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ab Domingo, 15 DE JanEiro DE 2017 HHH ilustríssima 3

s o c i e da d e
Alex Wong-18.jan.2016/Getty/AFP

Membros do black lives


Matter em caminhada
no Dia de Martin luther
King, em Washington

2
a diversidade é branca
pos do racismo e das divisões entre
brancos e negros nos eUa. impos-
sível evitar o sorriso amarelo.
“Pode ser difícil de acreditar,
vindo de um homem negro, mas
eu nunca roubei.” assim começa a

Obama e o fracasso da integração racial


história de Me (seu nome completo
nunca é dito), que será o narrador
de seu próprio julgamento na mais
alta corte americana.
Tudo se passa na periferia de
Los angeles, onde o protagonista
ele está lançando seu terceiro li- obra é dedicada aos “jovens que você disse: ‘Vou indo’. e isso me vive de cultivar melancias e maco-
resumo A era Obama vro, “We Gon’ Be alright: Notes não abaixam suas cabeças”. toca porque, apesar de toda a di- nha. Quando a gentrificação faz
foi incapaz de mudar as on Race and Resegregation” (Pi- chang considera o movimento ferença entre nossos mundos, seu bairro desaparecer, ele sente
relações raciais nos Es- cador; ficaremos bem: aponta- #BlackLivesMatter, nascido em na sua idade meu sentimento foi ir com ele sua identidade. de uma
mentos sobre raça e ressegrega- uma mensagem de Facebook da exatamente o mesmo”, escreve forma quase surrealista, Me acaba
tados Unidos, que vivem ção). a obra trata da amplitude artista alicia Garza, uma dessas no- coates na primeira parte do livro. aceitando um desempregado ne-
o engodo da diversida- do racismo na sociedade ameri- vidades. ele sustenta que, na con- em“entreoMundoeeu”,coates gro como seu escravo e vira um
de, termo que camufla a cana sob o ponto de vista de um tramão da mobilização pela am- fala em “corpo negro” justamente defensor da separação dos estu-
violência do racismo. Em dos intelectuais mais ativos do pliação dos direitos civis dos anos para deixar todas as questões sub- dantes por raça. as acusações de
movimento multiculturalista ali. 1960, a articulação de agora tem jetivas do racismo fora do livro. a escravizar uma pessoa e de defen-
tempos de movimentos os sete ensaios funcionam co- caráter ecumênico, inclui quem questão é objetiva: racismo mata der a volta da segregação nas esco-
como o Black Lives Mat- mo peças argumentativas inde- ficou à margem décadas atrás. —como escreve Jeff chang na in- las, num período em que o termo
ter, autores escrevem, em pendentes e misturam reporta- os assassinatos de Trayvon trodução de “We Gon’ Be alright”. diversidade é brandido pelo senso
gem, análise e opinião. ao final, Martin, Michael Brown, eric Gar- “Nosso léxico inteiro —rela- comum, o levarão ao banco dos
diferentes registros, sobre fica claro que, no que se refere a ner e Tamir Rice deram origem ao ções interraciais, discriminação, réus da suprema corte americana.
a farsa da América que in- relações raciais, quase nada mu- movimento mas também a outras justiça racial, privilégio branco e Beatty usa muitas vezes e sem
tegra brancos e negros. dou na era obama. Por esse ra- demonstrações públicas de indig- mesmo supremacia branca— ser- pedir desculpas o insulto “nig-
ciocínio, o triunfo de Trump se- nação. obama disse em 2013 que ve apenas para obscurecer a expe- ger” —e é questionado por isso.
ria mera continuação lógica dos Trayvon poderia ser seu filho —e riência visceral do racismo, o fato em uma entrevista à revista “Rol-
mandatos do primeiro presidente de que ele pode destruir cérebros, ling stone”, diz que “muitas vezes
negro da américa. impedir de respirar, rasgar mús- o que é mais inapropriado é o mais
chang destrincha as mortes de culos, extirpar órgãos, quebrar necessário”. Beatty conta que sua
negros pela polícia, a posterior or- ossos e arrancar dentes.”
primeira experiência direta com o
ganização de protestos pelo país, o “Nosso léxico o conteúdo que coates ofere-
racismo se deu quando, no segun-
nascimento do movimento #Black- ce ao filho não é nem um pouco
LivesMatter (vidas negras impor-
inteiro serve apenas otimista. ele desfia todos os seus do ano primário, foi chamado de
tam), o declínio e a subversão do para obscurecer a medos e as ameaças que vê pairar “nigger”. Na hora de escrever “The
conceito de diversidade, a resse- sobre a vida de um adolescente sellout”, avaliou que não poderia
gregação das escolas públicas e a
experiência visceral negro americano nos dias de ho- deixar esse termo para trás.
Izabela MoI gentrificação —tudo tendo como do racismo, o fato de je. Na segunda parte do livro, re- É assim que se lê o romance:
como uma conversa aberta sobre
pano de fundo o que ele chama de que ele pode destruir lembra a história de seu colega de
racismo escrita com o sarcasmo
“guerrasculturais”queengendram universidade, Prince Jones, morto
“Não lameNte, organize. Não se o racismo. além disso, assina um cérebros, impedir de pela polícia em 2000. amargo de quem vive seu peso
desespere, crie.” essa foi a men- texto autobiográfico para explicar respirar, quebrar ossos” Para coates, a única razão de todos os dias.
sagem escrita pelo jornalista Jeff por que, num país onde todos são ser da conversa publicada em li- a cena final da história descre-
chang na noite da contagem dos e estão separados em rótulos iden- vro é ajudar seu filho a achar uma ve, sem muitos detalhes, o que
votos que iria confirmar a eleição titários, apesar do mito da integra- maneira “de viver livre em um cor- acontece no tal bairro gentrifica-
de donald Trump como futuro pre- ção racial, ele se sente obrigado a po negro”. ele não espera que as do um dia depois da posse de um
sidente americano. falar de si como “asian-american” depois teve de mudar o tom, qua- coisas mudem tão cedo; a realida- homem negro (uma clara referên-
Publicada no Twitter e rapida- (americano de origem asiática). se como um pedido de desculpas de não consegue desfazer a ilusão cia a Barack obama). Um diálo-
mente retransmitida por segui- “extremistas da guerra cultu- à reação da opinião branca. que muitos ainda nutrem sobre a go entre um personagem e Me,
dores, faz um aceno a fase pare- ral regam as ervas daninhas da existência de uma integração en- o narrador, gira em torno do fato
cida na história dos eUa: “não la- insegurança para que as do ódio corpo negro Mais contun- tre brancos e negros na américa. de a américa ter finalmente qui-
mente, organize!” eram as pala- cresçam. e fazem isso agarrando- dente, no entanto, foi a resposta tado sua dívida com a população
vras de ordem da campanha de um se ao temor dos brancos sobre o de Ta-Nehisi coates, repórter e co- sarcasmo o escritor Paul Beat- negra. Me pergunta então: “e os
sindicato de trabalhadores na era futuro, combinando a inseguran- lunista da revista “The atlantic”. ty, radicado em Nova York, é outro índios? e os chineses, os japone-
Reagan (1981-89), outro republica- ça econômica e o eclipse demo- em 2015, o jornalista lançou “en- desiludido, mas escolheu a ficção ses, os mexicanos?”.
no que recebia as chaves da casa gráfico [termo decalcado de pro- tre o Mundo e eu” (objetiva), car- para falar de um país sempre de- cada um com seu formato, en-
Branca de um democrata e figura jeções segundo as quais, em 2042, ta a seu filho adolescente samory sunido. com seu sexto livro, “The saio ou ficção, os três autores com-
tão midiática quanto o magnata os eUa serão majoritariamente Touré sobre a fragilidade do corpo sellout” (ed. Farrar, straus and partilham uma visão: não sobrou,
nova-iorquino. não-brancos]”. negro nos estados Unidos. Giroux; o vendido, em tradução para o início da era Trump, nenhu-
“Precisamos contar com a força Para o jornalista, que não acre- “Não sei o que significa crescer livre), foi o primeiro americano a ma ilusão sobre grandes mudan-
criadora dos artistas para conti- dita no uso do termo diversidade com um presidente negro, redes ganhar o prêmio internacional de ças na sociedade no que se refere
nuar a acreditar que a mudança (segundo sua leitura, apenas uma sociais, uma mídia onipresente e língua inglesa Man Booker. cha- a racismo e integração de brancos
é possível”, diz por e-mail chang, ferramenta para nos desviar do mulheres negras por toda parte mado por alguns críticos de “um e negros nos eUa.
também diretor do instituto para verdadeiro debate sobre racismo), com seu cabelo natural. o que sei romance de humor”, o tomo é es-
a diversidade nas artes, da Uni- só a juventude poderá apresentar é que quando eles soltaram o ho- crito com um sarcasmo ácido e en- » LEIA MAIS sobre o legado de Obama no
versidade stanford, na califórnia. novas propostas. É por isso que a mem que matou Michael Brown, fileira sem eufemismos estereóti- caderno especial publicado neste domingo

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