas comunidades.

Figura 8: Mapas elaborados pelos prof essores indígenas durant e aulas de Geograf ia, no
Cent ro de Formação dos Povos da f lorest a, CPI-Acre.

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 111-129, 2007

Inúmeros t ext os, desenhos e mapas (Figura 8) foram apresent ados


durant e as aulas no Cent ro de formação dos Povos da Florest a da CPI-
Acre e foram levados para as t erras indígenas para serem amplament e
discut idos as comunidades e out ros líderes locais. Pela avaliação realiza-
da pelos part icipant es do curso, a at ividade de reflet ir e produzir dese-
nhos e mapas sobre o passado, o present e e o f ut uro despert ou um
int eresse muit o grande, o que levou os professores a planej arem a con-
t inuidade desses t rabalhos j unt o às suas escolas e comunidade. Exem-
plos de depoiment os:
Foi muit a sat isfação acompanhar as apresent ações; sonhando, t rabalhar
a sabedoria, a volt a ao passado, povo não índio pedindo aj uda; fazer
aut o aval iação. Tudo apresent ado f oi f ont e de experiência para
professores[...] (Professor indígena Célio)

Foi uma semana com muit o proveit o; deu reflexão no pensament o. Alguns
sonhos dos out ros são realidade, valorização. Como uma f ot o, as
apresent ações deu para viaj ar no pensament o da pessoa ao ver mapas.
Cada um t em um sonho! Tem que ir com obj et ivos [...] (Professora
indígena Raimunda)

CONSIDERAÇÕESFINAIS: ABORDAGEM MULTICULTURAL E NOVAS


CARTOGRAFIAS

A verdadeira viagem seria não part ir em busca


de novas paisagens, mas t er out ros olhos, ver o universo
com os olhos de out ra pessoa, de cem pessoas, e ver os
cem universos que cada uma vê, que cada uma é.

Marcel Proust

Nest e início do século XXI, a Cart ografia dest aca-se pelos novos pro-
dut os, novos usuários, novas abordagens, com mapas at ingindo um pú-
blico maior e encont rando caminhos mais inovadores, acima de t udo
com relação à educação de crianças e j ovens. Hoj e, novas t ecnologias
digit ais est ão revendo as bases t eóricas da Cart ografia, uma vez que os
mapas digit ais que aparecem nos monit ores do comput ador, nas t elas de
celulares e agendas, precisam ser avaliados como meios de comunicação
da informação espacial. Pesquisas cognit ivas e de percepção serão ne-

123
REGINA ARAUJO DE ALMEIDA (VASCONCELLOS)

cessárias para melhorar o design de mapas em t odas as suas formas. Taylor


(1996) resumiu desafios e respost as para est as quest ões, dest acando o
papel e as int erações da comunicação, da cognição e da formalização.
Muit os aut ores est rangeiros apresent aram e discut iram o papel do mapa
na educação (TILBURY; WILLIANS, 1997; GERBER, 1992; BOARDMAN, 1983;
PETCHNICK, 1979) e no Brasil esses est udos t em sido desenvolvidos por
vários aut ores e ext ensivament e publicados. Da mesma forma, quest ões
sobre percepção e represent ação espacial t êm sido est udadas por vári-
os geógrafos e cart ógrafos nas últ imas t rês décadas, desde os primeiros
t rabalhos publicados (FREMONT, 1973; GOULD, 1974; TUAN, 1975; DOWN;
STEA, 1977; ANDRÉ, 1989; BAILLY, 1989). Muit as são as publicações sobre
mapas ment ais, represent ações do espaço vivido e percebido, assim como
out ros t emas relacionados à Cart ografia e à Geografia, e que poderiam
ser aplicados aos usuários com necessidades especiais e principalment e
t endo em vist a uma abordagem mult i e int ercult ural na produção e uso
dos mapas.
Novos fat os econômicos, polít icos e sociais, em conj unt o com uma
variedade de inovações t ecnológicas est ão t razendo import ant es mudan-
ças na Cart ografia em t odos os níveis. Taylor (1991; 1996; 2006) e t ambém
MacEachren e Taylor (1994) t êm apresent ado excelent es análises sobre
est e t ema, chamando a at enção para a necessidade de novos conceit os
para a Cart ografia, considerando os cont ext os cult ural e social, sem a pre-
dominância de paradigma t ecnológico. Quest ões t eóricas e novas aborda-
gens dent ro da Cart ografia são discut idas em diversas obras (WOOD, 1992;
KANAKUBO, 1993; DARLING; FAIRBAURN, 1997; TAYLOR, 2005). A Cart ogra-
fia deve ir além das novas t ecnologias t razidas pela era da informação, não
esquecendo o cont ext o social (HARLEY, 1989; 1990; TURNBULL, 1989), em
conj unt o com a subj et ividade e a diversidade cult ural.
Nos anos 90, com t ecnologias de comput ador t razendo novos desa-
fios para a disciplina, os cart ógrafos est ão redescobrindo alguns t emas,
agora vist os como part e da visualização cart ográfica. Pet erson (1994)
apresent a uma excelent e análise dest e assunt o. No Brasil e no mundo,
exist em poucos est udos sobre percepção espacial e mapas por e para
usuários com necessidades especiais, os quais dependem de diferent es
abordagens e est rat égias inovadoras. Esses usuários t alvez não são po-
pulações t ão minorit árias como pode parecer em uma primeira análise.
Eles precisam ser int roduzidos a uma linguagem gráfica e cart ográfica,

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 111-129, 2007

conhecer os diferent es produt os cart ográficos, além de mapear lugares,


memórias e visões, sua hist ória e sua cult ura.
É preciso aprofundar as reflexões e realizar pesquisas sobre cart o-
grafia para novos grupos de usuários com necessidades especiais, t ais
como as populações indígenas, seus professores e alunos como usuários
de mapas e mapeadores, as pessoas com deficiências sensoriais e de
aprendizagem, idosos, sem mencionar t odo o universo das crianças e
dos j ovens. Os mapas t ambém podem ret rat ar emoções, sonhos, conhe-
ciment os ancest rais das populações indígenas, ou conect am pessoas ao
mundo das imagens at ravés de out ros canais. É preciso valorizar as me-
mórias do passado, assim como as represent ações cart ográficas não con-
vencionais, desde os desenhos de um professor indígena at é mapas vir-
t uais, sonoros e digit ais, adapt ados ao sent ido do t at o e acessíveis aos
usuários com necessidades especiais (ALMEIDA; TSUJI, 2005), como pro-
põe uma nova cart ografia cibernét ica propost a por Taylor (2005).
Mapear art e, memórias, experiências e sensações devem fazer par-
t e da cult ura cart ográfica. Mapas represent ando imagens ment ais deve-
riam ser part e de nossa hist ória, como são para as populações indígenas,
como foram no passado; são mapas delineando cosmovisões, expressan-
do novas relações, resgat ando e preservando cult uras ancest rais e seus
muit os espaços: físico, cult ural, social, virt ual.
O desafio é dest acar o papel de t odos est es mapas na superação dos
problemas sociais e das desigualdades, t ransformando a realidade, at ingin-
do mais pessoas, promovendo a inclusão, oferecendo oport unidades para
aprimorar o conheciment o cart ográfico dos novos produt ores e usuários
da informação geográfica e das represent ações em suas várias formas,
incluindo o meio digit al.

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MAQUETE DE RELEVO: UM RECURSO DIDÁTICO


TRIDIMENSIONAL

Mar i a El ena Ramos Si mi el l i *; Gi sel e Gi rardi **;


Rosemeire Morone***

INTRODUÇÃO
No final da década de 1980 iniciamos, no Laborat ório de Cart ografia
do Depart ament o de Geografia da Universidade de São Paulo, at ividades
de produção e aprendizagem de const rução de maquet es. Marcou o início
mais sist emát ico dest e t rabalho a elaboração de uma maquet e de relevo
do Brasil, na escala de 1:5 000 000, com o obj et ivo de ser apresent ada no
8º Encont ro Nacional de Geógrafos, da AGB, ocorrido em j ulho de 1990,
em Salvador-BA, com o t ít ulo “ Do plano ao t ridimensional - A maquet e
como recurso didát ico” 1.
Desdobrament os dest e t rabalho permit iram uma série de cursos
minist rados em várias inst it uições de ensino brasileiras, um proj et o de
elaboração de bases cart ográf icas para maquet es de t odos os est ados
brasileiros e t ambém o art igo Do pl ano ao t ridimensional - A maquet e

*
Prof essora Dout ora e Livre Docent e no Depart ament o de Geograf ia da Universidade de
São Paulo. Endereço elet rônico:simielli@usp.br.
**
Geógraf a e Dout ora em Geograf ia pela USP, Prof essora de Cart ograf ia no Depart ament o
de Geograf i a da Uni versi dade Federal do Espíri t o Sant o. Endereço el et rôni co:
g.girardi@uol.com.br
***
Geógrafa e Dout oranda em Geografia pela USP, Professora de Geografia no Ensino Médio
no Est ado de São Paulo. Endereço elet rônico: morone@usp.br
1
A equipe que elaborou a maquet e do Brasil f oi compost a por: Douglas G. dos Sant os e
Humbert o L. B. Mendes (Região Nort e); Avelino Pereira, Kát ia Canil e Márcia R. B.
Piacent ini (Região Nordest e); Gisele Girardi e Mônica Pavão (Região Sudest e); Pat rícia
Bromberg, Rosemeire Morone e Sílvia Lopes Raimundo (Região Sul); Márcia A. da Cost a e
Márcia R. C. Soares (Região Cent ro-Oest e), sob orient ação da Prof a. Maria Elena R.
Simielli.

131
MARIA ELENA RAMOS SIMIELLI; GISELE GIRARDI; ROSEMEIRE MORONE

como recurso didát ico, publicado no Bol et im Paul ist a de Geograf ia nº


70, em 19912.
No decorrer dest e t empo percebemos uma grande disseminação da
prát ica de const rução de maquet es de relevo, sej a em art igos publicados,
sej a em experiências relat adas em congressos cuj a ênfase era a Geografia,
seu ensino e suas prát icas. É, port ant o, relevant e se not ar que o obj et ivo
inicial de sist emat izar uma prát ica cart ográfica que pudesse cont ribuir
com o ensino de geografia e com a compreensão do t errit ório rendeu
bons frut os.
As experiências adquiridas, reflet idas e ressignificadas compõem a
mat éria-prima do present e art igo. Para at ender a uma demanda dos
edit ores e dos leit ores do Bolet im Paulist a de Geografia est e art igo t raz
t ambém bases cart ográficas para a elaboração de maquet es, as originais
por regiões brasileiras, publicadas no cit ado art igo, acrescent adas da
base do Brasil, em escala maior e a do Est ado de São Paulo.

1 APRENDIZAGENSQUEAMAQUETE DO RELEVO POSSIBILITA


É corret o afirmarmos que o obj et ivo primeiro em se const ruir ma-
quet es de relevo é o de possibilit ar uma visão t ridimensional das infor-
mações que no papel aparecem de forma bidimensional. Podermos ainda
reconhecer os compart iment os principais do relevo de um det erminado
t errit ório e a part ir dest e reconheciment o const ruir novos conheci-
ment os, sej a os da gênese daquele compart iment o, comparando a ma-
quet e com um mapa geológico, por exemplo, ou mesmo de ocupações
humanas dist int as que, se não forem det erminadas são ao menos in-
fluenciadas pela t opografia, como é o caso da int ensidade da mecanização
agrícola. Podemos, assim, dizer que est es são obj et ivos ou conheciment os
const ruídos pós-elaboração da maquet e de relevo. Mencionaremos alguns
exemplos nest e art igo.
Há, no ent ant o, um conj unt o de conheciment os básicos da cart o-
grafia que são envolvidos no processo de elaboração de uma maquet e.
Ou sej a, há cert os cont eúdos cart ográficos que, ao se fazer a maquet e,

2
Aut oria: Maria Elena Ramos Simielli, Gisele Girardi, Pat rícia Bromberg, Rosemeire Morone
e Sílvia Lopes Raimundo.

132
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 131-148, 2007

ganham concret ude e são mais facilment e incorporados. A const rução


da maquet e t raduz-se, assim, em um processo de educação cart ográfica
e est e raciocínio é válido t ant o para as séries iniciais quant o para a
aprendizagem na leit ura e int erpret ação de cart as t opográficas com es-
t udant es do ensino superior.
Devemos ressalt ar que a const rução de maquet es implica em est udos
morfomét ricos do relevo e não morfológicos. Evident ement e quant o maior
for a escala do mapa de base usada maior a possibilidade de fazermos
aproximações morfológicas.
Relat aremos dois exemplos de como o t rabalho com a maquet e pode
ser efet ivado na const rução de conceit os cart ográficos.
Nas séries iniciais a const rução da noção de curva de nível pode ser
encaminhada a part ir da desconst rução de um sólido, t ridimensional,
em uma represent ação plana. Isso pode ser feit o por meio da ut ilização
de um obj et o que possa ser cort ado em fat ias de espessuras semelhant es
(Figura 1, na próxima página), como por exemplo um chuchu, ou um
obj et o que possa ser post o em um vasilhame e paulat inament e ser imerso
em água. Convém que se marque no próprio obj et o a linha d´ água a cada
nível e depois se coloque uma folha t ransparent e sobre o vasilhame para
se copiar as curvas marcadas no obj et o (GIANSANTI, 1990).
Convém, nest e caso, que se ut ilize as cores hipsomét ricas para
t reinar os alunos na leit ura de mapas que habit ualment e aparecerão em
seu mat erial escolar para a represent ação do relevo, ou sej a, a área ent re
as curvas mais baixas em verde, depois em amarelo, laranj a e marrom.
Pode-se fazer, depois, o exercício cont rário, ou sej a, a part ir do
“ mapa” de curvas de nível gerados por qualquer um dos procediment os,
reconst ruir o t ridimensional, conforme será det alhado adiant e.
Est a aprendizagem quant o ao significado das curvas de nível é uma
est rat égia import ant e para a realização de uma maquet e de relevo a part ir
de um mapa real. Nest e caso os alunos das séries iniciais poderão observar
como se comport am os rios, onde nascem, correm e t em a sua foz. Um
exemplo clássico para est a sit uação é a do rio São Francisco, que os alunos
do ensino fundament al t êm dificuldades, em geral, no ent endiment o da
sua nascent e e percurso. Com uma maquet e dest a área fica muit o fácil de
ent ender as nascent es nas áreas elevadas do est ado de Minas Gerais, a
posição da represa de Sobradinho, a localização das cidades nas margens
do rio e a foz ent re os est ados de Alagoas e Sergipe.

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MARIA ELENA RAMOS SIMIELLI; GISELE GIRARDI; ROSEMEIRE MORONE

Figura 1. Curvas de nível a part ir de um modelo t ridimensional


Font e: TIDD; SULLIVAN, 1985, p. 44.
Ilust ração: GIRARDI, 1991 (originalment e publicado no BPG nº 70)

No caso do ensino superior de geografia, a const rução de maquet es


de relevo cont ribui efet ivament e com a capacit ação do aluno para ler
cart as t opográficas. Apesar de a hipsomet ria e as curvas de nível est arem
present es em t oda a vida escolar do aluno nos níveis fundament al e
médio, são raros os alunos que, no ensino superior, conseguem obt er
êxit o na int erpret ação e na compreensão das feições do relevo em sua
primeira experiência perant e cart as t opográficas.
Possivelment e isso se dê pelo nível de det alhament o das curvas de
nível em cart as t opográficas, pela sua eqüidist ância, pela ausência de
cores hipsomét ricas, com as quais os alunos se habit uam em sua vida
escolar, mas t ambém pelo recort e t errit orial que nem sempre permit e
uma visão regional mais ampla.

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 131-148, 2007

Analisar um pequeno t recho de uma cart a t opográfica, const ruindo


uma maquet e, t em se most rado um procediment o eficaz na aprendizagem
em leit ura e int erpret ação de cart as t opográficas. Apresent amos agora
cada et apa dest a possibilidade, com as respect ivas aquisições.
• Escolha do t recho da cart a t opográf ica. Para o obj et ivo dest e apren-
dizado, um t recho pequeno da cart a t opográfica pode ser ut ilizado. É
import ant e que ele t enha diversidade de relevo e de ocupação, com o
que a aprendizagem se enriquece. Também é recomendado que o t recho
cont enha uma bacia ou sub-bacia hidrográfica. Para a seleção do t recho
pode-se fornecer ao aluno preferencialment e as coordenadas geográficas
ou as UTM dos cant os do t recho que irá t rabalhar, o que cont ribui com
sua capacit ação no cálculo dest es element os. Pode-se, t ambém, solicit ar
que calcule a área do t recho, o que implicará em operar com as noções
básicas de escala e do sist ema mét rico, linear e areolar.
• Ident if icação das curvas: recomenda-se que cada uma das curvas
sej a marcada com uma cor dist int a, iniciando-se por uma curva mest ra
(cot ada). Nest e exercício o est udant e j á começa a observar a diferença
dos padrões da curva de nível próximo ao t alvegue e no int erflúvio bem
como adquire habilidade na observação das “ subidas” e “ descidas” , e
t ambém nas declividades. Pode-se int roduzir nest e moment o a noção
básica para cálculo da declividade, no qual novament e se opera com a
escal a. Não se r ecomenda f azer com que os al unos const r uam
manualment e uma cart a de declividades, pois hoj e est as são elaboradas
com muit a rapidez e conf iabilidade por sof t wares de SIG, mas que
adquiram noção do que é e qual o princípio do cálculo da declividade,
t reinando-o na leit ura dos arranj os de curvas de nível.
• Mont agem da maquet e: Na mont agem da maquet e pode-se ut ilizar
de vários recursos: t ranspor as curvas para placas de isopor, como será
det alhado adiant e; t irar várias cópias do t recho, colá-las a placas de papel
grosso e recort á-las com est ilet e ou t esoura; t ranspor as curvas com
carbono para folhas de EVA, recort ando-as com t esoura. Est a et apa da
at ividade é, aparent ement e, a mais mecânica, porém a consult a sist e-
mát ica à cart a para a colocação das peças nos locais corret os é t ambém
um exercício de leit ura sist emát ica da represent ação plana e da repre-
sent ação t ridimensional. Para o obj et ivo da aprendizagem em leit ura de
curvas de nível a et apa de acabament o pode ser dispensável, excet o no
que se refere ao dest aque da hidrografia.

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MARIA ELENA RAMOS SIMIELLI; GISELE GIRARDI; ROSEMEIRE MORONE

• Descrição da maquet e de relevo: convém que se solicit e aos alunos


que descrevam o t recho do qual a maquet e de relevo foi const ruída. Para
est a descr i ção deve-se ut i l i zar t er mos t opogr áf i cos, conf or me
sist emat izados por Tricart (TRICART et al, 1972), para os element os e formas
de relevo (t alvegue, divisor de águas, pat amar, t ipos de vert ent es e de
t opos, et c.). No que se refere à hidrografia, pode-se descrever t ant o suas
formas como suas densidades e ordens (ANDERSON, 1982) e sua ext ensão,
ut ilizando-se para isso mat erial maleável, como barbant e ou linha, e
calculando-a de acordo com a escala. O posicionamento correto da maquete
e a dedução do moviment o aparent e do sol na lat it ude do t recho t rabalhado
permit e que se analise as vert ent es de acordo com sua exposição.
Findas est as et apas, o est udant e deve t er adquirido os element os
básicos para leit ura do relevo em cart as t opográficas, o que pode ser
t est ado most rando-lhe um t recho diferent e do t rabalhado na maquet e de
relevo e solicit ando que o descreva conforme apresent ado ant eriorment e.
Ele adquire, t ambém, senso crít ico para analisar represent ações de hip-
somet ria, declividades e exposição de vert ent es obt idas aut omat icament e
por meio de sof t wares apropriados (LOMBARDO; CASTRO, 1997).
É possível observar, a part ir dos exemplos ant eriorment e descrit os —
que abordaram duas faixas et árias, dois níveis de escolaridade e dois
obj et ivos dist int os —, que há uma série de variações para o aprendizado
de noções cart ográficas no processo de const rução de uma maquet e, que
podem ser adapt ados a quaisquer faixas et árias e níveis de escolarização.
Como t odo processo de aprendizagem, a const rução de maquet es de relevo
exige a mediação do professor de geografia. Ent endemos que além de
inst ruir e supervisionar o t rabalho de elaboração propriament e dit o e de
acompanhar a evolução do processo de aquisição de conheciment os por
part e dos alunos, há et apas do t rabalho que devem ser assumidas pelo
mediador. A principal delas é a pesquisa e a const rução de uma base
cart ográfica adequada ao t rabalho que se pret ende realizar.

2 CONSTRUÇÃO DE BASESCARTOGRÁFICASPARAMAQUETESDE RELEVO


Para elaboração de maquet es de relevo cuidado especial deve ser
dado em relação à obt enção e organização da base cart ográfica. A base
cart ográfica para elaboração de maquet es implica em um t rabalho de
pesquisa do professor, mediador do processo de aprendizagem. A pro-

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 131-148, 2007

dução da base cart ográfica para maquet e deve levar em cont a o público-
alvo, os obj et ivos do t rabalho, o t empo que será dedicado ao t rabalho
em sala de aula, as possibilidades mat eriais da escola, dent re out ros
fat ores. Est es element os preliminarment e analisados balizarão a escolha
da escala da base (o t amanho da maquet e), a quant idade de curvas a
serem t rabalhadas e o t ipo de acabament o que será dado.
Exemplificando: se o t errit ório a ser t rabalhado é o Brasil, no cont ext o
da sext a série do ensino fundament al, pode-se opt ar por:
a) cada aluno fazer sua própria maquet e: a base cart ográfica t em de
ser bast ant e simplificada, em t amanho pequeno;
b) cada grupo de alunos fazer uma maquet e: a base pode ser mais
det alhada, em t amanho maior, sendo que cada aluno pode ficar res-
ponsável por uma curva de nível;
c) cada grupo de alunos fazer uma região: nest e caso a classe produz
soment e uma maquet e, sendo que cada aluno pode ficar responsável
por uma curva de nível de sua região.
Podemos observar que para cada opção possível há uma base cart o-
gráfica adequada. Reafirmamos, port ant o, a necessidade de o professor
t er em ment e as condições de t empo, mat eriais e os obj et ivos para
elaborar a base cart ográfica. Det alharemos a seguir alguns element os
import ant es para a const rução da base cart ográfica.

• Eqüidistância das curvas de nível e exagero vertical


Preferencialment e, a base cart ográfica deve t er curvas eqüidist ant es,
pois o mat erial a ser t rabalhado pelos alunos (isopor, EVA, papelão) t erá
espessura const ant e. Garant e-se, assim, a proporcionalidade ent re as
alt it udes reais e as represent adas, exceção feit a aos picos.
O uso de base cart ográfica com curvas eqüidist ant es é import ant e
para a det erminação da escala vert ical e da proporcionalidade nas
alt it udes, conforme j á apont ado. A eqüidist ância a ser ut ilizada, ou sej a,
a regularidade do int ervado ent re as alt it udes (por exemplo, de 250 em
250 met ros ou de 500 em 500 met ros) é det erminada pelas caract eríst icas
do t erreno, pela escala do mapa e pela espessura do mat erial disponível
para a const rução da maquet e.
Por exemplo, em uma base cart ográfica com eqüidist ância de 500
met ros, se a amplit ude alt imét rica for de 0 a 5000 met ros t eremos 11
curvas de nível (0 m, 500 m, 1000 m, 1500 m, 2000 m, 2500 m, 3000 m,

137
MARIA ELENA RAMOS SIMIELLI; GISELE GIRARDI; ROSEMEIRE MORONE

3500 m, 4000 m, 4500 m e 5000 m). Se for ut ilizado mat erial com espessura
de 1 cm a alt ura t ot al da maquet e será de 11 cm. Dependendo da escala
horizont al (escala da base cart ográfica) isso pode significar um exagero
vert ical excessivo.
Exagero vert ical é a proporcionalidade ent re as escalas horizont al e
vert ical. Para sua det erminação é preciso que se divida o denominador
da escala horizont al (da base cart ográfica) pelo denominador da escala
vert ical (no exemplo acima 1 cm equivale a 500 met ros de alt it ude,
port ant o, a escala vert ical é de 1: 50.000). Como regra geral, quant o
menor for o exagero vert ical mais próxima às proporções reais est ará a
maquet e de relevo. Cont udo, quando se t rabalha com escalas muit o
pequenas ele pode ser acent uado em função das grandezas (dist ância e
alt it ude) serem muit o dist int as. Bast a raciocinarmos que a linha do
Equador, círculo máximo da Terra, t em aproximadament e 40.000 km e a
mais alt a alt it ude no planet a, no Everest , é de cerca de 8.000 m ou 8 km.
Se fosse represent ada t oda a Terra e a linha do Equador t ivesse 1 m de
compriment o, proporcionalment e o Everest t eria aproximadament e dois
décimos de milímet ro. Assim, nest e caso, convém t rabalhar com maior
exagero vert ical.

• Interpolação das curvas de nível


Normalment e, nos at las e mat eriais didát icos, são encont rados mapas
hipsomét ricos cuj a const rução envolve o agrupament o de curvas repre-
sent at ivas de det erminadas caract eríst icas do relevo, rarament e man-
t endo eqüidist ância. Est e é, aliás, o princípio da hipsomet ria.
A part ir de um mapa hipsomét rico é possível ao professor elaborar
uma base cart ográfica com curvas eqüidist ant es por meio de int erpolação.
Int erpolação de curvas de nível é o processo pelo qual, a part ir de valores
alt imét ricos j á conhecidos no mapa, obt êm-se os valores int ermediários.
Exist em vários mét odos para int erpolação de curvas de nível sendo o
mais usual e mais prát ico o processo de int erpolação por avaliação, no
qual, a part ir das curvas conhecidas, deduz-se pela análise por onde a
curva a ser int erpolada passa (Figura 2).
Apesar dest e processo não t er a garant ia de uma grande precisão, é
suficient e para o grau de generalização ut ilizado em maquet es de relevo
de áreas com t errit órios grandes (escala pequena).

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 131-148, 2007

Figura 2. Int erpolação por avaliação


Org. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

• Generalização cartográfica
A generalização cart ográfica é o processo que envolve a simplificação,
seleção e t ambém a valorização de det alhes significat ivos em função da
escala. Na Figura 3 est á exemplificado um processo de generalização de
curvas de nível para a const rução de maquet es.

Figura 3. Exemplo de generalização de curvas de nível para a const rução de maquet es


Org. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

Eqüidist ância, exagero vert ical, int erpolação e generalização cart o-


gráfica são os conceit os-chave para a elaboração de bases cart ográficas
para maquet es.

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MARIA ELENA RAMOS SIMIELLI; GISELE GIRARDI; ROSEMEIRE MORONE

Apresent amos, a seguir, bases cart ográficas do Brasil, com eqüidis-


t ância de 400 met ros (Figura 4), das Regiões Brasileiras, com eqüidist âncias
de 200 met ros (Figura 5 a 8) e do Est ado de São Paulo, com eqüidist ância
de 200 met ros (Figura 10).

Figura 4. Base cart ográf ica para maquet e de relevo do Brasil


Org. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 131-148, 2007

Figura 5A/ 5B. Base cart ográf ica para maquet e de relevo da Região Nort e
Org. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

Figura 6. Base cart ográf ica para maquet e de relevo da Região Nordest e
Org. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

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MARIA ELENA RAMOS SIMIELLI; GISELE GIRARDI; ROSEMEIRE MORONE

Figura 7. Base cart ográf ica para maquet e de relevo da Região Sudest e
Org. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

Figura 8. Base cart ográf ica para maquet e de relevo da Região Sul
Org. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 131-148, 2007

Figura 9. Base cart ográf ica para maquet e de relevo da Região Cent ro-Oest e
Org. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

Figura 10. Base cart ográf ica para maquet e de relevo do Est ado de São Paulo
Org. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

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MARIA ELENA RAMOS SIMIELLI; GISELE GIRARDI; ROSEMEIRE MORONE

3 ETAPASDE ELABORAÇÃO DE MAQUETESDE RELEVO


A part ir das bases cart ográficas const ruídas, procede-se à elaboração
da maquet e propriament e dit a. São apresent adas a seguir cada et apa da
elaboração da maquet e de relevo e na Figura 11 encont ra-se um resumo
gráfico das mesmas.

Figura 11. Resumo das et apas de elaboração de maquet es de relevo


Org. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

1 Desenho das curvas


Ret irar cada curva separadament e em um papel t ransparent e
(recomendamos seda ou mant eiga). Convém que se desenhe a curva
imediat ament e superior ou pelo menos alguns element os da mesma, bem
como a hidrografia at é a curva superior para facilit ar post eriorment e a
mont agem das curvas.

2 Transposição das curvas de nível para as placas do material


A espessura das placas do mat erial a ser t rabalhado (isopor, E.V.A.,
papelão) deve sempre ser escolhida em f unção da eqüidist ância e da
escala vert ical ut ilizada. Para desenhar o t raçado das curvas nas placas,
int ercalamos ent re est e e a folha com a curva uma folha de papel carbono.

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 131-148, 2007

Em seguida t raçamos ou perf uramos com alf inet e t odo o cont orno, f i-
cando a curva demarcada na placa. A curva mais baixa pode ser t ranspost a
em mat erial mais resist ent e ou pode, post eriorment e, ser colada a um
suport e.

3 Recorte das placas


Para recort ar as curvas nas placas de isopor ut ilizamos inst rument o
de pont a aquecida. Exist em em loj as especializadas inst rument os próprios
para cort e de isopor, a base de pilhas ou elet ricidade. Efeit o semelhant e
pode t ambém ser obt ido aquecendo-se uma pont a met álica (agulha ou
clip fino presos a um palit o de picolé ou rolha). No caso do E.V.A. ou
papelão usa-se t esoura ou est ilet e.

4 Colagem das placas


Após o recort e, iniciamos a colagem pela curva mais baixa. Para a
melhor localização das placas é aconselhável t er sempre como referência
os mapas-base ou o t raçado da curva a ser colada na curva ant erior.
Exist em colas próprias para cada t ipo de mat erial, mas é bom ut ilizá-las
em quant idades reduzidas para não int erferir no exagero vert ical.

5 Recobrimento com gesso ou massa corrida


Para dar a idéia da cont inuidade do relevo, preenchemos os int ervalos
ent re os degraus das placas com gesso diluído em água ou massa corrida.
Est e mat erial t ambém não deve ser aplicado em excesso, apenas o
suficient e para unir a borda do degrau superior ao inferior.

6 Acabamento
Após a secagem complet a do mat erial de recobriment o ut ilizamos
lixa d’ água suavement e para dar uniformidade ao acabament o. Terminada
est a et apa passamos finalment e à pint ura, que pode ser feit a com t int a
adequada ao mat erial ut ilizado. As mais recomendáveis são lát ex ou t int a
pl ást ica, de pref erência em cores neut ras para não int erf erir nas
informações dos fut uros usos.

4 SUGESTÕESDE UTILIZAÇÃO DA MAQUETE DE RELEVO


Como j á ressalt amos, a maquet e deve fazer part e de um proj et o de
aprendizado, definido previament e pelo professor mediador. Tendo em

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MARIA ELENA RAMOS SIMIELLI; GISELE GIRARDI; ROSEMEIRE MORONE

vist a um obj et ivo a ser alcançado, os mat eriais de apoio (mapas t emát icos,
document os hist óricos) devem ser cuidadosament e selecionados e pro-
videnciados para que se efet ivem aprendizados significat ivos a part ir do
uso da maquet e de relevo. A t ít ulo de cont ribuição, elencamos algumas
sugest ões de ut ilização, com indicação dos mat eriais. É import ant e res-
salt ar que quando a maquet e recebe uma ut ilização ela passa a t er um
st at us semelhant e ao de um mapa t emát ico, devendo port ant o t er os
element os essenciais de qualquer mapa: legenda, t ít ulo, orient ação,
font e e aut or.
Sugest ão 1 – Toponímia: os alunos podem ident ificar na maquet e as
formas do relevo e, com o auxílio de um mapa físico denominá-las corret a-
ment e. Est e exercício t rabalha simult aneament e a leit ura do relevo repre-
sent ado pela hipsomet ria (bidimensional) e pela maquet e (t ridimensional).
Convém que se inicie o exercício pela ident ificação e nominação da
hidrografia. Os t opônimos (nomes dos rios, das serras, das mont anhas, et c.)
podem ser regist rados diret ament e sobre a maquet e ou com t iras de plás-
t ico ou papel t ransparent e que podem ser colocadas sobre a maquet e.
Sugest ão 2 –Veget ação: inicialment e deve ser providenciado um mapa
de veget ação na mesma escala que a base cart ográfica ut ilizada para a
const rução da maquet e. Est e mapa pode ser ampliado ou reduzido de
um original para se chegar à mesma escala que a base cart ográfica. Convém
que est e mapa est ej a em papel t ransparent e, pois isso permit e sua so-
breposição à base cart ográfica, facilit ando a localização das áreas de
veget ação específica. Depois os alunos devem t raçar os cont ornos sobre
a maquet e de relevo e ut ilizar recursos visuais para diferenciá-las. Areias
com granulações diferent es e t ingidas com variados t ons de verde, pó
de serragem em diferent es t ext uras e t ons são mat eriais que propor-
cionam bons result ados. O mais import ant e: o aluno deve fazer corre-
lações ent re o relevo e a cobert ura veget al, inst ruído e mot ivado pelo
professor mediador.
Sugest ão 3 – Variações t emporais: em sit uações em que o grupo
possui várias maquet es da mesma área pode-se eleger algum element o
t emporal e cada maquet e ret rat ar um período. Por exemplo: como e
quais eram a cobert ura veget al, as est radas e as principais cidades em
1500, em 1800, 1950 e em 2000. Pode-se, explorar a dinâmica da ocupação
do t errit ório e buscar correlações ent re as mot ivações da ocupação e o
avanço das t écnicas. Para a cobert ura veget al pode-se ut ilizar mat eriais

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 131-148, 2007

semelhant es aos cit ados na sugest ão 2 ou t rabalhar com grãos, caso se


invist a nas cobert uras agrícolas. Para as est radas pode-se ut ilizar linhas,
barbant es e para as cidades pode-se ut ilizar algum element o pont ual
(bot ões, por exemplo) se só for dada sua localização ou t int as ou out ra
cobert ura se se t rabalhar com manchas urbanas.

CONSIDERAÇÕESFINAIS
A maquet e cont ribui para a represent ação t ridimensional do relevo
à medida que regist ra e dá visibilidade às formas t opográficas que são
ident ificadas nas bases cart ográficas pela dist ribuição diferenciada das
curvas de nível.
É import ant e que no moment o em que os alunos est ej am t rabalhando
com a maquet e de relevo consigam, de acordo com as habilidades e
compet ências que possuem, produzir conheciment o geográf ico. Essa
produção se faz a part ir das informações que os element os da maquet e
em si t raduzem, assim como de informações que possam ser sobrepost as
à maquet e e t rabalhadas para a elaboração de conceit os e para a
compreensão de fenômenos em suas int erações com o relevo.
A maquet e de relevo não é um fim didát ico e sim um meio didát ico
at ravés do qual vários element os da realidade devem ser t rabalhados em
conj unt o.

REFERÊNCIAS
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Brasileira Cart ografia, 1982.
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didát ica em 1º grau. Orientação, São Paulo, nº 8, p. 21-24, 1990.
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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 131-148, 2007

O DESENHO NA ARTE E NA GEOGRAFIA: DIFERENÇAS


E APROXIMAÇÕES

LE DESSIN DANS L’ART ET DANS LA GÉOGRAPHIE:


DIFFÉRENCES ET RAPPROCHEMENTS

Rosa Iavel ber g*; Soni a Mar i a Vanzel l a Cast el l ar **

Resumo: O t ext o t r at a do desenho como f or ma ar t íst i ca e


cart ográf ica, que, nesses âmbit os, const it ui dif erent es modos de
const rução e expressão a serem aprendidos e ensinados nas escolas.
Consideramos no escopo do art igo que o desenvolviment o da capacidade
de desenhar na criança acompanha o âmbit o cognit ivo, ent ret ant o os
códigos das linguagens (art íst ica e cart ográfica) são const ruídos em cada
uma das diferent es cult uras e se t ransformam na hist ória.
A relação ent re art e e realidade é mediada pela subj et ividade, abert a
às marcas individuais, à leit ura sensível e cognit iva do mundo, e não
busca espelhar o real, mas t ranscendê-lo, criando novas realidades por
int ermédio de linguagem poét ica. Já a relação ent re a cart ograf ia,
ent endida como linguagem, e a realidade é mais obj et iva, ou sej a, a
cart ografia const it ui-se como uma represent ação que espelha em part e
a realidade, na medida em que mat erializa ou t errit orializa os fenômenos
present es, mas est á suj eit a às modificações que ocorrem com o t empo.
Palavras-chave: Desenho. Aprendizagem. Cognição. Art e e geografia.

Resumé: Cet art icle t rait e le dessin comme forme art ist ique et cart o-
graphique, qui, dans ce cadre, const it ue des différent s manières de
const ruct ion e d’ expression pour apprendre e enseigner aux écoles. On
considére dans cet art icle que le développement de la capacit é de des-
siner, dans les enfant s, accompagne le cadre cognit if, néanmoins les

* Rosa Iavelberg é prof essora dout ora da Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo.
** Sonia Maria Vanzella Cast ellar é prof essora dout ora da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (smvc@usp.br)

149
ROSA IAVELBERG; SONIA MARIA VANZELLA CASTELLAR

codes des langages (art ist ique et cart ographique) sont const ruit s dans
chaque cult ure différent et se t ransforment au long de l’ hist oire.
La relat ion ent re art e réalit é passe par la subj ect ivit é, celle-ci ouver-
t e aux marques individuelles, à la lect ure sensible et cognit ive du monde,
et elle ne cherche pas à êt re le miroir du réel, mais à le surpasser et à
créer des nouvelles realit és à t ravers la langage poét ique. La relat ion
ent re la cart ographie, conçue comme langage, et la réalit é, elle est à
son t our plus obj ect ive, c’ est -à-dire que la cart ographie const it ue une
représent at ion qui n’ est que part iellement le miroir de la realit é, en ce
qu’ elle mat érialise ou t errit orialise les phénomènes present s, mais elle
est aussi soumise aux t ransformat ions qui se produisent au long du t emps.
Palavras-Chave: Dessin. Apprent issage. Cognit ion. Art et géographie.

INTRODUÇÃO
Nest e t ext o vamos t rat ar o desenho como forma art íst ica e cart o-
gráfica, que, nesses âmbit os, const it ui diferent es modos de const rução
e expressão a serem aprendidos e ensinados nas escolas.
O desenho como linguagem, como meio de comunicação visual, é
um sist ema abert o a muit as funções. E como sist ema de represent ação
pode ser simbólico ou codificado. O viés represent at ivo inclui possibi-
lidades art íst icas e cient íficas, met afóricas e exat as.
O desenho pode ser feit o para aprender sobre art e, para criar em art e,
além de cumprir funções não art íst icas, como em ações int erdisciplinares
nas quais opera como desenho de represent ação, por exemplos com mapas
em geografia ou desenho de observação em ciências. Como desenho de
ilust ração na produção de t ext os, na edição de imagens e t ext os no
comput ador, com pesquisa na int ernet ou uso de scanner, o desenho
art íst ico ganha novos espaços (IAVELBERG, 2006, p. 72)
O desenvolviment o da capacidade de desenhar na criança acompanha
o âmbit o cognit ivo, ent ret ant o os códigos das linguagens (art íst ica e
cart ográfica) são const ruídos em cada uma das diferent es cult uras e se
t ransformam na hist ória.
Por int ermédio do desenho art íst ico, o aluno pode represent ar a
escola de seus sonhos, por exemplo, sem se prender aos códigos con-
vencionais da cart ografia, mas não pode dispensar os element os da lin-
guagem visual: pont o, linha, plano, luz, sombra, rit mo. Por out ro lado, o
desenho como proj et o para const ruir uma obra arquit et ônica libert ou a

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 149-166, 2007

cooperat iva medieval da relação de subordinação ent re mest re e art esão


execut or, dando o carát er de cosa ment ale à art e de desenhar ou proj et ar
um espaço a ser fut urament e ocupado. Ganha lugar um art ist a arquit et o,
que designa sua obra.
Do pont o de vist a da cart ografia considera-se, nesse caso, o alfabet o
cart ográfico – área, pont o e linha – como conj unt o dos element os que
const it uem a linguagem visual. No ent ant o, na int enção de se const ruir
uma casa, será necessário proj et á-la respeit ando-se os códigos con-
vencionais, fazendo-se uma plant a baixa, organizando-se legenda e ut i-
lizando-se uma escala adequada, aproximando-se assim da cart ografia
do lugar.
A relação ent re art e e realidade é mediada pela subj et ividade, abert a
às marcas individuais, à leit ura sensível e cognit iva do mundo, e não
busca espelhar o real, mas t ranscendê-lo, criando novas realidades por
int ermédio de linguagem poét ica. Já a relação ent re a cart ografia, en-
t endida como linguagem, e a realidade é mais obj et iva, ou sej a, a car-
t ografia const it ui-se como uma represent ação que espelha em part e a
realidade, na medida em que mat erializa ou t errit orializa os fenômenos
present es, mas est á suj eit a às modificações que ocorrem com o t empo.
Apesar dessas dist inções, o pont o em comum ent re a geografia e a
art e é que a leit ura da obra ou do mapa é sensível e t ambém cognit iva,
realizando-se por int ermédio de uma linguagem que pode ser poét ica e,
ao mesmo t empo, uma manifest ação da represent ação ment al, inspirada
muit as vezes nas ações do cot idiano, nas experiências ant eriores com
mapas e obras de art e, no imaginário e na memória.
A lógica do pensament o simbólico da art e não coincide com as
front eiras demarcadas pelos processos de medição do mundo, mas sim
de mediação com o mundo. Aquele que cria um desenho o f az por
int ermédio de uma experiência que o remet e à art e, plasmando formas
ou idéias – que ao mesmo t empo modificam o desenhist a – inaugurando
um novo obj et o (desenho) que será lido por int ermédio de at os abert os
– como o próprio desenho – de criação na sua leit ura.
Para f azer um desenho, a criança pode copiar ou inspirar-se na
memória a part ir da leit ura da paisagem do lugar de vivência, mas a
represent ação será uma mudança do pont o de vist a. Se os processos são
mediados com o mundo, os obj et os represent ados pela criança não se
apresent am em conj unt o, porque é impossível ver t odos os pormenores,

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ROSA IAVELBERG; SONIA MARIA VANZELLA CASTELLAR

principalment e se considerarmos sua capacidade cognit iva. Qualquer que


sej a o desenho, deve-se ent endê-lo como um produt o da manifest ação
da at ividade criadora da criança (LUQUET, 1969, p. 27).

O DESENHO DOSARTISTASE DOSCARTÓGRAFOS: FORMASDE SE SITUAR NO


MUNDO
Ao sairmos de casa para ir a qualquer lugar, planej amos ment alment e
nosso t raj et o: essa rua, depois aquela, a out ra, a rot at ória, a avenida...
Fazemos diferent es mapas para viaj ar, visit ar alguém, nem sequer nos
dando cont a de que est amos desenhando mapas.
A art e e a t écnica de desenhar lugares são muit o ant igas: at é mesmo
as civilizações mais remot as const ruíram algum t ipo de represent ação
simbólica de seus mundos. Ant es da escrit a, os grupos humanos regis-
t ravam nas paredes das cavernas a memória de seus deslocament os e as
informações út eis sobre os lugares para caçar e colet ar, as mont anhas,
os rios e as mat as. Com o passar do t empo, os regist ros passaram a ser
feit os em placas e pedaços de argila. Os assírios e os egípcios j á dominavam
t écnicas de gravação sobre placas de barro cozido ou met al e ut ilizavam
o papiro para regist rar logradouros e caminhos. Esses mapas foram feit os
mesmo ant es de o homem invent ar a escrit a: port ant o a comunicação
visual est abeleceu-se primeiro. A comunicação visual f avorece o de-
senvolviment o dos sent idos, principalment e a observação visual, que é
uma part e import ant e da experiência art íst ica, pois amplia a sensibilidade
à cor, à forma e ao espaço.
Os mapas desenhados ao longo da hist ória da humanidade repre-
sent am concepções de mundo e a influência das art es em vários períodos,
e incluem uma área complexa da percepção espacial. Assim como a art e,
a cart ografia ut iliza-se das variações de cor, das diferent es formas, dos
cont ornos, da sensibilidade à luz, element os que fazem part e do processo
de criação do art ist a ou do cart ógrafo.
Isso se reflet e, de cert a maneira, na simbologia cart ográfica, que
pode t er arranj os diferent es no que se refere a cor, pont os, linhas e
áreas: essas variáveis caract erizam r epr esent ações pol i ssêmi cas e
monossêmi cas. Nas obras de art e, pode-se chamar a at enção para
luminosidade, cor, pont o, área, linha e planos em que os obj et os foram
desenhados, favorecendo-se um olhar polissêmico; as represent ações

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 149-166, 2007

gráf icas monossêmicas, por sua vez, t razem apenas um significado, impos-
sibilit ando a exist ência de abert ura na int erpret ação.
No ent ant o, apesar dessas dist inções possíveis, os art ist as plást icos
apropriam-se de element os da linguagem cart ográfica e os cart ógrafos
apropriam-se dos símbolos e percepções espaciais, const it uídas por sím-
bolos e signos, para elaborar um produt o de comunicação visual, como
as represent ações de paisagens, mapas, pl ant as e represent ações
ment ais.
Muit os art ist as usaram mapas para realizar suas obras, fazendo do
mapa um símbolo dent ro de suas poét icas: Chaplin, por exemplo, no
filme O Grande Dit ador, t ent a cont rolar o globo t errest re, mapa do mundo,
em cena na qual sat iriza Hit ler.
Na XIX Bienal Int ernacional de São Paulo de 1987, o grupo de art ist as
Família Boyle realizou est udos da superfície da t erra, a part ir de mapa do
mundo, do qual selecionou um pont o para ser fisicament e recort ado e
expost o na parede como obra de art e:
Mark Boyle (Glasgow, 1934) Est udou Direit o na Glasgow Universit y. Em 1964
começou, j unt o com Joan Hills, os t rabalhos com a superfície da Terra.
Mais t arde, os filhos do casal –Sebast ian Boyle e Georgia Boyle envolveram-
se t ambém com esses t rabalhos, e os quat ro passaram a se apresent ar e
assinar como Família Boyle. Vivem em Londres. Georgia Boyle, Sebast ian
Boyle (Londres, 1962) Joan Boyle (FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO, 1987)
Nos dois casos, o mapa do mundo é símbolo abert o às leit uras poét icas
do público e não um sist ema codificado a ser lido igualment e por t odos
os que dominam a represent ação da cart ografia cont ida neles.
O desenho é a base de muit as modalidades de expressão visual em
art e: pint ura, gravura, escult ura, e da cult ura visual: hist órias em quadri-
nhos, publicidade, design de moda, webdesign. Trabalhado t radicional-
ment e em muit os suport es, o desenho cont emporâneo ainda ut ilizou
out ros, est ranhos em relação aos t radicionais: pedra, madeira e papel.
O grafit e, por exemplo, ocupa o espaço das ruas, e o corpo t ambém
é suport e para desenho, na art e cont emporânea. Nos rit uais religiosos
de vários povos ant igos e at uais, a pint ura corporal é marca de suas
visualidades.
Nas formas da art e pré-hist órica, encont ramos o desenho com funções
mágico-fenomenist as na relação com a caça, como símbolo da fert ilidade,
vinculado à crença no poder da imagem, ent re out ros.

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ROSA IAVELBERG; SONIA MARIA VANZELLA CASTELLAR

Ilustração 1. Tradição indiana de pint ura corporal com Henna em f est as de casament o
para t razer sort e às bodas

2a

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 149-166, 2007

2b
Ilustração 2. Keit h Haring, art ist a americano, nascido em 1958 (2a). Desenvolveu uma
série grande de desenhos que lembravam cart uns: aplicava sobre paredes, t ela, obj et os e
t ambém sobre o corpo humano (2b).
Font e: <ht t p:/ / www.haring.com/ popshop/ asset s/ keit h_popshop.j pg>. Acesso em: 9 dez. 2007.

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ROSA IAVELBERG; SONIA MARIA VANZELLA CASTELLAR

Na art e moderna e cont emporânea o desenho, progressivament e,


ganha apresent ação cada vez mais abst rat a, porque, seguindo os avanços
t ecnológicos de cada época, o desenho abandona a reapresent ação do
real, deixa de ser uma j anela ou moldura do mundo, para falar daquilo
que a fot ografia não diz, para reflet ir sobre os element os da linguagem e
dest acar a planaridade do espaço bidimensional ou do meio t ridimen-
sional onde é est rut urado. Por out ras palavras, o desenho moderno e
cont emporâneo reconhece-se, em sua unidade mínima, como linha que
cria dois espaços.

Ilustração 3. The Dog art print by Pablo Picasso


Font e: <en. easyart . com>. Acesso em: 9 dez. 2007.

O DESENHO DA CRIANÇA E DO JOVEM


Hoj e a criança é expost a a diversos t ipos de visualidade e t em acesso
a diferent es t ecnologias para desenhar: cert ament e ela não faz t rabalhos
de art e do mesmo modo como as crianças de ant igament e, ou sej a, a
art e da infância t em hist ória e sofre influência de seu t empo.
Nos t rabalhos de criança feit os com a t écnica de papel cort ado e
colado, realizados no primeiro at eliê livre de ensino de art e para crianças
do mundo, coordenado por Franz Cisek, em Viena, em 1910, not amos
uma diferença de nove décadas na hist ória da art e da infância reflet ida
nas imagens.
A cult ura visual de Viena da época influenciou essas produções, em
part e porque Cisek escolhia element os da est ét ica adult a que j ulgava
adequados à expressão art íst ica inf ant il – sua rupt ura com a art e
acadêmica marcava os primeiros dist anciament os que se efet ivaram no
ensino da art e, apenas nos meados do século XX, com as propost as
educat ivas da livre expressão.

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 149-166, 2007

Ilustração 4. O t rabalho de Cizek

Se por um lado eram ensinadas configurações da est ét ica da época,


por out ro as crianças se aliment avam por si mesmas dessas font es para
criar. Essa int eração é part e do processo de aquisição da linguagem por
crianças e j ovens.
O calcanhar de Aquiles das t eorias da escola renovada sobre ensino
do desenho reside na alienação da cult ura como cont eúdo dos desenhos
infant is, que, assim, efet ivament e se empobreciam quando necessit avam
das informações dos códigos da linguagem do desenho para progredir,
principalment e com o ingresso do aluno no ensino fundament al.
O desenho na educação recobra novas feições nos anos 80 do século
XX, com o ingresso dos cont eúdos da art e advindos das diversas cult uras
na formação do desenhist a, agora não só em at eliês de art e para crianças,
mas t ambém nas escolas formais, porque a art e foi incluída como área de
conheciment o nos desenhos curriculares.
Surge um novo desenhist a na sala de aula, que dialoga com a produção
art íst ica ao mesmo t empo em que desenha com marca pessoal. As font es
de aliment ação da sua imagem est ão present es nos desenhos dos meios
aos quais t em acesso e nas visualidades do cont ext o em que vive. A

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ROSA IAVELBERG; SONIA MARIA VANZELLA CASTELLAR

criat ividade inaugura novos t ermos, a originalidade dá espaço à int er-


pret ação e à apropriação dos desenhos acessados pelo criador, ou sej a,
” alquimizados” por ele.

Ilustração 5. Desenho de criança a part ir de imagem exist ent e


Font e: Bruno Munari em Design as Art . London: Peguin Books, 1971.

Est e desenho de criança a part ir de uma imagem exist ent e é aut oral,
não se t rat a de uma cópia, mas de uma int erpret ação, do pont o de vist a
da criança, fut uro aliment o a seus desenhos de livre escolha t écnica e
t emát ica.
Quem afirma não saber desenhar na sala de aula pede do professor
um conj unt o de orient ações didát icas que promovam a apropriação da
linguagem do desenho. Muit as vezes, a opinião e as propost as dos pro-
fessores alt eram negat ivament e a condut a da criança em desenho. Por-
t ant o, quando há sugest ão com propost a sobre o que a criança vai de-
senhar, deve-se t er clareza sobre os propósit os didát icos da t arefa e,
sobret udo, considerar que essas ações devem servir à const rução do
percurso criat ivo em desenho de cada aluno.
É necessário que o professor domine o desenho como sist ema de
criação em art e, para ensinar a desenhar. Propost as orient adas podem

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 149-166, 2007

ser combinadas com aulas onde o aluno elege o assunt o e as t écnicas


que vai t rabalhar.
Três modalidades podem ser propost as, em at ividades orient adas
para favorecer a aquisição da linguagem do desenho em sala de aula, no
ensino fundament al: o desenho de memória, o desenho de imaginação e
o desenho de observação.
As prát icas podem ser propost as separadas ou combinadas ent re si,
porque uma modalidade de ação fert iliza as demais. Observar, usar a
memória e a imaginação são chaves import ant es da ação desenhist a.
Alfredo Volpi (1896-1988), art ist a plást ico brasileiro dest acado, de-
senhava paisagens de observação e fazia casarios de memória, depois
de observá-los. Sua imaginação criadora at ravessou sua poét ica, acom-
panhando o percurso de suas imagens da figuração, que vai at é os anos
30, à abst ração, que se firma nos anos 50.
Na sala de aula, os alunos experienciam os processos de criação no
seu nível de desenvolviment o e moment o conceit ual em art e, depen-
dendo de aprendizagens j á realizadas para avançar no desenho. Seus
processos e produt os são análogos àqueles vividos por art ist as nas prát icas
sociais, port ant o é import ant e que a escola faça int erlocução com o
universo do desenho advindo da art e.
Out ro aspect o import ant e é ensinar a diversidade cult ural das formas
art íst icas do desenho, com base em diversas cult uras. Um desenho ma-
raj oara t em significados e t raçados com referenciais na visão de mundo
desse povo e das t écnicas disponíveis à época. Um desenho moderno
de Tarsila do Amaral nos fala da modernidade brasileira, do viés an-
t ropofágico e da influência européia. O conj unt o de significados de cada
desenho pode ser lido nos limit es da imagem, mas t ambém emerge de
out ras formas de linguagem que t rat am do desenho em quest ão.
Port ant o o conheciment o em desenho t em font e no fazer, nos seus
suport es mat eriais, mas t ambém no reflet ir sobre desenho, t ant o sobre
o desenho que cada desenhist a realiza, como no que out ros fazem e
fizeram na hist ória da art e com qualidade art íst ica e est ét ica.
As at ividades int erdisciplinares ent re art e e geografia na escola, que
usam desenhos art íst icos e cart ográficos, devem respeit ar a nat ureza
de cada um dos obj et os de aprendizagem. Assim, o aluno poderá aprendê-
los, diferenciá-los e beneficiar-se da aplicação dos dois sist emas separados
ou associados.

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ROSA IAVELBERG; SONIA MARIA VANZELLA CASTELLAR

O DESENHO NACARTOGRAFIAESCOLAR
O desenho no âmbit o do processo de aprendizagem em geografia
t em como referência a formação dos conceit os cart ográficos, conside-
rando que os desenhos das crianças são o pont o de part ida para explorar
o conheciment o que elas t êm da realidade e dos fenômenos que querem
represent ar. Esses desenhos são considerados represent ações gráficas
copiadas ou de memória, e não há preocupações com perspect ivas, escala,
ou qualquer out ra convenção cart ográfica.
Ao elaborar um desenho de uma rua, um t raj et o, um esboço da
casa, a criança ut iliza-se da memória. Esse desenho é, port ant o, consi-
derado realist a, na medida em que a criança escolhe a figura que será
desenhada pela nat ureza dos mot ivos. Nas formas de represent ações
aparecerão os obj et os em diferent es fases do desenvolviment o cognit ivo,
como, por exemplo, as est abelecidas por Luquet (1969), ao dest acar a
incapacidade sint ét ica como uma fase em que a criança desenha com
rebat iment o e não há cont inuidade na superf ície e perspect iva; pro-
porcional idade e seqüência dos l ugares (l ocal ização). Os pormenores dos
desenhos acabam revelando as caract eríst icas da realidade e provando
que as crianças não desenham réplicas est ereot ipadas, mas procuram
ser fiéis às suas observações da realidade.
As fases do desenho t êm relação com o desenvolviment o da capa-
cidade da percepção espacial, que se concret iza, primeirament e, nas
relações espaciais t opológicas e, em seguida, nas proj et ivas e euclidianas.
Observar isso significa not ar como a criança percebe os obj et os no espaço
e as condições de fazer a sua t ransposição no papel.
Na fase em que a criança se encont ra no realismo int elect ual, os
obj et os represent ados ainda não se apresent am no conj unt o, porque nessa
fase é impossível ver ao mesmo t empo t odos os det alhes e represent á-
los. Por exemplo, a criança pode desenhar part e do corpo (a cabeça sem o
t ronco) e não o corpo int eiro. Uma out ra caract eríst ica dessa fase é que
no desenho de uma cena, ora os obj et os est ão na visão vert ical, ora est ão
na f ront al, além de mant er o rebat iment o. No desenho o rebat iment o
aparece, por exemplo, ao se desenhar uma carroça na visão vert ical e as
quat ro rodas rebat idas no plano horizont al.
Nesse moment o, a criança, no desenho, percebe e represent a
considerando diferent es pont os de vist a. Ela observa no plano vert ical e

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Ilustração 6. Desenho de Rodrigo

t ridimensionalment e e, ao desenhar a imagem, fá-lo-á no plano horizont al


e bidimensionalment e. Assim aparecem sit uações em que mudam as
perspect ivas do pont o de vist a e, ao mesmo t empo, desenvolve-se o
pensament o reversível, mas a criança cont inua na f ase do real ismo
int el ect ual .
Para Luquet (1969 apud Piaget & Inhelder, 1993: 66),
é o moment o em que const it ui um modo de represent ação espacial no
qual as relações euclidianas e proj et ivas apenas começam e de uma forma
ainda incoerent e em suas conexões, ao passo que as relações t opológicas
esboçadas no est ágio precedent e encont ram sua aplicação geral em t odas
as figuras e t riunfam, em caso de conflit os, sobre as novas relações. Nas
represent ações, o achat ament o é f reqüent e nest a f ase. As f iguras
geomét ricas aparecem sem proporção precisa. O nível int uit ivo dest e
est ágio é t ot alment e t opológico.
Já na fase do real ismo visual , por vol t a dos 9 anos, aparece nas
represent ações das crianças uma preocupação maior com a perspect iva,
proporção, medidas e dist âncias. Ou sej a, aparecem noções concer-

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ROSA IAVELBERG; SONIA MARIA VANZELLA CASTELLAR

nent es às relações espaciais euclidianas, por isso a análise do desenho


da criança possibilit ará uma ampliação dos conceit os cart ográficos como,
por exemplo, escala, proj eções, área e det alhament o.
A represent ação faz part e do processo de const rução de símbolos e
das fases do desenvolviment o do desenho na criança: para ela, o desenho
a part ir de sua concepção sobre o obj et o real é qualquer coisa de mira-
culoso, ela se sent e import ant e por conseguir fazer no papel uma figura
ou um obj et o. Ent ende-se que quando a criança chega ao pont o em que
a represent ação é semelhant e à realidade, ela se encont ra na f ase do
real ismo visual.
No ent ant o, para isso, é necessário que ela passe, desde a fase da
garat uj a (rabiscos), por um processo de observação e conversas sobre as
imagens que observa no cot idiano, porque apesar de a criança re-
present ar com uma cert a analogia os seus t raçados e os obj et os reais, o
desenho pode ser dist int o da percepção que ela t em do espaço vivido,
em função do j ogo simbólico que aparece.

162
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 149-166, 2007

Aqui entram 2 desenhos, que precisam ser escaneados. Precisa ter


legenda nos dois QUAL A LEGENDA???

Exist e uma série de noções que est ão sendo const ruídas paralela-
ment e ao desenvolviment o da represent ação – são as relações espaciais
t opológicas, proj et ivas e euclidianas –, fundament ais para a represent ação
gráfica, a represent ação simbólica, o pensament o reversível; ent ret ant o
nem sempre as relações que cont ribuem para a percepção são as mesmas
que cont ribuem para a formação da imagem que será desenhada, isso
depende muit o dos est ímulos cult urais que a criança recebe.
À medida que a criança faz suas represent ações gráficas, podemos
analisar como o pensament o cont inua est rut urando-se. Ora aparecerá
seqüência dos lugares represent ados; ora haverá exagero na propor-
cionalidade e no rebat iment o; ora não. Isso significa que, durant e o
processo de let rament o cart ográfico, as crianças das séries iniciais, prin-
cipalment e ent re os set e e oit o anos de idade, precisam ser est imuladas

163
ROSA IAVELBERG; SONIA MARIA VANZELLA CASTELLAR

para desenvolver suas habilidades operat órias, formar os conceit os e


poder iniciar a leit ura e a elaboração de mapas.
A represent ação gráfica, que ent endemos como um conceit o paut ado
no desenho que a criança faz, sem crit érios convencionais de escala/
proporção, legenda, orient ação, pont o de referência, visão vert ical e
oblíqua, imagem bidimensional e t ridimensional, área, pont o e linha, e
direção, cont ribui para o início do let rament o cart ográfico.
A part ir do ensino de conceit os element ares de cart ograf ia, na
perspect iva do let rament o em educação geográf ica, a criança t erá
condições de, est rut urando a percepção espacial, fazer leit ura de mapas,
de obras de art es, de desenhos que represent am cenas do cot idiano ou
de hist ória em quadrinhos. Todas essas noções nos permit em considerar
que o processo de aprendizagem é indispensável para o desenvolviment o
cognit ivo. A criança necessit a ser est imulada para que suas habilidades
operat órias sej am desenvol vidas, como, por exempl o, at ravés da
observação e percepção dos lugares de vivência a part ir de desenhos e
represent ações que revelem suas idéias de mundo.
Não há dúvidas de que o desenho const it ui um t ipo de represent ação
espacial, e é considerado uma forma simbólica do espaço represent at ivo.
Isso é, a ret rat ação de um t raj et o, pela criança, deveria possibilit ar, de
preferência, que ela fosse para além do que ela reconhece ou do limit e
do imaginário.
A imagem de um lugar, o t raj et o, um mapa, uma cena de uma obra de
art e permit em à criança familiarizar-se com a linguagem da art e e a car-
t ográfica, favorecendo um pensament o int erdisciplinar e desenvolvendo
conceit os da geografia e da art e como disciplina escolar.

PARA FINALIZAR
O diálogo ent re a art e e a cart ografia t orna os obj et os ou os lugares
cheios de significados, ao est abelecer relações com o cot idiano. Nessa
perspect iva as crianças são post as em desafios no que se refere à per-
cepção espacial e à observação dos lugares em que vivem. Elas percebem
que esses lugares não são est át icos, mas sist emas dinâmicos nos quais
fluem informações e cult ura.
Ao desenvolver uma propost a didát ica numa perspect iva int er-
disciplinar, faz-se necessário int egrar t odos os aspect os do obj et o est u-

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 149-166, 2007

dado em represent ações que dêem cont a da sua complexidade. O foco


dessa nova forma de t rat ar o conheciment o passaria a se concent rar na
abordagem de sit uações-problema relacionadas ao cot idiano, em especial
daquelas que t ivessem relevância social, econômica, cult ural e ambient al.
O diálogo ent re essas áreas do conheciment o favorece a ampliação do
capit al cult ural, a int erdisciplinaridade e o significado dos cont eúdos
das áreas do conheciment o de art e e geografia.

REFERÊNCIAS
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Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental: 1º e 2º ciclos. Brasília, 1997.
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PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

165
ROSA IAVELBERG; SONIA MARIA VANZELLA CASTELLAR

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Bernadina Machado de Albuquerque. Port o Alegre: Art es Médicas,1993.
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Sites consultados:
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2007.

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 149-166, 2007

REVISITANDO UM VELHO MODELO:


CONTRIBUIÇÕES PARA UM DEBATE AINDA ATUAL
SOBRE A HISTÓRIA ECONÔMICA DE MATO GROSSO/
MATO GROSSO DO SUL*

RE-VISITING AN OLD MODEL: CONTRIBUTIONS TO AN


ONGOING DEBATE ON THE ECONOMIC HISTORY OF
MATO GROSSO/ MATO GROSSO DO SUL

Paul o Robert o Cimó Queiroz**

Resumo: O present e t rabalho busca efet uar uma análise crít ica de
um conhecido modelo de int erpret ação da hist ória econômica de Mat o
Grosso/ Mat o Grosso do Sul, ist o é, o modelo apresent ado por Gilbert o
L. Alves no art igo int it ulado Mat o Grosso e a hist ória, 1870-1929: ensaio
sobre a t ransição do domínio econômico da casa comercial para a hege-
monia do capit al f inanceiro, publicado no Bol et im Paul ist a de Geograf ia
em 1984. Busca-se ainda apresent ar, como alt ernat iva, sugest ões de
mét odo com vist as ao est udo dos import ant es problemas levant ados no
referido art igo.
Palavras-chave: Mat o Grosso. Hist oriografia econômica. Desenvol-
viment o econômico.
Abstract: This art icle at t empt s a crit ical analysis of a long-st anding
int erpret at ion of t he economic hist ory of t he Brazilian st at es of Mat o
Grosso and Mat o Grosso do Sul; t hat is, t he int erpret at ion present ed by
Gilbert o L. Alves in his essay ent it led Mat o Grosso e a hist ória, 1870-
1929: ensaio sobre a t ransição do domínio econômico da casa comercial

* Est e t rabalho f oi originalment e apresent ado no VII Congresso Brasileiro de Hist ória
Econômica / 8ª Conferência Int ernacional de Hist ória de Empresas, realizados em Aracaj u
em set embro de 2007, t endo sido elaborado no âmbit o de um proj et o de pesquisa que
cont a com financiament o da Fundação de Apoio ao Desenvolviment o do Ensino, Ciência e
Tecnologia do Est ado de Mat o Grosso do Sul (Fundect ).
** Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD); Fundect / MS

167
PAULO ROBERTO CIMÓ QUEIROZ

para a hegemonia do capit al f inanceiro, published in t he Bolet im Paulist a


de Geograf ia in 1984. It also present s alt ernat ive approaches t o import ant
quest ions raised in t he earlier essay.
Key words: Mat o Grosso. Economic hist oriography. Economic
development .

A hist oriografia mat o-grossense1 inicia-se, em sua versão considerada


“ t radicional” , pelo menos na primeira década do século XX (cf. ZORZATO,
1998). Já no âmbit o universit ário, o ensino e a pesquisa em Hist ória são
bem mais recent es. No espaço correspondent e ao at ual Mat o Grosso do
Sul, o ensino superior em Hist ória começou nos anos 1960, quando se
f ormaram, nesse espaço, os núcleos que originariam as f ut uras uni-
versidades sul-mat o-grossenses. A pesquisa, por sua vez, começou a
desenvolver-se na década seguint e, quando a Universidade Est adual de
Mat o Grosso (que em 1979 se t ransformaria na Universidade Federal de
Mat o Grosso do Sul, UFMS) passou a enviar seus docent es aos programas
de pós-graduação est abelecidos nos grandes cent ros brasileiros. Os
primeiros t rabalhos assim produzidos foram os de Valmir Bat ist a Corrêa
(1976 e 1982), Lúcia Salsa Corrêa (1980) e Joana Neves (1980), cabendo
observar que, nesse moment o inicial, os pesquisadores enf rent avam
grandes dificuldades. De fat o, demorou a consolidar-se, na UEMT/ UFMS,
um ambient e inst it ucional de efet ivo apoio às at ividades de pesquisa
cient íf ica, o qual soment e se t ornaria plenament e percept ível j á na
década de 1980 (cf. CORRÊA; QUEIROZ; DORO, 1994).
Foi port ant o nesse cont ext o ainda inicial que, em 1984, Gilbert o
Luiz Alves (ent ão mest re em Educação e docent e da UFMS em Corumbá)
publicou um ext enso ensaio sobre a hist ória econômica de Mat o Grosso/
Mat o Grosso do Sul, int it ulado: Mat o Grosso e a hist ória, 1870-1929:
ensaio sobre a t ransição do domínio econômico da casa comercial para a
hegemonia do capit al f inanceiro. Rico em referências empíricas, forne-

1
A ant iga capit ania, província e depois est ado de Mat o Grosso abrangia, originalment e,
t ambém os espaços correspondent es a Rondônia (desmembrado, como t errit ório federal,
em 1943) e Mat o Grosso do Sul (criado em 1977). Nest e t rabalho, refiro-me ao t errit ório
que daria origem a Mat o Grosso do Sul como “ sul do ant igo Mat o Grosso” , “ ant igo sul de
Mat o Grosso” ou simplesment e “ SMT” .

168
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 167-197, 2007

cendo um amplo panorama das condições econômicas present es em Mat o


Grosso/ Mat o Grosso do Sul durant e longo período (que aliás ult rapassa
os marcos indicados no t ít ulo), o ref erido t ext o se dest aca da produção
acadêmica ant erior pela maior preocupação em t ent ar f ornecer uma
abrangent e expl icação da nat ureza e das causas das t ransf ormações
verif icadas2. Com t ais credenciais, o t rabalho de Alves t ornou-se ref e-
rência para os j ovens pesquisadores sul-mat o-grossenses do campo das
Ciências Humanas.
O ensaio adot ava, ent ret ant o, como perspect iva t eórica, uma proble-
mát ica versão do mat erialismo hist órico – a qual se poderia t alvez de-
nominar, emprest ando-se a expressão de Fragoso e Florent ino, “ marxismo
da Guerra Fria” , com sua “ exacerbação do det erminismo ‘ infra-est rut ural’ ”
(1997, p. 37). Além disso, seu diálogo com a hist oriografia econômica
brasileira apresent ava-se ext remament e rest rit o3, deixando de lado at é
mesmo as obras clássicas pert encent es à corrent e marxist a, como as de
Caio Prado Júnior.
Nessas circunst âncias, relat ivament e cedo esse esquema explicat ivo
foi encarado de forma crít ica por vários pesquisadores da hist ória mat o-
grossense/ sul-mat o-grossense (cf . crít icas parciais, f ormuladas origi-
nalment e no início dos anos 1990, em BORGES, 2001; NASCIMENTO, 1992;
QUEIROZ, 1997). Tal circunst ância, aliada ao desprest ígio desde ent ão
experiment ado pela Hist ória Econômica no Brasil, levou a que o referido
esquema t ivesse pouca influência ent re os hist oriadores dedicados aos
t emas “ regionais” . No ent ant o, ele cont inuou e cont inua ainda muit o
influent e em out ras áreas das Ciências Humanas, que necessit am às vezes
buscar na hist ória um quadro abrangent e para poderem sit uar seus obj et os
de pesquisa. Refiro-me, especificament e, à Educação (área de formação
e at uação do aut or do ensaio) e à Geografia (cabendo not ar, a propósit o,

2
Em 1985, as idéias cent rais desse ensaio f oram reproduzidas em out ro t ext o do aut or,
dest inado a fundament ar a propost a de t ombament o do conj unt o arquit et ônico do port o
de Corumbá (Alves, 1985). Esse últ imo t ext o, por sua vez, foi recent ement e republicado
(Alves, 2003).
3
Limit ava-se, prat icament e, às obras de Ana Célia Cast ro (As empresas est rangeiras no
Brasil, 1979) e Alcir Lenharo (As t ropas da moderação, 1979). No t ocant e à hist oriografia
acadêmica sul-mat o-grossense, o diálogo era limit ado a uma única obra de Valmir Corrêa
(1976).

169
PAULO ROBERTO CIMÓ QUEIROZ

que o ensaio foi originalment e publicado em um periódico dessa área).


Em out ras palavras, muit os t rabalhos, nessas duas áreas, t êm adot ado,
at é os dias at uais, em suas referências à hist ória de Mat o Grosso/ Mat o
Grosso do Sul, a perspect iva propost a por Alves – a qual port ant o parece
ser t ida, nesses casos, como “ a palavra da Hist ória” 4.
É nesse cont ext o que consi dero oport uno e, de cert o modo,
necessário o present e t rabalho. Embora o ensaio em quest ão j á t enha
sido analisado e crit icado em alguns de seus aspect os, t ais reparos
encont ram-se dispersos. Assim, apoiado, t ant o quant o me foi possível,
na (ainda pequena) hist oriografia econômica mat o-grossense/ sul-mat o-
grossense, busco aqui cont ribuir para uma revisão de conj unt o desse
modelo int erpret at ivo, e procuro igualment e apresent ar, como alt erna-
t iva, algumas sugest ões de mét odo com vist as ao est udo das import ant es
problemát icas apresent adas pelo aut or 5.
Para sit uar adequadament e os raciocínios de Alves, convém efet uar
aqui uma rápida digressão. Na região considerada (imemorialment e
habit ada por numerosos grupos indígenas), a efet iva implant ação da co-
lonização luso-brasileira começou pela porção nort e (correspondent e ao
at ual est ado de Mat o Grosso), em decorrência da descobert a, ocorrida
em 1719, de j azidas auríferas nas imediações da at ual cidade de Cuiabá
(embora a porção sul dessa região, correspondent e ao at ual est ado de
Mat o Grosso do Sul, houvesse sido percorrida por conquist adores es-
panhóis j á no século XVI, e pelos bandeirant es no século seguint e). Desde
ent ão, as comunicações ent re essa região e o sudest e da América
port uguesa se fizeram por caminhos int ernos, sej am as célebres monções,
sej a o caminho t errest re abert o ainda no século XVIII, ligando Cuiabá a
Goiás e daí a Minas, Rio de Janeiro e São Paulo. No século seguint e,

4
Um bom exemplo, a esse respeit o, é uma recent e t ese de dout orado em Geograf ia, que
acaba de ser publicada (cf. Moret t i, 2006, esp. p. 24-28). No mesmo sent ido, v. diversos
t rabalhos produzidos no âmbit o do programa de pós-graduação em Educação da UFMS.
5
Considero import ant e deixar claro que encaro est a como uma t aref a essencialment e
int elect ual – necessária, a meu ver, nos quadros do saudável debat e acadêmico. Assim,
manifest o meu respeit o pessoal e profissional pelo aut or, bem como meu reconheciment o
por seu esforço: apoiado, em boa medida, em font es document ais, ele se animou a abrir
uma “ picada” int erpret at iva em f unção da qual t odos nós, est udiosos da hist ória mat o-
grossense/ sul-mat o-grossense, pudemos aprender (pois não só com os acert os se aprende,
mas sobret udo com os equívocos próprios e dos out ros).

170
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 167-197, 2007

quando a criação ext ensiva de gado bovino, j á prat icada na porção nort e,
se implant ou t ambém na porção sul da região, out ros caminhos t errest res
foram abert os, ligando diret ament e essa últ ima porção t ant o a Minas
Gerais como a São Paulo (cf. LEITE, 2003).
Nesse cont ext o, eram freqüent es as queixas dos dirigent es e out ros
observadores da sit uação da capit ania (depois província) com relação à
precariedade de t ais meios de comunicação, queixas essas que bem cedo,
ainda no início do século XIX, se t raduziram na reivindicação da abert ura
da navegação pelo rio Paraguai – a qual permit iria, via est uário do Prat a,
uma ligação com o lit oral do sudest e que, embora mais longa, era muit o
mais prát ica, rápida e barat a que aquela oferecida pelos caminhos int ernos.
Tal reivindicação const it uiu, de fat o, um dos principais element os das
complexas e cont radit órias relações ent re o Império do Brasil e a República
do Paraguai, sendo que soment e ao final dos anos 1850 o Império logrou
obt er o direit o de t rafegar pelo t recho paraguaio do rio Paraguai. Essa
navegação foi int errompida durant e a Guerra, ent re 1864 e 1869, e foi
ret omada, de modo mais desembaraçado, ao fim da mesma guerra, quando
o referido rio foi abert o à livre navegação int ernacional.
É nesse cont ext o, port ant o, que se sit uam os principais raciocínios
do aut or, o qual corret ament e apont a os efeit os econômicos advindos
dessa abert ura: a) o “ sensível barat eament o das mercadorias” e o in-
crement o da at ividade comercial em Mat o Grosso (como “ part e de um
moviment o generalizado, só explicável em escala mundial, det erminado
pelos baixos cust os de produção, viabilizados pela fábrica moderna, e
pelos baixos cust os dos t ransport es, propiciados pela navegação a vapor” ,
cf. ALVES, 1984, p. 18); b) o increment o dessa navegação, em t orno da
qual passava a desenvolver-se “ t oda a vida econômica” da província e
que “ facilit ava o escoament o da produção, assim como a import ação das
mercadorias indispensáveis à região, inclusive maquinaria moderna” ;
nesse cont ext o Alves inclui a modernização da agroindúst ria açucareira
(rest rit a, no caso, à porção nort e), mediant e a import ação de equi-
pament os que “ rivalizava[m] com os mais modernos do Nordest e” (id.,
p. 19); c) os avanços no aproveit ament o do imenso rebanho bovino da
província, sobret udo aquele do Pant anal, dest acando-se, a esse respeit o,
o moderno est abeleciment o fundado em 1873, por invest idores plat inos,
na localidade de Descalvados (no at ual município de Cáceres, em Mat o
Grosso, às margens do rio Paraguai) – est abeleciment o esse volt ado

171
PAULO ROBERTO CIMÓ QUEIROZ

inicialment e à produção de charque e, depois, de ext rat o e caldo de


carne, export ados para a Europa (p. 20); d) enfim, o cresciment o do
núcleo urbano de Corumbá, que, graças a sua est rat égica posição às
margens do rio Paraguai, passou da condição de uma pobre vila front eiriça
a um animado cent ro comercial, que se t ornaria, mais para o fim do
século, o principal da província (p. 21-22).
Desse modo, segundo o aut or, at é o f inal da década de 1920 a
economia mat o-grossense seria dominada pelo capit al comercial, ist o é,
os “ comerciant es mat o-grossenses” , propriet ários das casas comerciais
est abelecidas em Corumbá e out ros cent ros urbanos da região (sobret udo
Cuiabá, Cáceres, Miranda e Aquidauana). Nesse cont ext o, ainda conforme
o aut or, ocorreria em Mat o Grosso (cuj a economia at é ent ão se baseava
na produção de gado bovino magro, dest inado à engorda nas invernadas
de Minas Gerais) um “ incipient e processo de diversificação da produção”
(op. cit ., p. 54), especialment e com a ext ração da erva-mat e (na porção
sul) e da borracha (na porção nort e), a produção de caldo e ext rat o de
carne e a modernização da indúst ria açucareira. Ut ilizando como font es
os anúncios das casas comerciais publicados no Album graphico de Mat t o-
Grosso (1914), o aut or est abelece uma relação de causa e efeit o ent re o
domíni o dos comerci ant es e o conj unt o do ref eri do processo de
diversificação da produção, embora efet uando ressalvas: “ à exceção das
primeiras usinas de açúcar e do est abeleciment o de Descalvados, t odas
as novas at ividades econômicas exploradas na região t iveram algum
suport e da casa comercial” , a qual, port ant o, “ const it uiu o fat or que
impulsionou e cat alisou a diversificação da produção” (p. 26-27). O auge
do domínio desses comerciant es é sit uado pelo aut or na virada do século
XIX para o XX, quando a casa comercial
monopolizava a navegação e o comércio de import ação e export ação de
mercadorias; at ravés do crédit o, f inanciava a exploração de novas
at ividades econômicas em Mat o Grosso ou a expansão das exist ent es,
aproximando-se, em seu funcionament o, do próprio banco; finalment e,
começava a part icipar diret ament e da produção, arrendando e comprando
t erras para ext rair a borracha e explorar a pecuária ext ensiva (ALVES,
1984, p. 31-32; grifo do original).
O domínio das casas comerciais seria cont udo desaf iado, segundo
o aut or, pela ent rada em cena, exat ament e nessa época, do capit al
f inanceiro int ernacional, ist o é, o capit al monopol ist a, t ípico da nova

172
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 167-197, 2007

f ase em que ent ão ingressava o capit alismo em escala mundial (o impe-


rialismo).
Inicialment e, o capit al financeiro t eria ut ilizado como “ canal” as
próprias casas comerciais, que se t ornam ent ão “ represent ant es” (ist o
é, int ermediárias) de bancos “ nacionais e est rangeiros” (op. cit ., p. 39).
Logo em seguida, ent ret ant o, esse capit al se faria diret ament e present e
na região, por meio de “ empresas de produção e de t ransport e” (p. 40).
Com isso se desgast aria o poderio das casas comerciais, que se veriam
excluídas dos circuit os de produção e comercialização das empresas
pert encent es ao capit al monopolist a (p. 49). Torna-se a part ir de ent ão
desnecessária a exist ência de uma classe de “ capit alist as mat o-gros-
senses” , e “ j á não mais surgem burgueses nacionais” (p. 43). Nos quadros
da “ divisão int ernacional do t rabalho” , o imperialismo t eria impost o a
Mat o Grosso uma “ divisão regional” pela qual a “ vocação nat ural” da
região residiria simplesment e na export ação de gado bovino em pé, o
que, na prát ica, “ est rangulou o incipient e processo de diversificação da
produção” e “ t erminou por dest ruir em definit ivo os últ imos focos de
poder da casa comercial” (p. 54).
A esse raciocínio geral, o aut or acrescent a ainda uma out ra idéia
muit o import ant e em seu esquema: a economia mat o-grossense t eria
sido obj et o de uma disput a ent re dois diferent es “ pólos” imperialist as:
um sit uado na região plat ina e o out ro no “ eixo São Paulo-Sant os” (op.
cit ., p. 65). Desde o início do século XX, escreve Alves, vinha se desen-
volvendo em Mat o Grosso a indúst ria do charque, por meio de “ empresas
monopolist as” que t inham suas sedes em Buenos Aires ou Mont evidéu,
ist o é, os cent ros que efet uavam a “ mediação ent re a produção mat o-
grossense e o capit al financeiro de origem inglesa” (p. 64-65). Ent ret ant o,
“ grupos monopólicos sediados em São Paulo” adquiriam t erras em Mat o
Grosso e começavam a invest ir no melhorament o do rebanho bovino da
região, o que passava a “ t ornar viável seu aproveit ament o indust rial nos
frigoríficos de São Paulo” ; nessa compet ição, os frigoríficos t eriam levado
a melhor, provocando “ a decadência e sucessiva est agnação da indúst ria
do charque, depois de 1925” (p. 66). O t ransport e do gado (ist o é, a
mat éria-prima supost ament e subt raída às charqueadas para ser enca-
minhada aos frigoríficos) se faria, conforme o aut or, pela est rada de ferro
Noroest e do Brasil, que, inaugurada em 1914, ligava o sul de Mat o Grosso
a Bauru (SP) e daí às cidades de São Paulo e Sant os. Desse modo, o

173
PAULO ROBERTO CIMÓ QUEIROZ

“ assalt o final” do imperialismo cont ra as casas comerciais mat o-grossenses


t eria part ido do “ pólo imperialist a” de São Paulo e consist iria na “ rede
de t ransport es” que os “ grupos monopólicos sediados em São Paulo im-
puseram” a Mat o Grosso. A inauguração da Noroest e t eria sido o “ mo-
ment o culminant e” dessa rede, a qual logo se consolidaria “ com as
est radas de rodagem que aliment avam essa ferrovia” . Desse modo, a
ferrovia e as rodovias “ venceram os rios” , e o result ado dessa lut a t eria
sido expresso, por um lado, no desenvolviment o da cidade de Campo
Grande (sit uada sobre a ferrovia) e, por out ro, na decadência de Corumbá,
pólo do comércio fluvial (p. 70).
Embora conceda um peso import ant e às quest ões relacionadas à
indúst ria do charque, é, cont udo, no âmbit o da economia ervat eira que
Alves sit ua a “ expressão mais elaborada” das “ cont radições exist ent es
ent re a casa comercial e as empresas monopólicas” . Ele de fat o apont a,
como uma das empresas do “ capit al financeiro” , a Companhia Mat e La-
ranj eira, organizada no início dos anos 1890 sob o domínio acionário do
Banco Rio e Mat o Grosso, comandado pela oligarquia mat o-grossense
dos Murt inho (Joaquim e seus irmãos). Como det ent ora do virt ual
monopólio dos ervais nat ivos do ext remo sul do est ado (onde chegou a
cont rolar, mediant e arrendament o, cerca de 5 milhões de hect ares de
t erras devolut as), a Companhia, segundo o aut or, t inha cont ra si os
comer ci ant es pel o f at o de que, por seu poder i o, el a pr esci ndi a
t ot alment e de int ermediários em suas operações, t ant o indust riais quant o
comerciais. Nesse confront o, prossegue Alves, ent rariam como “ massa
de manobra” os milhares de migrant es que chegavam à região e se
est abeleciam, como posseiros, na área da concessão ervat eira (t rat ava-
se no caso, maj orit ariament e, de migrant es vindos do Rio Grande do
Sul, principalment e em decorrência da Revolução Federalist a de 1893-
95). Com o obj et ivo de “ ret alhar” os ervais nat ivos e ent regá-los a
produt ores pequenos e médios, que ent ão cairiam sob sua dependência,
os comerciant es t eriam port ant o buscado ut ilizar a seu favor os choques
ent re a Companhia e os posseiros (ALVES, 1984, p. 51-54).
No curso desses conflit os, conhecidos como a “ quest ão do mat e” ,
embora a Companhia t enha logrado garant ir o direit o de cont inuar
arrendando uma ext ensa área, os posseiros igualment e obt iveram, por
lei, o direit o de adquirir suas glebas, mediant e compra ao Est ado (1915).
Para Alves, cont udo, t al lei, embora aparent ement e consist isse numa

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“ vit ória dos pequenos posseiros” , t eria represent ado, na verdade, uma
vit ória da empresa: na medida em que ela cont rolava os meios de
t ransport e necessários à comercialização da erva, os posseiros t eriam
sido obrigados a “ girar sob a órbit a” da Companhia, como fornecedores
de erva e mesmo como “ reserva de mão-de-obra” . Desse modo, uma vez
que não levou à eliminação pura e simples da empresa, “ a solução da
‘ quest ão do mat e’ correspondeu a uma derrot a para os comerciant es”
(op. cit ., p. 53-54).
Em decorrência de t udo isso, enfim, de acordo com o aut or, em fins
da década de 1920 “ est ava bast ant e avançado o processo que t ransformou
os comerciant es mat o-grossenses em propriet ários de est abeleciment os
purament e comerciais e/ ou de fazendas de criação de gado” ; na mesma
época, “ Mat o Grosso, em correspondência, assumira sua ‘ vocação
econômica’ ” , volt ando, agora sob a “ hegemonia plena” do capit al fi-
nanceiro, a “ paut ar-se por sua condição de região basicament e expor-
t adora de gado bovino em pé” (op. cit ., p. 72-73).
Alves se equivoca, a meu ver, ao t ent ar aplicar diret a e imediat ament e,
à hist ória mat o-grossense/ sul-mat o-grossense, conceit os derivados da
análise do capit alismo em escala global –desprezando, em grande medida,
as mediações ent re as det erminações universais e as especificidades
nacionais e regionais. Desse modo, pode-se dizer que est amos aqui em
face de um dos “ mecanicismos e reducionismos economicist as” apont ados
por Emília Viot t i da Cost a como cont rafações do mat erialismo hist órico
(COSTA, 1994, p. 12), ou, em out ras palavras, um dos “ delírios oniscient es”
que, de acordo com Fragoso e Florent ino, cost umavam acomet er a Hist ória
Econômica, levando-a a acredit ar que podia “ t udo explicar e det erminar”
– ao preço, cont udo, de se afast ar “ da hist ória, dos hist oriadores e dos
homens” (1997, p. 36).
De fat o, o desenvolviment o da reflexão hist oriográfica, sobret udo
no últ imo quart el do século XX, t ornou ext remament e problemát icas
algumas das ant igas pret ensões do mat erialismo hist órico. Por out ra
part e, conforme t ambém assinala Cost a, as crít icas ao mat erialismo,
embora inicialment e válidas, “ freqüent ement e levaram a um t ot al sub-
j et ivismo, à negação da possibilidade de conheciment o e at é mesmo ao
quest ionament o dos limit es ent re hist ória e ficção” (COSTA, 1994, p. 12-
13). Nesse cont ext o, penso que essa aut ora est á corret a ao post ular
“ uma nova sínt ese” , que sej a “ cent rada na t eoria da práxis enriquecida

175
PAULO ROBERTO CIMÓ QUEIROZ

pelas novas experiências” e t rat e de evit ar “ t odas as formas de redu-


cionismo e reificação, sej am eles econômicos, lingüíst icos ou cult urais”
(COSTA, 1994, p. 13 e 26; v. t b. ARRUDA, 1996). Com efeit o, como not a
out ro aut or, “ as ciências sociais, ent re elas a hist ória, não est ão conde-
nadas a escolher ent re t eorias det erminist as da est rut ura e t eorias vo-
lunt arist as da consciência” (CARDOSO, 1997, p. 23).
Em meu ent ender, por t ais caminhos pode-se efet ivament e almej ar
“ a const rução de uma hist ória econômica sut il e complexa” , a qual,
embora se mant enha “ sempre referida a uma t ot alidade” , renuncie aos
cit ados “ delírios oniscient es” para incorporar inclusive referenciais além
dos “ puros” mecanismos econômicos (cf. FRAGOSO; FLORENTINO, 1997,
p. 35). De fat o, t rat ando-se especialment e do caso de Mat o Grosso/
Mat o Grosso do Sul, ist o é, áreas front eiriças, creio ser possível afirmar
que nada se poderá compreender de sua hist ória caso se deixe de levar
em cont a, por exemplo, a fort e dimensão polít ica de muit os dos principais
event os e processos que ali t iveram (e ainda t êm) lugar 6.
Tendo t udo isso em vist a, e passando à análise do caso específico em
quest ão, acredit o ser inegável a import ância que t eve, para as t rans-
formações econômicas ocorridas em Mat o Grosso/ Mat o Grosso do Sul, a
abert ura da navegação pelo rio Paraguai. Tal abert ura, e a conseqüent e
vinculação com os circuit os comerciais plat inos, f oi, com ef eit o, a
responsável diret a pelo início das at ividades de nat ureza indust rial na
região correspondent e ao at ual Mat o Grosso do Sul, a saber, as charquea-
das e a indúst ria ext rat iva de erva-mat e. A exploração dos ervais nat ivos
do SMT (que consist ia na ext ração, propriament e dit a, e no primeiro be-
neficiament o da erva, chamado cancheament o) se fez em função do
mercado argent ino, que absorvia quase a t ot alidade da produção; o
empresário Tomás Laranj eira, sucedido pela Companhia Mat e Laranj eira,
at uava em associação, formal ou informal, com est abeleciment os sit uados
em Buenos Aires, encarregados do beneficiament o final do produt o e sua

6
Para f icar só no período após a Independência, vale lembrar, com Moraes, que a idéia de
cont rolar o t errit ório, e assim “ const ruir o país” , “ at uou como f ort e ciment o na
manut enção da unidade e int egridade da ant iga colônia” ; pelo “ proj et o nacional” assim
delineado, t rat ava-se de “ const ruir a nação na expansão t errit orial” , com o que se
j ust ificava, ao mesmo t empo, “ o Est ado fort e e cent ralizador” que deveria “ conduzir e
comandar o processo” (2005, p. 140).

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colocação no mercado (v. CORRÊA FILHO, 1926). Também a produção de


charque, impulsionada ainda no século XIX por empresários plat inos, t omou
maior impulso, na primeira década do século XX, mediant e invest iment os
principalment e de capit ais provenient es do Uruguai.
No ent ant o, a meu ver, Alves superest ima, t ant o quant it at iva quant o
qualit at ivament e, as t ransformações verificadas após a liberação da nave-
gação – e, no mesmo passo, supervaloriza t ambém os papéis desempe-
nhados t ant o pelo capit al comercial quant o pelo “ capit al financeiro” .
É cert o que, no t ocant e àquelas t ransformações, os exageros nas
apreciações efet uadas pelo aut or podem ser at ribuídos, em part e, à fort e
impressão causada pelo cont rast e ent re os cont ext os ant erior e post erior
à abert ura da navegação7. Na verdade, o dinamismo econômico revelado
após a abert ura foi muit o modest o, e soment e adquire cert a significação
no confront o com a modést ia, ainda maior, dos padrões da economia mat o-
grossense no período ant erior 8. De fat o, na avaliação de Garcia, a “ fort e
presença do capit al mercant il” em Mat o Grosso, após a Guerra do Paraguai,
decorria na verdade, “ em larga medida” , das polít icas do governo cent ral,
que isent ou t emporariament e de impost os o comércio mat o-grossense e
efetuou na província vultosos gastos militares (GARCIA, 2001, p. 122). Assim,
como not ou Borges, at é o final do século XIX o valor das import ações
realizadas por Mat o Grosso superava, em muit o, o valor das export ações,
de modo que ainda ent ão (mesmo ressalvando-se a cost umeira prát ica do
cont rabando) essa economia dependia, para sust ent ar-se, dos recursos
remet idos pelo governo cent ral. Assim, foi apenas ao longo dos anos 1890
que a “ relat iva est agnação produt iva de Mat o Grosso” começou a ser
superada (BORGES, 2001, p. 44-46) 9.

7
Nesse sent ido, t ais apreciações exageradas f oram, em det erminados moment os e em
variados graus, compart ilhadas por out ros aut ores (dos quais, aliás, não me excluo).
8
De modo indiret o e cont radit ório, Alves parece admit ir t ais exageros ao mencionar o
carát er limit ado da paut a de export ações de Mat o Grosso, at é o f inal do século XIX,
mot ivo pelo qual era “ débil” a “ art iculação da região com os cent ros dinâmicos do
comércio mundial” (p. 25-26).
9
Out ra facet a daquela exagerada avaliação aparece na explicação de Alves para a presença,
no ramo do t ransport e fluvial, de empresas ligadas (real ou supost ament e) ao “ capit al
financeiro” , as quais t eriam cont ribuído para sufocar as casas comerciais ao ret irar delas
uma das fontes de seu poderio, a saber, o “ monopólio sobre a navegação” . Na impossibilidade
de t rat ar dessa quest ão, nos limit es dest e t ext o, remet o o leit or a Queiroz (2004, p. 334-
335); Souza (2001, p. 25-26); Reynaldo (2000, p. 96-118); Oliveira, 2005.

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PAULO ROBERTO CIMÓ QUEIROZ

Mas t ais exageros decorrem t ambém, por out ro lado, do afã de incluir
as realidades da região nos esquemas t eóricos adot ados. Assim, com
base nos poucos casos cit ados, referent es à “ implant ação da indúst ria
moderna na região” , o aut or avalia, por exemplo, que Mat o Grosso se
t ornava uma “ grande frent e de invest iment os” e est ava j á ent ão “ t ran-
sit ando do período manufat ureiro para o da maquinaria indust rial” (p.
23). Nesse cont ext o, o cont ingent e de paraguaios que emigrou para Mat o
Grosso, após a guerra, chega a ser considerado um “ prolet ariado” , como
“ necessário ant ípoda” dos capit ais ent ão igualment e encaminhados para
a província – quando, na verdade, esse cont ingent e era formado, de
acordo com uma font e cit ada pelo próprio aut or, por “ vivandeiros” que
est avam, em sua maior part e, acost umados “ a viver da magra et apa dos
soldados” brasileiros que ocupavam Assunção e que por isso os seguiram
quando esses soldados, em 1876, foram removidos dali para Mat o Grosso
(apud ALVES, 1984, p. 22-23).
Já com relação ao domínio do capit al comercial sobre o conj unt o da
economia mat o-grossense, na época, pode-se dizer que essa é uma in-
t erpret ação que encont ra apoio na hist oriografia (cf. CORRÊA, L. S., 1980,
1999; GARCIA, 2001; BORGES, 2001). Mesmo assim, parece a meu ver não-
demonst rada uma das principais premissas do pensament o de Alves, a
saber, aquela segundo a qual as casas comerciais est ariam promovendo um
saudável moviment o de “ diversificação da produção” (o que, no caso,
explicaria a const ernação com a supost a derrot a que lhes t eria sido
post eriorment e impost a pelo “ capit al financeiro” ). Garcia, por exemplo,
vai no sent ido opost o, af irmando que, no período após a Guerra do
Paraguai, o capit al mercant il “ não est ava ancorado em uma at ividade
produt iva fort e, que lhe desse sust ent ação” (GARCIA, 2001, p. 122); assim,
o aut or menciona o “ quadro de at raso na at ividade produt iva” mat o-
grossense para dizer que, nesse cont ext o, “ o domínio do comércio sobre
a economia provincial era sinônimo do seu at raso” (id., p. 100).
De fat o, no t ocant e à cit ada “ diversificação” aparecem, no esquema
de Alves, a rigor, apenas as at ividades ext rat ivas (erva-mat e e borracha).
As at ividades indust riais propriament e consideradas “ modernas” (Des-
calvados e as usinas de açúcar) são dadas como iniciat ivas alheias ao
capit al comercial, conforme j á vist o. Já no que t oca à produção de
charque (vist a como a principal possibilidade de Mat o Grosso escapar do
t rist e lugar que lhe est aria reservado na “ divisão regional do t rabalho” ),

178
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seu desenvolviment o é explicit ament e colocado, pelo próprio aut or, como
um frut o de invest iment os de “ empresas monopolist as” ligadas ao “ pólo
imperialist a” plat ino, como j á foi igualment e vist o.
Desse modo, o que parece ficar claro é que o aut or idealiza a cat e-
goria dos “ comerciant es mat o-grossenses” , ist o é, o “ grande comerciant e
dos port os” (cf. ALVES, 2003, p. 78). Esse novo t ipo de comerciant e, diz
ele, surgido em Mat o Grosso após a abert ura da navegação, correspondia
j á ao t ipo produzido pela Revolução Indust rial, ist o é, pela era da ma-
quinaria, e se sent ia port ant o à vont ade no novo cont ext o de mercadorias
padronizadas, negociadas no “ abst rat o mercado fut uro” 10; cosmopolit a,
ele “ expressou, no plano polít ico, a sua forma universalist a de conceber o
mundo e o homem” , compondo enf im uma cat egoria que t eria sido
“ marcada pelo universalismo e pelo engaj ament o na lut a pelo progresso
mat erial” (ALVES, 2003, p. 66-67; p. 78). Tal idealização fica especialment e
caract erizada quando se observa que as relações ent re as casas comerciais
e os produt ores locais (e, na verdade, t ambém os consumidores) sit uavam-
se nos t ermos de uma dominação verdadeirament e odiosa. Assim, o próprio
Alves menciona o “ domínio exercido sobre os produt ores regionais,
est reit ament e dependent es das frot as das casas comerciais para efeit o
de abast eciment o e de escoament o de seus produt os” , acrescent ando
que o “ pront o at endiment o ao produt or” era “ condicionado ao seu grau
de resist ência às condições de compra e de t ransport e impost as pelos
comerciant es” (1984, p. 51). Menciona t ambém a “ ação implacável” dos
mesmos comerciant es, reflet ida nos elevados j uros cobrados aos pro-
dut ores, a t al pont o que est es últ imos, segundo o aut or, “ ansiavam” pela
presença de aut ênt icos bancos na região (1984, p. 39). Lúcia S. Corrêa,
por sua vez, falando especificament e de Corumbá, regist ra a prát ica
cost umeira, por part e dos comerciant es, do cont rabando, do açambar-
cament o de gêneros agrícolas, da sonegação de impost os e da especulação,
inclusive com medicament os, por ocasião das freqüent es epidemias que
grassavam na cidade (CORRÊA, L. S., 1980, esp. p. 82 e ss.) 11.

10
O aut or cont rapõe esse segment o aos comerciant es mat o-grossenses de velho t ipo, ist o
é, o que ele chama “ comerciant es de f ísicos” , dependent es, para suas t ransações, do
presença f ísica das mercadorias.
11
Para uma ampla análise, não-idealizada, dos efet ivos cont ornos sociais das t ransformações
ent ão verif icadas em Corumbá, v. Souza, 2001.

179
PAULO ROBERTO CIMÓ QUEIROZ

A idealização, com novas cont radições, aparece t ambém em out ras


formas pelas quais Alves caract eriza essas casas comerciais. Por um lado,
são englobados num mesmo conj unt o, sem dist inções, t odos os pro-
priet ários de casas comerciais, fossem eles nat urais da própria região ou
est rangeiros chegados após a abert ura da navegação (cf. ALVES, 2003, p.
63) – o que const it ui uma solução coerent e com o mét odo ut ilizado pelo
aut or, que valoriza o universalismo (represent ado nest e caso pelo capit al)
em face do nacionalismo ou do regionalismo. Por out ro lado, Alves post ula,
como vimos, um ant agonismo ent re essas casas comerciais e o “ capit al
financeiro” .
No ent ant o, t udo parece indicar que essas casas comerciais não foram
simplesment e um “ canal” inicialment e ut ilizado pelo capit al int ernacional
mas sim, em boa parcela, manifest ações plenas da presença desse capit al.
Embora t ais casas não t enham sido ainda, infelizment e, obj et o de est udos
acadêmicos aprofundados (cf. TARGAS; QUEIROZ, 2006), parece possível
ext rair algumas conclusões a part ir das informações exist ent es acerca
das dat as de implant ação desses est abeleciment os em Mat o Grosso.
Dent re 34 casas comerciais com anúncios publicados no cit ado Album
graphico (1914), pode-se ident ificar, pelos próprios anúncios, as dat as
do est abeleciment o de 22. Dessas, not a-se que nada menos que 12 foram
f undadas ent re 1895 e 1912 – ou sej a, precisament e o período que,
conforme se sabe e o próprio aut or indica, corresponde à int ensificação
da presença do capit al est rangeiro na região. Ademais, essas casas
t razem, em sua maior part e, nomes caract erist ica ou declaradament e
est rangeiros (alemães, it alianos e espanhóis): St öffen, Schnack, Müller
e Cia. (Corumbá, 1898) 12; Vict or Lasclot as (Port o Murt inho, 1898); Monaco,
Piñon e Cia. (Corumbá, 1902); Feliciano Simon (Corumbá, 1907); Ângelo
Rebuá e Irmão (Miranda, 1908); Joset t i e Cia. (Corumbá, 1909); Raphael
Orrico (Aquidauana, 1910) 13.

12
Essa empresa est ava present e t ambém na Bolívia, t endo sua mat riz em Puert o Suárez e
f iliais em várias out ras localidades (cf . Al bum graphico, anúncio da empresa na part e
final do volume).
13
Vale not ar que t ambém nas empresas fundadas ant es de 1895, bem como naquelas para as
quais não se indica a dat a de f undação, há várias com nomes de est rangeiros, ist o é,
alemães, it alianos, espanhóis e t ambém lusit anos.

180
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Desse modo, parece impossível separar t ais casas do processo mais


amplo que inclui a presença daquilo que o aut or chama de “ empresas do
capit al financeiro” –rest ando, ao cont rário, aparent ement e clara a ínt ima
vinculação desses comerciant es com a expansão (indust rial/ comercial)
então empreendida por seus países de origem14. O processo, provavelmente,
é um só, podendo-se supor que os comerciant es est rangeiros em Mat o
Grosso, nessa época, ligavam-se a esquemas similares aos indicados por
Takeya com relação a uma casa comercial inst alada por franceses no Ceará.
Essa aut ora, de fat o, ident ificou uma ext ensa rede de informações que,
passando pelos círculos econômicos e governament ais da França, municiava
a mont agem das “ casas comerciais que, de fat o, viabilizaram a expansão
comercial francesa” (TAKEYA, 1992, p. 331-332).
No caso de Mat o Grosso, t ais raciocínios, ao que parece, poderiam
ser aplicados para explicar a presença t ant o das casas alemãs como t ambém
as de out ros países, “ menores” . Nessa época, de fat o, segundo Normano,
“ a Alemanha est ava lut ando para penet rar [no mercado sul-americano]
com o fim de dividir o mercado com os velhos fornecedores e client es: a
Inglat erra e a França” ; “ part indo do sul” , a presença alemã est ava se
“ aproximando cada vez mais dos algarismos da Inglat erra na Argent ina,
Chile, Brasil, Uruguai, Paraguai e Bolívia” (NORMANO, 1944, p. 22-23).
“ Mas” , acrescent a o aut or, “ as out ras nações” – “ t ais como: Espanha,
Port ugal, It ália” – “ t ambém lut avam para conseguir ent rar no mercado”
(id., p. 22). A mesma idéia é ainda enfat izada pelo aut or em out ro local,
onde afirma: “ os vários rivais polít icos [da Grã-Bret anha] fizeram sua
ent rada no Cont inent e – a nação francesa de rent iers e a Alemanha com
o seu est ado indust rial. Mas havia ainda lugar bast ant e para os países
menores – a Bélgica15, a Holanda, a Espanha, a It ália” (id., p. 55).
Ademais, parece t ambém problemát ica a suposição, implícit a, de
que os comerciant es const it uíam um conj unt o homogêneo, capaz, por

14
Semelhant e vinculação, na verdade, é apont ada por Valmir Corrêa j á com relação aos
primeiros comerciant es a se inst alarem em Mat o Grosso após a abert ura do rio Paraguai,
ainda em f ins da década de 1850: a at uação de t ais “ mascat es f luviais” , “ em especial
imigrant es europeus” , “ represent ou de f at o o pont o f inal da cadeia imperialist a, ao
incorporar a dist ant e província de Mat o Grosso ao mercado dos produt os indust rializados
da Europa” (CORRÊA, V. B., 1999, p. 23-24).
15
A respeit o dos peculiares int eresses belgas na região, nessa época, ver Garcia (2005).

181
PAULO ROBERTO CIMÓ QUEIROZ

exemplo, de at uar polit icament e como um bloco (o “ capit al comercial” ).


O equívoco, no caso, não est aria na operação de j unt ar numa mesma
cat egoria, como foi dit o acima, os est rangeiros e os “ nat urais da t erra” .
A ident idade de int eresses ent re int egrant es desses dois conj unt os pa-
rece não só possível como alt ament e provável – como, aliás, indica Hobs-
bawm ao mencionar a presença, nos países periféricos, dos “ comerciant es
agent es de pot ências est rangeiras – locais, import ados da Europa ou
ambos” (1988, p. 99) 16. Isso, cont udo, não elimina a probabilidade da
ocorrência de conf lit os de int eresses ent re os comerciant es (f ossem
eles est rangeiros ou nat ivos), de modo que, inclusive por esse mot ivo,
diferent es comerciant es t enderiam a desenvolver diferent es relações
com as oligarquias polit icament e dominant es no est ado.
Do mesmo modo, Alves superest ima t ambém a presença (e conse-
qüent es efeit os) do “ capit al financeiro” na região17. Em seu ensaio, const a
uma longa relação de “ empresas ligadas diret ament e ao capit al financeiro,
implant adas em Mat o Grosso ent re 1891 e 1929” (p. 41-42). É uma list a
que, à primeira vist a, causa de fat o uma cert a impressão, t ant o que o
próprio Borges, que a reproduz, avalia que “ a presença do capit al finan-
ceiro em Mat o Grosso é inquest ionável e, com cert eza, deve t er su-
focado o capit al mercant il local” (BORGES, 2001, p. 128). Penso, con-

16
Cont udo, não deixa de ser int eressant e not ar que Lúcia S. Corrêa assinala, no segment o
dos comerciant es, o peso part icular dos est rangeiros, os quais, em vist a de suas
condenáveis prát icas (conf orme j á vist o), chegaram a ser obj et o de moviment os locais
de sent ido “ nat ivist a” , de “ reação ao est rangeiro” , ist o é, cont ra “ o rest rit o grupo de
est rangeiros que cont rolavam o grande comércio de Corumbá” (CORRÊA, L. S., 1980, p.
99). Takeya por sua vez menciona, no caso que analisou, “ prot est os dos comerciant es
nat ivos” com relação aos est rangeiros (1992, p. 333).
17
Na verdade, t al post ura aparece j á quando, mencionando o processo de concent ração do
capit al, em escala mundial, o aut or simplesment e subscreve a avaliação original de Lênin,
concluindo que, “ num mundo j á dominado pelos oligopólios, com a emergência do capitalismo
monopolist a” , j á “ não havia mais lugar para a lei da of ert a e da procura, para a livre
concorrência, enf im” (cf . p. 23-24). Vej a-se, a propósit o, a seguint e observação de
Hobsbawm: “ o cont role do mercado e a eliminação da concorrência const it uíam apenas
um aspect o de um processo mais geral de concent ração capit alist a, e não eram nem
universais nem irreversíveis: em 1914 houve uma concorrência muit o mais acent uada
nos set ores pet roleiro e siderúrgico nort e-americanos do que houvera dez anos ant es.
Nest e sent ido, é ilusório f alar, em relação a 1914, daquilo que por volt a de 1900 era
clarament e ident ificado como sendo uma nova fase do desenvolviment o capit alist a, como
‘ capit alismo monopolist a’ ” (1988, p. 70).

182
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t udo, ser mais corret o e produt ivo ret er e dest acar out ros aspect os
assinalados pelo cit ado aut or, em sua crít ica de algumas das proposições
de Alves. De fat o, Borges observa que “ a presença diret a do capit al es-
t rangeiro em Mat o Grosso foi de duração limit ada, pelo menos nos níveis
ext raordinariament e elevados dos anos que precedem a Primeira Guerra
Mundial” , o que “ se explica, afinal, pela própria expansão dos mercados
financeiros int ernacionais na década que precede a eclosão da Primeira
Grande Guerra” ; concluindo, Borges assinala enfim que o capit al financeiro
“ não ‘ subst it uiu’ [...] as classes sociais int ernas: o cresciment o do poder
dos pecuarist as e de comerciant es de novas áreas expressa esse fat o”
(p. 129; grifo do original).
Em out ras palavras, parece possível dizer que Alves t oma como
duradoura e definit iva uma presença que, na maior part e dos casos, foi
apenas episódica e t ransit ória, como especialment e no caso das várias
empresas ligadas à ext ração da borracha e à exploração de minérios (ouro,
diamant e e manganês). Assim, das 29 empresas que aparecem na referida
list a, parecem t er subsist ido, na verdade, apenas 8 ou 9 (propriet árias de
fazendas est abelecidas no SMT com a finalidade de explorar a pecuária),
além da Companhia Mat e Laranj eira (cuj as event uais ligações com o capit al
financeiro precisam ainda ser, na verdade, melhor elucidadas).
Com relação especificament e à economia ervat eira, deve-se dizer que
a proposição de Alves, acerca do apoio de represent ant es do capit al co-
mercial à t ese do fracionament o dos ervais, apresent a efet ivos element os
de verossimilhança. Num art igo publicado no cit ado Album graphico, o
polít ico mat o-grossense Brandão Júnior, part idário desse fracionament o,
defendia enfat icament e o papel que, nessa hipót ese, seria exercido pelos
comerciant es: “ A export ação compet e ao comércio, a quem incumbe o
papel de int ermediário ent re o produt or e o consumidor. E no caso do
mat e, o comércio, cert o, não se deixará pret erir, porque ninguém poderá
preencher est a função com mais vant agem que ele” . Na verdade, a crer
em Brandão Júnior, o int eresse dos comerciant es est aria radicado mais
precisament e no mercado consumidor a ser criado pela renda provenient e
da export ação da erva. Segundo esse aut or, de fat o, em casos como o do
mat e “ o comércio limit a-se, quase sempre, a um lucro muit o insignificant e,
acont ecendo muit a vez não pret ender out ra recompensa al ém do
forneciment o de mercadorias de consumo aos vendedores de produt os a
export ar” (BRANDÃO JÚNIOR, 1914, p. 429).

183
PAULO ROBERTO CIMÓ QUEIROZ

Isso evident ement e não deve significar, conforme j á assinalei há


pouco, que se t rat asse aí de uma post ura de “ bloco” , pela qual os co-
merciant es, enquant o “ burguesia mat o-grossense” , est ariam confron-
t ando o “ capit al financeiro” . O fat o concret o é que o negócio da erva-
mat e era ext remament e lucrat ivo, especialment e para os padrões da
época e do lugar, uma vez que o produt o era de boa qualidade e o mercado
consumidor fort e e garant ido. Além disso (embora esse pont o, como
t ant os out ros, não est ej a est udado), pode-se supor que ent re os próprios
indust riais e dist ribuidores da erva-mat e na Argent ina houvesse int eresse
em furar o “ bloqueio” ao mat e sul-mat o-grossense exercido pela com-
panhia monopolist a e seus associados port enhos18.
Sej a como for, o que me parece, por out ro lado, j á suficient ement e
demonst rado é que Alves subest ima o significado da presença de novos
at ores (os ex-posseiros) no universo ervat eiro. Relat ivament e cedo, de
fat o, a export ação da erva parece haver logrado emancipar-se da de-
pendência dos esquemas de t ransport e monopolizados pela Companhia,
por meio de uma curiosa (e, at é cert o pont o, inesperada) conexão ent re
a est rada de ferro Noroest e do Brasil e a navegação do rio Paraguai. Com
efeit o, j á em 1930 o president e do est ado menciona o vult o da export ação
de erva-mat e at ravés da ferrovia: o mat e, diz ele, vem “ em caminhões de
Pont a Porã para Campo Grande, donde é conduzido pelos t rens da Noroest e
at é Port o Esperança [no rio Paraguai] e aí embarcado para o Rio da Prat a.
Embora não sej a esse o caminho mais curt o, é o preferido por ser o mais
econômico” (apud QUEIROZ, 2004, p. 420; “ mais econômico” , ent enda-
se, em face da impossibilidade de se recorrer aos circuit os monopolizados
pela Companhia, que j á nessa época ut ilizava o rio Paraná, acima e abaixo
das Set e Quedas, como sua rot a de export ação). Assim, os t ransport es de
erva-mat e efet uados pela ferrovia giraram, na segunda met ade da década
de 30, em t orno de um t erço do t ot al da produção export ada por Mat o
Grosso (QUEIROZ, 2004, p. 420) 19.

18
Vale lembrar que a Argent ina, o grande mercado consumidor da erva-mat e, não possuía
senão uma pequena ext ensão de ervais nat ivos, e at é pelo menos a década de 1930
dependia quase t ot alment e da import ação (FIGUEIREDO, 1968).
19
Sobre esse assunt o, ver t ambém Jesus (2004).

184
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 167-197, 2007

Ademais, o espaço da Companhia Mat e cont inuou a ser cada vez mais
rest ringido, devido, ent re out ras coisas, à ação do Est ado nacional brasileiro
– movido, no caso, por preocupações que se inscrevem t ant o no âmbit o
da economia quant o no da polít ica (cf. LENHARO, 1986). Em sua polít ica
de “ nacionalização das fronteiras” , parte da chamada “ Marcha para Oeste” ,
o Est ado Novo de Vargas recusou-se a renovar os arrendament os da Com-
panhia. Ao mesmo t empo, com a criação, em 1938, do Inst it ut o Nacional
do Mat e, os produt ores independent es foram est imulados a se organizarem
em cooperat ivas e passaram a cont ar (em medida ainda a ser melhor
avaliada) com financiament o e assist ência t écnica est at ais. Desse modo,
sabe-se que, a part ir de fins dos anos 1940, a Companhia deixou a cena
principal e esses produt ores assumiram na prát ica a operação da economia
ervat eira (cf. SALDANHA, 1986).
Rest a enfim a analisar os element os do esquema de Alves que parecem
t er alcançado maior poder de disseminação, ist o é, aqueles referent es
ao supost o “ assalt o final” cont ra o poder da “ burguesia comercial mat o-
grossense” , com seu pret enso efeit o de “ est rangular” a diversificação
produt iva ent ão ensaiada. Como j á foi dit o, o aut or at ribui à Noroest e
(dada como um “ t ent áculo” do “ pólo imperialist a” sit uado no sudest e
brasileiro) o papel de algoz das perspect ivas de desenvolviment o aut ô-
nomo da região. Para o aut or, a Noroest e t eria sido pensada e const ruída
com a finalidade principal de prover mat éria-prima (gado bovino) aos
frigoríficos inst alados em São Paulo pelo capit al financeiro, o que t eria
decret ado o fracasso da t ent at iva de indust rialização local represent ada
pelas charqueadas. Um eloqüent e indício de como t ais afirmações de
Alves cont inuam a ser apreendidas pode ser encont rado em uma recent e
obra, onde se lê o seguint e:
com a inst alação da Ferrovia Noroest e do Brasil, ligando o cent ro indust rial
em pleno desenvolviment o (São Paulo) e o Mat o Grosso [...], o domínio
monopolist a sobre a região t ransfere-se da região plat ina para o Sudest e
brasileiro. Verifica-se, nest e período, a falência das empresas de charque
da região. O int eresse do monopólio agora é pelo gado em pé, t ransport ado
pela ferrovia Noroest e do Brasil para ser abat ido nos frigoríficos inst alados
em São Paulo (MORETTI, 2006, p. 26).
Compreende-se que, no t rabalho acima cit ado, t ais t emas, conforme
observei de início, figuram apenas como element os de composição de
um “ quadro abrangent e” no qual o aut or busca sit uar seu obj et o precí-
puo, que é int eirament e out ro.

185
PAULO ROBERTO CIMÓ QUEIROZ

Tais afirmações, cont udo, foram j á largament e refut adas por pesquisas
realizadas ao longo da década de 1990. Em primeiro lugar, não é possível
at ribuir à const rução da Noroest e um sent ido purament e econômico. Em
dois t rabalhos (concluídos um em 1992 e o out ro em 1999, depois
publicados, respect ivament e, em 1997 e 2004), creio haver demonst rado
que os int eresses econômicos imediat os, ligados à moviment ação de
mercadorias ent re São Paulo e Mat o Grosso, não eram suficient es para
explicar a const rução dessa est rada. Na verdade, os event uais efeit os
econômicos da ferrovia apareciam, na época, clarament e subordinados a
int eresses polít ico-est rat égicos do Est ado nacional brasileiro (t ant o que
seu t recho sul -mat o-grossense f oi, desde o início, est at al , ist o é,
pert encent e à União). O que se buscava era, essencialment e, uma ligação
diret a ent re a front eira sul-mat o-grossense e o lit oral at lânt ico brasileiro,
de modo a se poder dispensar a via plat ina de acesso a Mat o Grosso – a
qual dependia do t rânsit o por dois países est rangeiros (o Paraguai e a
Argent ina) com os quais o Est ado brasileiro mant inha relações nem sempre
amigáveis e j amais confiáveis. Desse modo, o fat o de a ferrovia haver
at uado de modo poderoso no enfraqueciment o da via plat ina const it ui,
ant es de qualquer coisa, a própria concret ização, em t ermos econômicos,
de seu sent ido polít ico-est rat égico: ela deveria ser, como foi, um “ dreno”
do t ráfego efet uado pela calha do rio Paraguai, de modo a “ nacionalizar”
(direcionando-as para o sudest e brasileiro) as ligações econômicas e
polít icas mat o-grossenses.
Out ro equívoco consist e em afirmar que as charqueadas mat o-gros-
senses t eriam ent rado em “ falência” após a década de 1920. Em primeiro
lugar, o processo de melhorament o do rebanho bovino mat o-grossense,
que poderia t orná-lo apt o ao aproveit ament o nos frigoríficos paulist as,
embora se t enha de fat o iniciado na segunda década do século XX, não
t eve cont inuidade, sendo ret omado, de modo significat ivo, apenas a part ir
da década de 1950 (QUEIROZ, 2004, p. 482-484). Assim, durant e a primeira
met ade do século, a Noroest e prat icament e não t ransport ou gado gordo
(ist o é, pront o para o abat e) de Mat o Grosso para São Paulo. Ao cont rário,
os animais export ados pela via ferroviária se dest inavam às invernadas
sit uadas no oest e paulist a, de onde, aí sim, seguiam para o abat e nos
frigoríficos (na verdade, dado o valor relat ivament e baixo do gado, a maior
part e cont inuou a ser export ada no velho sist ema das boiadas; cf. QUEIROZ,
2004, p. 395-411; LEITE, 2003).

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 167-197, 2007

O mais import ant e a esse respeit o é que, conforme assinala Nasci-


ment o, não se verificou a alegada falt a de mat éria-prima, que t eria sido
responsável pela supost a falência das charqueadas (NASCIMENTO, 1992,
p. 37-38). É cert o que, como apont ou Suzigan, a rápida expansão do
número de frigoríficos inst alados no Brasil, durant e a Primeira Grande
Guerra, produziu, logo em seguida, uma séria crise de abast eciment o de
mat éria-prima:
A capacidade de abat e t ot al dos frigoríficos est abelecidos em 1918-
1919 j á excedia a uma t axa razoável de desfrut e, t endo em cont a o
t amanho do rebanho brasileiro [...]. De fat o, j á durant e os anos de guerra
est ava ocorrendo um excesso de abat es, o que acarret aria grave crise
na indúst ria de carnes em fins da década de 1910 e início da de 1920
(SUZIGAN, 2000, p. 359).
Cont udo, essa carência não se verificou no t ocant e às charqueadas
mat o-grossenses. No caso, parece bast ant e cl aro que a di st ânci a
funcionou como um mecanismo de prot eção desses est abeleciment os.
Ao cont rário dos f rigoríf icos, essas charqueadas (aliás muit o menos
exigent es que os primeiros, no t ocant e à qualidade da mat éria-prima)
cont avam com um supriment o de gado abundant e e próximo. Desse
modo, não foi por acaso que, de t odas as charqueadas inst aladas nessa
época no SMT, foram aquelas do Pant anal as que t iveram especial fort una:
é que elas, mais que as sit uadas no planalt o da bacia do Paraná, est avam
prot egidas, pela enorme dist ância (muit o superior a 1. 000 km), da
concorrência que lhes podiam fazer os frigoríficos, na busca pela mat éria-
prima (cf. QUEIROZ, 2004, p. 481). Enfim, os dados disponíveis a esse
respeit o (v. t abela ao final dest e t ext o) indicam que, ent re o final da
década de 1910 e o início da seguint e, a export ação mat o-grossense de
charque aument ou, ao invés de diminuir.
Em resumo, pode-se dizer que as charqueadas t iveram um import ant e
papel na economia sul-mat o-grossense ainda nas t rês décadas seguint es.
Nesse período, de f at o, de acordo com Nasciment o, t ais empresas
dispuseram de condições de desenvolviment o bast ant e favoráveis, e che-
garam a alcançar uma “ grande prosperidade” , evidenciada pelo “ aument o
do capit al, inst alações e aparelhagens de algumas delas” (NASCIMENTO, p.
59). O aut or most ra t ambém que o mercado consumidor cont inuou firme,
const it uído, essencialment e, pelo mercado int erno brasileiro (p. 73). Desse
modo, foi apenas na década de 1950 que se ext inguiu o espaço econômico

187
PAULO ROBERTO CIMÓ QUEIROZ

das charqueadas mat o-grossenses: “ pressionadas pela concorrência e pelo


Minist ério da Agricult ura” , elas t rat aram de modernizar-se, de modo que,
“ na década de 60, as indúst rias que ainda sobreviviam com o nome de
charqueada, no est ado de Mat o Grosso, prat icament e j á haviam se
descaract erizado como t al; eram est abeleciment os em vias de t ransformar-
se em frigoríficos, e isso, geralment e, ocorreu na década de 70” (NAS-
CIMENTO, 1992, p. 47-50 e 173).
Vale not ar que, buscando last rear sua t ese, Alves lança mão de um
argumento aparentemente muito lógico, a saber: o fato de a ferrovia cobrar,
para o t ransport e do charque, t arifas muit o maiores que aquelas cobradas
para o t ransport e de gado vivo (sendo que o produt o indust rializado per-
mit ia o “ pleno esgot ament o da capacidade de t ransport e de um vagão de
carga, enquant o o t ransport e de gado em pé se revelava permanent ement e
ocioso” ). Para Alves, essa polít ica correspondia simplesment e a “ mais um
inst rument o do capit al monopolist a, para realizar a divisão regional do
t rabalho que lhe int eressava” (ALVES, 1984, p. 68-69). Na verdade, en-
t ret ant o, esse supost o “ paradoxo” decorria da aplicação de um princípio
universal de t arifação ferroviária, pelo qual os fret es eram cobrados na
proporção diret a do valor de cada mercadoria (QUEIROZ, 2004, p. 249-
250). Além disso, não é cert ament e necessário recorrer a t ramas impe-
rialist as para se encont rarem pressões adicionais cont ra as t arifas, j á nor-
malment e baixas, do gado em pé. Para isso bast avam, com sobras, os in-
t eresses imediat os dos pecuarist as, os quais, como int egrant es das classes
sociais dominant es (especialment e em Mat o Grosso), dispunham de força
polít ica suficient e para garant ir fret es irrisórios, ainda que à cust a do
sucat eament o das ferrovias (QUEIROZ, 2004, p. 260-266, 272-278). A im-
pert inência desse argument o manifest a-se, enfim, na elevada proporção
em que a produção mat o-grossense de charque foi sempre t ransport ada
pela via férrea, desde o início da década de 1920, a demonst rar que os
fret es cobrados não eram, de modo algum, espoliadores dessa indúst ria
(QUEIROZ, 2004, p. 411-415; Nasciment o, p. 89-91).
Finalment e, cabe not ar que a supervalorização de mecanismos dire-
t ament e econômicos não exclui, no esquema analisado, o recurso a uma
“ visão conspirat iva” da hist ória. Assim, a “ divisão regional do t rabalho” ,
a que alude Alves, deixa de ser vist a como o result ado das complexas
int erações ent re a economia mat o-grossense e o rest ant e da economia
brasileira para ser simplesment e at ribuída a uma deliberada “ est rat égia

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 167-197, 2007

de produção de aliment os para o abast eciment o dos cent ros econômicos


mais dinâmicos do Cent ro-Sul do país” (p. 57) – algo, port ant o, como um
verdadeiro “ complô” cont ra o desenvolviment o diversificado e aut ônomo
de Mat o Grosso20.
Desse modo, Alves coloca indiret ament e a idéia de que soment e
mant endo-se vinculada aos circuit os plat inos a indúst ria mat o-grossense
do charque t eria perspect ivas de mant er-se. Em sua visão, apenas para o
“ pólo imperialist a” do sudest e as charqueadas apareciam como compe-
t idores a eliminar, uma vez que disput avam as mesmas font es de mat éria-
prima. Na perspect iva do “ pólo plat ino” , ao cont rário, elas apareciam como
um set or, de cert o modo, “ complement ar” , na medida em que não
compet iam pela mat éria-prima com os frigoríficos inst alados no Prat a e
at endiam a um mercado que esses (após haverem promovido, por sua vez,
a liquidação das charqueadas plat inas) haviam deixado de lado, ist o é, o
mercado específico do charque, ainda ext enso em países como Cuba e o
próprio Brasil (ALVES, p. 63-64). Desse modo, pode-se dizer que Alves
propõe uma alt ernat iva que, embora inverificável, aparece, no conj unt o
de seu esquema, com um alt o poder de sugest ão: t rat a-se da idéia de
que, na ausência da Noroest e, vale dizer, na ausência da int egração
subordinada à economia paulist a, a economia mat o-grossense t eria t ido
condições de desenvolver-se de forma mais diversificada, escapando à
“ vocação” de export adora de gado magro.
A esse respeit o, vale inicialment e lembrar a consist ent e refut ação
de Wilson Cano à t ese do assim chamado “ imperialismo int erno” , que
supost ament e t eria sido exercido pela região-pólo brasileira em seu
benefício e em det riment o das regiões periféricas. Como se sabe, Cano
enfat iza, ao cont rário, os complexos mecanismos hist órico-econômicos
que permit iram à economia de São Paulo a conquist a da posição de pólo
(CANO, 1977, 1985). Além disso, a int egração com o pólo não liquidou as
charqueadas mat o-grossenses, como imagina Alves. Finalment e, convém
assinalar uma cont radição nos raciocínios analisados: pelo que havia sido

20
Um raciocínio semelhant e é ef et uado pelo aut or com relação ao dest ino da economia
açucareira em Mat o Grosso. Nest e t rabalho, cont udo, deixo de analisar esse caso, t ant o
pelas limit ações de espaço como pelo fat o de ele est ar mais diret ament e relacionado com
a porção nort e da região considerada.

189
PAULO ROBERTO CIMÓ QUEIROZ

afirmado, a vít ima do “ assalt o final” t eriam sido os “ comerciant es mat o-


grossenses” ; segundo o próprio Alves, ent ret ant o, como foi dit o, quem
explorava as charqueadas na região não eram os comerciant es mas sim
“ empresas monopolist as” vinculadas ao “ pólo plat ino” (cf. p. 64-65).
Buscando avançar no propósit o de cont ribuir para um mel hor
conheciment o da hist ória econômica de Mat o Grosso/ Mat o Grosso do
Sul, creio ser possível dizer que, numa visão de conj unt o, a vinculação
com o sudest e brasileiro (vale dizer, com o mercado int erno em formação)
const it ui, para a economia mat o-grossense/ sul-mat o-grossense, um im-
port ant e dado desde o início da efet iva presença luso-brasileira nesse
espaço, ainda no século XVIII. Ent ret ant o, devido à especificidade dos
recursos nat urais da região e a peculiar disposição de sua rede hidro-
gráfica, a int egração com o sudest e pôde ser desafiada pela alt ernat iva
da vinculação diret a com out ros mercados, mediant e o t rânsit o pelos
rios Paraguai e Paraná e pelo est uário do Prat a.
Tal vinculação, como j á assinalei, foi diret ament e responsável pelo
início das indúst rias do charque e da erva-mat e. Na ausência, cont udo,
de um mercado consumidor significat ivo, a implant ação desses ramos
decorreu simplesment e de “ uma específica dot ação local de recursos
naturais ou de uma atividade agrícola ou pecuária de longa data implantada”
na região, conforme a conhecida conceit uação de Cano. Esse aut or cit a
os ramos do charque e da erva-mat e, e, embora não se refira espe-
cificament e ao caso mat o-grossense, suas observações valem t ambém para
esse caso: ainda que t ais at ividades pudessem dar a impressão de uma
cert a “ concent ração” indust rial em t ermos regionais, diz ele, “ esse t ipo
de concent ração pouco t em a ver com uma dinâmica indust rial própria” ;
em out ras palavras, eram at ividades que “ pouco t inham a ver, efet i-
vament e, com a base e dimensão de seus próprios mercados locais” ,
est ando, ao cont rário, “ volt adas basicament e para ‘ mercados ext ernos’ ,
do ext erior ou do rest o do país” (CANO, 1977, p. 113).
Tal “ dinâmica indust rial própria” , de fat o, parecia not avelment e
ausent e na região, pelo menos at é a segunda met ade do século XX. Essa
const at ação, t odavia, não elimina, ou não deveria eliminar, o int eresse
pelo conheciment o mais aprofundado da t raj et ória desses ramos e suas
event uais vincul ações com out ros set ores da economia sul -mat o-
grossense. Tal int eresse, a meu ver, é aconselhável em vist a da própria
duração dessas at ividades: a indúst ria do processament o da carne bovina

190
BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 167-197, 2007

na região t em suas origens, embora modest as, j á na década de 185021; a


economia ervat eira, por sua vez, t eve seus inícios, igualment e modest os,
logo após o final da guerra com o Paraguai e perdurou, como uma at ividade
import ant e, at é meados da década de 1960 (cf. JESUS, 2004).
Numa perspect iva de longo prazo, assim, t orna-se prat icament e
irrelevant e a oposição ent re capit ais nacionais e est rangeiros. A presença
desses últ imos não levou, como se poderia dramat icament e supor, a uma
desnacionalização da economia regional, nem inviabilizou a “ diversi-
ficação” da produção.
A indúst ria da carne, por exemplo, superou a dependência das vin-
culações plat inas, que haviam presidido a seu início, e adapt ou-se per-
f eit ament e à nova conf iguração dos t ransport es iniciada com a cons-
t rução da ferrovia – passando, aliás, às mãos de capit ais locais (inclusive,
especif icament e, o “ capit al comercial” ). Desse modo, a rigor, não há
que se f alar, a esse respeit o, em “ decadência” , nem na década de 1920
nem depois. Torna-se mais int eressant e e produt ivo examinar, ao con-
t rário, as t ransf ormações que cont inuavam a ocorrer no mercado
nacional e mundial e como elas se conj ugaram às condições locais para
produzir novas t ransf ormações. Isso f oi o que procurou f azer o t rabalho
de Luiz M. do Nasciment o, o qual most ra que, na década de 1920,
ocorreu o início de uma nova f ase da indúst ria charqueadora de Mat o
Grosso. O aut or ident if ica os anos ent re 1922 e 1931 como o “ últ imo
período de inst alação de charqueadas em Mat o Grosso” – t rat ando-se,
agora, de est abeleciment os “ nascidos da iniciat iva de empresários mat o-
grossenses” , enquant o a presença est rangeira, at é ent ão hegemônica,
começava a “ refluir” (NASCIMENTO, 1992, p. 178 e 10-11). O aut or most ra
t ambém que “ boa part e” do capit al invest ido nessa indúst ria, nessa
nova fase, “ veio do set or comercial” , sendo que, “ com muit a freqüência,
os pr ópr i os char queador es desenvol vi am at i vi dades comer ci ai s”
(NASCIMENTO, p. 45). Finalment e, como j á f oi vist o, a part ir da década
de 1960 as ant igas charqueadas t enderam a t ransf ormar-se em f ri-
goríf icos.

21
Conf orme not a Wilcox (1992, p. 103), uma incipient e produção de charque para
export ação, por iniciat iva dos próprios f azendeiros, t eve início logo após a abert ura do
rio Paraguai.

191
PAULO ROBERTO CIMÓ QUEIROZ

Nessas circunst âncias, afiguram-se muit o promissores dois inst ru-


ment ais de análise lembrados por Suzigan: a “ t eoria do cresciment o
econômico induzido por produt os básicos” , de Wat kins, e a abordagem
dos “ encadeament os generalizados” (general ized l inkage), propost a por
Hirschman. Nos dois casos, conforme dest aca Suzigan, a abordagem é
“ essencialment e a mesma” :
Ela descreve o processo de desenvolviment o econômico no período
de cresciment o volt ado para a export ação, ou a experiência de cres-
ciment o de um país novo a part ir de um produt o básico de export ação,
nos t ermos dos efeit os de encadeament o (linkage ef f ect s) ou dos efeit os
de expansão (spread ef f ect s), derivados das export ações de produt os
básicos (SUZIGAN, 2000, p. 70).
Desse modo, t rat a-se de examinar, com relação a um det erminado
gênero básico, “ sua capacidade de induzir invest iment os no mercado
int erno pela demanda de f at ores e insumos int ermediários para sua
produção” , examinando-se a dist ribuição da renda provenient e da ex-
pansão desse gênero e t ambém a “ possibilidade de processament o ul-
t erior” do mesmo gênero. Como enfat iza Suzigan, t al abordagem, por
ser “ aplicável a qualquer produt o básico” , “ aj uda a ent ender as diferenças
no desenvolviment o econômico (part icularment e indust rial) das dife-
rent es regiões (ou países) durant e o período de cresciment o volt ado
para a export ação” (SUZIGAN, p. 70, 72).
Penso que t al abordagem pode ser especialment e út il para o exame
da economia ervat eira. Nessa economia, de fat o, o período de “ cres-
ciment o volt ado para a export ação” prolongou-se at é meados da década
de 1960, quando a Argent ina (principal e quase único consumidor do
mat e sul-mat o-grossense) encerrou definit ivament e suas import ações
(cf. SALDANHA, 1986). Assim sendo, a abordagem pode abranger t ant o o
período de predomínio absolut o da Companhia Mat e Laranj eira quant o
o período post erior, caract erizado pela presença das cooperat ivas de
produt ores. É claro que, no t ocant e à Companhia, parece especialment e
t ent ador considerá-la como um mero encl ave, vist o que ela ut ilizava
pessoal maj orit ariament e est rangeiro (migrant es paraguaios)22, dest inava
ao ext erior sua produção, possuía seus próprios esquemas de t ransport e

22
A esse respeit o, ver Wilcox (1993).

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e comercialização et c. Creio, no ent ant o, que esse não deve ser o pont o
de part ida de uma análise. Not e-se por exemplo que, pelo que diz a
hist oriografia, essa empresa pagava impost os numa ínfima proporção de
seus rendiment os, de modo que, por esse crit ério, ela não poderia ser
vist a como o t ípico enclave de propriedade est rangeira (t ipo esse que
const it ui, como not a Hirschman, “ an obvious and comparat ivel y easy
t arget of t he f iscal aut horit ies” , cf. 1981, p. 67). Penso port ant o que
exist e um campo abert o à invest igação das event uais relações ent re a
empresa e produt ores locais de gêneros aliment ícios e out ros, bem como
o event ual forneciment o, a t erceiros, de gêneros de consumo import ados
pela Companhia.
A possibilidade da ocorrência de encadeament os, cont udo, é cert a-
ment e muit o maior no período seguint e. Na verdade, a própria presença
do Est ado, conf orme j á indicado, parece const it uir um encadeament o
produt ivo do t ipo ext erno, ist o é, aquele relacionado, na conceit uação
de Hirschman, à ação de “ t he commercial and indust rial cl asses, f oreign
invest ors, or t he st at e” (1981, p. 80). Ademais, o ret raiment o da Com-
panhia, associado à expansão dos produt ores independent es, cert a-
ment e implicou numa desconcent ração da renda provenient e das ex-
port ações – conf orme aliás é sugerido, j á em 1914, pelas palavras de
Brandão Júnior (cit . ). Desse modo, pode-se supor um espaço, mesmo
que modest o, para a ocorrência de l inkages de consumo, ist o é, “ a
indução a invest ir em indúst rias domést icas produt oras de bens de
consumo para os f at ores empregados no set or export ador” (WATKINS,
apud SUZIGAN, 2000, p. 71).
Além disso, como not a Hirschman, “ t he grower of t he st apl e may
himself become involved in t he more accessible nonindust rial f orwarding
operat ions, such as t ransport at ion, commerce, and f inance” (1981, p.
74). Tais operações, com efeit o, podem t er sido assumidas, pelo menos
em part e, pelos próprios produt ores por meio de suas cooperat ivas (com
o que se t eria, port ant o, um l inkage int erno, nos t ermos definidos por
Hirschman); mas cert ament e não se poderia descart ar a ocorrência de
t ais encadeament os do t ipo ext erno, ist o é, a possibilidade de que agen-
t es est ranhos às cooperat ivas, como os comerciant es locais ou regionais,
t enham at uado, com cert a import ância, no t ransport e da produção e no
financiament o dos produt ores.

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Por últ imo, e especialment e not ável, é o fat o de que o poder at ingido
pelas cooperat ivas parece haver chegado ao pont o de, cont rariando o
usual, levá-las a uma at ividade de elevada complexidade t ecnológica,
volt ada à exploração de uma “ possibilidade de processament o ult erior”
do próprio produt o básico. Hirschman, de fat o, escreve que “ if t he new
act ivit y is t echnol ogical l y al ien t o t he ongoing act ivit y, inside l inkage
wil l meet wit h special dif f icul t ies” (1981, p. 76). No caso, ent ret ant o,
sabe-se que a federação das cooperat ivas ervat eiras sul-mat o-grossenses
empreendeu, no início da década de 1960, a const rução e operação, na
cidade de Pont a Porã, de uma grande indúst ria volt ada à produção de
mat e solúvel, com o nome comercial Mat ex (cf. SALDANHA, 1986). O caso
dessa indúst ria precisa, evident ement e, ser melhor est udado. Aparen-
t ement e, no ent ant o, el a si mbol i za, ao mesmo t empo, t ant o as
possibilidades quant o as limit ações subj acent es à economia ervat eira
sul-mat o-grossense. Sabe-se de fat o que a Mat ex foi desat ivada, após
alguns anos de operação, devido à descapit alização do set or – durament e
golpeado, em 1965, com o fechament o do mercado argent ino à export ação
da erva cancheada (cf. SALDANHA, 1986).
Enfim, sem pret ender haver esgot ado o assunt o, nem muit o menos
haver dit o sobre ele a “ últ ima palavra” , concluo apenas acent uando a
idéia de que, caso se deixem de lado rígidos esquemas preconcebidos, o
est udo da hist ória econômica de Mat o Grosso/ Mat o Grosso do Sul só
t erá a ganhar.

Período Média anual (kg) Ano kg


1905-1909 395.526,00 1949 7.000.000,00
1910-1914 1.198.517,70 1950 7.000.000,00
1915-1919 3.527.994,40 1951 ---
1920-1924 4.552.520,40 1952 7.238.848,00
1925-1929 4.793.078,60 1953 ---
1930-1934 4.300.400,00 1954 ---
1935-1939 4.252.555,40 1955 6.348.000,00
1940-1944 3.542.004,25 1956 4.805.000,00

Tabela 1. Mat o Grosso – export ação de charque (1905-1944, 1949-1956)


Font e: QUEIROZ, 2004, p. 396-397.

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Ist o permit e a referência bibliográfica e a indicação da font e de
cit ação ao longo do t ext o, na seguint e forma: (BIONDI, 1982, p. 457) ou
(LACOSTE; SALONON, 1973, p. 86).
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