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“Qual é o verdadeiro jogo?

É um jogo no qual o coração se diverte

Um jogo em que tu te divertes

Um jogo em que vais ganhar”

Maharaji

O jogo interior do ténis


Existe um processo muito mais natural e efetivo para aprender e para fazer quase qualquer
coisa. Este processo é muito parecido ao que temos usado (e temos esquecido muito
rapidamente) para aprender a falar e a andar. É o processo que usa as capacidades intuitivas
da mente e dos dois hemisférios cerebrais. Não é um processo que tenhamos que aprender
porque já o conhecemos. O que temos que fazer é desaprender os hábitos que interferem no
seu funcionamento e deixar que trabalhe por si.

A queixa mais comum dos jogadores não é não saber como fazer mas sim não conseguir fazer
o que sabe. Outras queixas comuns que surgem com frequência são:

- Jogo melhor durante os treinos do que nos jogos.

- Sei o que estou a fazer mal, mas não consigo alterar esse hábito.

- Quando chego a um ponto decisivo contra um bom jogador fico tão nervoso que

perco a concentração.

- Sou o meu pior inimigo, normalmente sou eu que me derroto a mim mesmo.

Quando um jogador está totalmente concentrado, em que pensa? Como deve executar a
pancada? Como deve correr para chegar à bola? Estará a pensar nalguma coisa?

As frases que se usam para descrever um jogador que está a render o máximo são:

- Está em transe.

- Está inconsciente.

- Está fora da sua mente.

Os atletas, na maioria dos desportos, usam frases semelhantes e sabem que o seu melhor
desempenho nunca acontece quando estão a pensar nele.

Obviamente, jogar inconscientemente não significa que se está sem consciência. Isso seria
muito difícil. Na verdade, alguém que joga desde fora da sua mente, está mais consciente da
bola, do campo e quando é necessário do seu adversário. O que não está é consciente de dar
instruções a si mesmo, nem de como bater na bola. Nem de tentar corrigir erros passados ou
de repetir os certos.
Está plenamente concentrado mas sem pensar e sem se tentar esforçar demasiado. Um
jogador neste estado sabe onde quer colocar a bola mas não se esforça para a pôr lá e isso vai
acontecer simplesmente e com mais precisão do que o esperado. Este jogador sente-se imerso
num fluxo de energia que lhe proporciona mais poder e precisão e isto vai continuar até o
jogador tomar consciência dele e tentar mantê-lo. Mal tenta exercer o controlo, perde-o.

É fácil pôr à prova esta teoria. Quando jogar contra um adversário que está neste estado de
concentração, pergunte-lhe: ” Diz-me. O que fizeste para melhorar a tua direita que melhorou
tanto?” Se ele morder o anzol – e 95% dos jogadores mordem- vai começar a explicar que está
a bater com mais antecipação, com o pulso mais firme, a acompanhar mais a bola etc. A partir
desse instante vai perder a sincronização e a fluidez dos seus movimentos porque vai ficar a
pensar e a tentar fazer o que acabou de descrever ao adversário.

Então podemos aprender a chegar intencionalmente a este nível de concentração? Pôr a


mente em unidade com o corpo com as funções a serem executadas sem a interferência dos
pensamentos? Numa mente totalmente concentrada não há espaço para pensar no
desempenho do corpo e nada interfere com o seu potencial para atuar, aprender e disfrutar.

Descobrir os dois “eus”


Ao observarmos o que se passa quando assistimos a um jogo de ténis, verificamos que grande
parte, se não todos os jogadores, falam com eles mesmos: “vamos lá, vai ter com a bola”;
“olha para a bola”; “dobra mais as pernas”; etc. As ordens são infinitas. Mal uma jogada acaba,
logo outro pensamento surge dentro da cabeça: “que mal jogas. A tua avó joga melhor”; “ és
tão nabo, não tens jeito nenhum para isto”. Interessa, pois, perceber o que se passa na mente
dos jogadores. Quem está a criticar e a quem. “Estava a falar comigo mesmo” – diriam a maior
parte. Mas afinal quem é esse “eu” e quem é esse “eu mesmo”? Obviamente o “eu” e o “eu
mesmo” são entidades distintas ou não podia haver diálogo. Então podemos dizer que em
cada jogador existem dois “eus”. O “eu” que dá as ordens e o “eu” que as executa. Para
simplificar vamos dividir essas entidades em jogador 1 e jogador 2. Agora vamos imaginar que
são duas pessoas distintas. Imagina que estás a jogar e que a teu lado está alguém sempre a
criticar o que fazes quando tentas melhorar alguma pancada: “mantém o pulso firme”;
“mantém o pulso firme”; “mantém o pulso firme”; bastante monótono, não? Dá a ideia que
quem está a criticar o que fazes pensa que és surdo, ou desmemoriado ou estúpido e que não
consegues fazer nada direito. E ao bater a bola? Os músculos estão tensos, os lábios apertados
com a intensão de dar mais concentração. Mas os músculos tensos não são bons para executar
uma boa pancada nem ajudam na concentração. Então quem é responsável por esta
crispação? Sem dúvida o que está a criticar. E porquê? Porque o que critica não confia na tua
capacidade para executar a pancada pois se confiasse não teria de dizer nada. Mas voltemos à
pancada. Como os músculos estão demasiado tensos ao bater a bola, o pulso quebra um
pouco e a bola vai à rede. “És um inútil. Nunca vais aprender a bater na bola como deve ser”.
Quem criou tensão e, portanto, má coordenação muscular foi quem estava a criticar e em
grande parte a pancada é falhada porque te estás a esforçar demasiado e a pensar demais em
não falhar mas, na realidade, toda a culpa vai cair em cima de ti. O resultado é que a confiança
se perde e cresce a frustração.
Então o que verificámos é que a relação entre o nº 1 que critica e o nº 2 que executa vai ter
que melhorar e que é fundamental ter mais confiança e dar mais espaço ao que executa.

Jogos em que participamos num campo de ténis


É fácil observar que independentemente de estar a jogar num clube ou num campo particular
os jogadores experimentam todo o tipo de emoções desde uma leve frustração até à total
exasperação. Vemo-los a pisar o chão com força, a agitar os pulsos, a executar danças de
guerra e todo o tipo de rituais; a rezar e a amaldiçoar; a lançar a raquete para o outro lado do
campo em sinal de raiva, a lançar a raquete ao ar em sinal de alegria e a lançar a raquete
contra o chão em sinal de deceção; bolas que entraram vão ser cantadas fora e bolas que
saíram vão ser dadas como dentro; os árbitros são ameaçados, os apanha bolas são
repreendidos e a integridade dos amigos é questionada; no rosto dos jogadores vemos, em
rápida sucessão, vergonha, orgulho, êxtase e desespero; passam da autocomplacência à
ansiedade e da arrogância à total deceção; a raiva e a agressividade são expressadas
abertamente ou de forma dissimulada.

Para quem assiste a uma partida de ténis pela 1ª vez é difícil acreditar que possa existir tanto
drama dentro de um campo de ténis. Há uma infinidade de atitudes não só relacionadas com a
gama completa de reações emocionais mas também com uma grande variedade de
motivações entre os jogadores.

Uma breve explicação sobre o sentido da palavra jogo. Cada jogo é composto por pelo menos
um jogador, um objetivo, algum tipo de obstáculo entre o jogador e o seu objetivo, um espaço
(físico ou mental) onde o jogo de vai desenrolar e de uma motivação para jogar. A seguir
analisamos 3 tipos de jogos que se fazem num campo de ténis. Vamos chamá-los de:
excelência, relacionamentos e saúde e diversão. Dentro de cada uma destas categorias à
subjogos, com as suas respetivas motivações e objetivos e dentro de cada subjogo há diversas
variações. A maior parte dos jogadores combina dois ou três jogos de forma simultânea.

Jogo principal 1: Excelência


Objetivo geral: alcançar a excelência

Motivação geral: provar a nós mesmos que somos “bons”

Subjogo A: Perfeição

Tese: Quanto “bom” posso chegar a ser? Neste subjogo “bom” é medido com um certo critério
para o desempenho. No golfe mede-se o desempenho em relação com o par do campo. No
ténis, em relação com as próprias expetativas ou com as dos pais, do treinador ou amigos.

Objetivo: A perfeição, alcançar o nível mais alto possível.

Motivação: O desejo de demonstrar o próprio valor.

Obstáculos

Externos: O fosso que existe entre a tua própria ideia de perfeição e as tuas aparentes

capacidades.
Internos: As autocríticas por não se estar tão perto da perfeição como gostaríamos e
que nos levam ao desalento, à intenção compulsiva para nos esforçarmos
demasiado e às dúvidas com respeito a nós próprios. Estas dúvidas são as
mesmas que nos fizeram pensar inicialmente que tinhas algo a demonstrar.

Subjogo B: Competição

Tese: Sou melhor que tu: Aqui “bom” é medido em relação com o desempenho dos outros
jogadores em vez de ser em relação a um critério pré-estabelecido. Lema: o que conta não é se
jogo bem ou mal mas sim se ganho ou se perco.

Objetivo: Ser o melhor, ganhar; derrotar todos os adversários que se apresentem pela frente.

Motivação: Desejo de ser o nº1. Este desejo vem de uma necessidade de admiração e de
controlo.

Obstáculos

Externos: Existe sempre alguém que nos pode derrotar; a capacidade crescente dos
mais novos.
Internos: A preocupação mental de estar sempre a comparar-se com os outros, o que
impede de ter uma ação espontânea; pensamentos de superioridade que se
alternam com pensamentos de inferioridade, dependendo dos adversários;
medo de perder.

Subjogo C: Imagem

Tese: Olha para mim: “Bom” é medido em relação com a aparência. Ganhar ou perder não são
tão importantes como ter estilo.

Objetivo: Sentir-se bem, espetacular, forte, resplandecente, gracioso, refinado.

Motivação: Desejo de atenção e de admiração.

Obstáculos

Externos: Nunca nos vemos suficientemente “bem”. O que impressiona uma pessoa é
diferente do que impressiona outra.
Internos: Confusão acerca de quem sou na realidade; Medo de não agradar a toda a
gente; medo de uma imaginada solidão.

Jogo principal 2: Relacionamentos

Objetivo geral: Fazer ou manter amizades.

Motivação geral: Desejo de ter amigos.

Subjogo A: Posição social

Tese: Jogamos no nosso clube. O mais importante não é se jogas bem mas sim onde jogas e
com quem jogas.
Objetivo: Manter ou melhorar a posição social.

Motivação: Desejo de ter amigos entre gente importante.

Obstáculos:

Externos: O esforço para manter o mesmo nível de vida das pessoas que te rodeiam.

Internos: Medo de perder a posição social.

Subjogo B: Sentimento de grupo

Tese: Todos os meus amigos jogam ténis e eu jogo para estar com eles. Jogar mais do que eles
seria um erro.

Objetivo: Fazer amizades e manter as que já tenho.

Motivação: Desejo de ser aceite e de fazer amigos.

Obstáculos:

Externos: Encontrar o lugar certo, o tempo e os amigos.

Internos: Medo de ser posto de lado.

Subjogo C: Marido e Esposa

Tese: O meu marido (minha esposa) está sempre a jogar ténis, por isso…

Objetivo: estar com a tua parceira.

Motivação: solidão.

Obstáculos:

Externos: ser bom o bastante para que a tua parceira queira jogar contigo.

Internos: dúvidas que a solidão possa ser superada num campo de ténis.

Jogo principal 3: Saúde e diversão


Objetivo geral: saúde física e mental, prazer.

Motivação geral: prazer ou diversão

Subjogo A: Saúde

Tese: Jogar ténis seguindo uma recomendação do médico ou como parte de um programa
próprio para melhorar física ou esteticamente.

Objetivo: Fazer exercício, queimar calorias, relaxar a mente.


Motivação: saúde, vitalidade, desejo de manter a juventude.

Obstáculos:

Externos: encontrar alguém com quem jogar que tenha as mesmas motivações.

Internos: dúvida com respeito a que o ténis esteja realmente a ajudar. A tentação de
cair no jogo da excelência ou da perfeição.

Subjogo B: diversão

Tese: jogar não para ganhar o converter-se num bom jogador mas unicamente para se divertir.
(este jogo raramente se pratica na sua forma mais pura).

Objetivo: divertir o mais possível.

Motivação: disfrutar.

Obstáculos:

Externos: nenhum

Internos: ficar atraído pelos jogos do “eu” nº1.

Subjogo C: aprender

Tese: seguir o impulso do “eu” nº2 por aprender e crescer.

Objetivo: evoluir.

Motivação: o prazer de aprender

Obstáculos:

Externos: nenhum.

Internos: tendência a cair nos jogos do “eu” nº 1.

O Que é competir?

Na nossa sociedade existe muita controvérsia acerca da competição. Um grupo de pessoas dá


muito valor pois considera que a competição é a responsável pelo progresso e pela
prosperidade. Outro grupo afirma que a competição é má pois divide as pessoas e leva-as ao
antagonismo e a uma falta de cooperação que faz com que haja ineficácia. As pessoas que
valorizam a competição costumam gostar de desportos tais como futebol, basquete, vólei,
ténis e golfe. As que vêm a competição como uma forma de hostilidade legalizada costumam
preferir atividades recreativas como surf ou o jogging. No entanto, por norma, as que jogam
ténis ou golfe insistem que o fazem de forma não competitiva. O seu lema é que a cooperação
é melhor que a competição.
Como já antes vimos à muitas alterações nas pessoas durante situações de competição. Para
muitos a competição não é mais do que uma forma de canalizar a agressividade; um cenário
em que se estabelece quem é o mais forte, o mais resistente e o mais rápido. Cada um pensa
que ao derrotar o outro mostrou a sua superioridade sobre ele, não só no jogo em questão
mas também enquanto pessoa. O que não se costuma reconhecer é que a necessidade de
demonstrar o nosso próprio valor está baseada na insegurança e na falta de confiança em nós
mesmos. Só precisamos de demonstrar o nosso calor a nós mesmos ou aos outros na medida
em que nos sentimos inseguros acerca de quem somos.
Quando a competição é usada como uma forma para criar uma imagem de nós mesmos em
relação aos outros é quando costuma sobressair o pior da natureza humana, quando
aumentam os típicos medos e frustrações. Se, secretamente, tenho medo que ao jogar mal ou
ao ser derrotado, significa ser inferior enquanto ser humano, então é óbvio que vou ficar
muito zangado comigo mesmo sempre que falhar uma pancada e que esta mesma tensão me
vai impedir de jogar ao mais alto nível. Não haveria nenhum problema com a competição se
não estivesse em jogo a minha imagem.

Dei aulas a muitas crianças e adolescentes que já estavam agarrados à crença de que o seu
próprio valor dependia do seu bom desempenho no ténis e nas outras atividades. Para eles
jogar bem e ganhar eram questões de vida ou de morte. Estavam constantemente a comparar-
se aos com os seus amigos e usavam o seu desempenho no ténis como uma forma de medir o
seu valor. É como se acreditassem que só sendo os melhores, só ganhando iam conseguir o
amor e o respeito que necessitavam. Muitos pais fomentam essa crença nos seus filhos. No
entanto, ao aprender a medir o nosso valor segundo os nossos fracassos ou as nossas
habilidades, ignora-se o verdadeiro e incomensurável valor de cada indivíduo. As crianças que
são ensinadas segundo esta forma de avaliação costumam tornar-se adultos possuídos por
uma vontade de triunfar que eclipsa todo o resto. A tragédia desta crença não está no facto de
não encontrarem o êxito que procuram mas sim no facto de que não vão encontrar o amor
nem o respeito que supostamente devia vir com o êxito.

Enquanto alguns parecem estar agarrados à vontade compulsiva de alcançar o êxito, outro
adotam uma posição de rebeldia. Ao assinalar as evidentes limitações e a crueldade de uma
cultura que só tende a valorizar o que ganha e ignora as qualidades positivas dos que perdem,
estes rebeldes criticam com veemência esta compulsão competitiva e com mais vontade os
que sofreram na pele as pressões impostas pelos pais ou pela sociedade. Procuram o fracasso
ao não fazer nenhum esforço para ganhar e costumam argumentar que embora não tenham
ganho não conta pois não tentaram ganhar. O que não costumam admitir é que se na
realidade tivessem tentado ganhar e tivessem perdido então sim, contaria, e que essa derrota
seria uma medida do seu valor. Evidentemente, esta forma de estar é a mesma do competidor
que está a tentar demonstrar o seu próprio valor. Ambas têm a ver com o ego tentando
promover-se a ele mesmo.
A forma como encaro a competição foi evoluindo à medida que percebi o papel da competição
no meu ego. Tornei-me um jogador menos competitivo e dediquei-me a jogar com elegância e
excelência, ou seja, a procurar a perfeição. A minha teoria consistia em não me preocupar com
o resultado mas sim em alcançar a perfeição como um fim em si mesmo. Era muito estético:
flutuava pelo campo jogando com fluidez, precisão e “sabedoria”. No entanto faltava alguma
coisa. Como não sentia vontade de ganhar muitas vezes não tinha a determinação necessária.
Pensava que o desejo de ganhar era o responsável por o ego entrar em cena, mas, a dado
momento, comecei a perguntar-me se não podia haver uma motivação na qual o desejo de
ganhar estivesse livre do ego. Haveria uma determinação de ganhar que não estivesse baseada
no ego e portanto livre das frustrações e medos que sempre o acompanham? A vontade de
ganhar tem sempre de dizer: “vês? Sou melhor do que tu”?

Um dia tive uma experiência interessante que me convenceu de que o ténis não se reduzia só
a jogar com estilo e elegância. Durante várias semanas tinha tentado sair com uma amiga mas
ela dizia-me sempre que não embora sempre com uma boa desculpa até que por fim lá
marcamos uma data. Nesse dia um amigo convidou-me para jogar uma partida e estava a
explicar-lhe porque não podia quando toca o telefone. Era a minha amiga a desmarcar mais
uma vez o encontro. A desculpa parecia boa e foi dita com tanta simpatia que não me pude
aborrecer com ela mas ao desligar o telefone percebi que estava furioso. Fui para o campo,
peguei na raquete e comecei a bater na bola com mais força do que nunca. Curiosamente a
maioria delas entraram. Continuei a bater assim e a atacar todas as bolas até ao fim. Tentava
pancadas ganhadoras mesmo nos pontos mais importantes e acertava. De alguma forma a
raiva fez-me ultrapassar os limites preconcebidos e ir mais além do que a minha prudência do
costume. Depois do jogo o meu amigo veio cumprimentar-me sem se mostrar nada abatido.
Nesse dia tinha tropeçado com um furacão contra o qual não havia nada a fazer mas tinha-se
divertido a tentar. De facto eu tinha jogado tão bem que o meu amigo parecia ter ficado
contente de estar presente para assistir à forma como joguei ou como se tivesse tido uma
parte do mérito de eu ter alcançado esse nível de jogo – e a verdade é que assim era. Claro
que não foi a raiva a chave para a vitória mas sim o facto de ter jogado com sinceridade. Estava
furioso essa tarde e em lugar de fingir que não estava expressei a minha fúria através do ténis,
como deve ser. Fez-me sentir bem e resultou.

O significado de ganhar

O enigma sobre o sentido da competição só ficou mais esclarecido quando comecei a descobrir
algumas coisas sobre a natureza da vontade de ganhar. A descoberta mais importante
aconteceu durante uma conversa com um amigo que sempre se considerou a si mesmo como
um ávido competidor, tanto no desporto como nos negócios. Já tínhamos discutido muitas
vezes acerca da competição e como sempre eu dizia que não era sã e que acabava por trazer
ao de cima o pior de cada um. Comecei dando o exemplo do surf como um tipo de recreação
que não implicava competição. Ao refletir sobre este comentário o meu amigo perguntou:
“por acaso os surfistas não competem contra as ondas? Não procuram a força da onda e não
exploram as suas debilidades?” “É verdade, mas não estão a competir contra nenhuma pessoa;
não estão a tentar derrotar ninguém”- contestei. “Não, mas estão a tentar chegar até à praia,
não é verdade?” “Sim, mas a verdadeira meta do surfista está em fluir com a onda e alcançar
uma unidade com ela.” Foi então quando vi claro. O meu amigo tinha razão. O surfista quer
que a onda o leve até à praia, mas fica à espera no mar até que apareça a onda maior que ele
crê poder manusear. Se só quisesse fluir com a onda poderia fazê-lo com uma de tamanho
médio. Então porque fica à espera que apareça uma onda grande? A resposta era sensível e
permitiu clarear a confusão que rodeia a verdadeira natureza da competição. O surfista
espera uma onda grande porque dá valor ao desafio que esta lhe trás. Dá valor aos obstáculos
que a onda coloca entre ele e a sua meta que é cavalgar a onda até à praia. E porquê? Porque
são esses mesmos obstáculos, o tamanho e o poder da onda que obrigam o surfista a realizar o
seu maior esforço. Só diante de ondas de grande tamanho o surfista vai precisar de usar toda a
sua habilidade, toda a sua coragem e concentração de forma a poder superá-la. Só então
consegue chegar ao verdadeiro limite das suas capacidades.
Por outras palavras, quanto maior são os obstáculos que se enfrentam, maiores são as
possibilidades para descobrir e ampliar o nosso verdadeiro potencial. Esse potencial pode ter
estado sempre disponível mas até que se manifeste através da ação continuará sendo um
segredo escondido. Os obstáculos são um ingrediente necessário no processo de
autodescobrimento. É importante assinalar que o surfista em questão não está a tentar
demonstrar o seu valor, não está a tentar mostrar ao mundo o estupendo que é. Está
simplesmente a explorar as suas capacidades latentes. Está a experimentar íntima e
diretamente os seus próprios recursos e por conseguinte a aumentar o seu conhecimento de si
mesmo.

Devido a este exemplo pude perceber com mais clareza o significado básico de ganhar: ganhar
é superar obstáculos para alcançar um objetivo, mas o valor da vitória não é maior do que o
valor do objetivo alcançado. Alcançar um objetivo pode não ser tão valioso como a
experiência que se ganha ao fazer um esforço supremo para superar os obstáculos que se
apresentam. O processo pode ser mais gratificante do que a vitória em si.

Uma vez que se reconhece o valor de ter obstáculos difíceis para superar é fácil perceber quais
são os verdadeiros benefícios que se podem obter ao participar em desportos competitivos.
No ténis quem é o encarregado de te proporcionar os obstáculos que precisas para chegar ao
limite do teu potencial? O teu adversário. Então o teu adversário é teu amigo ou teu inimigo? É
um amigo na medida em que faz o possível por te criar dificuldades. Só quando interpreta o
papel de inimigo pode o teu adversário converter-se num verdadeiro amigo para ti. Só ao
competir contigo está de facto a cooperar. Assim cheguei à conclusão, surpreendente, que a
verdadeira competição é idêntica à verdadeira cooperação. Cada jogador tenta com todas as
suas forças derrotar o outro, mas nesta classe de competição não é a outra pessoa que
estamos a derrotar mas sim a superar os obstáculos que ela nos apresenta. Na verdadeira
competição ninguém é derrotado. Ambos os jogadores beneficiam dos esforços realizados
para superar os obstáculos que criaram um ao outro.

Esta atitude pode mudar a forma como encaramos um jogo de ténis. Em 1º lugar em vez de
esperar que o teu adversário faça uma dupla falta queres é que ele meta o 1º serviço pois o
desejo que a bola entre vai ajudar-te a conseguir um melhor estado mental para poderes
devolvê-la. Tendes a raciocinar mais rápido e a mexer-te melhor e ao consegui-lo pões mais
dificuldade ao teu adversário. Aumenta a tua confiança no teu adversário e em ti mesmo e isso
favorece o teu sentido de antecipação. Assim, no fim do jogo, apertas a mão do teu adversário
independentemente de quem ganhou, agradeces a batalha que travaram e dizes isso com
sinceridade.

Costumava pensar que se jogava contra um adversário mais fraco que eu e com uma esquerda
má, era de alguma forma injusto e incorreto ataca-lo aí. À luz do que acabamos de ver nada
pode estar mais longe da verdade. Ao jogar para a sua esquerda estou a obriga-lo a melhorar.
Se és uma “boa pessoa” e jogas para a sua direita a esquerda vai continuar má. Neste caso a
verdadeira “boa pessoa” é a que joga para ganhar. Até compreender o significado da
competição nunca consegui sentir-me realmente feliz por derrotar alguém e mentalmente
ficava muito difícil jogar bem quando estava perto da vitória. Uma das causas desta tensão
está na falsa noção de competição. Se acredito que estou a ficar mais merecedor de respeito
ao derrotar alguém, então também devo acreditar, consciente ou inconscientemente, que ao
derrotar alguém a estou a tornar menos merecedora de respeito. Não posso subir sem
empurrar alguém para baixo. Acreditar nisto faz-nos sentir culpados sem necessidade. Não
tens que te tornar um matador que esmaga os outros para ser um ganhador, só tens que
compreender que não se trata de esmagar ninguém. Hoje jogo cada ponto para ganhar. È
simples e está bem. Não me preocupo por ganhar ou perder e jogo somente para dar o meu
melhor em cada ponto e nisto reside o verdadeiro valor. Esforçar-me ao máximo significa
concentração, determinação e confiança no meu próprio corpo para deixar que as coisas
sucedam por si mesmas. Quer dizer fazer o máximo esforço físico e mental. A competição e a
cooperação formam de novo uma unidade.

O texto que lemos é o resumo de um livro que me foi emprestado pela aluna e vossa colega
Maria Fátima Sousa. Decidi fazer este resumo em 1º lugar por expressar a minha própria visão
acerca do que é o ténis, o ensino e a competição e em 2º lugar porque penso que pode ajudar
a melhorar e a clarear a nossa forma de estar no ténis. Na impossibilidade de emprestar o livro
a todos fica aqui o registo das partes que me pareceram mais importantes.
O livro chama-se “El juego interior del Ténis” e foi escrito por W. Timothy Gallwey, americano
e um dos pioneiros na psicologia do desporto. Foi jogador profissional e professor de ténis.

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